CONTRATO PROMESSA
CONTRATO PROMETIDO
PERDA DE INTERESSE
IN/CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
RESOLUÇÃO
DIREITO DE RETENÇÃO
Sumário

Ao contrato promessa aplica-se o regime específico consagrado no art.º 442º do CC, bem como o regime geral do cumprimento e o do incumprimento das obrigações.
O contrato-promessa tem como objeto imediato, constituindo a obrigação principal ou típica, a realização do contrato prometido, ou seja, os outorgantes vinculam-se a prestações de facto de celebrar no futuro, em determinado prazo, o contrato prometido, in casu, o contrato de compra e venda do prédio nele identificado.
A perda de interesse na celebração do contrato prometido (compra e venda) deveu-se à falta de condições de habitabilidade do imóvel objeto do contrato promessa.
Estando em causa obrigações que não se integram no sinalagma específico do contrato-promessa, mas que autonomamente constituam fundamento de ação de cumprimento, de incumprimento ou cumprimento defeituoso, aplica-se o regime próprio do contrato prometido (art.º 410º, nº 1 do C.C.) ou o regime geral – mas é-lhe inaplicável o regime do cumprimento ou incumprimento do contrato-promessa, maxime o art.º 442º do CC.
O cumprimento defeituoso da prestação - a não eliminação dos defeitos/anomalias detetados e apontados pela A., três anos depois da celebração do contrato promessa -, à luz do homem médio que celebra um contrato-promessa com vista à aquisição de um imóvel para sua habitação, defeitos que afetam a sua finalidade (habitação), constitui motivo razoável e aceitável para a invocada perda de interesse na celebração do contrato prometido.
Ao optar pela não subsistência do contrato a tutela do direito indemnizatório da promitente compradora resume-se ao interesse contratual negativo, in casu, a ser ressarcida pelas quantias que despendeu em virtude da celebração do contrato-promessa e entregues a título de sinal.
Não provindo este crédito do regime do art.º 442º do CC, não lhe assiste o direito de retenção.

Texto Integral

Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

MJ intentou ação declarativa de condenação contra LS, formulando os seguintes pedidos:
a) A resolução do Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado a 20/04/2018.
b) A condenação do réu a pagar à autora o dobro do valor que recebeu a título de sinal, ou seja, a quantia de € 118.000,00, acrescido dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos, desde o dia 25/05/2018 e até integral e efetivo pagamento.
c) A condenação do réu a entregar à autora os seus pertences que se encontram no interior da casa objeto do Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado a 20/04/2018.
d) O reconhecimento à autora do direito de retenção sobre a casa objeto do Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado a 20/04/2018 e de o conservar na sua posse para garantia do crédito que alega, em virtude do incumprimento definitivo pelo réu do mesmo contrato promessa, nos termos do disposto no artigo 755.º, n.º 1, alínea f), do Código Civil.
O R. apresentou contestação, pugnando pela improcedência da ação. Mais deduziu reconvenção, terminando com os seguintes pedidos:
a) a condenação da reconvinda no pagamento ao reconvindo do valor das faturas dos serviços de água e de eletricidade da casa objeto do Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado a 20/04/2018, vencidas no período compreendido entre o mês de Dezembro de 2018 e o mês de Março de 2021, no valor global de € 2.873,56, a especificar: i. € 696,33 relativo a fornecimento de água; ii. a quantia de € 2.177,23 respeitante a fornecimento da eletricidade.
b) Caso se entenda que existe fundamento à reconvinda quanto ao aludido Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado a 20/04/2018 e ao seu desfecho, deve a mesma ser condenada a pagar ao reconvinte a quantia de € 26.000, a título de enriquecimento sem causa nos termos do disposto nos artigos 473.º e seguintes do Código Civil; restituindo ao património com que injustamente se locupletou em virtude de um efeito, a Compra e Venda da casa, que por facto que é imputado à reconvinda não se verificou.
A A. apresentou réplica, pugnando pela improcedência da reconvenção. Mais requereu a condenação do R./reconvinte como litigante de má fé.
O R. pronunciou-se sobre o pedido de litigância de má fé.
Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, delimitado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
 Após realização da audiência de julgamento foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
“Na decorrência de tudo o acima exposto:
a) Declaro resolvido o Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado a 20-4- 2018 pelo réu e a autora.
b) Condeno o réu a pagar à autora o dobro do valor que recebeu a título de sinal no âmbito do aludido Contrato Promessa de Compra e Venda, ou seja, a quantia de € 118.000,00 (Cento e dezoito mil euros), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos, desde o dia 25-5-2018 e até integral e efectivo pagamento.
c) Condeno o réu a entregar à autora todos os seus pertences que se encontram no interior da casa objecto do Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado a 20-4-2018, cuja descrição consta da “Lista de Bens” acima indicada na parte final do ponto K. dos factos dados como provados, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.
d) Reconheço à autora o direito de retenção sobre a casa objecto do Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado a 20-4-2018 (prédio urbano descrito na CRP de …), para garantia do crédito acima expresso em b) (artigo 755.º, n.º 1, alínea f), do Código Civil).
e) Absolvo na íntegra a reconvinda MJ dos dois pedidos reconvencionais formulados pelo reconvinte LS.
f) Não condeno o réu/reconvinte LS como litigante de má-fé.
g) Custos pelo réu/reconvinte LS.”
O R. interpôs recurso da sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“1. O Réu/recorrente não se conforma com a sentença que o condenou, na qualidade de promitente vendedor, a pagar à autora, promitente compradora o correspondente ao dobro do sinal recebido no contrato promessa outorgado entre ambos, acrescido de juros e reconheceu àquela o direito de retenção do imóvel até integral pagamento;
2. A discordância da sentença condenatória advém, essencialmente, do facto de a mesma, nos factos provados, não identificar circunstâncias que justifiquem a decisão proferida, nomeadamente, que permitam justificar a conclusão da existência de um incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda, por parte do Réu, promitente vendedor;
3. Do elenco dos factos provados destaca-se que, ficou demonstrado que entre autora e Réu foi outorgado contrato promessa de compra e venda, pelo qual este prometeu vender àquela uma moradia, devendo apresentar os documentos necessários para a realização da escritura, que deveria ser agendada pela promitente compradora, ora Autora;
4. Tendo sido outorgado contrato, pago e reforçado o sinal e efectuada a tradição do imóvel, onde a Autora passou a residir;
5. Do contrato outorgado entre as partes (Autora e Réu) consta a existência de licença de utilização do imóvel, datada de 1971, sabendo as partes que as características físicas do imóvel, aquando da assinatura do contrato promessa, não correspondiam ao que constava daquela licença de utilização;
6. O Contrato Promessa de compra e venda constitui a única fonte de obrigações para o Réu, enquanto promitente vendedor, sendo as suas obrigações a de reunir a documentação necessária para a realização da escritura e a de realizar a respectiva escritura de compra e venda, que deveria ser agendada pela Autora;
7. Não resultando outra obrigação para o Réu;
8. O Autor, após a outorga do contrato promessa, iniciou processo de legalização das edificações construídas no imóvel, após a emissão da licença mencionada nos pontos anteriores destas conclusões, junto da Câmara Municipal de …;
9. Em 6 de Abril de 2021, a Autora enviou carta ao réu, a conferir 30 dias para entrega da documentação necessária para a outorga da escritura e em 19 de Abril escreveu ao Réu nova carta, a comunicar a perda do interesse na compra, pelo facto de a mesma não ter condições de a Autora habitar na moradia;
10. Face a esta factualidade, o Tribunal a quo considerou que se verificou, objectivamente, a perda de interesse do promitente compradora, na aquisição do imóvel, transformando-se a situação em incumprimento definitivo;
11. O Réu/recorrente não se conforma com esta conclusão do Tribunal a quo, por considerar que os requisitos do incumprimento definitivo do contrato não estão verificados;
12. Em primeiro lugar, porque o Tribunal a quo concluiu que estaria verificado o incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda por parte do réu, pela perda do interesse da Autora, sem aduzir elementos concretos que permitam justificar esta conclusão, nomeadamente sem referir a razão de o tempo decorrido configurar fundamento para a perda do interesse e sem confirmar que obrigação foi incumprida pelo Réu, não dizendo o que este deveria ter feito, em concreto, que não fez;
13. O Tribunal considera que a razão objectiva da perda de interesse por parte da Autora assenta no facto de a casa apresentar certas situações (infiltração de humidades, falta de ventilação, entre outras) sem concretizar de que forma o réu assumira a obrigação de liminar essas situações;
14. A verdade é que, in casu, se verificam certas situações que conduzem à discordância pelo Réu da sentença proferida, nomeadamente:
a) Não se ter verificado a não realização da prestação por parte do Réu, promitente vendedor;
b) Não se ter verificado um atraso culposo na não realização da prestação, porquanto a Autora, incumbida dessa obrigação, nunca ter convocado o Réu para a realização da escritura, pelo que, obviamente o réu nunca faltou a qualquer escritura que nunca foi agendada;
c) A Autora nunca ter procedido à interpelação admonitória do Réu, para realização da escritura, sento certo que a comunicação que efectuou, em 6 de Abril de 2021, não preenchia os elementos do art.º 808.º do Código Civil, não integrando elementos que permitam concluir por se verificarem os pressupostos da perda definitiva do interessa no negócio;
d) Mesmo que aquela comunicação configurasse uma interpelação dessa natureza, a verdade é que a Autora, na qualidade de promitente compradora, manifestou perda de interesse antes do prazo que conferiu ao réu para apresentar os documentos para a escritura;
e) A Autora manifestou perda do interesse na compra, pela não verificação de circunstâncias que não correspondem a qualquer obrigação assumida pelo Réu, na certeza que a perda do interesse não foi motivada pela mora do Réu;
15. Tudo quanto se disse no ponto anterior das conclusões, não configura o preenchimento do disposto no art.º 808.º do Código Civil, não podendo, por conseguinte, o Réu ser sancionado com as consequências previstas no art.º 442.º n.º 2 do CC;
16. A manifestação de perda de interesse, por parte da Autora, configura incumprimento do contrato promessa, devendo ser determinada a perda do sinal pago por si;
17. Caso assim não se entenda, o que se admite sem conceder, não poderia o Réu ser condenado a restituir à Autora o valor correspondente ao sinal do dobro acrescido dos juros, contados a partir da data em que recebeu o sinal, mas, quanto muito, dos juros contabilizados a partir da data do trânsito em julgado da sentença que o condenou a esse pagamento, porque antes da mesma este não tinha essa obrigação;
18. A sentença proferida deve ser revogada e substituída por outra que considere que não houve um incumprimento definitivo por parte do Réu, mas outrossim uma perda de interesse na aquisição por parte da Autora, que apenas a si pode ser imputada.
Normas violadas
A sentença proferida pelo Tribunal a quo, da qual ora se recorre, nos termos em que foi proferida e pelos fundamentos mencionados, configura uma violação do disposto nos art.º 798.º, 808.º e 442.º n.º 2 do Código Civil.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência, ser revogada a sentença proferida, nos seus pontos a), b), c) e d) e ser a mesma substituída por outra que determine e decida:
1. julgar improcedente, in totum o pedido formulado pela Autora e
2. Julgar o pedido reconvencional do réu parcialmente provado e procedente, condenando a Autora, reconvinda, por incumprimento do contrato promessa, determinando, consequentemente a perda do sinal pago a favor do réu, nos termos do disposto no art.º 442.º n.º 2 do Código Civil.
Caso assim não se entenda, mantendo-se a condenação do réu a pagar à Autora o dobro do valor pago a título de sinal, o que se admite, sem conceder, que seja revogado o ponto b) da decisão constante na douta sentença e que o Réu seja condenado ao pagamento dos juros apenas a partir da data do trânsito em julgado da sentença que julgou o pedido da Autora procedente.”
A A. apresentou contra-alegações, e requereu a ampliação do recurso, terminando com as seguintes conclusões:
“l - A douta sentença recorrida não merece qual censura, na medida em que faz uma correta aplicação do direito à matéria factual provada.
2 - A matéria de facto provada deve ser ampliada de modo a incluir:
a) O facto alegado pela Autora no artigo 6º da sua PI, ou seja, que: "A moradia que a Autora prometeu comprar e que o Réu prometeu vender era composta de rés-do-chão e 1º andar e ainda de um anexo", uma vez que se trata de matéria não impugnada pelo Réu.
b) O facto vertido na alínea 7) dos Temas da Prova, isto é, que "No mês de abril de 2021 o Réu entrou na habitação referida em C) infra e substituiu as fechaduras", uma vez que se trata de matéria confessada pelo Réu nas suas declarações de parte, que a Autora aceita para os devidos e legais efeitos, gravadas no sistema Media Studio das 14h20 às 15h41 (ver a ata da sessão do dia 14/11/2023) entre o minuto 11:55 e o minuto 21:11, ao referir, entre outras coisas, que: "Entretanto, no dio...recebo a carta datada de 6 de abril, a D. MJ nunca me deu a chave, tão pouco mudou as fechaduras sem pedir autorização de um bem que não é dela, que é meu e eu senti-me na obrigação de tomar a casa (...) E foi aquilo que eu fiz, aquilo é meu, soube que não estava lá ninguém a viver, porque eu tenho uma relação de proximidade com os vizinhos, ainda hoje tenho, fui lá ver e tomei conta da casa, levei logo naquele dia pessoas para mudarem as fechaduras..."
3- O Réu/Recorrente não logrou provar que "logo após a entrega das chaves - referidas nos factos provados - tivesse informado a autora que estava a aguardar que a Câmara emitisse a licença de utilização do 1º andar e que tivesse dito que tal emissão estivesse para breve..." (Alínea X) dos Factos Não Provados), pelo que, contrariamente ao por si alegado, a Autora quando assinou o contrato promessa e depois a Adenda, desconhecia que a moradia não tinha licença de utilização assim como desconhecia que o lº andar tinha sido construído em Agosto de 2010 sem projeto de alteração. (Ponto B. dos Factos Provados).
4 - Dos factos provados, nomeadamente do Ponto G., aquilo que resulta logico é que a Autora só tomou conhecimento da real situação da moradia quando recebeu o ofício da Câmara - na sequência da vistoria, por si solicitada, realizada no dia 29/10/2020 - a informar que: "Foi verificado que a moradia em apreço não está construída em conformidade com o projeto aprovado, bem como não reúne as condições de salubridade necessárias para a utilização prevista (habitação). Nesta conformidade, face ao acima referido, foi notificado o proprietário do imóvel para apresentar um projeto de legalização (...)"
5 - A falta do projeto de alterações conjugado com a existência das graves patologias detectadas na vistoria à moradia, não só impediram a conclusão do processo de licenciamento como, ainda, impediram o Réu/Recorrente de obter toda a documentação necessária para a outorga da escritura, designadamente a Licença de Utilização, em clara violação da obrigação vertida na Clausula 5ª do contrato promessa.
6 - O Réu/Recorrente sempre soube que para outorgar a escritura de compra e venda não bastava a licença de 1971, pelo contrário, era necessário concluir o processo de licenciamento da moradia para que a Câmara emitisse a licença de utilização para a moradia com a configuração física atual.
7 - O certo é que só em 19 de Maio de 2021, mais de três anos depois da assinatura do contrato promessa (!), informou a Autora de que já tinha entregue "a totalidade dos projetos necessários" e que "a Licença de Habitação será emitida no próximo dia 04/06/2021, pelo que já está em condições de proceder à marcação da escritura". (Ponto M. dos Factos Provados)
8 - Fica assim demonstrado que o Réu/Reconvinte sabia perfeitamente que a Autora até esta data - 19 de Maio de 2021 - não podia marcar a escritura por falta de documentos, máxime Licença de Utilização.
9 - A licença de utilização da moradia não foi emitida no dia 04/06/2021, contrariamente ao alegado pelo Réu.
10 - A licença de utilização da moradia só foi emitida por despacho de 16/02/2022. (cfr. o Acordão desta Relação, proferido no apenso A deste processo, que faz referência expressa ao respetivo alvará).
11 - Logo, o processo de licenciamento da moradia só ficou concluído em 16/02/2022 com a emissão do Alvará de Autorização de Utilização, isto é, cerca de quatro anos (!) após a celebração do contrato promessa.
12 - será razoável exigir à Autora que, decorridos cerca de quatro anos, desde a data da celebração do contrato promessa, tivesse que continuar a aguardar que o Réu/Recorrente obtivesse os documentos necessários à outorga da escritura pública? A resposta é não. O Réu/Recorrente ao introduzir-se no interior da moradia e substituir as fechaduras, apossando-se da mesma como coisa sua, depois de ter entregado as chaves à Autora, revela um comportamento concludente de que não queria cumprir o contrato promessa, para além de não ter reparado as anomalias do imóvel que se agravaram a ponto da Autora e a sua mãe serem obrigadas a deixar de viver na casa em abril de 2020, por falta de condições da mesma.(Ponto N. dos Factos Provados) o que acaba por configurar uma situação de incumprimento definitivo do contrato.
13 - A situação dos autos também configura uma situação de perda de interesse na prestação, aliás, em tudo idêntica a um dos exemplos elencados pelo Prof. Vaz Serra quando diz que "em consequência da mora, o credor se viu obrigado a pôr-se a coberto da sua necessidade por outro meio e não necessita já, portanto, da prestação do devedor. (...)" que foi precisamente o que sucedeu com a Autora quando foi obrigada a procurar uma alternativa habitacional para si e para a mãe, em virtude da falta de condições de habitabilidade da moradia. (Ponto N. dos Factos Provados). Nestes casos, como defende a doutrina, nem há necessidade de interpelação admonitória para obter a resolução do contrato promessa, apesar da Autora ter feito essa interpelação, através da sua carta, datada de 6 de Abril de 2021, na qual fixou um prazo, cuja razoabilidade não foi sequer contestada pelo Réu/Reconvinte.
14 - Aquilo que o Réu/Recorrente fez ao entrar na moradia, substituir as fechaduras e apoderar-se da mesma, em violação do estabelecido no contrato promessa e, sobretudo, na sua Adenda - (comportamento concludente) - foi adoptar uma conduta desafiadora e intimatória numa clara e manifesta demonstração de que não pretendia cumprir o contrato promessa, o que equivale ao seu incumprimento definitivo
15 - o Réu/Recorrente só se pode queixar de si próprio, por não ter cumprido as suas obrigações contratuais e as que resultam da lei, como suprir os vícios ou defeitos detectados na moradia, de modo a garantir as condições de habitabilidade, nem quando inicialmente devia fazê-lo, nem dentro do prazo que posteriormente lhe foi fixado pela Autora, sem prejuízo do que já ficou dito quanto à sua vontade de não cumprir o contrato, o que transforma a mora em incumprimento definitivo.
16 - a inércia do Réu/Recorrente em não resolver as patologias graves da moradia que, aliás, eram de si conhecidos desde o outono de 2018 - (Pontos O., P., Q., R., S. e T. dos Factos Provados) - conjugado com o facto de não ter logrado obter a Licença/Autorização de Utilização, nem antes nem dentro do prazo posteriormente fixado, equivale a uma declaração de não cumprimento definitivo, não sendo sequer necessário o credor lançar mão da interpelação admonitória.
17 - Aliás, não se vislumbra que um homem sensato e prudente, colocado na posição da Autora, continuasse indefinidamente suspenso com a hipotética celebração do contrato, por dependência de uma exigível atuação do Réu que, neste caso, a obrigou a sair da moradia, por falta de condições de habitabilidade, e a procurar outra solução habitacional, no sentido deste proceder de acordo com as exigências camarárias, expressas no Auto de Vistoria, com vista à obtenção da Licença de Utilização que, mais de três anos após a celebração do contrato promessa, ainda não tinha sido emitida e entregue à Autora.
18 - Por outro lado, não podemos esquecer o princípio ínsito na ordem jurídica atinente ao dever que as partem têm de atuarem com lealdade, colaboração e boa fé e cumprindo pontualmente, isto é, ponto por ponto, no tempo e nas circunstâncias próprias do negócio, com vista à tutela do valor da confiança que deve presidir entre os contraentes no cumprimento das prestações recíprocas.
19 - Por tudo o que ficou dito, nas anteriores conclusões, estão preenchidos os requisitos dos artigos 808º e 442º, ambos do Código Civil, pelo que, se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação, (artigo 808º, nº 1, do CC) e verificado o incumprimento definitivo por parte do Réu.
Termos em que, sempre com o douto suprimento de V. Exas, Senhores Juízes Desembargadores, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e, consequentemente, mantida integralmente a sentença proferida em Instância, com a condenação do Réu conforme peticionado e decidido.”
O R. respondeu à ampliação do recurso pugnando pela procedência parcial, apenas admitindo que se considere provado o seguinte facto: “A moradia que a Autora prometeu comprar e que o réu prometeu vender era composta de rés do chão e 1.º andar”.
*
A decisão recorrida considerou como provada a seguinte matéria de facto:
“A. Pela apresentação n.º 1 de 2000/09/26, o prédio urbano descrito como “casa de rés do chão” está inscrito a favor do reconvindo por compra.
B. Em Agosto de 2010, o reconvinte construiu um primeiro andar sob a habitação acima referida, sem que tenha apresentado projecto de alteração no Município de ….
C. Em escrito datado de 20 de Abril de 2018 e encimado pela expressão “CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA”, o Réu e a Autora, aí respectivamente designados como “PRIMEIRO CONTRAENTE ou PROMITENTE VENDEDOR” e “SEGUNDO CONTRAENTE ou PROMITENTE COMPRADORA”, declararam «(…) É celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato promessa de compra e venda constante das cláusulas seguintes:
Cláusula Primeira (Direitos e Situação Registral do Imóvel)
1. O PROMITENTE VENDEDOR é proprietário e legítimo possuidor do imóvel pertencente ao prédio urbano em regime de propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, sito na …. (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de  … sob o n.º 1384 (…), com o Alvará de Utilização n.º 172/71, emitido em 03/02/1971 pela Câmara Municipal de ….
Cláusula Segunda (Promessa de Compra e Venda)
Pelo presente contrato promessa, o PROMITENTE VENDEDOR promete vender à PROMITENTE COMPRADORA, livre de quaisquer ónus, encargos e responsabilidades de qualquer natureza e totalmente desocupado de pessoas, de bens e no estado em que se encontra, para uso de habitação, e esta promete comprar àquele, o imóvel objeto do presente Contrato Promessa de Compra e Venda, descrito e identificado na cláusula anterior, nos termos e condições constantes das cláusulas seguintes.
Cláusula Terceira (Preço e Forma de Pagamento)
1.O preço da venda é 190.000€ (cento e noventa mil euros).
2.Este preço será pago da seguinte forma: a) No momento da outorga do presente contrato, a PROMITENTE COMPRADORA paga ao PROMITENTE VENDEDOR, a título de sinal e início de pagamento do aludido preço a quantia de 19.000,00€ (dezanove mil euros) (…), de que assinatura do original do presente contrato dá a respetiva quitação após boa cobrança.
b) O remanescente do preço, ou seja, 171.000,00€ (cento e setenta e um mil euros), será pago pela PROMITENTE COMPRADORA ao PROMITENTE VENDEDOR, por meio de cheque bancário ou visado, no momento da celebração da prometida escritura de compra e venda, a qual deverá realizar-se num prazo 180 dias contados a partir da assinatura do presente contrato.
Cláusula Quarta (Data e local da escritura)
A prometida Escritura de Compra e Venda ou Documento Particular Autenticado de Compra e Venda será outorgada/o em dia, hora e local a indicar pela PROMITENTE COMPRADORA ao PROMITENTE VENDEDOR, com pelo menos 10 (dez) dias úteis de antecedência sobre a data designada.
Cláusula Quinta (Documentação)
O PROMITENTE VENDEDOR obriga-se a obter todos os documentos necessários à outorga da prometida escritura, o qual deverá atempadamente facultar à PROMITENTE COMPRADORA. (…)
Cláusula Sétima (Incumprimento)
1. As partes acordam em sujeitar o presente contrato promessa ao regime da execução específica, previsto no artigo 830º do Código Civil, podendo ainda a PROMITENTE COMPRADORA, em caso de incumprimento culposo imputável ao PROMITENTE VENDEDOR, optar por exigir a devolução das quantias pagas a título de sinal em dobro.
Se o incumprimento for da responsabilidade da PROMITENTE COMPRADORA, o PROMITENTE VENDEDOR terá o direito de fazer suas as quantias entregues a título de sinal, ou igualmente, e em alternativa, optar pela execução específica.
2.O presente contrato, bem como as prestações nele previstas, fica expressamente condicionado à concessão de empréstimo bancário que a PROMITENTE COMPRADORA requereu junto de uma instituição bancária.
3.Caso a PROMITENTE COMPRADORA não obtenha o empréstimo bancário referido no número anterior, ser-lhe-á devolvidas, em singelo, todas as quantias entregues a título de sinal, sem prejuízo de o presente contrato poder ser prorrogado por mais 30 dias, por acordo entre as partes. (…)».
D. Por acordo entre as partes, em Abril de 2018, a Autora, com a sua mãe, passou a confeccionar refeições, dormir e a receber a correspondência na habitação referida em A) supra.
E. Em escrito encimado pela expressão “ADENDA AO CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA DATADO DE 20 DE ABRIL DE 2018, o Reconvinte e a Reconvinda, aí respectivamente designados como “PRIMEIRO CONTRAENTE ou PROMITENTE VENDEDOR” e “SEGUNDO CONTRAENTE ou PROMITENTE COMPRADORA”, declararam «(…) A cláusula Terceira do contrato-promessa de compra e venda anteriormente realizado é aditada a quantia € 40.000, como reforço de sinal e entrega de chaves do imóvel da parte do promitente vendedor. (…)».
F. Em auto de vistoria datado de 29 de Outubro de 2020 emitido pela Câmara Municipal de … exarou-se que «(…) procederam os técnicos abaixo assinados (…) a uma vistoria à moradia sita na ….
Os projetos de legalização de alterações e ampliação para esta obra, foram aprovados em nome de LS, tendo sido emitida a Licença de Obras de Construção n.º 15, em 13 de fevereiro de 2020. Verificaram os técnicos no local, que se trata de uma moradia, de tipologia T I, destinada a habitação, anexo e alpendre, que não se encontra construída em harmonia com o projeto de arquitetura aprovado e que não reúne as condições de salubridade necessárias para a utilização prevista (habitação), nomeadamente:
1. O revestimento da cobertura do anexo em fibrocimento, não respeita o previsto em projeto (telha cerâmica tipo "Lusa")
2. Não existe sistema de ventilação nas instalações sanitárias, conforme preconizado na memoria descritiva do projeto da especialidade de águas residuais;
3. As paredes e tetos interiores da moradia, ao nível da sala de estar/jantar, do quarto e dos compartimentos de arrumos situados no 2º piso, apresentam patologias graves, nomeadamente, destacamentos e empolamentos do revestimento, acompanhados pelo desenvolvimento de fungos e eflorescências, derivado da infiltração de água e deficiente ventilação interior da habitação, potenciando risco de curto-circuito da instalação elétrica e comprometendo a saúde dos moradores. Face ao anteriormente exposto, considera-se que não pode a Autorização de Utilização ser concedida. (…)».
G. Em comunicação da Câmara Municipal de …, exarou-se «(…) Assunto: PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO DE UTILIZAÇÃO PARA ALTERAÇÕES DE AMPLIAÇÕES DE MORADIA  …- Reporta-se o assunto acima referenciado e, na sequencia da vistoria efetuada à moradia sita no local acima referenciado, com a sua presença, em conformidade com o despacho exarado em 2020/11/02, pelo Vice-Presidente da Câmara, Sr. …, informa-se V Ex.ª – na qualidade de arrendataria, do seguinte: Foi verificado que a moradia em apreço não está construída em conformidade com o projecto aprovado, bem como não reúne as condições de salubridade necessárias para a utilização prevista (habitação). Nesta conformidade, face ao acima referido, foi notificado o proprietário do imóvel para apresentar um projeto de legalização (…)».
H. Em escrito datado de 6 de Abril de 2021 e remetido ao Réu, a Autora declarou «(…) Assunto: Incumprimento do contrato promessa de compra e venda, por razões imputáveis exclusivamente ao promitente vendedor e interpelação para legalizar a moradia e entregar os documentos para instruir a escritura. Exmo. Senhor, No dia 20 de Abril de 2018 celebrámos um contrato promessa de compra e venda de uma moradia, composta de rés-do-chão e 1º andar, sita na … (…) Posteriormente, mais propriamente no dia 25 de Maio de 2018, foi feita uma adenda ao contrato promessa e, de acordo com ela, paguei, a título de reforço do sinal, a quantia de €40.000,00 (…) e entrei na posse da moradia. Algum tempo depois de estar na posse da moradia esta começou a apresentar vários problemas, nomeadamente infiltrações de água, constantes entupimentos de esgotos, as paredes manchadas e com fissuras e um cheiro a gás insuportável, que tornam impossível a vida no local. Disso dei conta a V.Exa que, mais uma vez, voltou a referir-me que estava a tratar do assunto na Câmara de modo a resolver todos os problemas e podermos fazer a escritura, o que até ao momento ainda não aconteceu, pese embora já ter decorrido quase três anos, após a outorga do contrato promessa. Pelo contrário, à medida que o tempo ia passando a situação deteriorava-se ainda mais, ao ponto de ser forçada a sair da moradia por falta de condições de habitabilidade, com todos os prejuízos que a situação acarreta. Entretanto procurei saber junto da Câmara Municipal de … qual a situação da moradia e, para meu espanto, fui recentemente informada, por carta de 09/02/2021, que "a moradia em apreço não está construída em conformidade com o projeto aprovado bem como não reúne as condições de salubridade necessárias para a utilização prevista (habitação)". Ora, V.Exa nunca me tinha dito que havia este problema de desconformidade da construção com o projeto. O que é muito grave, pois, quando celebrei o contrato fi-lo no pressuposto de que a moradia, de rés-do-chão e 1º andar, estava legal e em perfeitas condições de habitabilidade. Enfim, V.Exa andou sempre a omitir a real situação da moradia e, apesar do tempo já decorrido, não assegurou nem a legalidade do construído, nem a sua conformidade com o projeto, nem garantiu as necessárias condições de habitabilidade, impedindo assim a sua utilização para o fim pretendido. E por estas razões, imputáveis exclusivamente a si, a escritura não foi nem podia ser celebrada no prazo estabelecido no contrato ou em qualquer outro, dado que V.Exa até ao momento continua sem cumprir com todas as exigências camarárias, ou seja, ainda hoje não resolveu os problemas da moradia nem obteve a licença de utilização necessária para a escritura. (…) Ora, V.Exa sabe e tem perfeito conhecimento que quando celebrei o contrato promessa fi-lo porque necessitava da moradia para nela habitar com o meu agregado familiar (minha mãe, com quase 80 anos), o que é impossível fazer no estado em que a moradia se encontra. Toda esta situação, que dura há praticamente três anos, acrescida da manifesta falta de condições de habitabilidade da moradia, levou a que tivesse de lá sair e encontrar uma solução habitacional alternativa. Em todo o caso, como não posso continuar indefinidamente à espera que V.Exa resolva todos os problemas existentes na moradia, desde logo, a desconformidade do construído com o projeto aprovado e a falta de condições de salubridade, venho pela presente carta interpelar V.Exa para proceder, no prazo máximo de 30 dias, contados da sua receção, à legalização da moradia em conformidade com as exigências camarárias e à entrega da documentação necessária para instruir a escritura pública de compra e venda. (…)».
I. Em escrito datado de 14 de Abril de 2021 e dirigido à Autora, o Réu declarou «(…) Assunto: Sobre a escritura de compra e venda, em cumprimento do contrato promessa de compra e venda da moradia sita na …. Exmos. senhora Recebida a sua carta datada 6 de Abril de 2021, sou a dizer o seguinte:
«(…) 2 - Lamento o teor da sua carta quando se afasta da verdade e não declara que era do seu conhecimento, quando celebrou o contrato promessa de compra e venda, que a licença de utilização não incluía o primeiro andar da moradia e que a sua construção constava de projecto que submetido a apreciação na Câmara Municipal de …, após a celebração do contrato promessa de compra e venda, o que era do seu conhecimento. (…)
4 – Lamento que afirme que a moradia apresentava vários problemas de infiltração de água e odores a gás. O Entupimento a esgotos foi desentupido pelo SMAS, por mim solicitado, após ter sido por si informado. Em conformidade com o contrato promessa de compra e venda e com os factos descritos e que eram do seu conhecimento, apresentado antes do contrato promessa o projecto de alteração da moradia, incluída a construção do primeiro andar e o barbecue/forno no pateo, cumpridas todas as exigências legais, solicitada foi nova vistoria, conforme documento em anexo, com vista à emissão de licença de utilização a breve prazo, esperando-se a sua rápida emissão com vista à celebração da escritura de compra e venda da moradia conforme contrato promessa celebrado. Já foram efetuadas todas as reparações necessárias. É quanto importa comunicar e esclarecer, para além de tudo o que é já do seu inteiro conhecimento, como é do seu conhecimento que se aguarda emissão da licença de utilização, atrasada na Câmara Municipal de …, devido à epidemia. (…)».
J. Em 19 de Abril 2021 encontravam-se pessoas no interior da habitação referida em C) supra.
K. Em escrito datado de 19 de Abril de 2021 e remetido ao Réu, a Autora declarou «(…) Assunto: Incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda, celebrado em 20 de Abril de 2018, por razões imputáveis exclusivamente ao promitente vendedor Exmo. Senhor, Acuso a recepção da sua carta, com data de 14 de Abril de 2021, à qual passo a responder. (…) Em abono da verdade, V.Exa sabe perfeitamente que não realizou quaisquer obras e que tudo se mantem na mesma, apesar de a Câmara ter emitido, em seu nome, no dia 13 de fevereiro de 2020, há mais de um ano, a licença de obras, nº 15. Portanto, não adianta negar aquilo que é uma evidência. E foi por não ter feito as obras necessárias e de acordo com o projeto, e só por isso, que a Câmara ainda não emitiu a licença de utilização, o que impede, como bem sabe, a realização da escritura. Por outro lado, em clara violação de tudo o que foi acordado entre nós, nomeadamente, depois de ter assinado uma adenda ao contrato promessa, no dia 25 de Maio de 2018, na qual ficou estabelecido o reforço do sinal em mais €40.000,00 (quarenta mil euros), quantia que paguei, por transferência bancária, e a entrega das chaves da moradia, que me constituiu na posse da mesma, V.Exa, em vez de resolver os graves problemas da habitação, evidenciados pela vistoria da Câmara, aproveitou o facto de não estar lá a viver, por manifesta falta de condições de habitabilidade, para se introduzir no interior da moradia e, na minha ausência e contra a minha vontade, substituiu as fechaduras. Mais, no dia de hoje quando me desloquei à moradia fui confrontada com uma serie de pessoas no seu interior que desconheço a que titulo lá estão, pois, nada me foi dito, sendo que estou na sua posse, conforme me foi transmitida pela entrega das chaves, conforme o estipulado na Cláusula Oitava do Contrato Promessa e na Adenda. Este comportamento, para além dos contornos criminais, que não deixarei de participar às entidades competentes, revela ainda da parte de V.Exa que não pretende honrar o contrato promessa que celebrou comigo e, por via dele, celebrar a escritura de compra e venda. Caso contrário, depois de ter recebido a minha carta registada, datada de 06/04/2021, na qual lhe fixei um prazo para a execução e conclusão das obras, que se encontra a decorrer, ter-me-ia contactado a dar-me conta que ia realizar as obras indicadas na vistoria, em vez de despudoradamente dizer que "já realizou todas as reparações necessárias." A que acresce, como já referido, o facto de ter abusivamente procedido à referida substituição das fechaduras, o que reforça a ideia que nunca foi sua intenção fazer as obras, nem outorgar a escritura. Dito isto, a grande verdade é que esta situação já se arrasta há vários anos e a moradia continua sem apresentar as necessárias condições de habitabilidade, como confirmaram os técnicos da Câmara, na referida vistoria. E nem sequer pode queixar-se de falta de tempo para cumprir as suas obrigações e honrar os seus compromissos contratuais, dado que, apesar das minhas insistências para fazer as obras V.Exa só no inicio de 2020 solicitou a licença de obras, sendo que nada foi feito, nem antes nem depois da sua emissão. Toda a situação acima descrita é insustentável e leva inevitavelmente à perda de interesse na aquisição da moradia prometida vender, para além do enorme desgaste físico e psíquico que provoca, agravado, agora, peio clima de insegurança, causado pela sua intromissão no interior da moradia. Com efeito, perante a gravidade da situação e a sua afirmação de que "já realizou todas as reparações necessárias", sem que tenha realizado qualquer obra na moradia, considero definitivamente perdido o interesse na sua aquisição. (…)».
Anexo: Lista de bens no interior da moradia …
LISTA DE BENS
- Uma mobília de quarto com uma mesa de cabeceira e um cadeirão;
- Uma mobília de quarto com um sofá;
- Uma mobília de sala de estar, incluindo um sofá de dois lugares;
- Duas televisões;
- Um frigorifico;
- Um esquentador;
- Uma placa de forno;
- Um fogão;
- Um exaustor;
- Loiças diversas;
- Dois candeeiros;
- Um gradeamento para fazer a separação do prédio vizinho;
- Vários artigos de jardim;
- Uma Scooter; e
- Uma bicicleta (…)».
L. Em escrito datado de 10 de Maio de 2021 e remetido ao Ré, a Autora declarou «(…) Assunto: Incumprimento definitivo do contrato promessa celebrado no dia 20 de abril de 2018 — Interpelação para pagar o sinal em dobro no montante de €118.000,00 Exmo. Senhor, (…) E assim sendo venho por este meio interpelar V.Exa para proceder, no prazo máximo de oito dias, contados da rececão da presente carta, à devolução do sinal em dobro, no valor de €118.000,00 (cento e dezoito mil euros), tal como resulta do estabelecido no contrato promessa e no artigo 442º do C. Civil. Findo aquele prazo, sem que V.Exa proceda voluntariamente à devolução da referida quantia (…) irei recorrer aos meios judiciais para defesa dos meus direitos. Por último, aproveito também para solicitar a V.Exa a devolucão de todos os meus pertences que ainda se encontram no interior da moradia, conforme relação que anexei à minha carta de 19/04/2021, aguardando que indique dia e hora para o efeito. (…)».
M. Em escrito datado 19 de Maio de 2021 e remetido à Autora, o Réu declarou «(…) No seguimento da sua carta em epigrafe, informo que já entreguei a totalidade dos projetos necessários. A Licença de Habitação será emitida no próximo dia 04/06/2021, pelo que já está em condições de proceder à marcação da escritura de Compra e Venda do prédio urbano, sito na …, em consequência do Contrato Promessa e Venda celebrado em 20/04/2018. (…)».
N. A autora e a sua mãe na casa em apreço residiram até ao mês de Abril de 2020, por falta de condições da mesma.
O. No Outono de 2018, em data não concretamente apurada, começaram a aparecer os primeiros sinais de humidade e infiltrações nas paredes da aludida casa.
P. Em momento anterior ao mês de Outono de 2018, a casa tinha já apresentado problema de entupimento de esgotos.
Q. No Inverno de 2018/19, as aludidas humidades e infiltrações agravaram-se, tendo surgido manchas pretas e empolamentos da pintura.
R. No Outono de 2019, a situação agravou-se, uma vez que as machas pretas, os empolamentos da pintura e os fungos espalharam-se por toda a casa. Neste âmbito dá-se aqui por integralmente reproduzidas as fotografias juntas com a PI como documentos n.ºs 6, 7 e 9 (fls. 14 verso a 16).
S. Existia falta de ventilação nas casas de banho.
T. Do expresso nos pontos anteriores, a autora ia informando o réu.
U. Em Janeiro de 2020, a autora e o réu reuniram nas instalações da imobiliária ERA, sita em ….
V. Na dita reunião, a autora expressou que, a manter-se as anomalias acima referidas, deixaria de ter interesse na compra da casa e que, assim, queria o seu dinheiro de volta.
W. Na sequência do exposto no ponto anterior, o réu respondeu que: era divorciado, não tinha filhos e que não tinha nada em seu nome; tendo dito ainda que, se a autora queria dinheiro, fosse para Tribunal.
X. Em Maio de 2020, a autora foi aos serviços da Câmara Municipal de …, com vista a tentar saber qual a efectiva situação da casa.
Y. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da carta datada de 25-5-2021, a qual foi dirigida, através de registo postal, pela autora ao réu, com a epígrafe “Incumprimento definitivo do contrato promessa: devolução do sinal em dobro” (documento n.º 21 da PI). Através da aludida missiva, a autora reitera as suas cartas anteriores; afirma que a falta da licença de utilização se deveu apenas ao facto do réu se ter recusado a fazer as obras necessárias na casa; reitera o pedido de pagamento do sinal em dobro.
Z. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do documento n.º 1 junto com a réplica, o qual dispõe da epígrafe “Contrato de Crédito Pessoal”, datado de 14-12-2018, celebrado entre o Banco … e a ora autora. Do aludido contrato consta a menção, nas respectivas condições particulares que o “Montante total de crédito: 116.000,00 €”.
AA. Projecto de alteração da licença de construção da casa, devido à ampliação da mesma, deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de … a 27-8-2018 (tudo conforme decorre do teor do ofício camarário que constitui o documento n.º 5 da contestação, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido).
BB. Na casa objecto do Contrato Promessa ficaram os bens acima indicados na denominada “Lista de Bens” mencionada, por sua vez, na carta reproduzida no ponto K.
CC. No âmbito do expresso no ponto anterior e tendo presente o expresso na contestação, o reconvinte/réu admite devolver à reconvinda/autora a motorizada e a bicicleta.
DD. A 11-11-2019, a reconvinda esteve reunida nas instalações da … – Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda. (ERA), sitas em …, tendo sido acompanhada por ME e foi recebida pela directora comercial PP.
EE. Conforme referido no Auto de Vistoria indicado em F., a 13-02-2020 foi emitido pelo Município de … o alvará de obras de construção n.º 15/2020 que se junta como documento n.º 11 da contestação, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.
FF. Da emissão do aludido alvará foi o réu/reconvinte notificado a 20-01-2020, conforme documento n.º 12 da contestação, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.
GG. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da carta dirigida pelo reconvinte à reconvinda, datada de 26-10-2020, com o assunto: “Vistoria para Autorização de Utilização”, junta como documento n.º 13 com a contestação.
HH. A 14-4-2021, o reconvinte pediu nova vistoria ao Município de …, conforme cópia do requerimento junto como documento n.º 18 com a contestação, cujo teor aqui se considera reproduzido.
II. A 27-01-2021, o reconvinte foi notificado por correio electrónico pelo Município de … para um ofício com o n.º 346, o qual não se encontrava efectivamente junto; sendo que o reconvinte dirigiu imediato pedido de envio do aludido ofício, tudo conforme consta das respectivas mensagens de correio electrónico juntas como documento n.º 21 da contestação.
JJ. Apenas a 7-5-2021, o réu foi notificado do ofício 1412, acompanhado com cópia do acima aludido ofício n.º 346. O aludido ofício n.º 346 informava ser necessário apresentar projecto de legalização (cfr. documento n.º 22 junto com a contestação, cujo teor aqui se considera reproduzido).
KK. Dá-se aqui por reproduzido o teor do requerimento datado de 10-6-2021, assinado pelo Sr. Eng.º …. Destacam-se os seguintes excertos do requerimento:
- concluiu-se que uma das razões para a não emissão do alvará de autorização de utilização para a moradia unifamiliar e anexo em apreço, deveu-se ao facto da mesmo não reunir as condições mínimas de salubridade necessárias para a afectação de habitação. - convém esclarecer que a falta de condições de salubridade deveu-se às más condições de utilização e de vivência no interior do imóvel, que se verificou nestes últimos meses.
- durante o período de licenciamento, o imóvel tinha sofrido trabalhos de reabilitação, dado o facto de ter estado devoluto durante vários anos e nessa altura, o mesmo estava em perfeitas condições de utilização. Existem até fotos desse período.
- todavia os ocupantes da moradia nestes últimos meses já foram retirados do interior da mesma, o que permitiu que o proprietário realizasse novamente obras de reabilitação e recuperação no interior do imóvel, conforme se demonstra nas fotos que se juntam em anexo.
- sobre a necessidade de apresentação de um projecto de legalização de alterações, não se encontram razões para isso, porque o processo de licenciamento referiu-se a uma legalização, sendo que o projecto representou a realidade existente no local.
- a única situação que se verificou foi que a cobertura do anexo na altura da realização da vistoria para efeitos de emissão de autorização de utilização, não tinha ainda sido substituída para o tipo de telha previsto no projecto aprovado e licenciado.
- todavia, recentemente foi efectuada a substituição da telha e neste momento, a moradia e anexo, salvo melhor opinião, encontram-se em condições de utilização para habitação e executadas de acordo com o projecto aprovado. Juntam-se fotografias em anexo que demonstram esse facto [tais fotografias consubstanciam o documento n.º 24 junto com a contestação, as quais aqui se consideram reproduzidas].
- desta forma, tendo em conta os argumentos agora apresentados, solicita-se então que a Câmara Municipal possa emitir o alvará e autorização de utilização, de forma a concluir-se o processo de licenciamento.
- caso haja necessidade de se fazer uma nova vistoria ao local por parte da fiscalização municipal, então aguarda-se a informação de uma nova data e hora para essa visita.”
***
A sentença recorrida considerou como não provada a seguinte matéria de facto:
“a) Que, sem prejuízo do acima exposto nos factos provados, a humidade tenha levado a que água escorresse em fio pelas paredes da casa.
b) Que as circunstâncias que a casa passou a apresentar tornaram a mesma praticamente inabitável, sempre sem prejuízo do acima exposto nos factos provados, mormente o expresso no ponto N. de tais factos provados.
c) Que à D. MC – mãe da autora – tivesse sido diagnosticado uma pneumonia, e que tal maleita tivesse como causa a humidade verificada na casa e acima expressa nos factos provados.
d) Que o réu sempre tivesse ocultado à autora o expresso no ofício da Câmara Municipal de … acima referido nos factos provados.
e) Que, face ao expresso no ofício da Câmara Municipal de … acima referido nos factos provados, a autora tivesse tentado reunir com o réu, e que não tivesse obtido êxito.
f) Que - sem prejuízo do acima expresso nos factos provados - os objectos constantes da lista de relação de bens deixados na aludida casa, acima referida nos factos provados, pertençam ao réu.
g) Que a autora tivesse impedido o réu de entrar na casa em apreço.
h) Que a autora não tivesse atendido os telefonemas do réu.
i) Que a reconvinda tivesse impedido o reconvinte de receber a sua correspondência, incluindo a que dizia respeito ao Instituto da Segurança Social, Ip. e ao pagamento ao reconvinte de vale postal correspondente à sua pensão por baixa médica.
j) Que o réu/reconvinte tivesse estado presente na reunião ocorrida no dia 11-11-2019, a qual consta acima indicada nos factos provados.
k) Que na reunião de 11-11-2019, a reconvinda tivesse declarado que não seria possível ao reconvinte legalizar a casa; e que a reconvinda tivesse dito que iria colocar a questão à Sra. sua Advogada; e que em tal reunião tivesse estado presente AF.
l) Que desde o dia 11-11-2019, a reconvinda não mais tenha sido vista pelo reconvinte; que a mesma não mais tenha aberto a porta da casa quando aí este se deslocara; nem tivesse atendido as chamadas telefónicas do reconvinte.
m) Que, com excepção do dia em que se realizou a vistoria camarária e as cartas enviadas pela reconvinda em Abril e em Maio de 2021 [acima expressas nos factos provados], desde o dia 11-11-2019, a reconvinda não mais tenha telefonado ou contactado pessoalmente, por carta ou através de Ilustres Advogados, o reconvinte.
n) Que entre Maio de 2018 e Outubro de 2020 a casa objecto do contrato promessa não tenha sido objecto de limpeza nem higiene e cuidado e tenha ficado completamente suja e nojenta.
o) Que a reconvinda não tinha tido o cuidado de abrir as janelas para arejar tal casa, assim como tenha deixado o jardim cheio de ervas daninhas.
p) Que o reconvinte/réu e a imobiliária … – Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda. (ERA) soubessem que a reconvinda/autora iria obter financiamento junto do Banco ….
q) Que a reconvinda não tivesse obtido financiamento bancário.
r) Que, no final de Janeiro de 2020, o reconvinte tivesse procurado contactar a reconvinda, para a informar que o processo de alteração estava em vias de conclusão; e que a reconvinda não o tivesse atendido.
s) Que a reconvinda tenha deixado a casa ficar completamente suja e a evidenciar estragos, com vista a que os mesmos fossem patentes no momento da vistoria camarária.
t) Que o reconvinte e a reconvinda tivessem acordado que esta última utilizaria, durante algum tempo, a mobília do reconvinte, e que a mesma se encontrasse na casa objecto do contrato promessa.
u) Que a mobília referida na alínea anterior tivesse sido adquirida em 21-11-2001 pelo valor de € 4.987,98, e que a mesma respeite à factura e às fotografias, juntas como documentos n.ºs 8 e 9 da contestação.
v) Que a reconvinda se tivesse apoderado e levado uma máquina de lavar roupa nova que funcionava bem e que, na casa objecto do contrato promessa, tivesse deixado no mesmo lugar uma máquina velha e sem funcionar.
w) Que o réu se tivesse comprometido directamente com a autora a substituir as telhas do nexo.
x) Que o réu, logo após a entrega das chaves – referidas nos factos provados -, tivesse informado a autora que estava a aguardar que a Câmara emitisse a Licença de Utilização do 1.º andar, e que tivesse dito que tal emissão estaria para breve, e que, após, ir-se-ia agendar a escritura pública.
y) Que a intervenção expressa nos factos provados tivesse ocorrido no concreto período compreendido entre os dias 09-4-2021 e 14-4-2021, e que a mesma tivesse integrado a limpeza da casa.
z) Que a, 19-4-2021, o reconvinte tivesse procedido à limpeza de ervas daninhas e tivesse podado árvores no jardim.
aa) Que a reconvinda não tenha permitido a entrada do reconvinte a 29-10-2020, ou seja no dia em que foi concretizada a aludida vistoria camarária.
bb) Que, sem prejuízo do acima expresso nos factos provados, a casa objecto do contrato promessa estivesse imunda, com anos de falta de limpeza e higiene e sem a prática de ventilação apropriada. cc) Que, sem prejuízo do acima exposto no ponto KK. dos factos provados, o réu apenas quando foi recebedor de cópia do aludido “oficio n.º 346” (a 07-5-2021) é que tomou conhecimento de que era necessário apresentar projecto de legalização.
dd) Que o reconvinte e a reconvinda tivessem acordado que esta última pagaria todas as facturas respeitante a consumos de água e de electricidade, as quais respeitassem ao período que a mesma iria habitar a casa e até à outorga da escritura pública de Compra e Venda.
ee) Que os pagamentos acima aludidos na alínea anterior totalizassem a quantia de € 2.873,56 – alegado somatório dos valores indicados no documento n.º 7 da contestação.”
*
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do CPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do CPC).
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Da impugnação da decisão de facto
2. Do incumprimento do negócio jurídico celebrado e respetivas consequências.

1. Da impugnação da decisão de facto
Defende a A. o aditamento aos factos provados da seguinte matéria de facto:
- a vertida no artigo 6º da PI, uma vez que não foi impugnada, como resulta do alegado pelo Réu no artigo 3º da sua Contestação, devendo considerar-se assente por acordo que: "A moradia que a Autora prometeu comprar e que o Réu prometeu vender era composta de rés-do-chão e lº andar e ainda de um anexo".
 - a vertida no ponto 7 dos temas da prova: "No mês de abril de 2021 o Réu entrou na habitação referida em C) infra e substituiu as fechaduras".
Sustenta a sua posição na confissão do R. nas suas declarações de parte.
O R. na resposta à ampliação do recurso, defende que apenas se pode considerar confessado que “a moradia que a Autora prometeu comprar e que o réu prometeu vender era composta de rés do chão e 1.º andar”, uma vez que o no art.º 2 da contestação não refere que o imóvel seja composto “também por um anexo.”
O art.º 6º da p.i. é do seguinte teor: “A moradia que a Autora prometeu comprar e que o Réu prometeu vender era composta de rés-do-chão e lº andar e ainda de um anexo".
E o art.º 3º da contestação é do seguinte teor: “Assim, o Réu dá por integralmente impugnado o teor de todos os artigos da p.i., artigos 1.º a 85.º, com excepção dos artigos 2.º, 6.º, 10.º e 11.º que correspondem à verdade.”
O facto expressamente confessado é o que consta do art.º 6º da p.i., que deve ser aditado aos factos provados, corrigindo-se, por impreciso, que o anexo faça parte da moradia, mas antes do imóvel objeto do contrato promessa. Assim, o facto aditado tem o seguinte teor:
“LL. O imóvel que a Autora prometeu comprar e que o Réu prometeu vender era composto de moradia de rés-do-chão e lº andar e ainda de um anexo".
Relativamente à entrada na moradia e substituição de fechaduras pelo R., verifica-se que este, nas declarações de parte, afirmou que a A. o proibiu de entrar na moradia na data da vistoria realizada em 20/10/2020. Explicou que depois de receber a carta da A., datada de 06/04/2021, que lhe dava o prazo de 30 dias para realizar obras, tal como no ofício emitido pela Câmara Municipal, foi à moradia para realizar as obras; que sabia pelos vizinhos que ninguém lá morava e uma vez que a A. tinha mudado a fechadura, sem lhe ter pedido autorização, sentiu-se na obrigação de tomar a casa por 30 dias para repará-la. Levou pessoas para mudar a fechadura, iniciou logo as obras para cumprir o prazo estipulado pela própria A.
Não se pode, pois, considerar confessado, isoladamente, que o R. tenha entrado na moradia e substituído as fechaduras, pois pelo mesmo foi explicado o contexto em que tal ocorreu.
A considerar-se provado tal facto sempre se imporia contextualizar o mesmo, nos moldes que o R. relatou nas suas declarações, assim ficando desprovido de interesse o aditamento pretendido pela A., pois tal circunstancialismo não permite deduzir o intuito de não cumprir o contrato, antes pressupõe que o R. pretendia realizar as obras para que pudesse obter a licença de utilização, o que, aliás manifestou na carta datada de 14/04/2021.
Nos termos do disposto no art.º 360º do CC “se a declaração confessória, judicial ou extrajudicial, for acompanhada da narração de outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, a parte que dela quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexatidão”.
Uma vez que a A. pretendeu prevalecer-se da confissão em termos restritos, sem aceitar como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias e não tendo provado a sua inexatidão, não se admite o pretendido aditamento.  
Pelo exposto, procede parcialmente a impugnação da decisão de facto, com o adiamento do facto provado LL).
2. Da incumprimento do negócio jurídico celebrado e suas consequências
Estabelece o art.º 410º do C. Civil que:
“1. À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.
2. Porém, a promessa relativa à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral.
3. No caso de promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fração autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respetiva licença de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte.”
Não vem questionada a qualificação jurídica da relação negocial estabelecida entre A. e R., em 20/04/2018, acertadamente efetuada, como sendo um contrato-promessa de compra e venda, em que a primeira figura como promitente compradora e o segundo como promitente vendedor, tendo as partes celebrado um aditamento ao mesmo, que contempla o reforço do sinal e a entrega das chaves à A.
O R./apelante entende que não resultaram provados quaisquer factos que fundamentem o incumprimento do contrato promessa por causa que lhe seja imputável, pois a sentença fundou-se na perda de interesse por parte da A., sem que lhe seja assacada a falta de qualquer prestação/obrigação decorrente do contrato promessa. Mais entende que foi a A. que incumpriu o contrato.
Pugna pela revogação da sentença e sua absolvição do pedido, pela condenação da A./reconvinda, por incumprimento do contrato promessa, na perda do sinal pago a favor do réu; caso assim se não entenda, pela alteração da condenação a título de juros, os quais, defende, apenas serem devidos a partir de do trânsito em julgado da decisão.
Ao contrato promessa aplica-se o regime específico consagrado no art.º 442º do CC, bem como o regime geral do cumprimento e o do incumprimento das obrigações.
O contrato-promessa tem como objeto imediato, constituindo a obrigação principal ou típica, a realização do contrato prometido. No contrato-promessa os outorgantes vinculam-se a prestações de facto de celebrar no futuro, em determinado prazo, o contrato prometido, in casu, o contrato de compra e venda do prédio nele identificado. A realização das prestações de facto consubstancia as obrigações principais decorrentes do contrato-promessa.
O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, ou seja, quando realiza pontualmente, com diligência e boa fé (art.º 762º).
E considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, não realize, no tempo devido, a prestação ainda que possível, a que está vinculado (art.º 804º, nº 2).
Por seu turno, o incumprimento definitivo da obrigação de contratar, verifica-se nos seguintes casos: inobservância de prazo fixo absoluto (termo essencial), contratualmente estipulado; perda do interesse do credor, em consequência da mora, apreciada objetivamente; perda subjetiva do interesse do credor pelo decurso do prazo fixado por este mediante interpelação admonitória; recusa do credor inequívoca e definitiva de cumprir, por forma a tornar dispensável a interpelação admonitória (artºs 801º e 808º).
É entendimento largamente maioritário quer na doutrina quer na jurisprudência que a simples mora não desencadeia a aplicação das sanções previstas no art.º 442º do CC, sendo necessário que ocorra o incumprimento definitivo do contrato-promessa.
Por todos, v. Calvão da Silva, in “Sinal e Contrato-Promessa”, p. 87: “A inaplicabilidade do regime do sinal à mora é a boa regra na doutrina e na jurisprudência”
Na jurisprudência, por todos, v. Ac. STJ de 09/02/2006, proc. nº 05B4093, in www.dgsi.pt:
“III - A aplicação da sanção que o art.º 442º, nº 2, prevê pressupõe a resolução do contrato-promessa, que, por sua vez, só a falta definitiva e culposa de cumprimento legitima.
IV - Por isso só há lugar à sanção prevista no art.º 442º, nº 2, em caso de incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa - sempre, pois, tendo eventual mora (art.º 804º, nº 2) de ser para tanto convertida em incumprimento definitivo (arts. 801º e 802º)”.
Aquando da celebração do contrato a A. entregou ao R. a quantia de € 19.000,00, “a título de sinal e início do pagamento do preço acordado” – de € 190.000,00 - e com a outorga da adenda a A. entregou a quantia de € 40.000,00, como “reforço de sinal”.
Tais quantias revestem a natureza de sinal, atento o disposto no art.º 441º do CC, que estabelece: “no contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.
O apelante discorda do entendimento plasmado na sentença, ao imputar-lhe o incumprimento definitivo do contrato promessa, com fundamento na perda do interesse da A., pois incumbia-lhe provar que a perda de interesse no contrato se ficou a dever à mora do promitente vendedor (na obtenção da licença), o que não foi o caso. Considera que dos factos provados resulta que não foi o atraso na realização da escritura que determinou a perda de interesse e que esta manifestação apenas ocorreu porque entendeu que não tinha condições para residir na habitação, imputando ao Réu incumprimento de obrigações que este não assumira, nem de forma expressa, nem implicitamente.
Na sentença pode ler-se: “Provado está que essencial para a autora foi que tal documentação reflectisse o estado do aludido imóvel à data de 20-4-2018, pois jamais a autora soube de tal desconformidade, ou seja a mesma não pretendia, como parece evidente, celebrar o contrato de compra e venda com base na Licença de Utilização emitida em momento anterior ao mês de Agosto de 2010 (pontos A., B. e G. dos factos provados).
Nesta decorrência, há que apreciar se se mostra razoável que o réu apenas tenha obtido a licença de utilização no ano de 2021.
Com efeito, tendo o Contrato Promessa de Compra e Venda sido celebrado a 20-4-2018, apenas no ano de 2021, ou seja cerca de três anos após tal celebração contratual, a aludida licença foi obtida, tudo conforme decorre do acima expressa da factualidade dada como provada.
Face ao provado não se assume como causa justificativa da aludida delonga temporal, a comumente vivenciada situação pandémica provocada pela doença infecciosa resultante do vírus SARS-CoV-2.
Assim, além do exposto, foram verificadas pela autora e, atempadamente, comunicadas ao réu situações de humidade, infiltrações e, em síntese, de anomalias do imóvel objecto do Contrato Promessa (pontos N. a V. dos factos provados). Ora, tais situações foram-se agravando e levaram a que a autora e a sua Mãe deixassem de residir na casa em apreço, no mês de Abril de 2020.
Face ao exposto, verificado está o incumprimento definitivo do Contrato Promessa de Compra e Venda, face à perda de interesse objecto por parte da autora.”
As partes estipularam que a escritura de compra e venda seria realizada no prazo de 180 dias a contar da data da assinatura do contrato promessa, incumbindo à A. a sua marcação (cfr. cláusulas 3ª, nº 2, al. b) e 4ª do contrato promessa).
Nos termos da cláusula 5ª o R. obrigou-se a obter todos os documentos necessários à outorga da escritura e a facultá-los atempadamente à A.
Verifica-se que não vem provado – nem foi alegado – que a A. tenha procedido à marcação da escritura de compra e venda, no prazo estipulado ou posteriormente.
Importa atentar, todavia, que o imóvel objeto do contrato promessa consiste, além do mais, em casa de rés do chão e primeiro andar tendo o primeiro andar sido construído em agosto de 2010, sem que o R. tenha apresentado projeto de alteração no Município de ….
Em virtude da adenda efetuada a A. e sua mãe passaram a residir no imóvel, o que fizeram até ao mês de abril de 2020, por falta de condições da mesma.
No Outono de 2018, em data não concretamente apurada, começaram a aparecer os primeiros sinais de humidade e infiltrações nas paredes da aludida casa. Em momento anterior a casa tinha já apresentado problema de entupimento de esgotos. No Inverno de 2018/19, as aludidas humidades e infiltrações agravaram-se, tendo surgido manchas pretas e empolamentos da pintura. No Outono de 2019, a situação agravou-se, uma vez que as machas pretas, os empolamentos da pintura e os fungos espalharam-se por toda a casa. Existia falta de ventilação nas casas de banho. Do ora exposto a autora ia informando o réu.
Em janeiro de 2020, a autora e o réu reuniram nas instalações da imobiliária ERA, sita em …. Na dita reunião, a autora expressou que, a manter-se as anomalias acima referidas, deixaria de ter interesse na compra da casa e que, assim, queria o seu dinheiro de volta.
Em maio de 2020, a autora foi aos serviços da Câmara Municipal de …, com vista a tentar saber qual a efetiva situação da casa.
No auto de vistoria datado de 29 de outubro de 2020 emitido pela Câmara Municipal de … exarou-se que: “(…) Verificaram os técnicos no local, que se trata de uma moradia, de tipologia T I, destinada a habitação, anexo e alpendre, que não se encontra construída em harmonia com o projeto de arquitetura aprovado e que não reúne as condições de salubridade necessárias para a utilização prevista (habitação), nomeadamente:
1. O revestimento da cobertura do anexo em fibrocimento, não respeita o previsto em projeto (telha cerâmica tipo "Lusa")
2. Não existe sistema de ventilação nas instalações sanitárias, conforme preconizado na memoria descritiva do projeto da espacialidade de águas residuais;
3. As paredes e tetos interiores da moradia, ao nível da sala de estar/jantar, do quarto e dos compartimentos de arrumos situados no 2º piso, apresentam patologias graves, nomeadamente, destacamentos e empolamentos do revestimento, acompanhados pelo desenvolvimento de fungos e eflorescências, derivado da infiltração de água e deficiente ventilação interior da habitação, potenciando risco de curto-circuito da instalação elétrica e comprometendo a saúde dos moradores. Face ao anteriormente exposto, considera-se que não pode a Autorização de Utilização ser concedida. (…)».
Em comunicação datada de 09/02/2021 a Câmara Municipal de … (cfr. documento nº 11 anexo à pi), exarou-se «(…) Assunto: PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO DE UTILIZAÇÃO PARA ALTERAÇÕES DE AMPLIAÇÕES DE MORADIA … - Reporta-se o assunto acima referenciado e, na sequencia da vistoria efetuada à moradia sita no local acima referenciado, com a sua presença, em conformidade com o despacho exarado em 2020/11/02, pelo Vice-Presidente da Câmara, Sr. …, informa-se V Ex.ª – na qualidade de arrendataria, do seguinte:
Foi verificado que a moradia em apreço não está construída em conformidade com o projecto aprovado, bem como não reúne as condições de salubridade necessárias para a utilização prevista (habitação).
Nesta conformidade, face ao acima referido, foi notificado o proprietário do imóvel para apresentar um projeto de legalização (…)».
A primeira comunicação escrita, junta aos autos, que a A. dirigiu ao R. sobre a falta de licença relativamente ao 1º andar deu-se em 06/04/2021, referindo-se, ainda, às anomalias detetadas no imóvel. Nessa missiva a A. interpelou o R. “para proceder, no prazo máximo de 30 dias, contados da sua receção, à legalização da moradia em conformidade com as exigências camarárias e à entrega da documentação necessária para instruir a escritura pública de compra e venda”.  
O projeto de alteração da licença de construção da casa, devido à ampliação da mesma, deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de … em 27/08/2018 e em 13/02/2020 foi emitido pelo Município de … o alvará de obras de construção n.º 15/2020.
Embora não conste expressamente dos factos provados que a A. tinha conhecimento de que o 1º andar não estava abrangido por licença, apontam nesse sentido, de forma conjugada, os factos provados A) e C), pois no primeiro consta que pela apresentação n.º 1 de 2000/09/26 o prédio urbano descrito como “casa de rés do chão” está inscrito a favor do reconvindo por compra; e no segundo transcreve-se a clausula primeira do contrato promessa, referindo o nº 1 que o imóvel tem o alvará de utilização n.º 172/71, emitido em 03/02/1971 pela Câmara Municipal de ….
Destes factos, em articulação com o descrito no ponto B), resulta que a referida licença de utilização se mostrava totalmente desatualizada face à realidade existente.
O prazo estabelecido para a celebração da escritura de compra e venda não reveste a natureza de prazo essencial, pois nenhum elemento aponta nesse sentido. Tratando-se de imóvel que não possuía licença de utilização atualizada, à data do contrato-promessa, impõe-se afastar a natureza essencial do prazo estipulado, pois trata-se de situação em que o prazo, considerando a sua natureza, o conteúdo e a finalidade do contrato, não lhe conferem um carácter rigorosamente fixo (ou essencial), nem constitui para qualquer das partes, condição resolutiva automática.
A não celebração do contrato de compra e venda no prazo estabelecido não se pode imputar exclusivamente a qualquer das partes, dado que, embora a A. não tenha procedido à sua marcação, faltava a licença de utilização (atualizada), que, se veio a verificar, dependia ainda de obras a realizar, quer devido à desconformidade com o projeto aprovado, quer por não reunir as condições de salubridade necessárias para a utilização prevista (habitação). Todavia, o R. apresentou o projeto de alteração da licença de construção em 27/08/2018.
Não se encontram apurados factos que permitam concluir por comportamento negligente do R. nas diligências a efetuar com vista à obtenção da licença camarária. Não ficou demonstrado qual a causa da delonga na concessão da licença de utilização, a que eventualmente não terá sido completamente alheia a pandemia da doença COVID -19, vivenciada nos anos de 2020 e 2021.
Pode, assim, concluir-se que o R. não incumpriu definitivamente o contrato promessa, antes incorreu em mora, pois não obteve a licença de utilização no prazo estipulado para a celebração do contrato, mas diligenciou pela sua obtenção, sucedendo que, pelo menos, em abril de 2021 a mesma não tinha ainda sido emitida, como admitido pelo R. na sua carta datada de 14/04/2021. Salienta-se que não consta dos factos provados a data em que a licença foi emitida.
Por seu turno, à A. não pode ser assacado o incumprimento (ou sequer a mora) do contrato promessa pelo facto de não ter marcado a escritura, atento o circunstancialismo verificado quanto à falta de licença.
Impunha-se que a A. tivesse convertido a mora em incumprimento definitivo, quer através de fixação de um prazo suplementar admonitório, quer pela perda de interesse na outorga do contrato objetivamente apreciada (art.º 808, nºs 1 e 2 do C.C.).
Face ao factualismo provado há que concluir que a A. não efetuou a referida interpelação admonitória, com vista a converter a mora em incumprimento definitivo.
A carta datada de 06/04/2021 não contém todos os elementos da interpelação admonitória.
“A interpelação admonitória com fixação de prazo peremptório para o cumprimento a que se refere a segunda parte do nº 1 do art.º 808º é, pois, uma intimação formal dirigida ao devedor moroso para que cumpra a sua obrigação dentro de certo prazo determinado, sob pena de se considerar o seu não cumprimento como definitivo. (…)
A interpelação admonitória deve conter três elementos: a) a intimação para o cumprimento; b) a fixação de um termo peremptório para o cumprimento; c) a admonição ou a cominação (declaração admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro daquele prazo.” [1]
Atinente a esta questão apenas se consignou como provado que a A. comunicou ao R. “(…) venho pela presente carta interpelar V.Exa para proceder, no prazo máximo de 30 dias, contados da sua receção, à legalização da moradia em conformidade com as exigências camarárias e à entrega da documentação necessária para instruir a escritura pública de compra e venda” – o que é manifestamente insuficiente para se ter por verificada a interpelação admonitória, uma vez que inexiste qualquer admonição ou cominação.
A sentença recorrida, como vimos, fundou o incumprimento definitivo do R. na perda de interesse por parte da A., quer por a licença apenas ter sido obtida em 2021 (facto que não se mostra provado), quer devido às anomalias que o imóvel apresentava.
Como vimos em 06/04/2021 a A. manifestou interesse na celebração do contrato de compra e venda, tendo concedido prazo para a obtenção da licença.
O R. respondeu à carta da A., em 14/04/2021, comunicando, além do mais, que “(…) Em conformidade com o contrato promessa de compra e venda e com os factos descritos e que eram do seu conhecimento, apresentado antes do contrato promessa o projecto de alteração da moradia, incluída a construção do primeiro andar e o barbecue/forno no pateo, cumpridas todas as exigências legais, solicitada foi nova vistoria, conforme documento em anexo, com vista à emissão de licença de utilização a breve prazo, esperando-se a sua rápida emissão com vista à celebração da escritura de compra e venda da moradia conforme contrato promessa celebrado. Já foram efetuadas todas as reparações necessárias. É quanto importa comunicar e esclarecer, para além de tudo o que é já do seu inteiro conhecimento, como é do seu conhecimento que se aguarda emissão da licença de utilização, atrasada na Câmara Municipal de …., devido à epidemia. (…)».
Afigura-se, pois, que o atraso na obtenção da licença não conduziu à perda de interesse na prestação do R., por parte da A.
As anomalias apontadas ao imóvel pela A., elencadas nos factos provados O, P, Q, R e S, verificadas desde o outono de 2018, confirmadas em auto de vistoria realizado pelos serviços da Câmara Municipal, impediram-na de continuar a residir na moradia, desde abril de 2020, por falta de condições de salubridade, do que foi informando o R., desde o outono de 2018, e que persistiam à data daquela vistoria, em outubro de 2020 – o que foi salientado pela A., na missiva dirigida ao R. datada de 06/04/2021: “(…) Algum tempo depois de estar na posse da moradia esta começou a apresentar vários problemas, nomeadamente infiltrações de água, constantes entupimentos de esgotos, as paredes manchadas e com fissuras e um cheiro a gás insuportável, que tornam impossível a vida no local. Disso dei conta a V.Exa que, mais uma vez, voltou a referir-me que estava a tratar do assunto na Câmara de modo a resolver todos os problemas e podermos fazer a escritura, o que até ao momento ainda não aconteceu, pese embora já ter decorrido quase três anos, após a outorga do contrato promessa. Pelo contrário, à medida que o tempo ia passando a situação deteriorava-se ainda mais, ao ponto de ser forçada a sair da moradia por falta de condições de habitabilidade, com todos os prejuízos que a situação acarreta. Entretanto procurei saber junto da Câmara Municipal de … qual a situação da moradia e, para meu espanto, fui recentemente informada, por carta de 09/02/2021, que "a moradia em apreço não está construída em conformidade com o projeto aprovado bem como não reúne as condições de salubridade necessárias para a utilização prevista (habitação)". Ora, V.Exa nunca me tinha dito que havia este problema de desconformidade da construção com o projeto. O que é muito grave, pois, quando celebrei o contrato fi-lo no pressuposto de que a moradia, de rés-do-chão e 1º andar, estava legal e em perfeitas condições de habitabilidade. Enfim, V.Exa andou sempre a omitir a real situação da moradia e, apesar do tempo já decorrido, não assegurou nem a legalidade do construído, nem a sua conformidade com o projeto, nem garantiu as necessárias condições de habitabilidade, impedindo assim a sua utilização para o fim pretendido. E por estas razões, imputáveis exclusivamente a si, a escritura não foi nem podia ser celebrada no prazo estabelecido no contrato ou em qualquer outro, dado que V.Exa até ao momento continua sem cumprir com todas as exigências camarárias, ou seja, ainda hoje não resolveu os problemas da moradia nem obteve a licença de utilização necessária para a escritura.”
No auto de vistoria datado de 29/10/2020 consta: “ Verificaram os técnicos no local, que se trata de uma moradia, de tipologia T I, destinada a habitação, anexo e alpendre, que não se encontra construída em harmonia com o projeto de arquitetura aprovado e que não reúne as condições de salubridade necessárias para a utilização prevista (habitação), nomeadamente:
1. O revestimento da cobertura do anexo em fibrocimento, não respeita o previsto em projeto (telha cerâmica tipo "Lusa")
2. Não existe sistema de ventilação nas instalações sanitárias, conforme preconizado na memória descritiva do projeto da espacialidade de águas residuais;
3. As paredes e tetos interiores da moradia, ao nível da sala de estar/jantar, do quarto e dos compartimentos de arrumos situados no 2º piso, apresentam patologias graves, nomeadamente, destacamentos e empolamentos do revestimento, acompanhados pelo desenvolvimento de fungos e eflorescências, derivado da infiltração de água e deficiente ventilação interior da habitação, potenciando risco de curto-circuito da instalação elétrica e comprometendo a saúde dos moradores. Face ao anteriormente exposto, considera-se que não pode a Autorização de Utilização ser concedida. (…)”.
Resulta, ainda, manifesto da carta datada de 19/04/2021, que dirigiu ao R., que foi a falta de condições de habitabilidade que conduziu à perda de interesse na celebração do contrato de compra e venda, na qual conclui “Dito isto, a grande verdade é que esta situação já se arrasta há vários anos e a moradia continua sem apresentar as necessárias condições de habitabilidade, como confirmaram os técnicos da Câmara, na referida vistoria.
E nem sequer pode queixar-se de falta de tempo para cumprir as suas obrigações e honrar os seus compromissos contratuais, dado que, apesar das minhas insistências para fazer as obras V.Exa só no inicio de 2020 solicitou a licença de obras, sendo que nada foi feito, nem antes nem depois da sua emissão.
Toda a situação acima descrita é insustentável e leva inevitavelmente à perda de interesse na aquisição da moradia prometida vender, para além do enorme desgaste físico e psíquico que provoca, agravado, agora, pelo clima de insegurança, causado pela sua intromissão no interior da moradia.
Com efeito, perante a gravidade da situação e a sua afirmação de que "já realizou todas as reparações necessárias", sem que tenha realizado qualquer obra na moradia, considero definitivamente perdido o interesse na sua aquisição.”
Estando em causa obrigações que não se integram no sinalagma específico do contrato-promessa, mas que autonomamente constituam fundamento de ação de cumprimento, de incumprimento ou cumprimento defeituoso, aplica-se o regime próprio do contrato prometido (art.º 410º, nº 1 do C.C.) ou o regime geral – mas é-lhe inaplicável o regime do cumprimento ou incumprimento do contrato-promessa, maxime o art.º 442º  do CC. [2]
Na resposta ao recurso e sua ampliação a A. defende que o R. se introduziu no interior da moradia contra a sua vontade e substituiu as fechaduras, apossando-se da mesma como coisa sua, depois de ter entregado as chaves à Autora, o que revela um comportamento concludente de que não queria cumprir o contrato promessa.
Não lhe assiste razão, por não se ter provado, sem mais, que o R. se apossou da moradia, comportamento revelador de não querer cumprir o contrato promessa, como acima assinalado. Acresce que contrariam esta versão as cartas enviadas pelo R. depois de recebida a carta da A. datada de 06/04/2021.  
Defeitos serão, para o efeito, tanto os vícios que tiram valor ou aptidão à coisa para o uso ordinário ou previsto no contrato, como as desconformidades com o que as partes estipularam.
O cumprimento defeituoso da prestação, nos termos sobreditos, a não eliminação dos defeitos/anomalias detetados e apontados pela A., três anos depois da celebração do contrato promessa, à luz do homem médio que celebra um contrato-promessa com vista à aquisição de um imóvel para sua habitação, defeitos que afetam a sua finalidade (habitação), constitui motivo razoável e aceitável para a invocada perda de interesse na celebração do contrato prometido.
Se os vícios da coisa prestada se afastam de tal modo da prestação convencionada, mostrando-se insuscetível de satisfazer o interesse do credor, apreciado objetivamente, é pacífica a doutrina e jurisprudência em fazer equivaler o cumprimento defeituoso ao puro incumprimento com as consequências que lhe são próprias – é o que sucede in casu, pois o imóvel não tinha condições de habitabilidade.
Assim, nos termos do disposto no art.º 808º do CC à A. tem-se por verificada a perda objetiva de interesse na celebração do contrato promessa por parte da A., o que comunicou por carta datada de 19/04/2021 e corroborou nas cartas datadas de 10/05/21 e 25/05/21, nas quais, além do mais, pediu a devolução do sinal em dobro, invocando o disposto no art.º 442º do CC.
Em tais missivas a A. comunica, inequivocamente que considera extinto o contrato promessa, equivalendo à resolução, que operou válida e eficazmente.
"A resolução é a destruição da relação contratual, operada por acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam, se o contrato não tivesse sido celebrado” [3]
A resolução coloca as partes na situação que teriam se o contrato não tivesse sido celebrado, já que, em princípio, produz os mesmos efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio (artigos 433º e 434º CC), salvo nos casos previstos no nº 2 deste preceito legal.
 “A resolução cria, em regra, obrigações para as partes – as obrigações necessárias ao regresso dos contraentes ao status quo ante. (…). Mas a destruição da relação contratual, nos termos próprios da resolução do negócio, envolve também a extinção das obrigações que o contrato haja criado e ainda não tenham sido cumpridas.” [4]
Em caso de resolução o credor tem direito a indemnização pelos prejuízos que lhe advieram do incumprimento da contraparte – é o denominado interesse contratual negativo ou de confiança, em que se pretende colocar o credor na situação em que se encontraria se não tivesse celebrado o contrato.
Ao optar pela não subsistência do contrato a tutela do seu direito indemnizatório resume-se, como já afirmado, ao interesse contratual negativo.
A A. tem, assim, direito a ser indemnizada pelas quantias que despendeu em virtude da celebração do contrato-promessa: o valor das quantias entregues a título de sinal, no montante global de € 59.000,00 – e não o dobro, uma vez que, repete-se, é inaplicável o regime do art.º 442º do CC.
Na sentença foi reconhecido à A. o direito de retenção sobre o imóvel enquanto não lhe fossem pagas as quantias peticionadas, ao abrigo do preceituado no art.º 755º, nº 1, al. f) do CC – al. d) do dispostivo.
Condição de aplicação do citado preceito legal é que o crédito do beneficiário da promessa de transmissão que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, resulte do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art.º 442º do CC.
Como já acima explanado o crédito da A. não advém do art.º 442º do CC, pelo que não integra a previsão da norma que invocou, não lhe assistindo o direito de retenção.
O R./apelante insurge-se contra a condenação em juros de mora a partir da data da entrega do sinal.
Sobre a quantia entregue a título de sinal são devidos juros de mora a partir da data em que a A., depois de  comunicar que considerava definitivamente perdido o interesse na celebração do contrato de compra e venda, interpelou, por carta, o R. para devolver o sinal em dobro, o que apenas veio a efetuar por carta datada de 10 de maio de 2021, não se mostrando provada a data concreta em que o R. rececionou tal carta. Atento o facto consignado em M., os juros de mora são devidos a partir de 19 de maio de 2021 (art.º 805º, nº 1 do CC).
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida nos segmentos das alíneas b) e d), que se substituem pelos seguintes:
b) Condena-se o réu a pagar à autora o valor que recebeu a título de sinal no âmbito do aludido Contrato Promessa de Compra e Venda, ou seja, a quantia de € 59.000,00 (cinquenta e nove mil euros), acrescida dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos, desde 19 de maio de 2021 até integral e efetivo pagamento.
d) Julga-se improcedente o pedido de reconhecimento do direito de retenção sobre a casa objeto do Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado a 20/04/2018 (prédio urbano descrito na CRP de … sob o n.º …).
No mais, mantém-se a decisão.
Custas do recurso a cargo da A. e do R., na proporção de 3/4 e 1/4 respetivamente.

Lisboa, 22 de outubro de 2024
Teresa Sandiães
Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros
Carla Figueiredo
_______________________________________________________
[1] Baptista Machado, Obra Dispersa, vol. I, Scientia Ivridica, 1991, pág. 164.
[2] Neste sentido, v. entre outros, Ac. S.T.J. de 13/09/2011, proc. nº 122/07.7TCGMR.G1.S1, in www.dgsi.pt
[3] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, vol. II, p. 242).
[4] A. Varela, ob. citada, pág. 267