IRREGULARIDADE PROCESSUAL
LAPSO DE ESCRITA
LAPSO MANIFESTO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
ALIMENTOS
PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
PRAZO
REGIME DE VISITAS
Sumário

(da responsabilidade do relator):
I. Constitui mera irregularidade, sem influência na decisão da causa, o erro na indicação do nomen juris de um articulado de oposição à execução, que fique evidente do seu teor e não implique qualquer alteração no processado ou qualquer afetação no exercício do contraditório;
II. Não constitui excesso de pronúncia a decisão que decida extinguir parcialmente a execução, na sequência de articulado intitulado pela parte de “oposição à penhora”, tendo a tramitação seguido a forma estabelecida para os embargos de executado e tendo sido exercido contraditório correspondente a esta forma processual;
III. Não deve admitir-se reapreciação da decisão de facto quando o recorrente se refira genericamente a documentos apresentados, por não cumprimento do ónus processual de especificação do meio probatório estabelecido pelo art.º 640.º n.º 1 al. b) do CPC;
IV. A causa de suspensão do prazo de prescrição da obrigação de alimentos estabelecida pelo art.º 318.º al. b) do Código Civil não comporta o progenitor a quem tenha sido retirado o exercício do poder paternal, como não comporta o progenitor inibido do mesmo;
V. A ausência de visitas ou contactos com a alimentanda não constitui fundamento para modificar ou extinguir a obrigação de alimentos devidos a filho menor.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Decisão:
I. Síntese do recurso:
I.I. Elementos objetivos:
- Autos de recurso: - Autos de embargo de executado e oposição à penhora na dependência de processo de execução por alimentos;
- Tribunal recorrido: - Juízo de Família e Menores de Cascais - Juiz 1 (Comarca de Lisboa-Oeste);
- Decisão recorrida: – Sentença final. –
- Recursos em apreciação: - 2 (dois) – interpostos por ambas as partes nos autos. –
I.II. Elementos subjetivos:
- Recorrente/exequente/embargada: - (…);
- Recorrente/executado/embargado: - (…). –
I.III. Dispositivo da decisão recorrida:
Assim sendo e em face do exposto, julgo parcialmente procedentes os embargos de executado deduzidos, nos termos acima referidos, e, consequentemente:
A. determino que a instância executiva prossiga apenas e tão só para a cobrança de:
- Ano de 2003: 4 meses - Maio, Outubro, Novembro e Dezembro, no valor de 75,00 cada, acrescidos dos juros à taxa de 4% desde o vencimento de cada uma das prestações;
- Ano de 2004: 12 meses - todas as prestações da pensão de alimentos, no valor de €75,00, cada, acrescidos dos juros à taxa de 4% desde o vencimento de cada uma das prestações;
- Ano de 2005: 1 mês - a pensão de alimentos relativa a Janeiro, no valor de €75,00, acrescidos dos juros à taxa de 4% desde o vencimento de cada uma das prestações;
- Ano de 2006: 11 meses - as prestações da pensão de alimentos, relativas aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Setembro, Outubro,  Novembro e Dezembro, no valor de €75,00, cada, acrescidos dos juros à taxa de 4% desde o vencimento de cada uma das prestações;
- Ano de 2007: 6 meses - as prestações da pensão de alimentos, relativas aos meses de Abril, Maio, Julho, Agosto, Novembro e Dezembro, no valor de €75,00, cada, acrescidos dos juros à taxa de 4% desde o vencimento de cada uma das prestações;
- Ano de 2008: 12 meses - todas as prestações da pensão de alimentos, no valor de €75,00, cada, acrescidos dos juros à taxa de 4% desde o vencimento de cada uma das prestações;
- Ano de 2009: 1 mês - a pensão de alimentos relativa a Agosto, no valor de € 91,16, acrescidos dos juros à taxa de 4% desde o vencimento de tal prestação;
- Ano de 2011: 6 meses - a pensão de alimentos relativa a Janeiro, Fevereiro, Junho,  Agosto, Novembro e Dezembro, no valor de € 91,16, acrescidos dos juros à taxa de 4% desde o vencimento de cada prestação;
- Ano de 2012: 7 meses - a pensão de alimentos relativa a Janeiro, Fevereiro, Março,  Abril, Maio, Junho e Dezembro, no valor de € 91,16, cada, acrescidos dos juros à taxa de 4% desde o vencimento de cada prestação;
- Ano de 2013: 2 meses - a pensão de alimentos relativa a Janeiro e Setembro, no valor de € 91,16, cada, acrescidos dos juros à taxa de 4% desde o vencimento de cada prestação;
- Ano de 2015: 1 mês - a pensão de alimentos relativa a Novembro, no valor de € 91,16, acrescidos dos juros à taxa de 4% desde o vencimento de tal prestação;
- Ano de 2016: 2 meses - a pensão de alimentos relativa a Fevereiro e Dezembro, no valor de € 91,16, acrescidos dos juros à taxa de 4% desde o vencimento de cada uma das prestações; e
- Ano de 2019: 12 meses, acrescidos dos juros à taxa de 4% desde o vencimento de cada uma das prestações.
B. É impenhorável o equivalente à totalidade da pensão social do regime não retributivo, que é de 224,24 euros (duzentos e vinte e quatro euros e vinte e quatro cêntimos).
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I.IV. Elementos recolhidos dos autos (de embargos; da execução e  dos autos de regulação do poder paternal);
1. Os presentes autos de embargos de executado correm por apenso a autos de regulação do poder paternal (n.º 1163/14.3T8CSC), integrando, além dos autos principais, um apenso de alteração da regulação do poder paternal – A; três incidentes de incumprimento do poder paternal – B, C e D e um apenso de promoção e proteção - E);
2. Os autos antes referidos mostram-se findos, tendo a filha de exequente e  executado completado 18 anos de idade em 20 de Outubro de 2018;
3. Por sentença proferida nos autos de regulação do poder paternal foi homologado acordo de regulação do poder paternal apresentado por estes em 27 de novembro de 2002 onde consta, além do mais, que a menor (…) fica confiada aos cuidados e guarda da mãe, sendo-lhe atribuído o poder paternal;
4. A execução de que os embargos são dependentes foi instaurada em 6/12/2019, para cobrança coerciva de pensão de alimentos devidos à filha menor, liquidando a exequente a dívida, a tal data, no valor de €12 793,14;
5. A execução foi apresentada a despacho liminar, tendo sido ordenada a penhora de bens do executado (despacho proferido a 16/12/2019);
6. Realizadas diligências para penhora, foi junto aos autos requerimento por entidade XX… Lda., em 21/9/2021, com o seguinte teor:
O trabalhador, (…), com o contribuinte fiscal n.° … aufere mensalmente a quantia de 450,00€, laborando em horário não completo;
(...) não aufere quantia superior ao ordenado mínimo nacional em vigor,
(...) Nessa conformidade, não pode, pois, atenta às disposições legais em vigor, ser deduzida qualquer quantia a título de penhora no vencimento do trabalhador, salvo melhor opinião.
7. Na sequência, foi proferido nos autos de execução, em 13/2/2022, despacho com o seguinte teor:
Relativamente à impenhorabilidade do salário mínimo prevista no art.º 738.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, cumpre esclarecer que tal preceito não tem aplicação quando o crédito exequendo é devido por alimentos, por força do disposto no n.º 4 do mesmo artigo.
Na situação de execução por alimentos, o limite da impenhorabilidade corresponde assim à quantia equivalente à totalidade da pensão social do regime não contributivo – art.º 738.º, n.º 4 do Código de Processo Civil – sendo que a pensão social do regime não contributivo foi fixada para 2022, no valor de € 213,91, pela Portaria 301/2021, de 15 de Dezembro;
8. Não consta dos autos executivos qualquer ato processual de notificação ao executado para deduzir oposição;
9. O requerimento inicial de embargos foi apresentado pelo executado a 29/9/2021, indicando no formulário citius esta forma (embargos de executado), mas intitulando o corpo do requerimento como oposição à penhora;
10. O executado concluiu o seu requerimento inicial da seguinte forma:
Julgar a presente oposição à penhora procedente por provada, ordenando o levantamento da penhora sobre o vencimento do aqui Executado, por inexistência de quantia exequenda e bem assim por “inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada”,
11. Sustenta a sua pretensão dizendo, em síntese:
- Ter efetuado pagamento de um conjunto de prestações cuja cobrança é solicitada (que descreve quanto a datas de vencimento e valor pago);
- A penhora de vencimento não ser admissível, por auferir valor inferior ao ordenado mínimo nacional;
- A filha ter atingido a maioridade, não tendo qualquer contacto com a mesma.
12. A executada apresentou contestou, que não foi admitida, por extemporânea;
13. Seguindo os autos, realizou-se audiência prévia, sendo proferido despacho de identificação do litígio e dos temas da prova com o seguinte teor:
OBJECTO DO LITÍGIO:
- Saber se a quantia exequenda é, ou não, devida.
***
TEMAS DE PROVA:
- Aferir se a quantia exequenda ou parte da mesma foi, ou não, paga pelo ora executado.
- Saber também, se as quantias peticionadas após a maioridade da filha do executado, são ou não devidas, a que título e ou se estão não pagas.
14. Foi realizada audiência final, na sequência da qual foi elaborada a sentença recorrida.
I.V. Conclusões do apelante embargante/executado (…):
1. Não pode o aqui Recorrente conformar-se com a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que, e com o devido respeito, não analisou convenientemente toda a prova produzida. Senão vejamos:
2. O aqui Requerente, no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais da sua filha, que decorreu no ano de 2002, foi condenado a pagar a quantia de €... a título de pensão de alimentos que foi liquidada durante todo o tempo, até que a menor atingiu a maioridade, e disso deu conta ao Tribunal referindo que iria cessar o pagamento da pensão de alimentos, pois desconhecia, como ainda hoje desconhece, por onde andou a sua filha, mas que até tem conhecimento que abandonou o país, sem que ninguém o tenha informado de tal, nem a mãe ou a própria filha, alguma vez se dirigiram ao ora recorrente a informar do que quer que seja.
3. E tanto assim é, que notificadas para se pronunciarem da cessação do pagamento da pensão de alimentos, nunca se opuseram a tal, ou vieram aos autos referir o que fosse, nem se quer opor-se em sentido contrário.
4. Chegados ao ano de 2019 a Recorrida, cuja insolvência se encontra decretada, vem, apresentar Requerimento Executivo contra o aqui Recorrente, peticionando valores a título de pensão de alimentos, alegadamente devidos, desde 2003 o que muito se estranha e não se pode deixar de alegar para os devidos e legais efeitos.
5. No que concerne ao ano de 2003, o douto Tribunal a quo considerou que o aqui Requerente terá liquidado apenas 8 meses a título de pensão de alimentos, o que não corresponde à verdade, até porque em sede de Oposição à Execução o Recorrente, juntou 10 comprovativos de pagamento de pensão de alimentos todos no valor de €75,00, pelo que, a existir algum montante em dívida serão apenas 2 meses de pensão de alimentos, que perfazem a quantia total de €150,00 (cento e cinquenta euros).
6. Pelo que, não se compreende, como pode o Tribunal a quo ter considerado como provado somente o pagamento de 8 meses de pensão de alimentos, e consequentemente condenar o aqui Recorrente na liquidação de 4 meses de pensão de alimentos, no valor de €300,00 (trezentos euros), acrescidos de juros de mora, quando resulta da prova documental que esse valor não é devido por se encontrar pago.
7. No que respeita ao ano de 2007, o Tribunal a quo, determinou que a Execução prosseguisse relativamente a 6 prestações mensais de pensão de alimentos, cada uma no valor de €75,00 (setenta e cinco euros), o que também não corresponde à verdade, uma vez que o Recorrente, juntou os comprovativos de pagamento relativamente a 9 meses de liquidação da pensão de alimentos, o que mais uma vez não se compreende a razão de ser da decisão quando da prova Documental resulta o oposto.
8. No ano de 2016, o aqui Recorrente, fez igualmente prova Documental, juntando os respectivos comprovativos de pagamento de liquidação da pensão de alimentos de todos os meses, no valor mensal de €91,16 (noventa e um euros e dezasseis cêntimos), contudo o Tribunal a quo também não deu como provado a liquidação da pensão de alimentos relativa ao ano de 2016, o que não se compreende.
9. O aqui Recorrente sempre liquidou todas as quantias devidas a título de pensão de alimentos da sua filha BB, mesmo quando a aqui Recorrida levou a filha de ambos para o Brasil, sem qualquer autorização do aqui Recorrente, e sem nunca informar o mesmo das questões de importância da vida da sua filha.
10. A verdade é que, nenhum dos documentos juntos aos presentes Autos pelo aqui Recorrente, foram impugnados pela aqui Recorrida, uma vez que a apresentação da Contestação foi extemporânea e por isso não foi admitida, o que não se pode deixar de alegar para os devidos e legais efeitos.
11. Destarte, a penhora em apreço é, inadmissível, pelo que deve ser levantada, com carácter de urgência, considerando as necessidades de subsistência e normais encargos do quotidiano do aqui Recorrente.
12. Ademais, e para além de tudo supra exposto, nos termos da al. f) do artigo art. 310º do C. Civil, prescrevem no prazo de cinco anos as pensões alimentícias vencidas, pelo que, a aqui Recorrida, apenas teria direito a reclamar, caso estivessem em dívidas pensões de alimentos de 2014 em diante, e nunca de 2014 para trás.
13. Ora, pelo supra exposto e demonstrado, é fácil concluir que não existe qualquer montante em dívida, pelo que a penhora não deverá prosseguir e por isso, deverá ser levantada, tão breve quanto a situação o exige, por não existir qualquer quantia em dívida.
14. Face a tudo o que supra vai exposto, deve ao presente Recurso ser julgado procedente por provado, e assim decidindo, e revogando a douta Sentença recorrida, fará V/Exa. a costumada, Justiça.
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Respondeu a apelada pugnando pela total improcedência do recurso. –
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I.VI. Conclusões da apelante-embargada/exequente (…) (sem atualização da grafia):
1. Por requerimento de 29.09.2021, o Executado (…), Executado melhor identificado nos Autos à margem referenciados, deduziu OPOSIÇÃO À PENHORA, ao abrigo do disposto no artigo 784.o n. 1 alínea a) do Código de Processo Civil.
2. No mesmo requerimento, tal executado alegou que o fazia, por ter sido notificado da penhora de vencimento até perfazer o montante global alegadamente em dívida, de €13.890,21 (treze mil, oitocentos e noventa euros e vinte e um cêntimos).
3. Apesar do pedido formulado pelo Executado (no sentido da oposição à penhora) o Tribunal recorrido proferiu uma Sentença que julgou procedentes uns embargos de executado.
4. Ao ter julgado procedentes uns embargos de executado (nunca deduzidos) quando o executado se limitou a deduzir uma oposição à penhora, a sentença recorrida é nula, por excesso de pronúncia, nulidade que vai aqui expressamente arguida, para todos os devidos e legais efeitos.
5. Ao ter julgado procedentes uns embargos de executado (nunca deduzidos) quando o executado se limitou a deduzir uma oposição à penhora, a sentença recorrida violou os Princípios do Pedido, da Verdade Material do Dispositivo e bem assim, o disposto nos artigos 1, 2, 3 e 615 todos do CPC, preceitos que foram interpretados em violação dos Princípios Constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana, da Confiança, da Igualdade e do Acesso ao Direito e, bem assim, do disposto nos artigos 1°, 2°, 13° e 20° da Constituição da República Portuguesa.
6. O Tribunal recorrido deveria ter interpretado os Princípios do Pedido, da Verdade Material do Dispositivo e bem assim, o disposto nos artigos 1, 2, 3 e 615 todos do CPC, em conformidade dos Princípios Constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana, da Confiança, da Igualdade e do Acesso ao Direito e, bem assim, do disposto nos artigos 1°, 2°, 13° e 20° da Constituição da República Portuguesa.
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Termos em que, fazendo-se a correcta aplicadas das normas e princípios legais invocados e a melhor interpretação dos elementos dos autos, deverá determinar-se a revogação da Sentença recorrida, absolvendo-se a exequente dos pedidos formulados pelo executado.
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Respondeu o apelado pugnando pela total improcedência do recurso. –
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I.VII. Factos dados por provados na decisão recorrida:
1. Por requerimento executivo apresentado a 9 de Dezembro de 2019, veio (…) propor ação de natureza executiva contra (....), reclamando o pagamento das pensões de alimentos em que o mesmo ficou condenado a pagar no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais.
2. Peticionou assim o pagamento da pensão de alimentos desde 2002 até Dezembro de 2016 e relativamente ao ano de 2019.
3. O Executado pagou mensalmente, no ano de 2002, a quantia de 74,82, por vale postal.
4. O Executado pagou mensalmente, no ano de 2003, a quantia de 75,00, por vale postal, relativamente aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Junho, Julho, Agosto e Setembro (8 meses).
5. O Executado pagou mensalmente, no ano de 2005, a quantia de 75,00, por vale postal, relativamente aos meses de Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro (11 meses).
6. O Executado pagou no ano de 2006, a quantia de 75,00, relativamente ao mês de Agosto (1 mês).
7. O Executado pagou mensalmente, no ano de 2007, a quantia de 75,00, por vale postal, relativamente aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Junho, Setembro e Outubro (6 meses).
8. O Executado pagou mensalmente, no ano de 2009, a quantia de 75,00, por vale postal, relativamente aos meses de Janeiro, Fevereiro e Março e desde Abril e pagou € 91,16 mensalmente, relativamente aos meses de Maio, Junho, Julho, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro (11 meses).
9. O Executado pagou mensalmente, no ano de 2010, a quantia de 91,16, por vale postal, relativamente a todos os meses do ano (12 meses).
10. O Executado pagou mensalmente, no ano de 2011, a quantia de 91,16, por vale postal, relativamente aos meses de Março, Abril, Maio, Julho, Setembro e Outubro (6 meses).
11. O Executado pagou mensalmente, no ano de 2012, a quantia de 91,16, por vale postal, relativamente aos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro (5 meses).
12. O Executado pagou mensalmente, no ano de 2013, a quantia de 91,16, por vale postal, relativamente aos meses de Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, e por transferência bancária, Outubro, Novembro e Dezembro (10 meses).
13. O Executado pagou mensalmente, no ano de 2014, a quantia de 91,16, por transferência bancária, todos os meses do ano (12 meses).
14. O Executado pagou mensalmente, no ano de 2015, a quantia de 91,16, por transferência bancária, relativamente aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Dezembro (11 meses).
15. O Executado pagou mensalmente, no ano de 2016, a quantia de 91,16, por transferência bancária, relativamente aos meses de Janeiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro e Novembro (10 meses).
16. Os anos 2017 e 2018 encontram-se integramente pagos (como o próprio Exequente o reconhece).
17. A filha do Executado completou 18 anos em 20 de Outubro de 2018.
18. O Executado não pagou qualquer quantia a título de pensão de alimentos no ano de 2019.
19. Em 21 de Agosto de 2021, o executado auferia a título de retribuição líquida a quantia de € 572,19 (quinhentos e setenta e dois euros e dezanove cêntimos).
20. O Executado e a filha não têm actualmente qualquer relação, tendo o pai ficado sem nada saber da filha durante vários anos, não a conseguindo contactar e recusando-se esta a contactar com o pai.
21. A filha do Executado esteve a viver no Brasil.
22. O executado ficou sem nada sabe da filha no que respeita à saúde e aos estudos da mesma. –
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II. Questões a decidir:
a) Do recurso da apelante-exequente-embargada:
- Da invocada nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia (qualificada pela recorrente como violação dos princípios do pedido, da verdade material do dispositivo e bem assim, o disposto nos artigos 1, 2, 3 e 615.º todos do CPC, preceitos que foram interpretados em violação dos princípios constitucionais da dignidade da Pessoa Humana, da confiança, da igualdade e do acesso ao Direito e, bem assim, do disposto nos artigos 1°, 2°, 13° e 20° da Constituição da República Portuguesa);
b) Do recurso do apelante-executado-embargante:
- Da admissibilidade da reapreciação da decisão de facto apresentada pelo recorrente;
- Na afirmativa, da subsistência da decisão de facto quanto aos concretos pagamentos de pensão dados por provados;
- Da invocada prescrição da obrigação exequenda;
- Da invocada existência de fundamento para extinção da obrigação de alimentos, designadamente por força da invocada ausência de contatos com a filha alimentanda. --
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III. Apreciação do recurso:
III.I. Apelação interposta pela exequente/embargada:
Da invocada nulidade, por excesso de pronúncia:
Sustenta a apelante - exequente um vício processual que qualifica como sendo relativo a violação de um conjunto de princípios, que indica (princípios do pedido, da verdade material, do dispositivo; violação dos princípios constitucionais da dignidade da Pessoa Humana, da confiança, da igualdade e do acesso ao Direito).
A base de sustentação da arguição decorre da circunstância de o executado ter qualificado o seu requerimento inicial como oposição à penhora, tendo sido proferida decisão de embargos de executado.
Importa considerar que o executado, apesar do título que deu ao seu articulado, preencheu o formulário do sistema citius indicando tratar-se desta última forma (embargos de executado).
Os autos foram recebidos liminarmente como embargos, sendo a exequente notificada para contestar nessa forma processual (o que fez, vindo a contestação a ser desentranhada, por ter sido apresentada extemporaneamente).
Pode dizer-se, como diz a recorrente – embargada, que o tribunal exorbitou a sua jurisdição ao proferir uma decisão que se pronunciou sobre a obrigação exequenda?
É manifesto que não.
Como supra referido, a apresentação deduzida em juízo pelo executado enferma de incorreções, a nível formal, com uma discrepância entre o nomen juris por si atribuído à peça processual e a indicação que fez constar no formulário do sistema citius, e, principalmente, a nível material, traduzindo uma discrepância entre o título dado à peça processual e o pedido na mesma formulado.
É, todavia, manifesto que a conclusão do seu articulado de oposição contém uma dupla oposição: - à execução e à penhora, ainda que imperfeitamente expressa (ao aludir ao levantamento da penhora sobre o vencimento por inexistência de quantia exequenda e inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada).
O pedido de declaração de inexistência de quantia exequenda, consequente com a alegação de pagamento de prestações alimentícias, manifesta e claramente pretende pôr em causa a extensão da obrigação exequenda, o que traduz um inequívoco fundamento de oposição à execução.
Ao aludir a inadmissibilidade da penhora (naqueles bens ou naquela extensão), está, também, inequivocamente, a deduzir uma pretensão de oposição a este ato executivo.
No enquadramento desta questão deve considerar-se o disposto nos artigos 784.º e 785.º n.º 1 do CPC -  a oposição à penhora é um incidente da própria execução, a deduzir com fundamento tipificado, no prazo de dez dias do conhecimento do ato pretendido reagir, enquanto os embargos de executado constituem uma verdadeira ação, dependente da execução, cujo objeto é sindicar a substância ou a eficácia da obrigação pretendida executar.
Sendo os embargos de executado uma verdadeira ação enxertada na execução e a oposição à penhora um mero incidente desta, poderia, em abstrato, dar-se sustentação à tese da apelante, relevando o articulado apresentado como um estrito pedido incidental de oposição à penhora, por ser esse o título dado à peça apresentada pelo executado.
Assim não é, todavia.
Em primeiro lugar, para qualificar qualquer peça processual deve partir-se sempre da consideração das pretensões efetivamente formuladas pela parte, o que decorre dos pedidos deduzidos, e não, portanto, do nomen juris que a parte atribua a um articulado ou a uma peça processual (que, no limite, pode até ser omitido, sem prejuízo para a regularidade do processado, desde que o teor do apresentado seja claro).
Em segundo lugar, e mais relevante, porque o legislador previu expressamente a possibilidade de a oposição à execução dever ser cumulada com a oposição à penhora, no caso de processos executivos para pagamento de quantia certa que se iniciem pelo ato executivo, como é o caso da execução em apreço - art.º 856.º n.º 1 e 3 do CPC.
É esta, sem margem para dúvida, a materialidade da oposição deduzida, sendo, portanto, uma oposição cumulada à execução e à penhora.
Diga-se que a invocação da apelante de excesso de pronúncia (ou de violação do dispositivo e da confiança) não só é destituída de fundamento como é até abusivamente feita em sede de recurso, na medida em que nenhum momento a questão foi anteriormente por si colocada nos autos, o que, mesmo desconsiderando a contestação (não admitida), leva a que tenha omitido qualquer referência a tal irregularidade aquando da audiência prévia realizada (em que o litígio foi identificado, clara e inequivocamente, por referência à matéria de oposição à execução), e em sede de audiência final, cujo objeto da prova produzida foi, no essencial, relativo aos pagamentos realizados pelo executado.
A exequente-embargada conheceu a pretensão, exerceu contraditório com os prazos e na forma correspondente à ação (e não ao incidente), praticou e participou em atos processuais de debate e nada invocou acerca desta irregularidade, o que atesta, de forma clara, a inexistência de qualquer frustração da confiança.
O tribunal decidiu, de facto e direito, relativamente a pretensão que lhe foi deduzida, e nos limites da mesma, não existindo qualquer violação do dispositivo.
A desconformidade verificada constitui, assim, uma mera irregularidade, sem qualquer influência no desfecho da causa ou no direito das partes, improcedendo in totum a apelação deduzida pela embargada-exequente.
III.II. Do recurso apresentado pelo executado-embargante:
a) Da admissibilidade da reapreciação da decisão de facto:
Pretende o apelante pôr em causa a decisão de facto relativa aos pagamentos de pensão alimentícia dados por provados.
São as seguintes as conclusões do recorrente relativas à matéria de facto que pretende pôr em causa:
No que concerne ao ano de 2003, o douto Tribunal a quo considerou que o aqui Requerente terá liquidado apenas 8 meses a título de pensão de alimentos, o que não corresponde à verdade, até porque em sede de Oposição à Execução o Recorrente, juntou 10 comprovativos de pagamento de pensão de alimentos todos no valor de €75,00, pelo que, a existir algum montante em dívida serão apenas 2 meses de pensão de alimentos, que perfazem a quantia total de €150,00 (cento e cinquenta euros).
Pelo que, não se compreende, como pode o Tribunal a quo ter considerado como provado somente o pagamento de 8 meses de pensão de alimentos, e consequentemente condenar o aqui Recorrente na liquidação de 4 meses de pensão de alimentos, no valor de €300,00 (trezentos euros), acrescidos de juros de mora, quando resulta da prova documental que esse valor não é devido por se encontrar pago.
No que respeita ao ano de 2007, o Tribunal a quo, determinou que a Execução prosseguisse relativamente a 6 prestações mensais de pensão de alimentos, cada uma no valor de €75,00 (setenta e cinco euros), o que também não corresponde à verdade, uma vez que o Recorrente, juntou os comprovativos de pagamento relativamente a 9 meses de liquidação da pensão de alimentos, o que mais uma vez não se compreende a razão de ser da decisão quando da prova Documental resulta o oposto.
No ano de 2016, o aqui Recorrente, fez igualmente prova Documental, juntando os respectivos comprovativos de pagamento de liquidação da pensão de alimentos de todos os meses, no valor mensal de €91,16 (noventa e um euros e dezasseis cêntimos), contudo o Tribunal a quo também não deu como provado a liquidação da pensão de alimentos relativa ao ano de 2016, o que não se compreende.
Quer isto dizer, em síntese, que o recorrente invoca que efetuou os seguintes pagamentos de pensão, não computados ou insuficientemente computados:
- Dez prestações alimentícias em 2003 (e não oito, como dado por provado);
- Nove prestações alimentícias em 2007 (e não seis, como dado por provado);
- Todas as prestações alimentícias do ano 2016 (e não dez, como dado por provado).
Sustenta a sua arguição dizendo, para qualquer destes segmentos, que juntou comprovativos de pagamento de pensão de alimentos.
Será que esta alusão satisfaz as exigências legais para impugnação da decisão de facto?
Deve considerar-se que as referências à decisão são genéricas, não indicando com precisão quais os factos  provados cuja alteração é pretendida, nem fazendo uma referência específica ao teor a dar ao facto pretendido provar.
Apesar disso, a invocação tem um nível mínimo de precisão que permite considerar que ultrapassa o limiar de qualificação como verdadeira impugnação (como referido no acórdão desta Relação de 23/3/2017, Pedro Martins, ecli.pt - faltando indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração é pretendida e o sentido e termos dessa alteração, não haverá sequer impugnação da decisão da matéria de facto).
No caso, as alusões são genéricas (pensões dos anos 2003, 2007 e 2016) e não é indicada expressamente a formulação pretendida para o facto a provar.
Convocando, todavia, o sentido da impugnação (que decorre do seu teor), pode inferir-se, de forma relativamente linear, que o facto pretendido dar provado traduzir-se-ia numa alteração consistente na indicação de diferente número de prestações alimentícias pagas, em cada um dos anos indicados, diverso do expresso na decisão.
É este o sentido que se alinha melhor com a doutrina do acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 12/2023 (Diário da República, I série, 14/11/2023) que, estabeleceu como critério decisório referencial a desnecessidade de indicação da decisão alternativa – (jurisprudência uniformizada da seguinte forma: - nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações).
Pode, assim, concluir-se que a imprecisão é suprível e não obsta ao conhecimento da impugnação de facto.
O mesmo não se poderá dizer, todavia, no que concerne à indicação dos meios probatórios em que pretende assentar a impugnação.
O recorrente convoca genericamente os documentos que apresentou (comprovativos de pagamento), sem indicar concretamente aqueles que pretende possam vir a sustentar cada uma das alterações solicitadas.
A invocação, assim feita, deve entender-se que não satisfaz as exigências legais estabelecidas pelo n.º 1 do art.º 640.º do CPC, no que concerne à indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo, que impunham decisão diversa.
Como, por todos, é referido pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/9/2018 (Sousa Lameira, dgsi.pt) não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, com que pretende sustentar as alterações pretendidas.
Por outro lado, como vem sido reiteradamente sustentado pelo Supremo Tribunal de Justiça, o cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º deve ser modelado em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (assim, acórdão STJ de 21/3/2019, Rosa Tching, dgsi.pt), com esta doutrina, aqui acolhida, se pretende ultrapassar uma leitura demasiado rígida e formalista dos requisitos legais, desproporcionalmente redutora do direito ao duplo grau de recurso em matéria de facto.
Quer isto dizer, pondo a questão de outro modo, que podem convocar-se faculdades interpretativas com uma amplitude razoável para indagar do sentido das conclusões formuladas, como podem convocar-se faculdades de avaliação de meios de prova que tenha sido imperfeitamente expressa, desde que tais valorações se situem no âmbito do referido perimetro de razoabilidade/proporcionalidade.
As alegações do recorrente não permitem, todavia, considerar cumpridos, de forma minimamente adequada, os requisitos legais de impugnação de facto.
O recorrente-embargante apresentou um conjunto de documentos com a sua oposição, relativos a pagamentos, sendo este acervo o suporte exclusivo da decisão de facto desta matéria.
Assim, tendo o tribunal a quo fundado a sua decisão de facto na prova documental, pretendendo o recorrente infirmar tal juízo, não o pode fazer com uma simples referência genérica a esse acervo probatório (comprovativos de pagamento apresentados), tendo o dever de indicar os concretos documentos em que assenta o seu juízo.
Tal configuração recursória implicaria uma reanálise de todos os documentos juntos, só isso permitindo inferir se e quais seriam aqueles que constituiriam prova de outros pagamentos relativos a meses não computados.
É algo que não satisfaz o referido requisito de individualização dos meios de prova,  mesmo convocando uma margem de razoabilidade e proporcionalidade na sua avaliação.
Importa salientar, por outro lado, que, como vem sendo reiteradamente decidido, as insuficiências das conclusões de recurso em matéria de facto não são suscetíveis de aperfeiçoamento pelo recorrente, ao contrário do que sucede com as alegações de direito (assim, designadamente, o muito recente acórdão desta Relação de 10/9/2024, Taborda Lopes, ecli).
Quer isto dizer, em conclusão, que esta matéria recursória de facto não pode ser admitida, o que se decide. –
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b) Da invocada prescrição da obrigação exequenda;
Invoca o apelante, reiterando argumento que sustentara na oposição, prescrição da obrigação exequenda (de pagamento de obrigação de alimentos a filho menor).
Pronunciou-se a apelada no sentido da imprescritibilidade destas obrigações.
Está assente nos autos que a execução instaurada tem por objeto prestações alimentares vencidas desde o ano 2002 e até dezembro de 2016, bem como as relativas ao ano de 2019.
Está igualmente assente que a filha de exequente e executado completou 18 anos de idade no dia 20 de outubro de 2018, concluindo-se, portanto, que a execução foi instaurada pela mãe da menor a quem eram devidos alimentos após a maioridade e com prestações vencidas após a beneficiária ter atingido plena capacidade de exercício (saliente-se que a questão da legitimidade da exequente não foi discutida no recurso ou nos autos).
Decorre do disposto no art.º 310.º al. f) do CC que prescrevem no prazo de cinco anos as pensões alimentícias vencidas.
Quer isto dizer, avançando, que a obrigação em causa é prescritível, sendo o respetivo prazo o de cinco anos, nessa medida não tendo fundamento a invocação (genérica) da recorrida, de imprescribilidade das obrigações em causa.
A regra antes referida, no que concerne a obrigação de pagamento de pensão de alimentos devidas a menores, tem que ser conjugada com as estabelecidas pelo art. 320.º n.º 1 - a prescrição não começa nem corre contra menores enquanto não tiverem quem os represente ou administre seus bens, salvo se respeitar a actos para os quais o menor tenha capacidade e pelo art.º 318.º, al. b) que, sob a epígrafe causas bilaterais da suspensão, determina que a prescrição não começa nem corre entre quem exerça o poder paternal e as pessoas a ele sujeitas.
A análise da invocada prescrição impõe, assim, uma interpretação conjugada do disposto no art.º 318.º al. b) e do art.º 320.º n.º 1 do CC.
Deve ter-se sempre em linha de vista, como referido, que a execução por alimentos foi instaurada mais de um ano após a data de maioridade.
Acolhe-se o entendimento, não uniforme, que o progenitor que instaura execução para cobrança de alimentos devidos a filho menor não atua em sub-rogação deste, porque tem legitimidade própria, atribuída pelos artigos 1880.º e 1905º, n. º 2, do CC, ainda que seja o filho o credor da prestação (neste sentido, acórdão da Relação de Guimarães de 20/1/2022, Jorge Santos, dgsi.pt).
Nestes termos, a primeira questão a apreciar quanto ao sentido dos referidos preceitos é a abrangência da suspensão decorrente da situação jurídica de poder paternal.
Tem sido entendido que a suspensão da prescrição abrange indistintamente o menor e os titulares do poder paternal (assim, acórdão desta Relação de 22/2/2024, António Moreira e da Relação de Coimbra de 26/9/23, Sílvia Pires, ambos em dgsi.pt; assim também Remédio Marques - Algumas notas sobre alimentos (devidos a menores) versus o dever de assistência dos pais para com os filhos (em especial filhos menores), Coimbra Editora, 2000, p. 176).
Essa afirmação genérica carece de uma avaliação mais específica num caso, como o presente, em que o poder paternal tenha sido regulado illo tempore atribuindo-o apenas à mãe, titular da guarda.
Será que se deve considerar, à luz deste preceito, que o pai, obrigado a alimentos e titular do direito-dever de manter contactos com a filha (e, portanto, na terminologia atual, detentor de algumas responsabilidades parentais) está ou não abrangido pela causa de suspensão em apreço (progenitor que exerça o poder paternal).
Se estiver abrangido, o prazo prescricional não se iniciou antes da maioridade e, portanto, não teria corrido.
Caso contrário, ter-se-ia iniciado na data de vencimento de cada uma das prestações, o que determinaria a conclusão que estariam prescritas  todas as vencidas há mais de cinco anos sobre a data de instauração da execução (ou, mais precisamente, cinco dias após tal data de propositura da ação, precisão que é irrelevante para o caso – cf. art.º 323.º n.ºs 1 e 2 do CC).
Sobre esta questão pode ter-se um entendimento muito amplo, considerando que a alusão legal ao exercício do poder paternal se reconduz a todas as situações em que o progenitor não tenha sido inibido do mesmo (assim, os acórdãos da Relação de Guimarães de 28/1/2021, Eva Almeida e o citado de 20/1/2022, Jorge Santos, dgsi.pt) e pode ter-se um entendimento mais restrito, reconduzindo-o às situações em que o exercício do poder paternal tenha sido retirado ao progenitor.
Neste entendimento mais restrito, nos casos (como o presente) em que ao obrigado a alimentos, além de lhe não ter sido atribuída a guarda do menor (dir-se-ia atualmente a residência) não lhe tenha sido atribuído o exercício de poder paternal, a causa de suspensão não se verificará.
Há argumentos que podem abonar ambas as soluções.
Preponderando a especial intensidade das obrigações filiais e a natureza da obrigação em causa enquanto suporte de subsistência de alguém em situação natural de dependência, tenderá a seguir-se uma leitura mais abrangente da ratio legis (ainda que a este mesmo raciocínio se possa contrapor a natureza do próprio instituto da prescrição, enquanto mecanismo de extinção das obrigações pelo decurso do tempo – a essencialidade destas prestações para a vida do menor liga-se, evidentemente, à tempestividade do respetivo cumprimento, voluntário ou coercivo).
Parece, todavia, que o sentido mais restrito harmoniza mais adequadamente os elementos literais, racionais, sistemáticos, históricos e teleológicos de interpretação.
Em termos exegéticos, a norma refere-se a quem exerce o poder paternal, o que literalmente compatibiliza melhor com situações em que o exercício tenha sido atribuído apenas a um dos progenitores (no caso, a aqui exequente).
Em termos histórico, é claro que este preceito não foi atualizado aquando das alterações ao Código Civil introduzidas pela Lei n.º 62/2008 de 31/10. Em todo o caso, essa discrepância nominal, para efeito desta questão, não tem peso na materialidade da questão.
Assim, no momento da decisão de regulação dos autos vigorava a redação do art.º 1906.º do CC introduzida pela Lei n.º 59/99, dispondo-se, quanto à matéria de regulação do poder paternal em caso de divórcio ou separação (aplicável a separações de facto) que,
desde que obtido o acordo dos pais, o poder paternal é exercido em comum por ambos, decidindo as questões relativas à vida do filho em condições idênticas às que vigoram para tal efeito na constância do matrimónio (n.º 1) e que, na ausência de acordo dos pais, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que o poder paternal seja exercido pelo progenitor a quem o filho for confiado (n.º 2).
Na sua redação atual, o art.º 1906.º passou a determinar que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível (n.º 1).
A atribuição em exclusivo das responsabilidades parentais passou a ser excecional, ocorrendo apenas quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, o que o tribunal decidirá através de decisão fundamentada.
Quer isto dizer que, se aquando da decisão de regulação se impunha um acordo expresso dos progenitores para uma atribuição conjunta do poder paternal, atualmente essa atribuição conjunta será a regra, apenas excecionada ante razões consistentes que determinem o seu afastamento.
Avançando, poder-se-ia argumentar que a alteração do regime legal-regra de regulação do poder paternal/responsabilidades parentais em caso se separação (de uma regra de exercício singular para uma regra de exercício conjunto), traduziria uma alteração quanto ao conteúdo da relação jurídica de parentalidade, imediatamente aplicável (cf. art.º 12.º n.º 1, 2.ª parte do CC).
Assim seria, de facto, caso não tivesse havido uma decisão judicial que expressamnete tivesse regulado a questão. Havendo-a, esta vigora na ordem jurídica até decisão contrária que tivesse sido proferida, o que não sucedeu (diga-se, em todo o caso, que a lei nova não determinou imperativa e universalmente que as responsabilidades parentais passaram a ser exercidas em conjunto e, portanto, a regulação posterior da situação jurídica comporta a decisão que vigorou).
Servem as reflexões anteriores, em síntese, para corroborar a avaliação feita quanto à materialidade do exercício do poder paternal, desde a sua regulação em 2002 e até à data da maioridade – o exercício desse poder foi retirado ao progenitor obrigado a alimentos, sem prejuízo de não estar inibido do mesmo e manter o poder-dever de contactar a filha e a obrigação de lhe prestar alimentos.
Se esta linha histórica de interpretação não aporta resultados palpáveis para a solução da questão, os elementos racional e sistemático de interpretação parecem fazê-lo.
Assim, o sentido que melhor permite compreender a regra de suspensão do início de contagem da prescrição será identificando a razão de ser da mesma com uma relação próxima entre o progenitor que exerce o poder paternal e o menor.
Será precisamente do mesmo tipo de consideração que se pode estabelecer quanto à regra do art.º 320.º - a existência de pessoa que represente os bens e os interesses do menor.
Havendo alguém que tenha a responsabilidade de cuidar do património do menor e exercer a sua representação (incluindo, no que ao caso interessa, a cobrança dos seus direitos de crédito por alimentos), não há razão para sustentar que a posição do menor está desprotegida e, por isso, o prazo de prescrição começa a contar-se (sem prejuízo da ressalva legal quanto ao seu termo, que não pode ocorrer antes do transcurso de um ano sobre a maioridade).
Se este é o sentido da regra que vigora em relação a terceiros, o fundamento de proximidade da posição do representante e do seu conhecimento do património, direitos e inetersses do menor, bem como na sua legitimidade jurídica para os defender e acautelar, será equivalente no que diz respeito ao progenitor a quem tenha sido retirado o exercício do poder paternal.
Apenas ao progenitor a quem o poder paternal tenha sido atribuído é que essa identidade racional entre as regras do art.º 318.º b) e do art.º 320.º n.º 1 ocorre e, nessa estrita medida, será este entendimento que mais aproxima e dá dá coerência, racional e sistemática, às regras contidas nos aludidos preceitos.
O mesmo se dirá da teleologia das regras em causa.
O direito a alimentos do menor e a correspondente obrigação de os pagar pelo progenitor, é quase tatutológico afirmá-lo, traduzem posições jurídicas cuja premência, porque ligada à satisfação de necessidades básicas, impõe um exercício tempestivo. Ligando esta asserção com o prazo prescricional de cinco anos estabelecido para as obrigações alimentícias, pode dizer-se que o legislador estabeleceu nesse limiar temporal o quadro normal de exercício do direito a alimentos, findo o qual a sua exigência aparece desligada da causa que a fundamenta.
Dizendo de outro modo, com especial pertinência no caso, a existência de alguém a quem foi atribuído o poder paternal, que tem especial proximidade face ao menor e é seu representante exclusivo, impõe-lhe que exerça os seus direitos num limiar temporal que confira alguma utilidade a essa tutela.
Mantendo-se o representante inerte na cobrança por período que largamente excede esse limiar temporal e que, no caso, excede até a maioridade e o ano subsequente à sua compleição, não parece enquadrar-se na teleologia dos preceitos convocados.
Diga-se que tal teleologia também harmoniza melhor as regras contidas nos 320.º n.º 1 e 318.º al. b) do CC, na medida em confere à mesma pessoa, na mesma qualidade e no mesmo prazo, o mesmo dever de diligência na cobrança de obrigações alimentares.
Conclui-se, em síntese, que a interpretação que melhor conjuga literal, sistemática, racional e teleologicamente o disposto nos artigos 320.º n.º 1 e 318.º al. b) do CC, no que se refere a créditos de menores, filhos de pais separados e em que o poder paternal tenha sido atribuído só a um deles (o mesmo se diria, mutatis mutandis, se a atribuição se referisse à decisão singular de questões de particular importância) é a de que o prazo de precrição não se suspende quanto ao progenitor a quem o exercício de tal poder tenha sido retirado.
Quer isto dizer que o disposto no art.º 318.º al. b) não se aplica ao progenitor a quem não tenha sido atribuído o exercício do poder paternal e, portanto, não está apenas excluído o progenitor inibido desse poder.
Decorre desta ilação que o prazo prescricional de cinco anos ocorreu quanto às prestações vencidas em data anterior a dezembro de 2014, verificando-se a invocada causa de extinção, nessa parte.
É o que se decide, procedendo, por consequência, a arguição de prescrição, nessa exata medida. –
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C) Da invocada existência de fundamento para extinção da obrigação de alimentos por ausência de contatos com a filha alimentanda:
A execução por alimentos é um processo de natureza cível e, mesmo que instaurada por apenso a processo tutelar, não comporta qualquer margem de jurisdição voluntária.
Por consequência, esta linha de argumentação não tem qualquer fundamento sólido no caso, ainda que pudesse ser matéria suscetível de consideração em sede tutelar (cf. a propósito, acórdão da Relação de Évora de 24/2/2022, Tomé de Carvalho, dgsi.pt).
A afirmação anterior não prejudicaria a avaliação de uma eventual situação de abuso de direito, em abstrato configurável. Trata-se, todavia, de questão não trazida pelo recorrente à discussão do recurso e que se deixa meramente assinalada, por uma questão de clareza.
Assim, no caso, sobreleva apenas a circunstância de tal ausência de contactos entre o obrigado e alimentanda não constituir qualquer causa extintiva ou modificativa da obrigação de alimentos, improcedendo também este fundamento de recurso. --
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Assim, em conclusão, improcedem integralmente as duas apelações interpostas, devendo manter-se a sentença proferida. --
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IV. Dispositivo:
Face ao exposto, declara-se integralmente improcedente a apelação deduzida por (....) e parcialmente procedente a apelação deduzida por (....), declarando-se extintas, por prescrição, as obrigações de alimentos objeto de execução vencidas anteriormente a dezembro de 2014, mantendo-se, no mais, a decisão recorrida.
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Custas pelos recorrentes, sem prejuízo de apoio judiciário.
Registe-se e notifique-se. --
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Lisboa, 24-10-2024,
João Paulo Vasconcelos Raposo
Carlos Castelo Branco
Paulo Fernandes da Silva