COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAMENTO (UE) 2019/1111
NACIONALIDADE
RESIDÊNCIA HABITUAL
Sumário

(elaborado pela Relatora, nos termos do artigo 663, n.º 7, do Código de Processo Civil)
I. Sendo Portugal e França Estados-Membros da União Europeia, o regime comunitário aplicável à presente situação é o definido pelo Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho de 25/06, em vigor desde 1 de agosto de 2022, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução, designadamente, de decisões em matéria matrimonial.
II. Tendo ambos os cônjuges residência habitual em Portugal, tal é suficiente para que se conclua, em conformidade com o disposto no art.º 3º, a), i), do citado Regulamento, pela competência internacional dos Tribunais Portugueses para o conhecimento da ação de divórcio.
III. Inexiste fundamento legal para que o critério da nacionalidade dos cônjuges, previsto no art.º 3º, b), do citado Regulamento prevaleça sobre o critério da residência habitual dos cônjuges mencionado no ponto II.
IV. Nos termos do disposto no artigo 17º, al a), do Regulamento (UE) 2019/1111, o processo considera-se instaurado “Na data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância, ou ato equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ou a notificação ao requerido.”

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório:
RR (…) veio instaurar a presente ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra MM (…), pedindo que se decrete o divórcio entre Autor e Ré.
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Foi designada data para realização de tentativa de conciliação.
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Citada para a presente ação, a Ré veio invocar que está proposta em França outra ação de divórcio, na qual o aqui Autor e ali Réu já foi citado, ocorrendo essa citação em momento anterior ao da citação da Ré no âmbito da presente ação. O aqui Autor e ali Réu foi citado, pelo menos, a 07.12.2023, e a aqui Ré e ali Autora apenas foi citada a 20.12.2023, devendo prevalecer a ação proposta num primeiro momento e que foi a ação intentada em França.
Conclui que, por esse motivo, os presentes autos devem ser suspensos, ao abrigo do disposto no artigo 272º, n.º 1, do CPC, por já ter sido proposta anteriormente ação de divórcio entre as mesmas partes, noutra jurisdição.
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O Ministério Público pronunciou-se, dizendo que “de acordo com as regras da competência territorial estabelecidas na lei portuguesa, rege o art. 72.º do Cód. Proc. Civil, que «para as acções de divórcio e de separação de pessoas e bens é competente o Tribunal do domicílio ou da residência do autor».
Ora, ambos os cônjuges residem em Portugal, bem como os filhos do casal, cuja regulação das responsabilidades parentais corre em apenso aos presentes autos.
Conclui promovendo o indeferimento do requerimento e o prosseguimento dos autos, atenta a competência territorial dos tribunais portugueses.
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Também o Autor se pronunciou.
Alegou que o Regulamento (UE) n.º 2019/1111 do Conselho, de 25 de junho de 2019, aplicável em matéria de divórcio, vigora em Portugal. Por força desse Regulamento, são competentes para dirimir os litígios desta natureza os tribunais do Estado-Membro em cujo território se situe a residência habitual dos cônjuges – neste caso, Portugal –, nos termos e para os efeitos do seu artigo 3º, alínea a), ponto i). Assim, é este e não outro o Tribunal competente para a ação de divórcio.
Mais alega que ao abrigo do disposto no artigo 20.º, n. º1, do citado Regulamento, “Quando os processos de divórcio, separação ou anulação do casamento entre as mesmas partes são instaurados em tribunais de Estados-Membros diferentes, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.
Cita o Acórdão do Tribunal a Relação de Évora de 18.12.2023, proferido no âmbito do processo n.º816/23.0T8TMR.E1, disponível em www.dgsi.pt, que transcreve na seguinte parte: “Esta norma consagra um “mecanismo que se pretende claro e eficaz para evitar processos paralelos em tribunais de Estados-Membros diferentes e, consequentemente, decisões contraditórias estabelecendo uma solução que se baseia na ordem cronológica em que os processos foram instaurados.” Assim, “para as questões matrimoniais aplica-se o art.º 20º, nº1 que estabelece que no caso de dois processos de divórcio, separação ou anulação do casamento, instaurados em tribunais de diferentes Estados-Membros, entre as mesmas partes, o tribunal do Estado onde o processo foi instaurado em primeiro lugar se pronuncie em relação à sua competência.
Refere que a ação de divórcio foi instaurada em primeiro lugar em Portugal, a 25.10.2023, estabelecendo-se, no artigo 17º, alínea a), do Regulamento em análise que o processo se considera instaurado “Na data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância (…)”.
Mais refere que, por mera hipótese, se o presente Regulamento não se aplicasse, nos termos do n. º2 do artigo 272º do Código de Processo Civil, “(…) não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens”, o que alega ser o caso, dado o comportamento processual da Ré, que no seu entender leva a crer que a Ré instaurou o processo de divórcio em França, em data posterior, com o objetivo único de perturbar o processo e de requerer a suspensão da instância em Portugal, pretensão que, assim, não deverá ser acolhida por este Tribunal.
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Realizada a tentativa de conciliação, a mesma resultou frustrada.
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Em 05.04.2024 o Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão que aqui se reproduz:
Citada a ré para a presente ação veio a mesma invocar que está proposta em França outra ação de divórcio; que nessa ação o aqui autor (e ali réu) já foi citado; tendo o aqui autor (e ali réu) sido citado, pelo menos a 07.12.2023 e a aqui ré (e ali autora) citada apenas a 20.12.2023, deve prevalecer a ação proposta num primeiro momento – que foi a ação intentada em França. Conclui pedindo que por estes motivos, devem os presentes autos ser suspensos, ao abrigo do disposto no artigo 272.º, n.º 1, do CPC, por já ter sido proposta anteriormente ação de divórcio entre as mesmas partes, noutra jurisdição.
Pronunciou-se o MP dizendo que “de acordo com as regras da competência territorial estabelecidas na lei portuguesa, rege o art. 72.º do Cód. Proc. Civil, que «para as acções de divórcio e de separação de pessoas e bens é competente o Tribunal do domicílio ou da residência do autor». Ora, ambos os cônjuges residem em Portugal, bem como os filhos do casal, cuja regulação das responsabilidades parentais corre em apenso aos presentes autos.” Conclui promovendo o indeferimento do requerimento e o prosseguimento dos autos, atenta a competência territorial dos tribunais portugueses.
A contraparte (o aqui autor marido) veio pronunciar-se dizendo que “o Regulamento (UE) n.º 2019/1111 do Conselho, de 25 de junho de 2019, aplicável em matéria de divórcio, vigora em Portugal; por força do presente Regulamento, são competentes para dirimir os litígios desta natureza, os tribunais do Estado-Membro em cujo território se situe a residência habitual dos cônjuges – neste caso, Portugal –, nos termos e para os efeitos do artigo 3º, alínea a), ponto i)” pelo que é este e não outro o Tribunal competente para a ação de divórcio.
Mais alega que “ao abrigo do disposto no artigo 20.º, n. º1, do presente Regulamento, “Quando os processos de divórcio, separação ou anulação do casamento entre as mesmas partes são instaurados em tribunais de Estados-Membros diferentes, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar;” cita contudo “o recente Acórdão do Tribunal a Relação de Évora, de 18.12.2023, proferido no âmbito do processo n.º816/23.0T8TMR.E1, disponível em www.dgsi.pt, que aqui se transcreve na parte relevante: “Esta norma consagra um “mecanismo que se pretende claro e eficaz para evitar processos paralelos em tribunais de Estados-Membros diferentes e, consequentemente, decisões contraditórias estabelecendo uma solução que se baseia na ordem cronológica em que os processos foram instaurados.” [destaque nosso]. Assim, “Para as questões matrimoniais aplica-se o art.º 20º, nº1 que estabelece que no caso de dois processos de divórcio, separação ou anulação do casamento, instaurados em tribunais de diferentes Estados-Membros, entre as mesmas partes, o tribunal do Estado onde o processo foi instaurado em primeiro lugar se pronuncie em relação à sua competência.”.
Invoca o aqui autor que “a ação de divórcio foi instaurada em primeiro lugar em Portugal pelo Requerente, a 25.10.2023, Estabelecendo-se, para este efeito, no artigo 17º, alínea a), do presente Regulamento que o processo se considera instaurado “Na data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância (…)”. Em segundo lugar, ainda que, por mera hipótese, o presente Regulamento não se aplicasse, nos termos do n. º2 do artigo 272º do Código de Processo Civil, “(…) não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.” - o que alega ser o caso, dado o comportamento processual da ré, que no seu entender leva a crer que a Requerida instaurou o processo de divórcio em França, em data posterior, com o objetivo único de perturbar o processo e de requerer a suspensão da instância em Portugal; pretensão essa que não deverá ser, assim, acolhida por este douto Tribunal
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De acordo com os elementos dos autos, já é possível assentar que:
- a presente ação de divórcio sem mútuo consentimento foi deduzida por RR (…) contra MM (…), visando a dissolução por divórcio do casamento ocorrido entre ambos a 23 de fevereiro de 2013 e ainda vigente, tendo a ação dado entrada em 26.10.2023 e aqui sido citada a ré em 20.12.2023 para a ação (vd. documento junto pelo AE na mesma data);
- conforme documento 2 junto com o requerimento do réu de 07.12.2023, referência 47355843, no apenso A (regulação das responsabilidades parentais), deu entrada em França uma ação de divórcio proposta pela aqui ré conta o aqui autor, da qual o aqui autor citado, sendo tal citação rogada por ofício de 08.11.2023 (conforme o mesmo documento de onde tal data consta aposta);
- as partes residem ambas em Portugal, bem como os filhos menores do casal;
- de acordo com o email da requerida que juntou como doc. n.º 1, e cuja tradução se encontra no doc. n.º 4 a ação deu entrada em França a 31.10.2023.
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Cumpre decidir:
Atento o Regulamento (UE) n.º 2019/1111 do Conselho, de 25 de junho de 2019, aplicável em matéria de divórcio e vigente em Portugal, são competentes para decidir os litígios desta natureza, os tribunais do Estado-Membro em cujo território se situe a residência habitual dos cônjuges – neste caso, Portugal –, nos termos e para os efeitos do artigo 3º, alínea a), ponto i).
Mais considerando os arts. 20.º, n. º1 e 17º, l. a) do mesmo Regulamento, quando os processos de divórcio, separação ou anulação do casamento entre as mesmas partes forem instaurados em tribunais de Estados-Membros diferentes, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, sendo que o processo se considera instaurado na data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância (e não no ato de citação).
Conclui-se pois que, por tudo o que aqui se expõe, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para dirimir do presente litígio, pelo que devem prosseguir os autos.
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Notifique.
(…).
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Notificada dessa decisão, com a qual não se conformou, a Ré dela veio interpor recurso.
Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões que a seguir se reproduzem: 
1. A Apelante e o seu ainda cônjuge têm ambos nacionalidade francesa.
2. O casamento entre eles foi celebrado em França, em 23.02.2013.
3. A vida em comum do casal decorreu sempre em França, onde nasceram os dois filhos menores em comum.
4. Foi acordado entre o casal que viriam viver para Portugal temporariamente, apenas por razões de incremento salarial do cônjuge marido.
5. O casal e os dois filhos comuns vieram viver para Portugal há apenas 2 anos.
6. Tendo vivido em França até 2021.
7. O critério da nacionalidade dos cônjuges deve prevalecer sobre o critério da residência habitual.
8. Ambos os cônjuges intentaram ação de divórcio sem consentimento um contra o outro.
9. A Apelante intentou a ação de divórcio sem consentimento contra o ainda marido, em França, tendo este sido citado primeiro para a referida ação.
10. O Requerido apenas intentou a ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge em Portugal 3 dias úteis antes da ação de divórcio intentada pela Apelante em França.
11. A Apelante foi citada para a ação de divórcio sem consentimento em Portugal mais de um mês depois da citação do cônjuge marido em França.
12. O tribunal francês julgou-se competente para dirimir o processo, tendo a tentativa de conciliação ocorrido em 02.05.2024.
13. O tribunal a quo não teve em consideração nem a nacionalidade dos cônjuges nem a data da citação dos réus nas ações intentadas.
14. O tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou o disposto no art. 582º, nº 2 CPC.
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Notificado, o Autor apresentou contra-alegações.
Transcrevem-se aqui as respetivas conclusões:
A. Invoca a Recorrente que “O tribunal a quo não teve em consideração nem a nacionalidade dos cônjuges nem a data da citação dos réus nas ações intentadas.”, razão pela qual alegadamente “(…) violou o disposto no art. 582.º, n.º 2, do CPC.”.
B. Ora, importa desde já ressalvar que, em matéria de competência internacional, os instrumentos internacionais prevalecem sobre as normas de direito interno, conforme dispõe expressamente o artigo 59.º do CPC: “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.” [Destaque nosso],
C. E reconhece a nossa doutrina e jurisprudência – neste sentido, veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 07.03.2019, proferido no âmbito do processo n.º 13688/16.1TBPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, que aqui se transcreve na parte relevante: “Assim, os tribunais portugueses podem receber competência internacional por efeito de aplicação de normas de regulamentos europeus, de normas de outros instrumentos internacionais ou de normas de direito interno português, sendo que aquelas, no seu campo específico de aplicação, prevalecem sobre as normas processuais portuguesas, nomeadamente sobre as normas reguladoras da competência internacional constantes do CPC”; [Destaque nosso];
D. Ou o Acórdão do Supremo tribunal de Justiça, datado de 26.01.2016, proferido no âmbito do processo n.º 540/14.4TVLSB.S1, disponível em www.dgsi.pt, que aqui se transcreve na parte relevante: “Quer dizer e, em síntese, os tribunais portugueses serão competentes, sob o ponto de vista internacional, quando se verifique qualquer dos elementos de ligação a que aludem os arts. 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham concedido a competência de harmonia com o disposto no art. 94º. Mas isto tudo, sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus ou em outros instrumentos internacionais. Em caso da situação ser prevista em regulamentos europeus ou em outros meios internacionais, aquelas regras de direito interno não terão aplicação, devendo ceder face a esses instrumentos. Ou seja, em matéria de competência civil, primeiramente haverá a atender ao previsto nos regulamentos comunitários e tratados, convenções internacionais. Só depois devem vigorar as leis internas. É a afirmação do primado do direito comunitário e da sua clara prevalência sobre o direito português.” [Destaque nosso];
E. Não têm, assim, aplicação, no caso concreto, as normas processuais portuguesas invocadas pela Recorrente.
F. De acordo com o artigo 3.º do Regulamento (UE) n.º 2019/1111 do Conselho, de 25 de junho de 2019 – aplicável em matéria de divórcio e em qualquer um dos ordenamentos jurídicos, português e francês, relembre-se – são competentes para dirimir os litígios desta natureza os tribunais do Estado-Membro em cujo território se situe a residência habitual dos cônjuges – neste caso, Portugal –, nos termos e para os efeitos da alínea a), ponto i).
G. A concorrência de competência entre tribunais dos Estados-Membros é resolvida pelo Regulamento através do critério da prioridade na interposição da ação.
H. Assim, em caso de duas ações com o mesmo objeto e partes, interpostas de acordo com os critérios do artigo 3.º, é competente o tribunal onde a ação foi interposta em primeiro lugar – artigo 20.º, n.º 1, do Regulamento –, devendo o tribunal em que seja proposta ação em momento subsequente, declarar-se incompetente em favor daquele – artigo 20.º, n.º 3, do Regulamento.
I. Estabelece, ainda, o artigo 17.º, alínea a), do presente Regulamento, que o processo se considera instaurado “Na data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância (…)”.
J. As normas não podiam, assim, ser mais claras:
a. Qualquer um dos Tribunais listados no artigo 3.º é, em abstrato, competente;
b. Se forem intentadas duas ações, em dois Estados diferentes, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar, deve suspender a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar (artigo 20.º, n.º 1); e
c. Considera-se proposta em primeiro lugar aquela ação em que em primeiro lugar tiver havido apresentação, ao tribunal, do ato introdutório da instância [artigo 17.º, al. a)].
K. No caso concreto, a ação de divórcio foi interposta pelo Recorrido em primeiro lugar em Portugal e, em segundo, em França pela Recorrente – em 26.10.2023 e 31.10.2023, respetivamente.
L. Assim, é a data de 31.10.2023 – data da efetiva entrada do processo francês em tribunal, e não a data da citação do aqui Recorrido, – que releva para todos os efeitos, incluindo competência e litispendência, conforme dispõe o artigo 17.º do presente Regulamento – neste sentido, vide, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 05.03.2024, proferido no âmbito do processo n.º 2845/22.1T8CSC-D.L1-7, disponível em www.dgsi.pt, que aqui se transcreve na parte relevante: “Com relevância para a interpretação desta norma, considera-se no Regulamento (considerando 35) o reconhecimento de que nos sistemas dos diferentes Estados-Membros existem duas abordagens diferentes nesta matéria – “os que exigem que o ato introdutório da instância seja primeiro notificado ao requerido, ou os que se bastam com o primeiro apresentado ao tribunal”. O Regulamento optou pelo critério segundo o qual para efeito de considerar a ação interposta “deverá ser suficiente que tenha sido tomada a primeira medida nos termos do direito nacional, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem nos termos do direito nacional para que seja tomada a segunda medida”.”.
M. Reitera-se, ainda, que não há outras regras aplicáveis ao caso além das supra mencionadas.
N. Dúvidas não restam, assim, de que os tribunais portugueses são competentes para dirimir do presente litígio, desde logo pela letra clara do Regulamento (UE) n.º 2019/1111 do Conselho, de 25 de junho de 2019, quando aí se estabelece que são competentes para dirimir os litígios desta natureza os tribunais do país em que os cônjuges têm a sua residência habitual, nos termos e para os efeitos do artigo 3.º;
O. Assim como dúvidas não existem de que o Recorrido instaurou a presente ação de divórcio em Portugal em primeiro lugar.
P. Em face do exposto, verificamos que não há qualquer fundamento legal para que seja aceite o recurso interposto pela Recorrente e, por isso, deve o mesmo ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida nos precisos termos em que foi proferida.
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O recurso foi corretamente admitido e com o efeito próprio.
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Foram os autos remetidos a este Tribunal e colhidos os vistos legais.
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II. Questões a Decidir:
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante apenas designado de CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação é a seguinte:
- Da competência internacional do Tribunal português para conhecer da presente ação de divórcio.
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III. Fundamentação de Facto:
Como vimos, na decisão recorrida, acima reproduzida, foram dados como assentes os seguintes factos:
“- a presente ação de divórcio sem mútuo consentimento foi deduzida por RR (…) contra MM (…), visando a dissolução por divórcio do casamento ocorrido entre ambos a 23 de fevereiro de 2013 e ainda vigente, tendo a ação dado entrada em 26.10.2023 e aqui sido citada a ré em 20.12.2023 para a ação (vd. documento junto pelo AE na mesma data);
- conforme documento 2 junto com o requerimento do réu de 07.12.2023, referência 47355843, no apenso A (regulação das responsabilidades parentais), deu entrada em França uma ação de divórcio proposta pela aqui ré conta o aqui autor, da qual o aqui autor citado, sendo tal citação rogada por ofício de 08.11.2023 (conforme o mesmo documento de onde tal data consta aposta);
- as partes residem ambas em Portugal, bem como os filhos menores do casal;
- de acordo com o email da requerida que juntou como doc. n.º 1, e cuja tradução se encontra no doc. n.º 4 a ação deu entrada em França a 31.10.2023.”
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IV. Mérito do Recurso:
Discute-se, no presente recurso, a competência internacional dos tribunais portugueses para julgar a presente ação, uma vez que a mesma está em contacto, através dos seus elementos, com outra ordem jurídica para além da portuguesa, no caso, a francesa.
O Tribunal a quo considerou a jurisdição portuguesa competente para o efeito.
A Apelante discorda.
Vejamos.
Sobre a competência internacional dos tribunais portugueses, o artigo 59º do CPC estabelece que “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º.
Deste modo, a competência internacional dos tribunais portugueses depende, em primeira linha, do que resultar de convenções internacionais ou dos regulamentos europeus sobre a matéria que vinculem o Estado Português e, depois, da integração de alguns dos segmentos normativos dos artigos 62º e 63º do CPC - cfr., António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, pág. 91.
Na ordem jurídica portuguesa vigoram, assim, normas de fonte interna e normas de fonte supra estadual.
Como elucida Remédio Marques, in “Acção Declarativa à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 2007, pág. 173, “coexistem na nossa ordem jurídica regras de competência internacional directa impostas por fontes normativas supranacionais, de direito comunitário da União Europeia – os regulamentos comunitários –, que determinam a competência internacional directa dos diferentes tribunais dos Estados membros. As regras de competência internacional (directa), que constam desses regulamentos comunitários, valem tanto para os tribunais do foro (isto é, para os tribunais de um Estado membro onde, em concreto, a ação foi proposta), como para os tribunais de qualquer outro Estado membro.” Diferentemente acrescenta o citado autor (pág. 174) , as regras que determinam a competência internacional dos tribunais portugueses previstas nos art.ºs 62º e 63º do CPC “são unilaterais, pois só fixam a competência (internacional) dos tribunais portugueses; um tribunal estrangeiro nunca se pode sentir condicionado no exercício da sua jurisdição pela existência e validade daquelas regras”.
Porém, este regime interno de competência internacional estabelecido no CPC só será aplicável quando a ação não for abrangida pelo âmbito de aplicação do regime comunitário, que é de fonte hierarquicamente superior e prevalece sobre o direito interno (cfr. art.ºs 249º, 4º parágrafo, do “Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia”, 8º, n.º 4 da Constituição de República Portuguesa e 1ª parte do art.º 59º do CPC). O mesmo é dizer que, sendo aplicável o regime estabelecido num regulamento europeu, é pelas regras dele constantes que deve aferir-se a competência internacional dos tribunais portugueses. Além de que, se dele não resultar a competência dos tribunais portugueses, também não poderá tal competência resultar da aplicação das regras internas – cfr. Rita Lobo Xavier, Inês Folhadela e Gonçalo Andrade e Castro, “Elementos de Direito Processual Civil - Teoria Geral – Princípios – Pressupostos”, 2ª ed., 2018, UCEP, pág. 205.
Com efeito, a aplicação das disposições legais do Código de Processo Civil que fixam e estabelecem os fatores de atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses encontra-se negativamente delimitada pelas convenções internacionais ou outros instrumentos da União Europeia regularmente ratificadas ou aprovadas e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.
Sendo Portugal e França Estados-Membros da União Europeia, o regime comunitário aplicável à presente situação é o definido pelo Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho de 25/06, em vigor desde 1 de agosto de 2022, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução, designadamente, de decisões em matéria matrimonial.
Ora, de acordo com o artigo 3º desse Regulamento, “São competentes para decidir das questões relativas ao divórcio, separação ou anulação do casamento, os tribunais do Estado-Membro:
a) Em cujo território se situe:
i) a residência habitual dos cônjuges,
ii) a última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida,
iii) a residência habitual do requerido,
iv) em caso de pedido conjunto, a residência habitual de qualquer dos cônjuges,
v) a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos um ano imediatamente antes da data do pedido, ou
vi) a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos durante seis meses imediatamente antes do pedido e se for nacional do Estado-Membro em questão; ou
b) Da nacionalidade de ambos os cônjuges.
Como referimos, a Apelante discorda da decisão proferida pelo Tribunal a quo, começando por argumentar que essa decisão não teve em consideração a nacionalidade dos cônjuges.
De facto, na sua decisão, o Tribunal a quo não considerou a nacionalidade dos cônjuges. Mas esse, conforme claramente resulta do citado art.º 3º, não era o único critério a atender na definição da competência internacional para o conhecimento da ação.
Essa competência, conforme previsto na alínea a), ponto i), desse normativo, também poderá ser definida em função do território onde se situa a residência habitual dos cônjuges. E, conforme resultou provado, “as partes residem ambas em Portugal, bem como os filhos menores do casal”. Tendo ambos os cônjuges residência habitual em Portugal, tal é suficiente para que se conclua pela competência internacional dos Tribunais Portugueses para o conhecimento da ação.
Afirma a Apelante que o critério da nacionalidade dos cônjuges deve prevalecer sobre o critério da residência habitual. No entanto, a verdade é que inexiste fundamento jurídico que sustente essa afirmação.
Na presente situação, a desconsideração da nacionalidade dos cônjuges não assume, assim, qualquer relevo.
Prossigamos. 
Tendo presente que na situação em apreço foram instaurados dois processos de divórcio, o presente, em Portugal, e um outro, em França, intentado pela aqui Ré/Apelante, a Apelante defende ainda, no seu recurso, que o Tribunal a quo não teve em consideração a data da citação dos réus nas duas ações intentadas.
Releva aqui o disposto no artigo 17º, al a), do Regulamento (UE) 2019/1111, nos termos do qual se considera “que o processo foi instaurado:
a) Na data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância, ou ato equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ou a notificação ao requerido.
Refira-se ainda que, nos termos do artigo 20º, n.º 1 do mesmo Regulamento, “Quando os processos de divórcio, separação ou anulação do casamento entre as mesmas partes são instaurados em tribunais de Estados-Membros diferentes, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar”, sendo que, de acordo com o n.º 3 do mesmo normativo, “Quando estiver estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar declara-se incompetente a favor daquele.
Revertendo para a situação dos autos, vemos que nos mesmos resultou provado que a presente ação de divórcio sem mútuo consentimento foi deduzida pelo Autor contra a Ré, tendo dado entrada em 26.10.2023; enquanto a ação de divórcio intentada em França pela aqui Ré contra o Autor deu entrada a 31.10.2023.
Dúvidas não temos, em face do exposto, que a presente ação foi instaurada em primeiro lugar, em conformidade com o critério estabelecido no artigo 17º, al a), do Regulamento (UE) 2019/1111. É esse o normativo a considerar e não o art.º 582º, n.º 2, do CPC, uma vez que, como acima já explicamos, “a competência internacional dos tribunais portugueses depende, em primeira linha, do que resultar de convenções internacionais ou dos regulamentos europeus sobre a matéria que vinculem o Estado Português.
Assim sendo, resta-nos concluir pela total improcedência do recurso.
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V. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível em julgar improcedente o presente recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe.
Notifique.
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Lisboa, 24/10/2024,
Susana Mesquita Gonçalves
Rute Sobral
Fernando Alberto Caetano Besteiro