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ACEITAÇÃO
FACTOS
CONFISSÃO
NULIDADES DA SENTENÇA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CONTRADIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ABUSO DE DIREITO
CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário
(elaborado pela Relatora, nos termos do artigo 663, n.º 7, do Código de Processo Civil) I. A declaração da Autora, efetuada ao abrigo do disposto 465º, n.º 2, do Código de Processo Civil, de que aceita a confissão do Réu contida na contestação – onde o mesmo afirma que “apenas aceita como verdadeiros os factos articulados com os n.ºs,10º,11º 12º,20º,21º, 23º (parte),24º,25º,26º 35º,40º e 41º(parte) da douta P.I.” – tem como único efeito evitar que, posteriormente, o Réu retire a confissão expressa de factos por si efetuada, tornando essa confissão irretratável. Já quanto aos concretos factos que efetivamente se devam considerar confessados pelo Réu essa declaração da Autora não vincula o juiz. II. Tendo o Réu afirmado, na sua contestação, que “aceita como verdadeiros, os documentos n.ºs. 3,4,5,7,8,9,10,11,13,14,17,18,19 a 23, (…), anexos na P.I.”, o que significa que o Réu não impugna a sua existência, a declaração da Autora de que, relativamente a esses documentos, “aceita a declaração de veracidade feita pelo R.”, é juridicamente inócua. III. A nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia, prevista no art.º 615, n.º 1, 1ª parte, do Código de Processo Civil, só ocorre quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras). IV. A nulidade da sentença com fundamento na existência de oposição entre os fundamentos e a decisão, prevista no artigo 615º, n.º 1, al. c), 1ª parte, do CPC, pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la, ou seja, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduzam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto. Por outro lado, essa nulidade verifica-se quando existe contradição entre os fundamentos exarados pelo juiz na fundamentação da decisão e não entre os factos provados e a decisão. V. Em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o artigo 640º, n.ºs 1 e 2, do CPC, impõe ao Recorrente um triplo ónus: Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. VI. O abuso de direito pode ser objeto de conhecimento oficioso e, consequentemente, o seu conhecimento não está vedado ao Tribunal, ainda que a sua invocação constitua questão nova.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório:
AA (…), residente (…), intentou a presente ação declarativa de processo comum contra BB (…), residente (…), peticionando que o Réu seja condenado:
a) a pagar à Autora a quantia de 10.355,33 €, referente ao valor dos trabalhos que lhe foram pagos e não realizados, acrescida de juros legais até efetivo e integral pagamento;
b) a pagar a Autora a quantia de 4.850,00 €, a título de danos causados na habitação, acrescida de juros legais até efetivo e integral pagamento;
c) a pagar à Autora a quantia de 4.604,50 €, referente ao diferencial entre o valor da obra caso tivesse sido terminada pelo Réu e o valor pago ao novo empreiteiro, acrescida de juros legais até efetivo e integral pagamento;
d) Ou, subsidiariamente, caso sejam improcedentes os pedidos formulados pela Autora, nas alíneas a), b) e c), a restituir à Autora os valores correspondentes ao seu enriquecimento de caráter patrimonial que ocorreu à custa da Autora, gerador de um enriquecimento injustificado do seu património, dado que recebeu daquela 9.816,80 € para realização de trabalhos que não realizou.
Para o efeito, a Autora alegou que mediante email de 19.06.2020 adjudicou ao Réu a execução de uma obra num imóvel de que é proprietária, mediante o pagamento do preço de 14.645,00 € (IVA incluído), tendo informado o Réu que era condição essencial para a atribuição da execução dessa obra a entrega da mesma, pronta, no início de agosto de 2020, tendo o Réu assumido que conseguia entregar a obra pronta até essa data.
No dia 23.06.2020 a Autora, através da conta bancária do seu filho CC (…), transferiu para o Réu o montante de 7.072,50 €, correspondente a 50% do preço total da obra, com IVA calculado à taxa de 23%.
As partes acordaram que o Réu colocaria duas janelas do tipo velux no telhado do prédio, mediante o pagamento pela Autora do valor total de 500,00 €, que incluía IVA, quantia que foi entregue ao Réu em dinheiro, no mês de junho de 2020.
Além disso, o Réu solicitou à Autora a transferência de 5.658,00 €, alegando que precisava desse pagamento para proceder à compra de materiais, tendo a Autora, em 20.07.2020, através da conta bancária do filho CC (…), transferido a referida quantia para que o Réu os pudesse comprar.
Sucede que o Réu apenas realizou parte dos trabalhos, no montante de 3.413,70 €, tendo abandonado a obra em meados de agosto de 2020. Acresce que deixou o imóvel destelhado, sujeito a intempéries, o que originou danos, orçando a sua reparação em 4.850,00 €.
Alegou que apesar de interpelado para concluir a obra sob pena de resolução do contrato por incumprimento definitivo o Réu nada disse ou fez. Assim, a Autora resolveu o contrato por incumprimento definitivo imputável ao Réu e exigiu-lhe o pagamento da quantia de 10.000,00 €, correspondente ao valor dos trabalhos que pagou e que não foram realizados, acrescido de juros de mora.
Alegou ter contratado um empreiteiro não só para concluir a obra, mas também para reparar os danos causados pelo facto de o imóvel ter ficado destelhado, a quem pagou 19.249,50 €.
Mais alegou que a diferença entre o valor da obra, caso tivesse sido terminada pelo Réu, e o valor pago ao novo empreiteiro, foi de mais 4.604,50 €.
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Regularmente citado, o Réu deduziu contestação.
Invocou a exceção de ilegitimidade da Autora, porquanto considera que a Autora não podia resolver o contrato de empreitada, uma vez que o contrato não foi celebrado com ela mas sim com DD (…).
Invocou a exceção de caducidade, uma vez que considera ter decorrido o prazo para o exercício do direito de resolução previsto no artigo 1224º do Código Civil.
Defendeu-se ainda por impugnação, tendo alegado, além do mais, que o orçamento que apresentou a DD (…) não previa qualquer prazo de execução dos trabalhos, que o preço total da obra chegaria, em termos finais, a aproximadamente 16.500,00 €, incluindo os trabalhos realizados a mais e IVA, e que não recebeu a quantia de 13.230,50 €.
Alegou igualmente que não abandonou a obra, pois se não a concluiu não foi por culpa sua, e que quanto à possibilidade de danos provocados pelo destelhamento do telhado, este foi por si e pelo seu pessoal devidamente protegido, sendo que, se danos houve, foram causados pela atitude ilegítima da Autora com a resolução do contrato, ao impedir que o Réu acabasse a obra e recebesse os valores em falta.
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Em 16.02.2022 a Autora apresentou resposta, pugnando pela improcedência das exceções invocadas pelo Réu na contestação.
Mais referiu a Autora, no artigo 6º desse requerimento, o seguinte:
“A A. aceita a confissão que o R. faz, na sua contestação, da matéria alegada por ela A., nos artigos 10.º, 11.º, 12.º, 20.º, 21.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 35.º, 40.º, e 41, para os efeitos dos artigos 46.º e 465.º do código de processo civil, de forma a serem considerados factos irretratávelmente confessados, assim como aceita a declaração de veracidade feita pelo R. no artigo 4.º da contestação, dos documentos 3,4,5,7,8,9,10,11,13,14,17,18,19 a 23 juntos com a petição inicial.”
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Em 13.12.2022, foi proferido o seguinte despacho:
“Da admissibilidade do requerimento da Autora após a contestação Por requerimento de 18.02.2022, notificada a Autora do teor da contestação, veio apresentar “resposta” a tal articulado. Ora, o artigo 584.º CPC, estabelece que só é admissível réplica para o autor deduzir defesa quanto à matéria de reconvenção e, nas acções de simples apreciação negativa, para impugnar os factos constitutivos que o Réu tenha alegado, bem como alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu. Na actual estrutura processual civil, fica assegurado ao autor o exercício do contraditório quanto a eventuais excepções em sede de audiência prévia, nos termos do n.º 4 do artigo 3.º, do CPC. No entanto, não será assim se o juiz decidir, no exercício do poder de adequação formal inscrito nos artigos 6.º, n.º 2 e 547.º, ambos do CPC, proporcionar ao autor o exercício do contraditório por escrito, caso em que determinará a notificação do autor para esse fim, nomeadamente quanto está em causa a invocação de excepções dotadas de alguma complexidade jurídica ou excepções dilatórias. Verifica-se que a Autora veio a responder ás excepções suscitadas, mormente de ilegitimidade passiva e ainda de caducidade do direito. Ora, ao abrigo dos princípios do contraditório previsto no art. 3.º CPC, e da adequação processual, o Tribunal sempre iria notificar a parte para, querendo, apresentar contraditório. Pelo exposto, atentos os princípios da adequação processual e economia processual, admite-se a resposta apresentada – excepto o vertido nos pontos 6º a 8º.”
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Nessa mesma data de 13.12.2022 foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho de saneador, no qual foi julgada improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa e relegado o conhecimento da exceção perentória de caducidade para final, tendo sido ainda fixado o objeto do litígio e os temas da prova.
*
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, sendo que da ata relativa à sessão de 23.01.2023 consta, designadamente, o seguinte:
“(…) Despacho " Veio o réu requerer o depoimento de parte da autora por referência aos artigos que enunciou no seu requerimento e agora corrigidos por se reportar a factos pessoais ou de que a depoente deva ter conhecimento e por se afigurarem relevantes para a boa decisão da causa, defere-se o depoimento de parte da autora aos artigos 10, 11, 14, 16 a 18 , 22 , 28 - 1.ª parte , 31, 34, 37 e 48.- Notifique " .- (…) Despacho " O Tribunal entende que o depoimento da autora é parcialmente confessório pelo que nos termos do art.º 463.º, n.º 1 do C.P.C., determina-se que fique a constar por escrito a seguinte parte do seu depoimento :- (…) ASSENTADA : Artigo 10.º - A autora confirmou que o orçamento constante do doc. n.º 5 da petição inicial nada refere quanto ao prazo de execução de trabalhos nem prevê qualquer prazo. Artigo 14.º - A autora confirmou que o réu pediu ao seu filho DD (…) um reforço de pagamento e que este valor foi efetivamente pago. Quanto ao artigo 16 .º - A autora confirmou que o réu adquiriu alguns materiais e que os viu na obra . - Quanto ao artigo 28.º - a Autora esclareceu que remeteu uma carta ao réu para que este avança-se com a obra tendo-lhe dado um prazo para acabar a mesma findo o qual poderia resolver o contrato o que efetivamente aconteceu,. Quanto ao artigo 31.º- a Autora confirmou que em meados de Setembro de 2020 o seu filho DD (…) efetuou uma chamada telefónica e um e-mail ao réu a dizer que a obra tinha de estar pronta até meados de setembro - 17 de setembro. Quanto ao artigo 34.º - a Autora confirmou que era o filho DD (…) que enviava os e-mail's ao réu uma vez que a autora não sabe enviar e-mail's. - No que concerne ao artigo 37.º a autora confirmou que remeteu uma carta ao réu na qual lhe dava um prazo de 20 dias para terminar a obra e que findo o qual sem que nada fosse feito pelo réu se considerava o contrato por resolvido por incomprimento do réu .- (…) * Pela parte foi confirmado que estava conforme com o que disse e pelos ilustres mandatários não foram apresentadas reclamações .- *** DEPOIMENTO DE PARTE DO RÉU :- (…) Findo o depoimento de parte do Réu , foi pela Mm.ª Juiz proferido o seguinte:- Despacho " O Tribunal entende que o depoimento do réu é parcialmente confessório pelo que nos termos do art.º 463.º, n.º 1 do C.P.C. determina-se que fique a constar por escrito as seguintes partes do depoimento " .- (…) ASSENTADA : Relativamente ao artigo 10.º da petição inicial o réu confirmou que em Maio de 2020 lhe foi solicitado por DD (…) o envio de um orçamento por via telefónica.- Quanto ao artigo 11.º - o réu confirmou que a fim de elaborar o orçamento solicitado por DD (…) se deslocou ao imóvel e depois enviou o orçamento que elaborou. Quanto ao artigo 12.º - o réu confirmou que em Julho de 2020 enviou o orçamento a DD (…) no qual constava a indicação das obras a realizar divididas por itens e com o valor. Quanto ao ponto 20 da petição inicial - o réu confirmou que as obras a efetuar consistiam numa pequena reparação do telhado apenas na zona de infiltração a fim de substituir barrotes, telha e ripado e retirar o pladur e roofmate - XPS, depois substituição dos sanitários do WC e esgotos , resolver o curto circuito da eletricidade no alpendre e substituição das tomadas na casa toda. Quanto ao artigo 22 - o réu confirmou que a obra foi adjudicada por e-mail mas que o e-mail era do DD (…). Confirmou ainda que nesse e-mail era referido que a obra tinha de estar concluída até ao mês de Agosto. Quanto ao ponto 24 da petição inicial - o réu confirmou que acordou com DD (…) que colocaria duas janelas do tipo Velux no telhado não se recordando do valor nem se este valor foi aumentado,.- Quanto ao ponto 25 - o réu confirmou que foi o senhor DD (…) que lhe indicou os materiais que iam ser colocados na casa de banho a sua solicitação. Quanto ao ponto 26 da petição inicial - o réu confirmou que solicitou ao senhor DD (…) uma transferência bancária cujo o valor não se recorda mas que se destinava à aquisição de materiais para a casa de banho, confirma ainda que lhe fizeram a transferência bancária. Quanto ao ponto 28 da petição inicial - o réu confirmou que substituiu os barrotes da estrutura do telhado no qual estava incluído as telhas e as ripas , acrescentou que aplicou roofmate. Quanto ao WC referiu que removeu os sanitários antigos . Quanto ao artigo 30 da petição inicial o réu confirmou que não procedeu à aplicação dos sanitários, do revestimento de paredes e chão da casa de banho e que não colocou o polibã. Quanto ao artigo 34 da petição inicial - o réu confirmou que em Agosto a obra não estava concluída. Quanto ao artigo 40 da petição inicial - o réu confirmou a receção do referido e-mail. Quanto ao artigo 41 - o réu confirmou também a receção deste e-mail. Quanto ao artigo 45 - o réu confirmou que recebeu a carta aí mencionada no qual a autora lhe exigiu o pagamento da quantia de 10.000,00€. Quanto ao artigo 46 da petição inicial - o réu confirmou que não procedeu ao pagamento. (…).”
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Após a realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, cujo segmento decisório aqui se reproduz:
“7. Decisão Em face do exposto, e nos termos de direito invocados, o Tribunal julga a ação totalmente improcedente e, nessa medida, decide-se: a) Julgar verificada a exceção perentória inominada de ilegitimidade substantiva da Autora e, em consequência, absolve-se o Réu de todos os pedidos formulados pela Autora. b) Condenar a Autora no pagamento das custas do processo, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. (…).”
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Não se conformando com essa decisão, nem com o teor do despacho proferido em 13.12.2022, no segmento em que decidiu admitir a resposta apresentada pela Autora “(…) excepto o vertido nos pontos 6º a 8º”, a Autora deles veio interpor recurso, pedindo a revogação do referido despacho, bem como da sentença, peticionando a sua substituição por outra que julgue a ação totalmente procedente.
Formulou, a terminar as suas alegações, as seguintes conclusões:
“1- A Autora, ora recorrente, não se conformando com a decisão proferida em primeira instância, vem apresentar recurso incidente sobre a matéria de facto e de Direito. 2- Concomitantemente com o recurso assim interposto da decisão final proferida, e nos termos das disposições conjugadas do n.º 3 do artigo 644.º e do artigo 660.º, ambos do CPC, impugna ainda a recorrente uma decisão interlocutória, proferida durante a lide, insusceptível que então foi de recurso autónomo. A saber: Decisão constante de douto despacho proferido a 14/04/2022, com a referência citius n.º 421290389, na seguinte parte: “Da admissibilidade do requerimento da Autora após a contestação (…) pelo exposto, atentos os princípios d adequação processual e economia processual, admite-se a resposta apresentada – excepto o vertido nos pontos 6.º a 8.º”. 3- Esta decisão intercalar não lhe admitiu a aceitação da confissão que o Réu faz na contestação à matéria alegada pela Autora nos artigos 10.º, 11.º, 12.º, 20.º, 23.º( parte), 24.º, 25.º, 26.º, 35.º, 40 e 41.º da petição inicial. 4- Na verdade, após a contestação, a Autora, por requerimento apresentado no dia 16/02/2022, alegara o seguinte: “A A. aceita a confissão que o R. faz, na sua contestação, da matéria alegada por ela A., nos artigos 10.º, 11.º, 12.º, 20.º, 21.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 35.º, 40.º, e 41, para os efeitos dos artigos 46.º e 465.º do código de processo civil, de forma a serem considerados factos irretratavelmente confessados, assim como aceita a declaração de veracidade feita pelo R. no artigo 4.º da contestação, dos documentos 3,4,5,7,8,9,10,11,13,14,17,18,19 a 23 juntos com a petição inicial.” 5- Assim, a Autora limitou-se a aceitar especificadamente a confissão feita, tal como decorre da lei. Aceitação que aqui se reitera: Autora aceita a confissão que o Réu faz, na sua contestação, da matéria alegada por ela A., nos artigos 10.º, 11.º, 12.º, 20.º, 21.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 35.º, 40.º, e 41, para os efeitos dos artigos 46.º e 465.º do código de processo civil, de forma a serem considerados factos irretratavelmente confessados, assim como aceita a declaração de veracidade feita pelo R. no artigo 4.º da contestação, dos documentos 3,4,5,7,8,9,10,11,13,14,17,18,19 a 23 juntos com a petição inicial. 6- Esta confissão adquire força probatória plena contra o Réu, nos termos do artigo 358.º, n.1 do Código Civil). 7- Consequentemente, andou menos bem o Tribunal a quo, portanto, ao proferir tal decisão intercalar do modo como o fez, a qual ainda é tempo de decidir-se de forma correcta, o que se impõe, a bem da Justiça, e porque a Autora, ora Apelante, mantém o interesse na sanação da infracção, o que desde já se requer. 8- Na douta sentença diz-se que “atendendo que se verifica a excepção de peremptória de ilegitimidade substantiva da Autora, o Réu deverá ser absolvido de todos os pedidos formulados”. 9- Contudo, a Autora formula um pedido subsidiário para a eventualidade dos pedidos principais improcederem. 10- Assim, não tendo o Tribunal conhecido de todas as questões, ocorre em omissão de pronúncia. 11- Além disso, a douta sentença é também nula, porquanto, a decisão conflitua nos respectivos fundamentos, pois, na verdade, não se consegue vislumbrar como é que se pode dar como provado que “ no dia 23 de Junho de 2020, a Autora através da conta bancária do filho, CC (…), transferiu ao Réu, o montante de €7.072,50, correspondente a 50% do total dos trabalhos tendo o Réu emitido a correspondente fatura.” e que “ A Autora através da conta bancária do filho, CC (…), transferiu, transferiu a quantia de €5.658,00 (cinco mil seiscentos e cinquenta e oito euros para que o Réu pudesse comprar materiais …” e simultaneamente se decida verificada a ilegitimidade substantiva. 12- Assim, verifica-se a nulidade da sentença nos termos do disposto no n.º 1 alíneas c) e d), do artigo 615.º do Código de Processo Civil. 13- Por outro lado, o tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento, violando os direitos de acesso à justiça em condições de igualdade e à tutela judicial efectiva. 14- Na verdade, os factos que a Autora levou a juízo, correspondiam à celebração de um contrato de empreitada entre Autora e Réu, a resolução do contrato por parte da Autora, a necessidade que a Autora teve em contratar um novo empreiteiro e o diferencial que teve de pagar ao novo empreiteiro por a obra não ter sido terminada pelo Réu, o pedido da devolução do valor entregue ao Réu para a realização de trabalhos que aquele não efectuou e, por fim, a titulo subsidiário, o enriquecimento do Réu à custa do empobrecimento da Autora. 15- Porém, optou o Tribunal a quo por não atender à prova feita pela Autora sobre os factos por si alegados, sem qualquer fundamento válido, violando assim o direito geral da Autora à protecção jurídica e judicial consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. 16- Pelo presente recurso impugna a Apelante expressamente a douta decisão proferida sobre a matéria de facto, assim como foi proferida nos autos, o que faz nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, posto que considera incorrectamente julgados os mesmos pontos, a seguir referenciados, como factos provados e não provados. 17- Relativamente aos referidos pontos de facto concretos, tais como foram focados na motivação do presente recurso e na exposição que se segue, a divergência do que foi considerado provado e/ou não provado, com respeito à correcta decisão que se impunha, com base na prova realmente produzida e com eventual auxílio, caso a caso, das regras da experiência e do sendo comum, é patente e manifesta e, no entender da recorrente, clamorosa. 18- Salienta a Recorrente que, com respeito às a seguir pedidas alterações de julgamento de facto, nenhuma contraprova houve, relativamente ao que sustentam e invocam: Em concreto e em especial, os pontos do julgamento de facto que se colocam em crise são os seguintes: QUANTO AOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS: 27) O Réu foi contactado por DD (…), que se apresentou como dono da obra, no sentido de apresentar orçamento para a realização de reparações no imóvel identificado no ponto 1), que segundo as suas afirmações era sua. 28) Os emails referidos nas alíneas h), o), r) e t) foram enviados por DD (…) ao Réu. 31) Sucede que, o valor referido no ponto anterior, não foi aceite por DD (…). QUANTO AOS FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS a) Após uma pesquisa na internet, a Autora identificou duas páginas que publicitavam a realização desses trabalhos, nos seguintes sites eletrónicos: - (…) - (…) b) Para a realização dos trabalhos descritos no ponto 4), a Autora solicitou orçamentos a J... (…), Lda. e ao Réu, tendo desde logo alertado que, para a adjudicação dos trabalhos, seria condição sine quo non que os mesmos estivessem concluídos no início de agosto de 2020, pois necessitava da casa. c) Em 22 de maio de 2020, foi solicitado orçamento a J... (…), Lda, através do preenchimento do formulário eletrónico sito em ttps://(…) d) Para que pudessem elaborar o orçamento solicitado pela Autora, J... (…), Lda, e o Réu deslocaram-se ao prédio identificado no ponto 1) e, posteriormente, enviaram os respetivos orçamentos. e) Assim, a Autora informou o Réu que, caso se comprometesse a concluir os trabalhos no início de agosto de 2020 lhe adjudicaria os mesmos, e que essa era uma condição essencial para lhe atribuir a execução daqueles. f) Novamente questionado, o Réu assumiu à Autora que conseguia entregar a obra pronta no início de agosto de 2020, voltando a referir que caso fosse necessário, colocaria mais homens a fazer a obra. g) Deste modo, perante a garantia do Réu, a Autora adjudicou os trabalhos ao Réu. h) Consequentemente, em face do acordo preliminar, bem como do orçamento apresentado pelo Réu, a Autora, através de email datado de 19 de junho de 2020, adjudicou ao Réu os seguintes trabalhos: i. efetuar a reparação do telhado, com remoção de barrotes e roofmate, colocação de barrotes tratados e ripado, colocação de lã de rocha e pladur, pintura do mesmo, pelo preço de €5.000,00 (cinco mil euros); ii. regularização do chão e picar, fazer betonilha para tapar esgoto vindo da sanita, pelo preço de €1.500,00 (mil e quinhentos euros); iii. passagem de fios de eletricidade e fazer revisão à mesma, substituição de aparelhagem de eletricidade, pelo preço de €2.000,00 (dois mil euros); iv. canalização do wc do rés-do- chão, remoção de banheira e colocar poliban; colocação de mosaico e azulejo, pelo preço de €3.000,00 (três mil euros). i) No email em que foram adjudicados os trabalhos ao Réu, a Autora reiterou que a adjudicação pressupunha que a obra fosse concluída até ao início de agosto de 2020. j) Por email de 19 de junho de 2020, as partes acordaram que o Réu além da realização dos trabalhos aludidos na alínea h), colocaria duas janelas do tipo velux no telhado do prédio identificado no ponto 1), mediante o pagamento pela Autora do valor total de €500,00 (quinhentos euros) – valor que já incluía o IVA, quantia que foi entregue ao Réu em dinheiro, no mês de junho de 2020, não tendo o Réu emitido qualquer fatura, apesar das diversas solicitações da Autora para que o fizesse. k) O Réu iniciou os trabalhos e solicitou à Autora a indicação dos materiais que pretendia que fossem colocados na casa de banho, tendo a Autora, através de email enviado ao Réu a 14 de julho de 2020, indicado os materiais que pretendia. l) O Réu solicitou a Autora a transferência de €5.658,00 (cinco mil seiscentos e cinquenta e oito euros), alegando que precisava desse pagamento para proceder à compra de materiais para a casa de banho. m) A Autora entregou ao Réu o montante total de €13.230,50 (treze mil duzentos e trinta euros e cinquenta cêntimos). n) No dia 9 de agosto de 2020, a Autora deslocou-se ao prédio identificado no ponto 1), tendo-se apercebido que o Réu para além de não ter concluído os trabalhos, ainda deixou a habitação destelhada, sujeita às intempéries. o) Perante este cenário, a Autora enviou um email ao Réu, onde transmitiu, além do mais, o seguinte: «Sr. BB (…), Nos termos do nosso acordo, relativo à obra que eu e a minha família contratamos para a nossa casa de família de Ribamar, que consistia, entre outras intervenções, em reparar o telhado e remodelar as casas de banho (intervenção melhor descrita no email de adjudicação de 19 de junho de 2020), esse acordo pressupunha a realização e conclusão das obras até ao início do mês de agosto, momento em que pretendemos utilizar a casa para as férias, livre de obras. Conforme acordámos, da nossa parte, teríamos que fazer o pagamento do seguinte modo: 50% do valor total da obra que teríamos que pagaríamos no início dos trabalhos; 40% que pagaríamos no meio da obra; e os restantes 10% no final. Embora, uma parte inicial da obra tenha decorrido logo após a adjudicação – na parte relativa à retirada do telhado antigo – conforme sabe, ainda não foi possível aproveitar a casa para férias, por termos recebido, desde o início do mês de agosto, sucessivas indicações da sua parte, de que a obra está quase pronta mas que houve atrasos na sua execução e de que houve atrasos na entrega dos materiais para serem colocados na casa de banho. Mais uma vez, e no dia de hoje – 09 de agosto de 2020 – deparei-me, no local, que a casa ainda nem sequer telhado tem, o que se torna difícil de compreender, por não corresponder ao nosso acordo, sendo que, da nossa parte, para além de termos feito o pagamento do montante inicial de 50%, já procedemos ao pagamento de 40% do valor que deveria ser pago a meio da obra, mas que o senhor referiu serem necessários para comprar os materiais e, ainda, ao pagamento do montante de 500 euros, relativos a compra e instalação de duas janelas do tipo Velux a colocar no telhado. Reafirmo que este atraso tem trazido problemas quanto à marcação e gozo das férias da minha família. Assim, solicito que responda a este email, indicando quando a data em que a obra estará pronta. (…).» p) Em meados de agosto de 2020, o Réu deixou de aparecer o prédio identificado no ponto 1), não mais lá voltando a fazer qualquer serviço. q) O Réu sabia que ao deixar de aparecer no prédio, não efetuando mais trabalhos, estava a violar o acordo que tinha celebrado. r) No dia 3 de setembro de 2020, a Autora enviou email ao Réu, através do qual comunicou o seguinte: «Bom dia, Não obstante o atraso de mais de um mês na entrega da obra, solicito que nos entregue a obra de Ribamar concluída e livre do lixo de obras no dia 17 de setembro, devido a termos o objetivo de juntar a família nesse local, por ocasião do aniversário da minha mãe no dia 18 de setembro. Mais refiro que a não entrega da obra concluída irá trazer prejuízos para nós, que teremos de encontrar outro local para a reunião familiar. (…).» s) No dia 9 de setembro de 2020, através de sms, a Autora transmitiu ao Réu que: «Boa noite. Depois da nossa conversa telefónica, espero que a obra de Ribamar esteja bem encaminhada para ser entregue concluída. Não obstante o atraso de mais de um mês, espero que não haja mais atrasos e no dia 18 de setembro a minha família possa estar na casa de Ribamar reunida para festejar o 81.» t) No dia 15 de setembro de 2020, enviou novo email para o Réu, através transmitiu aquele que: «Sr. BB (…), Conforme lhe falei ontem ao telefone, no sábado, 11 de setembro, fui ver o estado da obra na casa de Ribamar, que deveria estar concluída no início de agosto, a qual, nas suas palavras “estava a andar”. Porém, o que pude constatar é que, desde que fui ao local da última vez, em 21 de agosto de 2020, não houve qualquer intervenção na obra, o que significa que se encontra tudo na mesma, com a obra completamente parada. A casa que deveria ser um local de descanso e de lazer da minha família encontra- se transformada num estaleiro de obras, com andaimes colocados ao lado da casa ou deixados no jardim, com telhas no chão do pátio, por colocar no telhado, que se encontra inacabado e exposto às condições meteorológicas, lixo de obra espalhado por todo o lado, com casa de banho destruída, materiais de construção colocados pela casa. A tudo isto acresce o facto de já lhe ter sido transferido o valor de €12.730,50 ( doze mil, setecentos e trinta euros e cinquenta cêntimos), montante transferido por transferência bancária, correspondente a 90% do total da obra, e o valor de €500,00 (quinhentos euros), pagos em dinheiro, para a colocação de duas janelas do tipo velux. Esta situação é absolutamente incompreensível e inaceitável e está a trazer-nos prejuízos de vários géneros e, previsivelmente, face à previsão do tempo, trará maiores danos na casa. Mais uma vez, insto-o, urgentemente, a terminar a obra. (…).» QUANTO A FACTOS OMITIDOS, COMO PROVADOS OU NÃO PROVADOS, MAS QUE DEVERIAM TER SIDO DADOS POR PROVADOS, PORQUE O FORAM, E UMA VEZ QUE SE REVESTEM COM INTERESSE PARA A BOA DECISÕ DA CAUSA: O preço a pagar pela empreitada adjudicada correspondia ao montante de € 11.500,00 (onze total mil e quinhentos euros), valor ao qual acresceria o IVA, calculado a 23%, no total de € 14.145,00 (onze mil, cento e quarenta e cinco euros). Como resulta do e-mail em que é adjudicada a obra, a Autora reiterou que a adjudicação pressupunha que a obra fosse concluída até ao início de Agosto de 2020. As partes acordaram que o R. além da realização das obras identificadas no artigo 20 da petição inicial, colocaria duas janelas do tipo velux no telhado do prédio identificado em 1, mediante o pagamento pelo A. do valor total de € 500,00 (quinhentos euros)—preço que já incluía o IVA, quantia que foi entregue ao R., em dinheiro, no mês de Junho de 2020, não tendo o R. emitido qualquer factura, apesar das diversas solicitações da A. para que o fizesse. O R. iniciou a obra e solicitou a A. a indicação dos materiais que pretendia que fossem colocados na casa de banho, tendo a A. através de e-mail enviado ao R. a 14 de julho de 2020, indicado os materiais que pretendia. Além disso, o R. solicitou à Autora a transferência de € 5.658,00 (cinco mil seiscentos e cinquenta e oito euros), alegando que precisava desse pagamento para proceder à compra dos materiais para a casa de banho, tendo A., de boa-fé, em 20 de julho de 2020, através da conta bancária do filho CC (…), transferido a referida quantia para que o R. pudesse comprar os materiais por si escolhidos, não tendo o R. emitido qualquer factura, apesar das diversas solicitações da A. para que emitisse a respectiva factura. Perante este cenário, a A. enviou um e-mail ao R. a manifestar o seu descontentamento e a solicitar a indicação de um prazo para a conclusão da obra, tendo o R. por telemóvel referido “a obra está a andar”. No dia 3 de setembro de 2020, a Autora enviou e-mail para o endereço eletrónico do R., solicitando que, não obstante o atraso, o Réu entregasse a obra concluída, o mais tardar até 17 de setembro, por ocasião do aniversário da A.— o que reafirmou através de mensagem de telemóvel. No dia 15 de setembro de 2020, enviou novo e-mail para o Réu, instando o mesmo a concluir a obra, indicando que se aproximava o período do outono, e que o imóvel como o R. o deixou (destelhado) iria sofrer danos elevados. OS MEIOS PROBATÓRIOS DISSONANTES COM O QUE FOI DADO COMO PROVADO SÃO OS SEGUINTES: Documentos: - Documento 6 junto com a pi; - Documento 7 junto com a pi; - Documento 8 junto com a pi; - Documento 9 junto com a pi; - Documento 10 junto com a pi; - Documento 11 junto com a pi; - Documento 12 junto com a pi; - Documento 13 junto cm a pi; - Documento 14 junto com a pi; - Documento 15 junto com a pi; - Documento 16 junto com a pi; - Documento 17 junto com a pi; - Documento 18 junto com a pi; - Documento 19 junto com a pi; - Documento 20 junto com a pi; - Documento 21 junto com a pi; - Documento 22 junto com a pi; - Documento 23 junto com a pi; - Documento 24 junto com a pi; - Documento 25 junto com a pi; - Documento 26 junto com a pi; - Acta da audiência de discussão e julgamento de 23.01.2023. DEPOIMENTOS DE TESTEMUNHAS E OUTROS INTERVENIENTES: - Depoimento de parte do Réu BB (…), depoimento prestado na sessão de julgamento de 23.01.2023, gravado com a duração de 01hs22ms40ss, início da Gravação 10:36—fim da gravação 11:59, tal como consta da acta de audiência de discussão e julgamento. - Depoimento da testemunha DD (…), depoimento prestado na sessão de julgamento de 23.01.2023, gravado com a duração de 01hs30ms40ss, início da Gravação 13:57—fim da gravação 15:27, tal como consta da acta de audiência de discussão e julgamento. - Depoimento da testemunha E (…), depoimento prestado na sessão de julgamento de 28.06.2023, início da Gravação 10:20—fim da gravação 10:54, tal como consta da acta de audiência de discussão e julgamento. 19- Quanto a cada um dos factos em crise, deverá considerar-se o seguinte: QUANTO AOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS: “27) O Réu foi contactado por DD (…), que se apresentou como dono da obra, no sentido de apresentar orçamento para a realização de reparações no imóvel identificado no ponto 1), que segundo as suas afirmações era sua.” Deverá antes considerar-se provado que: 27) O Réu foi contactado pela Autora, por intermédio do seu filho DD (…), no sentido de apresentar orçamento para a realização de reparações no imóvel identificado no ponto 1) "28) Os emails referidos nas alíneas h), o), r) e t) foram enviados por DD (…) ao Réu”. Deverá antes considerar-se provado que 28) Todos os e-mails foram enviados pela Autora por intermédio do seu filho DD (…) “31) Sucede que, o valor referido no ponto anterior, não foi aceite por DD (…).” Deverá antes considerar-se provado que 31) Sucede que, o valor referido no ponto anterior, não foi aceite pela Autora. Quanto à matéria de facto dada como não provada e aquela que foi desconsiderada deverá passar a constar da matéria de facto provada o seguinte: I. No dia 9 de agosto de 2020, a Autora deslocou-se ao prédio identificado no ponto1dos factos já dados como provados, tendo-se apercebido que o Réu para além de não ter concluído os trabalhos, ainda deixou a habitação destelhada, sujeita às intempéries. II. Perante este cenário, a Autora enviou um email ao Réu, onde transmitiu, além do mais, o seguinte: «Sr. BB (…), Nos termos do nosso acordo, relativo à obra que eu e a minha família contratamos para a nossa casa de família de Ribamar, que consistia, entre outras intervenções, em reparar o telhado e remodelar as casas de banho (intervenção melhor descrita no email de adjudicação de 19 de junho de 2020), esse acordo pressupunha a realização e conclusão das obras até ao início do mês de agosto, momento em que pretendemos utilizar a casa para as férias, livre de obras. Conforme acordámos, da nossa parte, teríamos que fazer o pagamento do seguinte modo: 50% do valor total da obra que teríamos que pagaríamos no início dos trabalhos; 40% que pagaríamos no meio da obra; e os restantes 10% no final. III. Embora, uma parte inicial da obra tenha decorrido logo após a adjudicação – na parte relativa à retirada do telhado antigo – conforme sabe, ainda não foi possível aproveitar a casa para férias, por termos recebido, desde o início do mês de agosto, sucessivas indicações da sua parte, de que a obra está quase pronta mas que houve atrasos na sua execução e de que houve atrasos na entrega dos materiais para serem colocados na casa de banho. Mais uma vez, e no dia de hoje – 09 de agosto de 2020 – deparei-me, no local, que a casa ainda nem sequer telhado tem, o que se torna difícil de compreender, por não corresponder ao nosso acordo, sendo que, da nossa parte, para além de termos feito o pagamento do montante inicial de 50%, já procedemos ao pagamento de 40% do valor que deveria ser pago a meio da obra, mas que o senhor referiu serem necessários para comprar os materiais e, ainda, ao pagamento do montante de 500 euros, relativos a compra e instalação de duas janelas do tipo Velux a colocar no telhado. Reafirmo que este atraso tem trazido problemas quanto à marcação e gozo das férias da minha família. Assim, solicito que responda a este email, indicando quando a data em que a obra estará pronta. (…).» IV. O Réu sabia que ao deixar de aparecer no prédio, não efetuando mais trabalhos, estava a violar o acordo que tinha celebrado. V. No dia 3 de setembro de 2020, a Autora enviou email ao Réu, através do qual comunicou o seguinte: «Bom dia, Não obstante o atraso de mais de um mês na entrega da obra, solicito que nos entregue a obra de Ribamar concluída e livre do lixo de obras no dia 17 de setembro, devido a termos o objetivo de juntar a família nesse local, por ocasião do aniversário da minha mãe no dia 18 de setembro. Mais refiro que a não entrega da obra concluída irá trazer prejuízos para nós, que teremos de encontrar outro local para a reunião familiar. (…).» VI. No dia 9 de setembro de 2020, através de sms, a Autora transmitiu ao Réu que: «Boa noite. Depois da nossa conversa telefónica, espero que a obra de Ribamar esteja bem encaminhada para ser entregue concluída. Não obstante o atraso de mais de um mês, espero que não haja mais atrasos e no dia 18 de setembro a minha família possa estar na casa de Ribamar reunida para festejar o 81.» VII. No dia 15 de setembro de 2020, enviou novo email para o Réu, através transmitiu aquele que: «Sr. BB (…), Conforme lhe falei ontem ao telefone, no sábado, 11 de setembro, fui ver o estado da obra na casa de Ribamar, que deveria estar concluída no início de agosto, a qual, nas suas palavras “estava a andar”. Porém, o que pude constatar é que, desde que fui ao local da última vez, em 21 de agosto de 2020, não houve qualquer intervenção na obra, o que significa que se encontra tudo na mesma, com a obra completamente parada. A casa que deveria ser um local de descanso e de lazer da minha família encontra- se transformada num estaleiro de obras, com andaimes colocados ao lado da casa ou deixados no jardim, com telhas no chão do pátio, por colocar no telhado, que se encontra inacabado e exposto às condições meteorológicas, lixo de obra espalhado por todo o lado, com casa de banho destruída, materiais de construção colocados pela casa. A tudo isto acresce o facto de já lhe ter sido transferido o valor de €12.730,50 ( doze mil, setecentos e trinta euros e cinquenta cêntimos), montante transferido por transferência bancária, correspondente a 90% do total da obra, e o valor de €500,00 (quinhentos euros), pagos em dinheiro, para a colocação de duas janelas do tipo velux. Esta situação é absolutamente incompreensível e inaceitável e está a trazer-nos prejuízos de vários géneros e, previsivelmente, face à previsão do tempo, trará maiores danos na casa. Mais uma vez, insto-o, urgentemente, a terminar a obra. (…).» VIII. O preço a pagar pela empreitada adjudicada correspondia ao montante de € 11.500,00 (onze total mil e quinhentos euros), valor ao qual acresceria o IVA, calculado a 23%, no total de € 14.145,00 (onze mil, cento e quarenta e cinco euros). IX. Através do e-mail enviado pelo filho DD (…), a Autora reiterou que a adjudicação pressupunha que a obra fosse concluída até ao início de Agosto de 2020. X. As partes acordaram que o R. além da realização das obras identificadas no artigo 20 desta petição, colocaria duas janelas do tipo velux no telhado do prédio identificado em 1, mediante o pagamento pelo A. do valor total de € 500,00 (quinhentos euros)—preço que já incluía o IVA, quantia que foi entregue ao R., em dinheiro, no mês de Junho de 2020, não tendo o R. emitido qualquer factura, apesar das diversas solicitações da A. para que o fizesse. XI. O Réu iniciou a obra e solicitou a Autora, por intermédio do filho desta, a indicação dos materiais que pretendia que fossem colocados na casa de banho, tendo a A. através de e-mail enviado ao R. a 14 de julho de 2020, indicado os materiais que pretendia. XII. O Réu solicitou à Autora a transferência de € 5.658,00 (cinco mil seiscentos e cinquenta e oito euros), alegando que precisava desse pagamento para proceder à compra dos materiais para a casa de banho, tendo Autora, de boa-fé, em 20 de julho de 2020, através da conta bancária do filho CC (…), transferido a referida quantia para que o R. pudesse comprar os materiais por si escolhidos, não tendo o R. emitido qualquer factura, apesar das diversas solicitações da A. para que emitisse a respectiva factura. XIII. A Autora, através do e-mail do seu filho, manifestou ao Réu o seu descontentamento, solicitando, ainda, a indicação de um prazo para a conclusão da obra, tendo o Réu por telemóvel referido “a obra está a andar”. XIV. No dia 3 de setembro de 2020, por intermédio do seu filho, a Autora enviou e-mail para o Réu, solicitando que solicitando que o Réu entregasse a obra concluída, o mais tardar até 17 de setembro, por ocasião do aniversário da Autora— o que reafirmou através de mensagem de telemóvel. XV. No dia 15 de setembro de 2020, a Autora enviou novo e-mail para o Réu, instando o mesmo a concluir a obra, tendo alertado que se aproximava o período do outono, e que o imóvel como o Réu o deixou iria sofrer danos elevados. XVI. A Autora já entregou ao Réu o montante total de €13.230,50 (treze mil duzentos e trinta euros e cinquenta cêntimos) 20- o facto J) dado como não provado demonstra bem o desacerto da decisão, refere a Mª. Juiz na motivação que “Ademais, também a testemunha quanto ao pagamento daquela quantia disse apenas que o valor foi pago em dinheiro, não tendo descrito em que momento tal pagamento ocorreu ou quem efectuou o pagamento”; A este propósito ouçamos o que diz a testemunha DD (…) no seu depoimento: 27:20 Mandatário da Autora Ficou acordado ele colocar lá também duas janelas? 27:22 DD (…) sim 27:31 Mandatário da Autora E que tipo de janelas é que eram? 27:33 DD (…) Duas janelas vellux, seriam para integrar no telhado que foram pagas e decididas logo no início da obra, foi logo no momento da adjudicação, portanto, o Sr. BB (…) enviou o orçamento, depois a minha mãe quis as tais janelas, falou-se com o senhor BB (…), o senhor BB (…) disse, € 500,00 para pôr as janelas , foi pago em dinheiro, mas as janelas não foram colocadas. 21- Consequentemente, é forçoso concluir que as janelas foram pagas e que não foram colocadas. 22- Assim, a Autora já entregou ao Réu o montante total de €13.230,50 (treze mil duzentos e trinta euros e cinquenta cêntimos), devendo, naturalmente, o facto da alínea j) e m) terem de ser dados como provados. 23- A questão essencial nos presentes autos prende-se com o seguinte: saber se a Autora é ou não a dona da obra, e consequentemente, parte legitima na presente lide. 24- Ora, atendendo ao facto da testemunha DD (…) ser filho da Autora, desta naquela data ter 81 anos, é medianamente compreensível que o filho tenha sido intermediário da mãe para a realização do contrato de empreitada, assim como também o foram os outros dois filhos; 25- Veja-se a este respeito o que refere a testemunha E (…), depoimento prestado na sessão de julgamento de 28.06.2023, início da Gravação 10:20—fim da gravação 10:54, tal como consta da acta de audiência de discussão e julgamento. 18:01 Mandatário do Réu O Senhor sabe se os contactos que eram efectuados com o empreiteiro da obra foram feitos de que forma, telefone e na presença da sua mãe, ou foram efectuados pelo seu irmão, por você, enfim, como? 18:23 E (…) foram feitos, inclusivamente eu fiz um contacto telefónico (…) alguns foram feitos pelo meu irmão mais novo, mas com total liderança da minha mãe. 26- E o Réu sabia e aceitou que a Autora era a dona da obra por tal lhe ter sido dito pelo filho desta, a testemunha DD (…). E foi por isso que o Réu emitiu a factura em nome da Autora. 27- Veja-se que a factura foi emitida em nome da Autora, com a sua identificação completa, incluindo o número de contribuinte, a descrição dos trabalhos a realizar, demonstra bem que o Réu não só sabia, como aceitou que a Autora era a dona da obra. 28- Além disso, no seu depoimento de parte o Réu acaba por confessar que emitiu a factura em nome da dona da casa; A este propósito ouçamos o seu depoimento onde faz tal confissão: Depoimento de parte do Réu BB (…), depoimento prestado na sessão de julgamento de 23.01.2023, gravado com a duração de 01hs22ms40ss, início da Gravação 10:36—fim da gravação 11:59, tal como consta da acta de audiência de discussão e julgamento. 1:00:11 Mandatário da Autora Emitiu a factura em nome da dona da casa? 1:00:11 BB (…), Sim O depoimento da testemunha DD (…) também corrobora a versão da Autora, quando declarou em audiência de julgamento do seguinte: 26:17 Mandatário da Autora E porque é que a factura foi emitida em nome da sua mãe? 26:20 DD (…) Porque no início quando foi adjudicada a obra eu tinha dito que a casa é da minha mãe, eu expliquei que o meu irmão é que ia pagar para ser mais fácil o pagamento, o meu irmão fazia através do computador e acho que na altura a minha mãe estava com receio que para cima de € 5.000,00 não conseguisse fazer transferência, por ser mais fácil atribuiu essa tarefa ao meu irmão. 29- Além disso, decorre da alegação do Réu no artigo 22.º da sua contestação que a dona da obra é a Autora, pois, segundo aquele refere “o R. se recusou a emitir a factura no nome de um familiar do Sr. DD (…), com quem não tinha qualquer contrato com o R. e fiscalmente podia trazer-lhe problemas”. 30- Ou seja, decorre da prova que o Réu emitiu a factura (doc. 9 junto com a pi) em nome da Autora, pois era com ela que tinha o contrato, por intermédio do seu filho. 31- A forma como se processou a contratação da empreitada não afetou a definição dos elementos essenciais do contrato, a saber: «a)- o acordo sobre a realização de certa obra (resultado); b)- mediante um preço, ainda que apenas determinável; c)- e com autonomia do executante da obra em relação ao dono desta». 32- Nesse sentido, resulta do artigo 239.º do código civil que, “na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta”. 33- Por uma simples análise dos aspectos essenciais do contrato, com base no princípio da boa-fé contratual, na comprovação do titular do imóvel e na factura emitida, facilmente se conclui que a Autora é a dona da obra. 34- O Tribunal incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto porquanto reduz a declaração de vontade as partes a um único e-mail—que até é anterior a celebração do contrato. 35- Ora, pelas regras de experiência, não podia o Tribunal considerar que a empreitada se estabelecia, em todos os seus elementos, por via de um e-mail em que o filho da Autora, DD (…), se apresentava como “tenho uma casa”. 36- Como é notório, a contratação da empreitada não se resumiu ao envio do e-mail com o pedido de orçamento ao Réu. 37- Por outro lado, como é que se justifica que o Réu, no seguimento do pagamento pelo filho da Autora, CC (…), tenha passado a respetiva fatura emitida em nome da Autora, com o nome completo, morada e correspondente número fiscal? 38- O contrato de empreitada é um contrato sinalagmático na medida em que dele emergem obrigações recíprocas interdependentes: a obrigação de realizar uma obra tem como contrapartida a obrigação de pagar um preço. 39- É um contrato oneroso, porque o esforço económico é suportado por ambas as partes e há vantagens correlativas a ambas as partes, no momento da celebração. 40- É um contrato consensual, na medida em que, ao não cair sob a estatuição de nenhuma norma cominadora de forma especial, a validade das declarações negociais depende do mero consenso (artigo 219.º do Código Civil). 41- Repare-se que o Réu recebeu as cartas enviadas pela Autora, cfr. factos provados 20), 21) e 22) e respetivas motivações. 42- E, quanto ao recebimento das cartas, o Réu referiu que não devolveu o dinheiro exigido pela Autora nas cartas porque, no seu entendimento, “tinha dinheiro a receber”, cfr. motivação do facto provado 22). Veja-se também a este propósito o que declara o Réu no seu depoimento: 57:06 Meritíssima Juiz Basicamente neste carta a Sr.ª AA exige-lhe o pagamento de €10.000,00 (…) e o senhor diz que recebeu esta carta e tomou conhecimento na altura (…) e o senhor procedeu ao pagamento destes 10.000,00? 58:26 BB (…), Não, porque eu também tinha a receber dinheiro 43- Ou seja, é o próprio Réu que aceita a Autora como parte contratante, pois invocou a exceptio non adimpleti contractus. 44- Em todo o caso, se efectivamente o Réu tivesse algum direito, que não tem, este sempre estaria a agir com manifesto abuso de direito ao invocar a ilegitimidade da Autora. 45- Na verdade, todo o comportamento do Réu levou a Autora a acreditar que aquele jamais viria a invocar que a Autora não é parte legítima no contrato. 46- Ora, como já se viu, ficou demonstrado que: - A Autora pagou ao Réu 50% do valor acordado para início dos trabalhos, tendo este emitido a respectiva factura em nome da Autora. - Após o início dos trabalhos a Autora pagou ao Réu mais 40% do valor que tinha sido acordado pagar a meio da obra. - A inacção do Réu face à resolução extrajudicial do contrato de empreitada por parte da Autora por incumprimento definitivo. - Ter-se apurado que os trabalhos realizados e os materiais entregues pelo Réu apenas totalizam o montante de € 3.413,70 (três mil quatrocentos e treze euros e setenta cêntimos) 47- Deste modo, é manifesto que a conduta do Réu, ao vir invocar a ilegitimidade da Autora para não lhe devolver o que recebeu a mais pelos trabalhos que não realizou e aceitou fazer, bem como para se eximir das responsabilidades pelos danos causados, sempre consubstanciaria um manifesto abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium. 48- Consequentemente, o Réu ao actuar como actuou agiu manifestamente de má-fé, violando o princípio da confiança. 49- Ao decidir como decidiu a douta sentença recorrida violou, entre outros preceitos, o disposto nos artigos 4.º, 46.º, 154.º, 465.º, 607.º, n.º 4, 608.º, n.º 2, 615, todos do Código de Processo Civil, nos artigos 9.º, 342.º, 352.º e 358.º do Código Civil e, ainda, nos artigos 16.º, n.º1; 20.º, n.º1 e 205.º todos da Constituição da República Portuguesa.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi corretamente admitido.
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Foram os autos remetidos a este Tribunal e colhidos os vistos legais.
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II. Questões a Decidir:
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente – art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante apenas designado de CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal são as seguintes:
- A utilidade do recurso da decisão contida no despacho proferido pelo Tribunal a quo em 13.04.2022, no segmento em que não admitiu o vertido no artigo 6º do requerimento de resposta apresentado pela Autora em 16.02.2022;
- As nulidades apontadas à sentença, previstas no artigo 615º, n.º 1, alínea c), 1ª parte e alínea d), 1ªparte, do CPC;
- A impugnação da matéria de facto;
- A alteração da decisão proferida no sentido da procedência da ação (seja em função da alteração da matéria de facto, no sentido de se considerar que o contrato de empreitada em causa nos autos foi celebrado entre a Autora e o Réu; seja em função da consideração do instituto do abuso de direito).
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III. Fundamentação de Facto:
Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos:
“1) A Autora é proprietária do prédio urbano denominado de «…», situado em Ribamar de Cima, que se encontra inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o n.º (…), da Freguesia de Santo Isidoro. 2) O prédio identificado em 1) adveio à titularidade da Autora por lhe ter sido adjudicado na partilha após o divórcio. 3) O referido prédio é utilizado pela Autora, pelos seus filhos, irmãs e sobrinhos. 4) Apesar de o prédio estar em condições de habitabilidade, a Autora para melhorar a comodidade, decidiu fazer trabalhos de reabilitação do sótão, com impermeabilização do telhado, forro do teto com instalação elétrica; reabilitação da canalização para a casa; alteração da banheira e colocar duche na casa de banho. 5) Em 22 de maio de 2020, foi solicitado orçamento ao Réu por via telefónica, e após indicações do Réu, através de email, enviado pelo filho da Autora, DD (…). 6) Para poder elaborar o orçamento solicitado, o Réu deslocou-se ao prédio identificado no ponto 1) e, posteriormente, enviou o respetivo orçamento. 7) O Réu, por email datado de 07 de junho de 2020 enviou orçamento onde eram especificados os trabalhos a realizar, divididos por itens, e o respetivo preço. 8) J... (…), Lda. por email datado de 17 de junho de 2020, enviou orçamento, com indicação das obras a realizar e o respetivo preço. 9) Através de contactos telefónicos subsequentes, J... (…), Lda. indicou não ter disponibilidade para realizar os trabalhos pretendidos até ao início de agosto de 2020. 10) Através de contactos telefónicos e visitas ao imóvel, o Réu declarou que, caso os trabalhos lhe fossem adjudicados, os mesmos seriam concluídos, impreterivelmente, até ao início de agosto de 2020, tendo referido que se fosse necessário, colocaria mais homens a fazer a obra. 11) Analisados os orçamentos apresentados, foi unicamente escolhido o orçamento apresentado pelo Réu por a Autora ter acreditado no que lhe havia sido dito pelo Réu e que era aquele que permitia concluir a obra no início de agosto de 2020. 12) O preço a pagar pelos trabalhos referidos na alínea h) correspondia ao montante de €11.500,00 (onze mil e quinhentos euros), valor ao qual acresceria o IVA, calculado a 23%, no total de €14.145,00 (quatorze mil cento e quarenta e cinco euros). 13) No dia 23 de junho de 2020, a Autora através da conta bancária do filho, CC (…), transferiu ao Réu, o montante de €7.072,50 (sete mil e setenta e dois euros e cinquenta cêntimos), correspondente a 50% do valor total dos trabalhos, com IVA calculado à taxa de 23%, tendo o Réu emitido a correspondente fatura. 14) A Autora, através da conta bancária do filho CC (…), transferiu a quantia de €5.658,00 (cinco mil seiscentos e cinquenta e oito euros) para que o Réu pudesse comprar os materiais, não tendo o Réu emitido qualquer fatura, apesar das diversas solicitações da Autora para que emitisse a respetiva fatura. 15) Contudo, o Réu somente realizou os seguintes trabalhos: • Demolição de cobertura existente, respetiva estrutura e transporte a vazadouro; • Execução de nova estrutura em barrotes de pinho tratado, ripas e roofmate. • Fornecimento e aplicação parcial de telhas. • Demolição da banheira e levantamento das restantes louças. 16) Os trabalhos realizados e os materiais entregues pelo Réu totalizam o montante de €3.413,70 (três mil quatrocentos e treze euros e setenta cêntimos). 17) O Réu não realizou os seguintes trabalhos a que estava obrigado: • Execução de cumeadas; • Remates em beirados; • Aplicação de lã de rocha e de gesso cartonado a forrar interiormente o sótão; • Regularizar o chão e picar; • Fazer betonilha para tapar esgoto vindo da sanita; • Passagem de fios de eletricidade e respetiva revisão; • Substituição de aparelhagem de eletricidade; • Canalização de WC do rés do chão; • Colocação de poliban; • Colocação de mosaico e azulejo; • Colocação de janelas Velux. 18) Na sequência do email referido da alínea o), o Réu, por telemóvel referiu que «a obra está a andar.» 19) Acontece que o Réu deixou de comparecer no prédio identificado no ponto 1), não mais tendo retomados os trabalhos, não tendo dado qualquer justificação. 20) Por carta datada de 06 de outubro de 2020, por intermédio do seu mandatário, a Autora comunicou ao Réu, designadamente, que: «(…) Com referência ao Contrato de Empreitada entre nós celebrado no dia 19 de junho de 2020, tendo por objeto a execução de intervenções no prédio inscrito nas Finanças com o artigo Matricial n.º (…), sita na Rua (…), Concelho de Mafra, com o Código Postal 2640 – 001 Santo Isidoro, Mafra, venho pela presente expor e comunicar a V. Exª o seguinte: Como é do seu conhecimento, no dia 19 de junho de 2020, celebrei com Vª Exª um Contrato de Empreitada para a realização de obras no prédio supra identificado, sito na Freguesia de Santo Isidoro, Concelho de Mafra, com o Código Postal 2640- 001 Santo Isidoro, Mafra (…). Dado que precisava de ocupar a casa no mês de agosto de 2020, ficou estipulada a obrigação de V. Exa. terminar a obra até ao início do mês de agosto de 2020, (…). Sucede, porém, que chegados ao início de agosto de 2020, o senhor mal havia dado início às obras da minha dita moradia. (…) Assim, se no prazo de 20 (vinte dias) V.ª Ex.ª não terminar a obra, considerar-se-á o contrato para a realização de obras no meu prédio (…), resolvido por incumprimento definitivo da vossa parte, e tomarei as medidas que entender por convenientes, para acautelar os meus prejuízos, assim como para a restituição do que já foi pago pelos trabalhos ainda não realizados, recorrendo às instâncias judiciais competentes. (…).» 21) Por carta datada de 20 de abril de 2021, a Autora transmitiu ao Réu, designadamente que: «Na sequência da nossa carta de interpelação datada de 24 de novembro de 2020, verificamos que V.ª Ex.ª não cumpriu com o contrato entre nós celebrado no dia 19 de junho de 2020, tendo por objeto a execução de intervenções no prédio (..) sito na Rua (…), Freguesia de Santo Isidoro (…). Face ao vosso incumprimento grave e reiterado, informo que considero o contrato resolvido com justa causa, com efeitos imediatos a partir da presente carta. Assim sendo, interpelo V.ª Ex.ª para no prazo de 10 dias proceder à devolução do valor de €10.000,00 ( dez mil euros) que lhe foi entregue por transferência bancária, referente ao aditamento de trabalhos que V.ª Ex.ª não realizou. Findo este prazo de 10 dias sem que V. Exa. proceda à devolução dos 10.000,00 (dez mil euros), presumirei ser V/intenção o recurso às vias judiciais, pelo que, instauraremos, de imediato e sem mais qualquer comunicação, a competente ação judicial, o que, além do desprestígio, acarretará as consabidas e onerosas despesas com custas judiciais. (…)» 22) Apesar de interpelado para o efeito, o Réu nada pagou a Autora. 23) Devido à habitação ter estado destelhada durante cerca de 10 meses, verificaram-se os seguintes problemas: • Aparecimento de várias zonas de fungos, paredes e tetos fissurados e estaladas pela água proveniente da ausência de partes cobertas; • Quadro elétrico derrubado por apodrecimento da estrutura de suporte; • Mobiliário, colchões e material estragado. 24) A reparação dos problemas elencados no ponto 23) ascende à quantia de €4.850,00 (quatro mil oitocentos e cinquenta euros). 25) Acresce que, em consequência do comportamento do Réu, a Autora teve de diligenciar no sentido de arranjar outro empreiteiro que lhe concluísse os trabalhos e reparasse os problemas causados pelo Réu. 26) A Autora pagou ao novo empreiteiro a quantia de €19.249,50 (dezanove mil duzentos e quarenta e nove euros e cinquenta cêntimos). 27) O Réu foi contactado por DD (…), que se apresentou como dono da obra, no sentido de apresentar orçamento para a realização de reparações no imóvel identificado no ponto 1), que segundo as suas afirmações era sua. 28) Os emails referidos nas alíneas h), o), r) e t) foram enviados por DD (…) ao Réu. 29) No orçamento apresentado pelo Réu não estava previsto qualquer prazo de execução de trabalhos. 30) No orçamento apresentado pelo Réu, no final havia uma verba de aproximadamente de €5.000,00 (cinco mil euros), valor com IVA, que seria para picar paredes e tetos no interior da habitação e colocar produto anti – humidade, e deixar pronto a pintar. 31) Sucede que, o valor referido no ponto anterior, não foi aceite por DD (…).”
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Na sentença recorrida foram considerados como não provados os seguintes factos:
“a) Após uma pesquisa na internet, a Autora identificou duas páginas que publicitavam a realização desses trabalhos, nos seguintes sites eletrónicos: - (…), - (…) b) Para a realização dos trabalhos descritos no ponto 4), a Autora solicitou orçamentos a J... (…), Lda. e ao Réu, tendo desde logo alertado que, para a adjudicação dos trabalhos, seria condição sine quo non que os mesmos estivessem concluídos no início de agosto de 2020, pois necessitava da casa. c) Em 22 de maio de 2020, foi solicitado orçamento a J... (…), Lda, através do preenchimento do formulário eletrónico sito em (…) d) Para que pudessem elaborar o orçamento solicitado pela Autora, J... (…), Lda, e o Réu deslocaram-se ao prédio identificado no ponto 1) e, posteriormente, enviaram os respetivos orçamentos. e) Assim, a Autora informou o Réu que, caso se comprometesse a concluir os trabalhos no início de agosto de 2020 lhe adjudicaria os mesmos, e que essa era uma condição essencial para lhe atribuir a execução daqueles. f) Novamente questionado, o Réu assumiu à Autora que conseguia entregar a obra pronta no início de agosto de 2020, voltando a referir que caso fosse necessário, colocaria mais homens a fazer a obra. g) Deste modo, perante a garantia do Réu, a Autora adjudicou os trabalhos ao Réu. h) Consequentemente, em face do acordo preliminar, bem como do orçamento apresentado pelo Réu, a Autora, através de email datado de 19 de junho de 2020, adjudicou ao Réu os seguintes trabalhos: i. efetuar a reparação do telhado, com remoção de barrotes e roofmate, colocação de barrotes tratados e ripado, colocação de lã de rocha e pladur, pintura do mesmo, pelo preço de €5.000,00 (cinco mil euros); ii. regularização do chão e picar, fazer betonilha para tapar esgoto vindo da sanita, pelo preço de €1.500,00 (mil e quinhentos euros); iii. passagem de fios de eletricidade e fazer revisão à mesma, substituição de aparelhagem de eletricidade, pelo preço de €2.000,00 (dois mil euros); iv. canalização do wc do rés-do- chão, remoção de banheira e colocar poliban; colocação de mosaico e azulejo, pelo preço de €3.000,00 (três mil euros). i) No email em que foram adjudicados os trabalhos ao Réu, a Autora reiterou que a adjudicação pressupunha que a obra fosse concluída até ao início de agosto de 2020. j) Por email de 19 de junho de 2020, as partes acordaram que o Réu além da realização dos trabalhos aludidos na alínea h), colocaria duas janelas do tipo velux no telhado do prédio identificado no ponto 1), mediante o pagamento pela Autora do valor total de €500,00 (quinhentos euros) – valor que já incluía o IVA, quantia que foi entregue ao Réu em dinheiro, no mês de junho de 2020, não tendo o Réu emitido qualquer fatura, apesar das diversas solicitações da Autora para que o fizesse. k) O Réu iniciou os trabalhos e solicitou à Autora a indicação dos materiais que pretendia que fossem colocados na casa de banho, tendo a Autora, através de email enviado ao Réu a 14 de julho de 2020, indicado os materiais que pretendia. l) O Réu solicitou a Autora a transferência de €5.658,00 (cinco mil seiscentos e cinquenta e oito euros), alegando que precisava desse pagamento para proceder à compra de materiais para a casa de banho. m) A Autora entregou ao Réu o montante total de €13.230,50 (treze mil duzentos e trinta euros e cinquenta cêntimos). n) No dia 9 de agosto de 2020, a Autora deslocou-se ao prédio identificado no ponto 1), tendo-se apercebido que o Réu para além de não ter concluído os trabalhos, ainda deixou a habitação destelhada, sujeita às intempéries. o) Perante este cenário, a Autora enviou um email ao Réu, onde transmitiu, além do mais, o seguinte: «Sr. BB (…), Nos termos do nosso acordo, relativo à obra que eu e a minha família contratamos para a nossa casa de família de Ribamar, que consistia, entre outras intervenções, em reparar o telhado e remodelar as casas de banho (intervenção melhor descrita no email de adjudicação de 19 de junho de 2020), esse acordo pressupunha a realização e conclusão das obras até ao início do mês de agosto, momento em que pretendemos utilizar a casa para as férias, livre de obras. Conforme acordámos, da nossa parte, teríamos que fazer o pagamento do seguinte modo: 50% do valor total da obra que teríamos que pagaríamos no início dos trabalhos; 40% que pagaríamos no meio da obra; e os restantes 10% no final. Embora, uma parte inicial da obra tenha decorrido logo após a adjudicação – na parte relativa à retirada do telhado antigo – conforme sabe, ainda não foi possível aproveitar a casa para férias, por termos recebido, desde o início do mês de agosto, sucessivas indicações da sua parte, de que a obra está quase pronta mas que houve atrasos na sua execução e de que houve atrasos na entrega dos materiais para serem colocados na casa de banho. Mais uma vez, e no dia de hoje – 09 de agosto de 2020 – deparei-me, no local, que a casa ainda nem sequer telhado tem, o que se torna difícil de compreender, por não corresponder ao nosso acordo, sendo que, da nossa parte, para além de termos feito o pagamento do montante inicial de 50%, já procedemos ao pagamento de 40% do valor que deveria ser pago a meio da obra, mas que o senhor referiu serem necessários para comprar os materiais e, ainda, ao pagamento do montante de 500 euros, relativos a compra e instalação de duas janelas do tipo Velux a colocar no telhado. Reafirmo que este atraso tem trazido problemas quanto à marcação e gozo das férias da minha família. Assim, solicito que responda a este email, indicando quando a data em que a obra estará pronta. (…).» p) Em meados de agosto de 2020, o Réu deixou de aparecer o prédio identificado no ponto 1), não mais lá voltando a fazer qualquer serviço. q) O Réu sabia que ao deixar de aparecer no prédio, não efetuando mais trabalhos, estava a violar o acordo que tinha celebrado. r) No dia 3 de setembro de 2020, a Autora enviou email ao Réu, através do qual comunicou o seguinte: «Bom dia, Não obstante o atraso de mais de um mês na entrega da obra, solicito que nos entregue a obra de Ribamar concluída e livre do lixo de obras no dia 17 de setembro, devido a termos o objetivo de juntar a família nesse local, por ocasião do aniversário da minha mãe no dia 18 de setembro. Mais refiro que a não entrega da obra concluída irá trazer prejuízos para nós, que teremos de encontrar outro local para a reunião familiar. (…).» s) No dia 9 de setembro de 2020, através de sms, a Autora transmitiu ao Réu que: «Boa noite. Depois da nossa conversa telefónica, espero que a obra de Ribamar esteja bem encaminhada para ser entregue concluída. Não obstante o atraso de mais de um mês, espero que não haja mais atrasos e no dia 18 de setembro a minha família possa estar na casa de Ribamar reunida para festejar o 81.» t) No dia 15 de setembro de 2020, enviou novo email para o Réu, através transmitiu aquele que: «Sr. BB (…), Conforme lhe falei ontem ao telefone, no sábado, 11 de setembro, fui ver o estado da obra na casa de Ribamar, que deveria estar concluída no início de agosto, a qual, nas suas palavras “estava a andar”. Porém, o que pude constatar é que, desde que fui ao local da última vez, em 21 de agosto de 2020, não houve qualquer intervenção na obra, o que significa que se encontra tudo na mesma, com a obra completamente parada. A casa que deveria ser um local de descanso e de lazer da minha família encontra-se transformada num estaleiro de obras, com andaimes colocados ao lado da casa ou deixados no jardim, com telhas no chão do pátio, por colocar no telhado, que se encontra inacabado e exposto às condições meteorológicas, lixo de obra espalhado por todo o lado, com casa de banho destruída, materiais de construção colocados pela casa. A tudo isto acresce o facto de já lhe ter sido transferido o valor de €12.730,50 ( doze mil, setecentos e trinta euros e cinquenta cêntimos), montante transferido por transferência bancária, correspondente a 90% do total da obra, e o valor de €500,00 (quinhentos euros), pagos em dinheiro, para a colocação de duas janelas do tipo velux. Esta situação é absolutamente incompreensível e inaceitável e está a trazer-nos prejuízos de vários géneros e, previsivelmente, face à previsão do tempo, trará maiores danos na casa. Mais uma vez, insto-o, urgentemente, a terminar a obra. (…).» u) A Autora não obteve qualquer resposta à missiva aludida no ponto 20). v) Em nenhum momento, o Réu afirma que a obra estaria terminada em agosto, até porque a pessoa que contratou os trabalhos afirmou «(…) que não havia pressa porque ninguém residia na casa e por isso não havia qualquer problema em termos de tempo (…).» w) DD (…) aceitou, já no decorrer dos trabalhos, a proposta do Réu para «Idofogar» o novo telhado colocado, o que acrescia ao orçamento inicial acordado, o valor de mais, €1.500,00 (mil e quinhentos euros), mais IVA, o qual devia se ser pago no final da obra e acertos finais. x) Valor aceite por DD (…) e que não chegou a ser pago. y) O valor final a receber pelo Réu, conforme acordado com DD (…), seria de aproximadamente € 16.500,00 (dezasseis mil e quinhentos euros), o qual incluía os trabalhos a mais realizados e o IVA. z) Na sequência da sms remetida por DD (…), o Réu afirmou telefonicamente a DD (…) que os trabalhos só estaria concluídos em outubro/novembro, não antes, devido à dificuldade que estava a ter na entrega das janelas velux, pelo fornecedor, devido a situação de pandemia, que alterou e afetou muito entregas e aquisições de materiais e a atividade comercial e também a pequena parte do telhado de uma das abas que faltava acabar, estava protegido com manta plástica e barrotes, para evitar chuvas e ventos. aa) Quando o Réu visitou a casa foi – lhe dito que a mesma não era habitada há bastante tempo, sendo que nessa ocasião o Réu se apercebeu do cheiro a mofo e a humidade era visível nas paredes e tetos. bb) O telhado foi protegido pelo Réu e o seu pessoal, com manga plástica, barrotes por cima a segurar e evitar o vento.”
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No que se refere à “Motivação da fundamentação de facto” escreveu-se o seguinte na sentença recorrida:
“A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise conjugada da prova documental produzida nos presentes autos, junta com a petição inicial, no depoimento de parte da Autora e do Réu, e na prova testemunhal produzida em sede de audiência final, em conjugação com as regras da experiência comum, em conformidade com o preceituado no artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil. Concretizando. No que concerne aos factos provados constantes dos pontos 1) e 2), o Tribunal atentou na certidão de registo predial do imóvel em questão, a qual foi junta aos autos pela Autora com a petição inicial- doc. 1. Uma vez que tal documento foi outorgado por entidade pública com competência para o efeito, o mesmo consubstancia um documento autêntico (cfr. artigo 369.º, n.º1, do Código Civil), fazendo prova plena quanto aos factos percecionados pelo oficial público – no caso, o registo relativo ao imóvel – tudo em conformidade com o preceituado no artigo 371.º, n.º1, do Código Civil. Ademais, tomou-se em consideração a caderneta predial do imóvel junta pela Autora como doc. 2 da petição inicial, na qual consta como titular do prédio urbano a Autora. O facto provado vertido no ponto 3), resultou do depoimento da testemunha DD (…), filho da Autora, o qual não obstante a ligação que tem com a Autora prestou um depoimento distanciado e pormenorizado. A testemunha explicou o prédio identificado no ponto 1) era a casa de férias da família, porquanto era frequentada pela família, sendo que as tias da testemunha também costumavam passar uns dias de férias no prédio. O depoimento daquela testemunha foi corroborado pelo depoimento da testemunha E (…), filho da Autora, o qual foi prestado de forma imparcial, merecendo, por isso, a credibilidade deste Tribunal. Começou por esclarecer que a Autora tem uma casa em Ribamar e que, por norma, quem a usa é a Autora e os seus filhos. Por seu turno, o facto provado aludido no ponto 4), adveio da conjugação do depoimento de parte da Autora, com o depoimento da testemunha DD (…). Desde logo, a Autora referiu que quis fazer obras no imóvel para melhorar as condições de habitabilidade, sendo que o trabalho principal era forrar o telhado. A testemunha DD (…) explicou que antes das obras, a casa era habitável, e que aquelas visavam reabilitar a casa e consistiam em forrar o sótão e colocar água no mesmo, bem como a colocar um poliban no wc. Relativamente aos factos provados exarados nos pontos 5) a 7) e 12), os mesmos resultaram admitidos por acordo, porquanto não foram impugnados pelo Réu, sendo certo que não se encontra em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, é admissível confissão sobre eles e não se trata de factos que apenas podem ser provados por acordo escrito ( artigo 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Acresce que, quanto ao facto do ponto 7) tomou-se, ainda, em consideração o email de 07 de junho de 2020 remetido pelo Réu a DD (…) (doc. 5 da petição inicial), do qual se extrai os trabalhos a executar no imóvel, bem como o valor dos mesmos. O facto provado consignado no ponto 8), extrai-se da análise do doc. 6 junto com a petição inicial pela Autora, no qual consta o orçamento apresentado pela sociedade J... (…), Lda. Quanto ao facto provado constante do ponto 9), o Tribunal atentou no depoimento da testemunha DD (…), a qual referiu que a outra empresa lhe disse que não conseguia ter a obra pronta antes de agosto. Por sua vez, os factos provados vertidos nos pontos 10) a 11), resultaram do depoimento de DD (…), o qual de forma pormenorizada explicou que foram pedidos dois orçamentos a duas empresas diferentes e que a escolha do orçamento se deveu à circunstância de a mãe, a Autora, querer a obra pronta no dia 1 de agosto, sendo que apenas o Réu garantiu que a obra ficava concluída nessa altura. Ademais, disse que o outro orçamento apresentado até era mais baixo, mas que a empresa que apresentou esse orçamento não conseguia ter a obra pronta no momento temporal pretendido pela Autora. Importa, ainda, referir que o Réu confirmou que quando foi contactado por DD (…) para fazer as obras falou-se num prazo, mas que esse prazo não foi estabelecido como condição. Não obstante, a versão do Réu de que não foi estabelecido qualquer prazo, a verdade é que no email remetido por DD (…) ao Réu datado de 19 de junho de 2020 ( doc. 7 junto com a petição inicial) e através do qual aquele adjudicou à obra ao Réu é referido que «A nossa adjudicação pressupõe a realização e conclusão da obra até ao início do mês de agosto, momento em que pretendemos utilizar a casa para as férias, livre de obras.» O facto provado aludido no ponto 13), resulta da conjugação da prova documental junta aos autos com a petição inicial, mais concretamente do doc. 8 – comprovativo de operação de Serviço Caixadireta- do qual se extrai que no dia 23.06.2020 CC (…) transferiu ao Réu a quantia de € 7.072,50, com o doc. 9 – fatura emitida pelo Réu à Autora, na qual é referido que « Recebemos até esta data 01.07.2020 via transferência bancária a quantia de 7.072,50 (sete mil setenta e dois euros e cinquenta cêntimos) para a liquidação do documento FR 2020/4. » Acresce que, a Autora referiu que pediu ao filho CC para fazer a transferência daquele montante para o Réu. Por sua vez, o facto provado constante do ponto 14), o Tribunal atentou no doc. 11 junto com a petição inicial pela Autora – comprovativo de operação de Serviço Caixadireta – do qual se extrai que, no dia 20 de julho de 2020, CC (…) transferiu ao Réu a quantia de €5.658,00 (cinco mil seiscentos e cinquenta e oito euros), sendo certo que o Réu confirmou que lhe fizeram uma transferência nesse valor, apesar de ter dito que foi DD (…) que fez a mesma. Por outro lado, quanto à não emissão da correspondente fatura, na contestação o Réu admite que não emitiu a fatura, tendo na mesma alegado que se recusou a emitir a fatura em nome de um familiar de DD (…), com quem não tinha celebrado qualquer acordo e fiscalmente podia trazer-lhe problemas. No que concerne aos factos provados aludidos nos pontos 15) a 17), para a formação da convicção do Tribunal foi essencial o depoimento da testemunha F (…), engenheiro civil, que elaborou o relatório de avaliação de mediação de trabalhos e estragos no imóvel sito em Mafra a pedido da Autora, o qual foi junto aos autos pela Autora como doc. 12 da petição inicial. A testemunha de forma objetiva e contextualizada explicou que se recordava do local e que teve acesso ao orçamento que o Réu apresentou à Autora, tendo o transcrito para o relatório que elaborou e confirmou que o que consta do relatório foi o que foi por si observado quando se deslocou ao local. No referido relatório consta que o Réu realizou os seguintes trabalhos que estavam contemplados no orçamento: demolição de cobertura existente, respetiva estrutura e transporte a vazadouro; execução de nova estrutura em barrotes de pinho tratado, ripas e roofmate; fornecimento e aplicação parcial de telhas; demolição de banheira com possível transporte a vazadouro assim como o levantamento das restantes loiças. Já o Réu referiu que realizou os seguintes trabalhos: substituição da estrutura do telhado, na qual estava incluída barrotes, ripado e respetivas telhas, aplicação de roofmate e plador; pintura do mesmo; revisão da parte elétrica e substituição de fios; substituição de esgotos, remoção dos sanitários e do revestimento que estava no chão. Ora, da conjugação do depoimento da referida testemunha com o depoimento de parte do Réu constata-se que há algumas coincidências quantos aos trabalhos que ambos afirmam que foram efetivamente realizados, sendo que o Réu menciona mais trabalhos realizados do que a testemunha. Tal como referimos acima, a testemunha teve acesso ao orçamento e deslocou-se à obra para elaborar o relatório que lhe foi solicitado pela Autora, tendo merecido a credibilidade deste Tribunal pela forma como prestou o seu depoimento. Por outro lado, não podemos olvidar que o Réu é parte interessada na presente ação, na medida em que o desfecho da mesma ter repercussões diretas na esfera jurídica. No que respeita ao valor dos trabalhos realizados pelo Réu, tomou-se em consideração o teor do relatório, na medida em que no mesmo é referido expressamente qual o valor dos trabalhos realizados pelo Réu, bem como dos materiais por si fornecidos. Por seu turno, quanto aos trabalhos não realizados pelo Réu, o próprio disse que não aplicou os sanitários, nem o revestimento das paredes, chão da casa de banho e poliban, e que não acabou a reparação do telhado junto à chaminé. A testemunha DD (…) referiu que o Réu não efetuou os seguintes trabalhos: colocação das janelas velux; não foi concluída a colocação de telhas no sótão, bem da lã rocha; a canalização do wc do sótão; o pladur não foi colocado; a eletricidade; a limpeza da casa e não foi feito o wc do andar de baixo. Por último, a testemunha F (…) confirmou que o Réu não procedeu à execução das cumeadas; remates em beirados; aplicação de lã de rocha e de gesso cartonado a forrar interiormente o sótão; acabamentos de janela mansarda; regularização e picagem do chão; betomilha para tapar o esgoto vindo da sanita; passagem de fios de eletricidade e fazer a revisão à mesma; substituição da aparelhagem de eletricidade; canalização do WC do rés do chão; colocação de mosaico, azulejo e de poliban, e colocação das janelas Velux. Quanto ao facto provado constante do ponto 18), o Tribunal atentou no depoimento da testemunha DD (…), que explicou que enviou um email ao Réu para concluir a obra a 17 de setembro, tendo também ligado ao Réu e que o Réu lhe dizia que a obra «estava a andar.» Por sua vez, o facto provado aludido no ponto 19), resultou do depoimento de parte do Réu, o qual confirmou que saiu da obra em outubro/novembro, tendo ficado a espera que lhe pagassem o valor da obra. No que tange ao facto provado vertido no ponto 20), o Réu referiu que tinha uma vaga ideia de ter recebido uma carta, mas que não se recorda de quem é que lhe enviou a missiva e do teor da mesma. A testemunha DD (…) disse que a Autora enviou uma carta ao Réu à dar-lhe um prazo de 20 (vinte) dias para acabar a obra. No mesmo sentido, a Autora também referiu que escreveu uma carta ao Réu para ver se a obra avançava e na qual pedia para ele acabar a obra, tendo lhe concedido, para o efeito, o prazo de 20 (vinte) dias, findo o qual podia resolver o contrato. Essencial para a formação da convicção do Tribunal foi a cópia da carta remetida ao Réu – doc. 20 da petição inicial-, do qual se extrai a remetente, o destinatário e o teor da missiva. Ademais, atentou-se no aviso de receção – doc. 21 da petição inicial-, o qual atesta que a carta foi recebida na morada do Réu. Quanto ao facto provado do ponto 21), o Tribunal atentou, desde logo, no depoimento do Réu, que confirmou a receção da referida missiva. A testemunha DD (…) também disse que a Autora resolveu o contrato e pediu ao Réu a quantia de €10.000,00 (dez mil euros). Tomou-se, ainda, em consideração a cópia da carta enviada ao Réu – doc. 22 da petição inicial –, da qual se extrai o teor da comunicação que a Autora fez ao Réu, bem como o aviso de receção – doc. 23 da petição inicial-, do qual resulta que a missiva foi enviada para a morada do Réu e recebida. O facto provado do ponto 22), resulta da confissão do Réu, o qual confirmou que não procedeu ao pagamento do valor que a Autora lhe pediu porque tinha dinheiro a receber. Relativamente ao facto provado do ponto 23), tomou-se em consideração o depoimento da testemunha DD (…), que explicou que alertou o Réu de que a casa destelhada ia ter problemas quando chovesse, o que aconteceu, uma vez que com a chuva ficou água no sótão, existiam poças de água; o quadro elétrico apanhou com água; haviam fungos nas paredes e as mesmas estavam negras. A testemunha G (…) de forma objetiva referiu que depois das obras chovia dentro de casa e que ia apanhar água com a esfregona, que havia muita humidade na casa, sendo que o teto estava empolado com a humidade; que chovia dentro do quadro da eletricidade, tendo o mesmo ficado pendurado por causa das infiltrações. A testemunha H (…), amigo de um dos filhos da Autora e que conhece bem o imóvel, de forma distanciada referiu que em maio de 2021 a casa não estava habitável, existiam infiltrações dentro da casa, nomeadamente nas paredes, quarto e wc, tendo até mencionado que existiam infiltrações um pouco por toda a casa; o quadro elétrico estava estragado A testemunha K (…), empresário que fez obras no imóvel após a intervenção do Réu, disse que quando se deslocou à casa em 08.06.2021, aquela estava cheia de água e tinha bolor; que a água enchia o sótão e ia para baixo, e que o quadro da eletricidade estava estragado. A testemunha F (…) afirmou que apesar de não poder afirmar que as infiltrações não existiam antes porque nunca tinha ido à casa em momento anterior, acha que as infiltrações não são de há muito tempo. Ademais, disse que o chão no sótão estava molhado, haviam «pocinhas» de água e manchas no rés do chão. Ademais, no relatório elaborado por esta testemunha é descrito o que a mesma observou no dia em que se deslocou ao imóvel da Autora - «aparecimento de várias zonas negras de fungos, paredes e tetos fissurados e estalados pela água proveniente da ausência de partes da cobertura; quadro elétrico derrubado por apodrecimento da estrutura de suporte; diverso mobiliário, colchões e material estragado. No que concerne ao facto provado constante do ponto 24), o mesmo resultou da análise do relatório elaborado pela testemunha F (…) – doc. 12 da petição inicial. Os factos provados aludidos nos pontos 25) e 26), resultaram, desde logo, do depoimento da testemunha DD (…), que explicou que a Autora teve de contratar outra empresa para fazer o que o Réu não fez e para reparar os problemas com que a casa ficou por estar destelhada, tendo referido que a Autora pagou cerca de €20.000,00 (vinte mil euros) ao novo empreiteiro. A testemunha K (…) de forma imparcial e contextualizada, explicou que foi contratado pela Autora para fazer obras no imóvel, as quais se iniciaram em 08.06.2021, sendo que quando chegou reparou que o telhado não estava acabado, tendo retirado todo o telhado e efetuado os trabalhos que constam do orçamento junto como doc. 25 da petição inicial. O Tribunal atentou, ainda, no orçamento junto como doc. 25 da petição inicial e na fatura junto como doc. 26 com a petição inicial. No que respeita ao facto provado constante do 27), pese embora, a testemunha DD (…) tenha afirmado que explicou ao Réu que a casa era da mãe, a aqui Autora, e que foi a mãe que lhe pediu para solicitar o orçamento, a verdade é que no email que envia ao Réu em 22 de maio de 2020, refere que «(…) Conforme contacto telefónico, realizado ontem, tenho intenção em realizar as seguintes obras numa casa que tenho em Ribamar (…)». Por outro lado, o Réu disse que nunca lhe foi dito que a casa era propriedade de outra pessoa que não DD (…), que nunca teve qualquer contacto com a Autora e que para ele o dono da obra era DD (…). Assim, o referido email vem corroborar a versão apresentada pelo Réu, na medida em que quando solicitou o orçamento DD (…) assumiu-se como dono da obra. Por outro lado, o email de adjudicação da obra também foi enviado por aquele e no mesmo, tal como já referimos acima, é dito que DD (…) adjudica a obra, e não que a Autora adjudica a obra. Quanto ao Réu ter emitido uma fatura a favor da Autora, o mesmo disse que foi DD quem lhe pediu para emitir a fatura em nome daquela, tendo acedido ao pedido porque achava que a esposa daquele seria a dona da casa. No que respeita ao facto provado aludido no ponto 28), tomou-se em consideração o doc. 7 junto pela Autora com a sua petição inicial. O referido documento é o email remetido por DD (…) ao Réu, no qual aquele refere, além do mais, que: «Na sequência do orçamento que nos enviou e da nossa conversa telefónica, venho por este meio adjudicar a obra (…)» e nos parágrafos subsequentes ao título «específicas:» DD (…) não escreve na primeira pessoa, mas usa o plural, veja-se, por exemplo, a seguinte frase: « 2- A nossa adjudicação pressupõe a realização e conclusão da obra até ao início do mês de agosto, momento em que pretendemos utilizar a casa para as férias, livre de obras.», sendo que o email para além de ter sido enviado da conta de DD (…) é por este assinado. Ora, aquele email não foi remetido pela Autora, nem em momento algum é referido o nome da Autora ou que DD (…) está a enviar o mesmo em nome daquela. Antes pelo contrário, DD (…) diz expressamente que é ele quem adjudica - «(…) venho por este meio adjudicar a obra (…).» Assim, resultam como não provados os factos das alíneas g) a i). Ademais, tomou-se em consideração o teor doc. 15 junto com a petição inicial. Este documento é um print do email datado de 09 de agosto de 2020 e remetido por DD (…) ao Réu, não foi a Autora que enviou ao Réu, nem DD (…) refere no texto do email que o faz em nome da Autora. Deste modo, não ficou demonstrado o facto da alínea o). O Tribunal atentou ainda nos emails juntos aos autos pela Autora como doc. 16 e 18 da petição inicial, na medida em que os emails não foram remetidos pela Autora, mas sim por DD (…), sendo certo que o mesmo não refere que está a enviar os emails em nome da Autora, pelo resulta necessariamente como não provados os factos das alíneas r) e t). Ademais, a própria Autora confirmou que quem enviava os emails ao Réu era o seu filho DD porque ela não sabe enviar emails. O facto provado constante do ponto 29), resulta da análise do orçamento junto como doc. 5 da petição inicial, na medida em que no mesmo nada é referido quanto ao prazo de conclusão da obra. Quanto aos factos provados vertidos nos pontos 30) e 31), a Autora afirmou que houve trabalhos propostos pelo Réu que não aceitou por dificuldades económicas. Ora, do confronto do orçamento enviado pelo Réu a DD (…) com os trabalhos que foram efetivamente adjudicados por aquele resulta que nem todos os trabalhos orçamentados pelo Réu foram aceites por aquele, foi o que aconteceu com os seguintes trabalhos : «picar paredes com salitre e encher as mesmas com massa e produto próprio e pintar.», no valor de €4.000,00, a que acrescia IVA. No que tange aos factos não provados das alíneas a) a c), o mesmo resultou como não provado em face da ausência de prova cabal da sua verificação, na medida em que em momento algum a Autora referiu que tenha feito qualquer pesquisa na internet para encontrar empreiteiros para realizar a obra no seu imóvel, nem que tenha solicitado orçamentos as empresas que resultaram dessa pesquisa, sendo certo que a mesma disse, em sede de depoimento de parte, que o seu filho DD (…) é que foi o intermediário do negócio, porque não trabalha bem com as novas tecnologias. Ademais, importa referir que a testemunha DD (…) afirmou que quem definiu os trabalhos que iam ser feitos e escolheu o empreiteiro foi a mãe, a aqui Autora, mas que ela lhe pediu para tratar das obras, porque já não ouve bem. Por seu turno, quanto ao facto não provado da alínea d), atentou-se, desde logo, que ficou demonstrado que não foi a Autora que solicitou a elaboração dos orçamentos. Por outro lado, do depoimento da Autora e das testemunhas não resultou que J... (…), Lda. se tenha deslocado ao prédio aludido no ponto 1) dos factos provas, sendo certo que a Autora apenas juntou aos autos o orçamento elaborado por aquela sociedade – doc. 6 junto com a petição inicial -, do qual não se extraia que aquela sociedade, ou melhor, o representante legal ou algum trabalhador da mesma se tenha deslocado ao imóvel. Quanto aos factos não provados das alíneas e) e f), o depoimento da Autora não mereceu credibilidade do Tribunal, uma vez que se mostrou contraditório. Num momento inicial, a Autora disse que era condição de aceitação do orçamento do Réu que a obra tivesse concluída até ao dia 31 de julho e que aquele lhe garantiu verbalmente que acabava a obra nessa data. Contudo, posteriormente, afirmou que nunca falou com o Réu e que foi tudo por intermédio do seu filho DD. Relativamente ao facto não provado da alínea j), o mesmo adveio do depoimento da testemunha DD (…). A testemunha quanto às janelas velux, disse que numa visita ao local acrescentou a colocação de duas janelas velux, às quais foi fixado o valor de €500,00 (quinhentos euros), sendo que este montante foi pago ao Réu em dinheiro. O Réu também mencionou que as duas janelas de velux eram para serem colocadas no telhado, mas que não se recordava do valor das mesmas e se estas foram ou não pagas. Mais uma vez, o acordo não foi estabelecido entre a Autora e o Réu, mas sim entre DD (…) e o Réu, sendo que como já referimos acima e utilizado as palavras proferidas pela Autora em audiência de julgamento DD (…) «foi o intermediário». Ademais, também a testemunha quanto ao pagamento daquela quantia disse apenas que o valor foi pago em dinheiro, não tendo descrito em que momento tal pagamento ocorreu ou quem efetuou o pagamento. Por seu turno, quanto ao facto não provado da alínea k), atentou -se no doc. 10 junto pela Autora com a petição inicial – email remetido por DD (…) ao Réu -, neste email DD (…) refere, além do mais, que: « (…) Na sequência do nosso contacto telefónico, envio a identificação dos materiais que escolhemos ( na leroy merlin) para colocar na casa de banho de Ribamar e as respetivas referências (…).» Do teor do email resulta que não foi a Autora que indicou os materiais que pretendia que fossem utilizados na obra, na medida em que o email foi remetido pelo seu filho, não sendo feita qualquer referência a si. Acresce que, o Réu no seu depoimento de parte afirmou que foi DD (…) que lhe deu a indicação dos materiais que iam ser colocados na casa de banho. Por último, a testemunha DD (…) disse que, em julho, o Réu contactou para a escolha dos materiais que iam ser usados na obra, não tendo dito quem foi em concreto contactado, sendo que atendendo que todos os contactos foram estabelecidos entre si e o Réu parece-nos que também este deve ter sido assim, sendo certo que a própria Autora declarou que nunca falou que o Réu. O facto não provado da alínea l), adveio do depoimento de parte do Réu, o qual explicou que solicitou a DD (…) uma transferência bancária cujo valor não se recorda, para a aquisição de material para a casa de banho. Quanto ao facto não provado da alínea m), entende o Tribunal que não foi feita prova cabal do mesmo, na medida em que dos comprovativos de transferências juntos aos autos pela Autora com a petição inicial resulta que apenas foi transferido para o Réu o montante de €12.730,50 (doze mil setecentos e trinta e cinquenta cêntimos). Quanto ao facto não provado da alínea n), não foi feita prova cabal da sua verificação. O Réu referiu que quem se deslocou à obra foi DD (…), enquanto aquele disse que em agosto a Autora deslocou-se a obra. Contudo, a testemunha DD (…) não referiu o dia em que a Autora se deslocou a obra. Por outro lado, a Autora juntou aos autos um email datado de 9 de agosto de 2020 remetido pelo seu filho DD (…) ao Réu ( doc. 15 junto com a petição inicial), no qual consta que: « Mais uma vez, e no dia de hoje – 09 de agosto de 2020- deparei-me, no local (…).», neste email não é referido que foi a Autora que se deslocou ao imóvel, mas sim que foi o seu filho. Os factos não provados das alíneas p) e q), adveio da ausência de prova cabal da sua verificação. O Réu referiu que nunca abandonou a obra e que acabou o que tinha que acabar, tendo saído em outubro/novembro da obra. Por sua vez, a testemunha DD (…) disse que em meados de agosto o Réu deixou de aparecer na obra, contudo quando questionado sob como sabia que o Réu tinha deixado de aparecer na obra referiu que não sabe se alguém lá esteve, só sabe que a obra não avançou. Acrescentou que, há uma vizinha responsável pela casa e que em setembro de 2020, aquela enviou uma foto da casa em que não se vê qualquer avanço. Do depoimento da testemunha não resulta que o Réu tenha abandonado a obra em agosto de 2020. Já a testemunha G (…), que mora perto do imóvel da Autora e é a responsável pela casa, disse que deixou de ver os senhores das obras em maio ou junho. O facto não provado da alínea s), resulta da ausência de prova cabal da sua verificação, porquanto a Autora limitou-se a juntar aos autos como doc. 17 da petição inicial um print de uma sms alegadamente enviada ao Réu, sendo que na mesma não consta o número de telemóvel do remetente, não sendo, por isso, possível concluir que foi a Autora que remeteu a mesma, sendo que como já referimos acima a Autora afirmou que nunca falou com o Réu, que tudo se processou por intermédio de DD (…). Por sua vez, quanto ao facto não provado da alínea u), a testemunha DD (…) referiu que na sequência da carta remetida pela Autora, o Réu ligou a dizer que por causa do Covid ainda não tinha conseguido acabar a obra, tendo a Autora ficado à espera da conclusão da mesma. A Autora também referiu que, na sequência da missiva, o Réu informou que estava doente, com Covid, e que ia acabar a obra até ao Natal. No mesmo sentido, ainda que com motivo diferente para não acabar a obra, o Réu disse que falou telefonicamente com DD (…) e que a obra já estava praticamente finalizada, encontrando-se à espera que lhe pagassem a diferença do telhado para concluir o mesmo, sendo que DD (…) lhe transmitiu que ia fazer a transferência, contudo não procedeu à mesma. Em face destes depoimentos resulta como não provado o facto da alínea z), porquanto o mesmo não resulta das declarações da Autora, do Réu, da testemunha DD (…), nem de qualquer outra prova produzida. No que tange ao facto não provado da alínea v), o mesmo resultou da ausência de prova da sua verificação, porquanto nem o Réu nem a Autora ou DD (…) confirmaram que foi proferida aquela afirmação. Quanto aos factos não provados das alíneas w) a y), considera o Tribunal que não foi feita prova dos mesmos, na medida em que o Réu nada referiu quanto à esta alteração do contrato, nem DD (…), e o Réu não juntou qualquer documento do qual resulte que apresentou uma proposta a DD (…). Por seu turno, o facto não provado da alínea aa), adveio da ausência de prova da sua verificação, na medida em o Réu não referiu o que lhe foi dito quando visitou a casa, nem a testemunha DD (…). Por outro lado, o Réu apenas disse que quando visitou a casa já existiam infiltrações, nada tenho dito quanto ao cheio e a humidade da casa. Por último, quanto ao facto não provado da alínea bb), não foi produzida prova cabal da sua verificação, na medida em que o Réu nada referiu quanto à proteção que ele e o seu pessoal fez ao telhado, sendo certo que também não foi ouvido como testemunha qualquer trabalhador do Réu.”
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IV. Mérito do Recurso:
- A utilidade do recurso interposto da decisão contida no despacho proferido pelo Tribunal a quo em 13.04.2022, no segmento em que não admitiu o vertido no artigo 6º do requerimento de resposta apresentado pela Autora em 16.02.2022.
No artigo 1º da sua contestação o Réu afirma que “apenas aceita como verdadeiros os factos articulados com os n.ºs,10º,11º 12º,20º,21º, 23º (parte),24º,25º,26º 35º,40º e 41º(parte) da douta P.I.”
E, no artigo 4º desse mesmo articulado, diz que “aceita como verdadeiros, os documentos n.ºs. 3,4,5,7,8,9,10,11,13,14,17,18,19 a 23, (…), anexos na P.I.”
Notificada da contestação apresentada pelo Réu, a Autora apresentou requerimento de resposta, na qual, entre o mais, refere, no artigo 6º, o seguinte:
“A A. aceita a confissão que o R. faz, na sua contestação, da matéria alegada por ela A., nos artigos 10.º, 11.º, 12.º, 20.º, 21.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 35.º, 40.º, e 41, para os efeitos dos artigos 46.º e 465.º do código de processo civil, de forma a serem considerados factos irretratavelmente confessados, assim como aceita a declaração de veracidade feita pelo R. no artigo 4.º da contestação, dos documentos 3,4,5,7,8,9,10,11,13,14,17,18,19 a 23 juntos com a petição inicial.”
Perante a apresentação desse requerimento de resposta, foi proferido pelo Tribunal a quo o seguinte despacho:
“Da admissibilidade do requerimento da Autora após a contestação Por requerimento de 18.02.2022, notificada a Autora do teor da contestação, veio apresentar “resposta” a tal articulado. Ora, o artigo 584.º CPC, estabelece que só é admissível réplica para o autor deduzir defesa quanto à matéria de reconvenção e, nas acções de simples apreciação negativa, para impugnar os factos constitutivos que o Réu tenha alegado, bem como alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu. Na actual estrutura processual civil, fica assegurado ao autor o exercício do contraditório quanto a eventuais excepções em sede de audiência prévia, nos termos do n.º 4 do artigo 3.º, do CPC. No entanto, não será assim se o juiz decidir, no exercício do poder de adequação formal inscrito nos artigos 6.º, n.º 2 e 547.º, ambos do CPC, proporcionar ao autor o exercício do contraditório por escrito, caso em que determinará a notificação do autor para esse fim, nomeadamente quanto está em causa a invocação de excepções dotadas de alguma complexidade jurídica ou excepções dilatórias. Verifica-se que a Autora veio a responder ás excepções suscitadas, mormente de ilegitimidade passiva e ainda de caducidade do direito. Ora, ao abrigo dos princípios do contraditório previsto no art. 3.º CPC, e da adequação processual, o Tribunal sempre iria notificar a parte para, querendo, apresentar contraditório. Pelo exposto, atentos os princípios da adequação processual e economia processual, admite-se a resposta apresentada – excepto o vertido nos pontos 6º a 8º.”
Discorda a Autora dessa decisão na parte em não lhe admitiu o vertido no ponto 6º da sua resposta, referindo para o efeito que se limitou a aceitar especificadamente a confissão feita pelo Réu de factualidade por si alegada, bem como a veracidade de documentos que por si foram juntos.
Vejamos.
Analisado o despacho proferido pelo Tribunal a quo, dúvidas não temos de que o mesmo se limitou a restringir a admissibilidade do requerimento de resposta apresentado pela Autora aos artigos nele contidos que versavam sobre as exceções suscitadas pelo Réu na sua contestação, melhor dizendo, aos artigos nos quais foi exercido o contraditório relativamente a tais exceções, excluindo os demais, concretamente os artigos 6º a 8º.
Ora, efetivamente, nesses artigos nada é alegado que possa ser entendido como resposta às exceções deduzidas pelo Réu.
No caso do artigo 6º desse requerimento, aquele que aqui está em causa, a Autora declara, em primeiro lugar, que “aceita a confissão que o R. faz, na sua contestação, da matéria alegada por ela A., nos artigos 10.º, 11.º, 12.º, 20.º, 21.º, 23.º, 24.º, 25.º, 26.º, 35.º, 40.º, e 41, para os efeitos dos artigos 46.º e 465.º do código de processo civil, de forma a serem considerados factos irretratavelmente confessados (…).”
Nos termos o art.º 46 do CPC “As afirmações e confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte, salvo se forem retificadas ou retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente.”
Por seu lado, de acordo com o art.º 465º, n.º 1, do CPC, “A confissão é irretratável.” Porém, nos termos do n.º 2, do mesmo normativo, “(…) as confissões expressas de factos, feitas nos articulados, podem ser retiradas, enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente.”
Conforme decorre dos citados normativos, a declaração da Autora de que aceita a confissão do Réu tem como único efeito evitar que o Réu retire a confissão expressa de factos que tenha efetuado, tornando essa confissão irretratável. Já quanto aos concretos factos que efetivamente se devem considerar como confessados pelo Réu a declaração da Autora não vincula o juiz.
Neste enquadramento, verificamos que o Réu em momento algum do processo retirou o que havia alegado no artigo 1º da sua contestação, onde, como vimos, afirmou que “apenas aceita como verdadeiros os factos articulados com os n.ºs,10º,11º 12º,20º,21º, 23º (parte),24º,25º,26º 35º,40º e 41º(parte) da douta P.I.”, sendo que, obviamente, essa sua afirmação terá de ser contextualizada no demais alegado pelo Réu nesse articulado, para que se possa apurar a exata extensão com que o Réu aceita esses factos, ou seja, para que se possa apurar a exata extensão da sua confissão. Nesse sentido, quanto aos factos que efetivamente se mostrem confessados, não tendo o Réu, posteriormente, retirado a sua confissão, a mesma é irretratável.
Refere depois a Autora no artigo 6º do seu requerimento de resposta que “(…) aceita a declaração de veracidade feita pelo R. no artigo 4.º da contestação, dos documentos 3,4,5,7,8,9,10,11,13,14,17,18,19 a 23 juntos com a petição inicial.”
Essa sua afirmação é juridicamente inócua, porquanto o Réu, na sua contestação, não impugnou esses documentos, nada mais se mostrando necessário para que a sua existência e teor se tenham por assentes entre as partes.
Aqui chegados, e tendo presente tudo quanto acima se expôs, conclui-se pela inutilidade do conhecimento do presente recurso na parte em que o mesmo visa a decisão contida no despacho proferido pelo Tribunal a quo em 13.04.2022, no segmento em que não admitiu o vertido no artigo 6º do requerimento de resposta apresentado pela Autora em 16.02.2022, o que aqui se afirma com relevo para a aplicação do disposto no art.º 130º do CPC, nos termos do qual: “Não é lícito realizar no processo atos inúteis.”
Assim sendo, por não revestir qualquer utilidade, não se conhecerá, nessa parte, do presente recurso.
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- As nulidades apontadas à sentença, previstas no artigo 615º, n.º 1, alínea c), 1ª parte e alínea d), 1ªparte, do CPC.
As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no artigo 615º do CPC.
Conforme se refere no Acórdão do STJ de 03.03.2021, processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, é, desde há muito, entendimento pacífico que as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito. As nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal. Trata-se de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual (nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma) ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma.
Como ensinava o Prof. José Alberto Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, 1981, Vol. V, páginas 124 a 125, o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de atividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afetam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua atividade.
E, como salienta o Prof. Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 686, perante norma do Código de Processo Civil de 1961 idêntica à atual, o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade com o direito aplicável, não se incluiu entre as nulidades da sentença.
As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por estar desconforme ao caso (decisão injusta ou destituída de mérito jurídico) - cfr. neste sentido o Acórdão do STJ de 17.10.2017, Processo nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1.
Feito este enquadramento prévio, analisemos cada uma das concretas nulidades que a Autora aponta à sentença objeto de recurso, seguindo a ordem pela qual o faz.
Considera a Autora, em primeiro lugar, que tendo formulado um pedido subsidiário para a eventualidade dos pedidos principais improcederem, não tendo o Tribunal a quo dele conhecido, ocorreu em omissão de pronúncia.
Nos termos do disposto no art.º 615º, n.º 1, d), 1ª parte, do CPC, a sentença é nula quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).”
Esta nulidade está diretamente relacionada com o art.º 608º, n.º 2, do CPC, segundo o qual, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Tal norma reporta-se à falta de apreciação de questões que o tribunal devesse apreciar e não de argumentações, razões ou juízos de valor aduzidos pelas partes, aos quais não tem de dar resposta especificada ou individualizada.
Daí que possa afirmar-se que a nulidade da sentença com fundamento na omissão de pronúncia só ocorre quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras).
Revertendo para a situação dos autos, vemos que a Autora intentou a presente ação, concluindo a sua petição inicial da seguinte forma:
“Termos em que, deve julgar-se procedente, por provada, a presente acção e, consequentemente, condenar-se o R.: a) a pagar à A. a quantia de €10,355,33 (dez mil trezentos e cinquenta e cinco euros e trinta e três céntimos referente ao valor dos trabalhos que lhe foram pagos e não realizados, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento; b) a pagar à A. a quantia de €4.850,00 (Quatro mil, oitocentos e cinquenta euros), a título de danos causados na habitação, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento. c) a pagar à A. a quantia de 4.604,50 (quatro mil, seiscentos e quatro euros e cinquenta cêntimos), referente ao diferencial entre o valor da obra caso tivesse sido terminada pelo R. e o valor pago ao novo empreiteiro, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento. d) Ou, subsidiariamente, caso sejam improcedentes os pedidos formulados pela A., nas alíneas a), b) e C) condenar-se o R. a restituir à A. os valores correspondentes ao seu enriquecimento de carácter patrimonial que ocorreu à custa da A., gerador de um enriquecimento injustificado do seu património, dado que recebeu daquela € 9.816,80 (nove mil, oitocentos e dezasseis euros e oitenta cêntimos) para a realização de trabalhos que não realizou.”
Na sentença objeto de recurso, em sede de “Fundamentação de direito”, escreveu-se o seguinte:
“Ora, atendendo que se verifica a exceção perentória inominada de ilegitimidade substantiva da Autora, o Réu deverá ser absolvido de todos os pedidos formulados pela Autora, uma vez que todos eles se fundam num contrato de empreitada, do qual a Autora não é parte” – sublinhado nosso.
E, em conformidade, foi proferida a seguinte “Decisão”:
“a) Julgar verificada a exceção perentória inominada de ilegitimidade substantiva da Autora e, em consequência, absolve-se o Réu de todos os pedidos formulados pela Autora” – sublinhado nosso.
Em face do exposto, teremos de concluir que a sentença recorrida não enferma da nulidade que lhe é apontada, decorrente da omissão de pronúncia quanto ao pedido subsidiário. O Tribunal a quo concluiu pela absolvição do Réu relativamente a todos os pedidos contra ele formulados, nos quais, naturalmente, se insere o pedido subsidiário, porquanto entendeu que todos eles tinham por fundamento um contrato de empreitada relativamente ao qual a Autora não é parte.
Quanto ao acerto desse entendimento, questionando-o a Autora, entramos no domínio do erro de julgamento.
Considera a Autora, em segundo lugar, que a sentença recorrida também é nula na medida em que a decisão conflitua nos seus fundamentos.
Refere para o efeito que não se consegue vislumbrar como é que se pode dar como provado que “no dia 23 de Junho de 2020, a Autora através da conta bancária do filho, CC (…), transferiu ao Réu, o montante de €7.072,50, correspondente a 50% do total dos trabalhos tendo o Réu emitido a correspondente fatura” e que “A Autora através da conta bancária do filho, CC (…), transferiu, transferiu a quantia de €5.658,00 (cinco mil seiscentos e cinquenta e oito euros para que o Réu pudesse comprar materiais …” e simultaneamente se decida verificada a ilegitimidade substantiva.
Nos termos do artigo 615º, n.º 1, al. c), do CPC, é nula a sentença quando “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…).”
A nulidade da sentença contemplada neste normativo pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Essa nulidade ocorrerá quando os fundamentos invocados pelo juiz conduzam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.
Como se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.01.2017, processo n.º 8838/12.0T8BVNG.P2.S1, disponível em www.dgsi.pt:
“(…) III - A causa de nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c), ocorre quando “há um vício real de raciocínio do julgador em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente. IV – Saber se o enquadramento jurídico feito no acórdão e a conclusão a que nele se chegou são, ou não, acertados ou injustos, constitui matéria de que não cabe curar em sede de nulidade de sentença/acórdão. Trata-se de questão a envolver eventual erro de julgamento e nunca fundamento de nulidade do acórdão, que se prende tão só com a estrutura formal da decisão”.
Por outro lado, essa nulidade verifica-se quando existe contradição entre os fundamentos exarados pelo juiz na fundamentação da decisão e não entre os factos provados e a decisão (cfr. neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.01.2018, processo n.º 25106/15.8T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, na presente situação, a contradição que a Autora entende ocorrer verifica-se, precisamente, entre os factos dados como provados e a decisão de julgar verificada a exceção de ilegitimidade substantiva; e não entre os fundamentos de facto utilizados na sentença recorrida, concretamente no segmento dedicado à “Fundamentação de direito”, para alicerçar essa decisão. Note-se que os factos dados como provados a que a Autora alude e que entende estarem em contradição com a decisão proferida nem sequer são utilizados como fundamentos da referida decisão.
Atento o exposto, entendemos que a sentença recorrida não enferma da nulidade em análise.
*
- A impugnação da matéria de facto.
Para a impugnação da matéria de facto deve a parte observar os requisitos legais previstos no artigo 640º do CPC, incluindo a formulação de conclusões, pois são estas que delimitam o objeto do recurso.
Preceitua o artigo 640º, n.ºs 1 e 2, do CPC:
“1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.
Como se lê no Acórdão do STJ de 01.10.2015, processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt:
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão” (cfr., também, sobre esta matéria, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 465 e que, nesta parte, se mantém atual).
Diz-se também no Acórdão do STJ de 19.02.2015, processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, acessível em www.dgsi.pt, que: “(...), a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no nº 1 do artigo 662º do CPC. É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640º, nº 1, proémio, e nº 2, alínea a), do CPC. Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1 do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada”.
A interpretação da alínea c), do n.º 1, do artigo 640º do CPC, é-nos dada de forma exemplar por Abrantes Geraldes (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª Edição, pág. 156), podendo ler-se a este propósito que:
“O Recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente”.
Com este novo regime, em contraposição com o anterior, pretendeu-se que fosse rejeitada a admissibilidade de recursos em que as partes se insurgem em abstrato contra a decisão da matéria de facto.
Nessa medida, o recorrente tem que especificar os exatos pontos que foram, no seu entender, erradamente decididos e indicar, também com precisão, o que entende que se dê como provado.
A imposição de tais indicações precisas ao recorrente, visou impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 153).
Também por esses motivos, o recorrente, além de ter que assinalar os pontos de facto que considera incorretamente julgados e indicar expressamente a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre esses pontos, tem igualmente que especificar os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág.155).
Assim, quanto a cada um dos factos que pretende obter diferente decisão da tomada na sentença, tem o recorrente que, com detalhe, indicar os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, discriminadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada, evitando-se assim que sejam apresentados recursos inconsequentes, e sem fundamentação que possa ser apreciada e analisada.
Sobre esta questão, refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.01.2023, processo n.º 1121/13.5TVLSB.L2.S1, disponível em www.dgsi.pt:
“(…) II - A impugnação da matéria de facto deve, em regra, especificar os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, relativamente a cada um dos pontos da matéria impugnada. III -. Tendo em conta os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ínsitos no conceito de processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP), nada obsta a que a impugnação da matéria de facto seja efetuada por “blocos de factos”, quando os pontos integrantes de cada um desses blocos apresentem entre si evidente conexão e, para além disso - tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente, o número de factos impugnados e a extensão e conexão dos meios de prova -, o conteúdo da impugnação seja perfeitamente compreensível pela parte contrária e pelo tribunal, não exigindo a sua análise um esforço anómalo, superior ao normalmente suposto.”
A este ónus de impugnação, soma-se um outro não menos importante, que é o ónus de conclusão, previsto no artigo 639.º, n.º 1, do CPC, onde se lê que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
Este ónus de conclusão para além de visar a síntese das razões que estão subjacentes à interposição do recurso, visa também a definição do seu objeto.
Como se refere no sumário do Acórdão do STJ de 16.05.2018, processo n.º 2833/16.7T8VFX.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt:
“I - Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras do âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e termos dessa alteração. II - Por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso. III - Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença e que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art. 640º, nº 1, als. a) e c) do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte.”
Assim, pretende-se que o recorrente indique de forma resumida, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão, para que seja possível delimitar o objeto do recurso de forma clara, inteligível, concludente e rigorosa (neste sentido, veja-se ainda o Acórdão do STJ de 18.06.2013, processo n.º 483/08.0TBLNH.L1.S1, disponível no mesmo sítio).
Tendo presente tudo quanto acima ficou exposto e revertendo agora para o caso dos autos, entendemos que a Autora cumpriu o ónus previsto no acima citado artigo 640º, nº 1, a), do CPC.
Com efeito, resultam do ponto 18 das conclusões apresentadas os concretos pontos de facto que a Recorrente considera incorretamente julgados: os factos considerados como provados sob os pontos 27), 28) e 31) do elenco de factos provados, os factos considerados como não provados sob as alíneas a) a t) do elenco de factos não provados e, ainda, factos que identifica e que refere terem sido omitidos, não tendo sido considerados nem como provados nem como não provados.
Quanto ao ónus previsto no art.º 640º, n.º 1, c), do CPC, a Autora apenas em parte o cumpriu, conforme resulta dos pontos 19 e 22 das conclusões recursivas.
Vejamos.
Relativamente aos factos considerados provados que foram por si impugnados, a Autora identifica, quanto a cada um deles, a redação que lhes deverá passar a corresponder.
Já quanto aos factos considerados como não provados que foram por si impugnados, a Autora apenas refere que devem considerar-se como provados os contidos nas alíneas j) e m) a t) - reproduzindo a redação a dar aos contidos nas alíneas n) a t) nos pontos I a VII do ponto 19 das conclusões recursivas. Sobre os elencados nas alíneas a) a i), k) e l), nada é dito que permita concluir se devem ser incluídos total ou parcialmente no elenco de factos provados e com que redação.
Por fim, relativamente aos factos omitidos, a Autora identifica a redação com que os mesmos devem passar a integrar o elenco de factos provados – vejam-se os pontos VIII e XVI do ponto 19 das conclusões recursivas.
Em face do exposto, conclui-se pela rejeição, quanto aos factos contidos nas alíneas a) a i), k) e l) do elenco de factos não provados, do recurso de impugnação da matéria de facto, por incumprimento do ónus previsto no art.º 640º, n.º 1, c), do CPC.
Resta-nos então analisar se a Autora cumpriu ou não o ónus previsto no art.º 640, n.º 1, b), do CPC.
Conforme claramente resulta do ponto 18 das conclusões recursivas, a Autora, no que à impugnação relativa aos factos dados como provados se refere, limita-se a afirmar que “os meios probatórios dissonantes com o que foi dado como provado são os seguintes”: os documentos 6 a 26 juntos com a petição, a ata da audiência de julgamento de 23.01.2023, o depoimento de parte do Réu prestado nessa sessão, o depoimento da testemunha DD (…) prestado nessa mesma sessão e o depoimento da testemunha E (…) prestado na sessão de 28.06.2023. Quanto a esses três depoimentos, identifica apenas o início e o fim da totalidade da respetiva gravação, sem mencionar as concretas passagens dessas gravações que relevam para a impugnação que efetua.
A Autora não indica com detalhe, relativamente a cada um dos factos dados como provados que impugna, os meios de prova com base nos quais efetua essa impugnação, fazendo-o em bloco para todos eles. Mais, a Autora nem sequer procede a uma análise crítica desses meios de prova, por forma a explicar de que forma entende que os mesmos apontam em sentido diferente do que foi decidido, concretamente, no sentido que pretende.
Atento o exposto, rejeita-se o recurso, no que à impugnação da matéria de facto dada como provada se refere, por incumprimento do ónus previsto no art.º 640º, n.º 1, b), do CPC.
Quanto à impugnação relativa aos factos dados como não provados e à omissão, como provados ou não provados, de factos que a Autora considera relevantes para a decisão da causa (e que pretende ver dados como provados), exceto no que se refere à impugnação relativa aos factos dados como não provados sob as alíneas j) e m) – relativamente aos quais, nos pontos 20 a 22 das conclusões recursivas, alicerça expressamente a sua impugnação no depoimento da testemunha DD (…) – não são identificados os meios de prova com base nos quais é efetuada essa impugnação.
Saliente-se que nos pontos 24 a 43 das conclusões recursivas a Autora tece considerações acerca da prova produzida e da interpretação a dar à mesma (considerações essas que, inclusive, mistura com considerações de direito). No entanto, a verdade é que não correlaciona essas considerações com cada um dos concretos pontos da matéria de facto que impugna.
Em tais circunstâncias, rejeita-se o recurso, quer no que concerne à impugnação da matéria de facto dada como não provada sob as alíneas n) a t), quer no que se refere a todos os factos omitidos como provados ou não provados, por incumprimento do ónus previsto no art.º 640º, n.º 1, b), do CPC.
Cumpre referir que perfilhamos o entendimento de que no âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação. Com efeito, conforme resulta do que já acima assinalámos, a intenção da lei é não permitir impugnações vagas e genéricas da decisão da matéria de facto (sendo aqui mais exigente no princípio da auto-responsabilização das partes). É que, essa maior responsabilização é premiada com um alargamento do prazo processual para a apresentação das alegações quando o recurso se funda também na impugnação da matéria de facto.
Acresce que a leitura das normas que regem esta matéria também não permite outro entendimento, como resulta da análise do teor taxativo do artigo 640º do CPC e da previsão dos casos que justificam o convite constante do artigo 639º do mesmo diploma. De todo exposto, resulta que apenas se admite a impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto relativamente às alíneas j) e m) do elenco de factos não provados.
É o seguinte o teor dessas alíneas:
“(…) j) Por email de 19 de junho de 2020, as partes acordaram que o Réu além da realização dos trabalhos aludidos na alínea h), colocaria duas janelas do tipo velux no telhado do prédio identificado no ponto 1), mediante o pagamento pela Autora do valor total de €500,00 (quinhentos euros) – valor que já incluía o IVA, quantia que foi entregue ao Réu em dinheiro, no mês de junho de 2020, não tendo o Réu emitido qualquer fatura, apesar das diversas solicitações da Autora para que o fizesse. (…) m) A Autora entregou ao Réu o montante total de €13.230,50 (treze mil duzentos e trinta euros e cinquenta cêntimos). (…).”
Comecemos pela análise da impugnação relativa à alínea j) do elenco de factos não provados.
No artigo 1º da sua contestação, o Réu aceitou o alegado pela Autora no artigo 24 da petição inicial.
Nesse artigo 24 da petição inicial é alegado o seguinte:
“Como resulta do e-mail datado de 19 de Junho de 2020, as partes acordaram que o R. além da realização das obras identificadas no artigo 20 desta petição, colocaria duas janelas do tipo velux no telhado do prédio identificado em 1, mediante o pagamento pelo A. do valor total de € 500,00 (quinhentos euros)—preço que já incluía o IVA, quantia que foi entregue ao R., em dinheiro, no mês de Junho de 2020, não tendo o R. emitido qualquer factura, apesar das diversas solicitações da A. para que o fizesse.”
Obviamente que a aceitação pelo Réu do alegado pela Autora nesse artigo tem, necessariamente, de ser contextualizada no demais alegado pelo Réu em sede de contestação. Assim, haverá que ter presente que na sua contestação, em vários momentos e logo como questão prévia, o Réu nega categoricamente ter contratado a execução da obra com a Autora, defendendo que esse contrato foi por si celebrado com DD (…). Nesse enquadramento, quando nesse artigo 24 da petição inicial se refere “Como resulta do e-mail datado de 19 de Junho de 2020, as partes acordaram que o R. além da realização das obras identificadas no artigo 20 desta petição, colocaria duas janelas do tipo velux no telhado do prédio identificado em 1, mediante o pagamento pelo A. do valor total de € 500,00 (quinhentos euros)”, terá que se entender que o Réu apenas aceita que “Por e-mail datado de 19 de Junho de 2020, foi acordado que o R. (…)” (acordo esse celebrado pelo Réu com DD (…) e não com a Autora), “(…) além da realização das obras identificadas no artigo 20 desta petição, colocaria duas janelas do tipo velux no telhado do prédio identificado em 1, mediante o pagamento do valor total de € 500,00 (quinhentos euros)”. Já quanto ao pagamento desse valor, veja-se que no artigo 26 da sua contestação o Réu afirma que o mesmo lhe foi pago por DD (…) e que por isso se recusou a emitir a fatura em nome de um familiar deste último.
Igualmente consta da assentada lavrada na sequência do depoimento de parte prestado pelo Réu na sessão de julgamento de 23.01.2023 o seguinte: “Quanto ao ponto 24 da petição inicial - o réu confirmou que acordou com DD (…) que colocaria duas janelas do tipo Velux no telhado não se recordando do valor nem se este valor foi aumentado”.
Ora, face a essa aceitação, melhor dizendo, a essa confissão, é desnecessário convocar aqui o depoimento da testemunha DD (…), ao qual alude a Autora no ponto 20 das suas conclusões recursivas, para que a matéria contida na alínea j) seja retirada do elenco de factos não provados para passar a integrar o elenco de factos provados, com a seguinte redação e numeração:
“32. Por email de 19 de junho de 2020, foi acordado que o Réu além da realização dos trabalhos aludidos na alínea h), colocaria duas janelas do tipo velux no telhado do prédio identificado no ponto 1), mediante o pagamento do valor total de €500,00 (quinhentos euros) – valor que já incluía o IVA, quantia que foi entregue ao Réu em dinheiro, no mês de junho de 2020, não tendo o Réu emitido qualquer fatura, apesar das diversas solicitações da Autora para que o fizesse.”
Atenta a particularidade de num facto dado como provado se remeter para o que consta de uma alínea do elenco de factos não provados, no caso a alínea h) desse elenco, cumpre explicar que apenas se tentou respeitar a técnica utilizada pela Sra. Juíza a quo no que se refere à forma como procedeu à seleção dos factos dados como provados e como não provados, por forma a dar-lhe um tratamento uniforme.
Na concreta situação que agora nos ocupa, verifica-se que no artigo 4º da contestação o Réu aceitou como verdadeiros, entre outros documentos, o doc. 7 junto com a petição inicial. Esse doc. 7 consiste, precisamente, no email datado de 19 de junho de 2020, remetido ao Réu. Ora, da conjugação dos factos dados como provados nos pontos 12) e 28) com o facto dado como não provado sob a alínea h), resulta claramente que a Sra. Juiz a quo, pese embora a redação dada à alínea h) dos factos não provados, apenas pretendeu dar como não provado que o email de 19 de junho de 2020 tenha sido remetido ao Réu pela Autora e nada mais, tendo por assente entre as partes a existência desse email e os trabalhos que descreve como tendo sido, através dele, adjudicados ao Réu.
Veja-se, nesse sentido, que na “Motivação da fundamentação de facto” é dito o seguinte: “No que respeita ao facto provado aludido no ponto 28), tomou-se em consideração o doc. 7 junto pela Autora com a sua petição inicial. O referido documento é o email remetido por DD (…) ao Réu, no qual aquele refere, além do mais, que: «Na sequência do orçamento que nos enviou e da nossa conversa telefónica, venho por este meio adjudicar a obra (…)» e nos parágrafos subsequentes ao título «específicas:» DD (…) não escreve na primeira pessoa, mas usa o plural, veja-se, por exemplo, a seguinte frase: « 2- A nossa adjudicação pressupõe a realização e conclusão da obra até ao início do mês de agosto, momento em que pretendemos utilizar a casa para as férias, livre de obras.», sendo que o email para além de ter sido enviado da conta de DD (…) é por este assinado. Ora, aquele email não foi remetido pela Autora, nem em momento algum é referido o nome da Autora ou que DD (…) está a enviar o mesmo em nome daquela. Antes pelo contrário, DD (…) diz expressamente que é ele quem adjudica - «(…) venho por este meio adjudicar a obra (…).» Assim, resultam como não provados os factos das alíneas g) a i).”
Feito este esclarecimento, analisemos agora a impugnação da alínea m) dos factos dados como não provados, recordando aqui o seu teor: “m) A Autora entregou ao Réu o montante total de €13.230,50 (treze mil duzentos e trinta euros e cinquenta cêntimos).”
Relevam para essa análise os factos dados como provados nos pontos 13), 14) e 32), cujo teor é o seguinte:
“13) No dia 23 de junho de 2020, a Autora através da conta bancária do filho, CC (…), transferiu ao Réu, o montante de €7.072,50 (sete mil e setenta e dois euros e cinquenta cêntimos), correspondente a 50% do valor total dos trabalhos, com IVA calculado à taxa de 23%, tendo o Réu emitido a correspondente fatura. 14) A Autora, através da conta bancária do filho CC (…), transferiu a quantia de €5.658,00 (cinco mil seiscentos e cinquenta e oito euros) para que o Réu pudesse comprar os materiais, não tendo o Réu emitido qualquer fatura, apesar das diversas solicitações da Autora para que emitisse a respetiva fatura.
32) Por email de 19 de junho de 2020, foi acordado que o Réu além da realização dos trabalhos aludidos na alínea h), colocaria duas janelas do tipo velux no telhado do prédio identificado no ponto 1), mediante o pagamento do valor total de €500,00 (quinhentos euros) – valor que já incluía o IVA, quantia que foi entregue ao Réu em dinheiro, no mês de junho de 2020, não tendo o Réu emitido qualquer fatura, apesar das diversas solicitações da Autora para que o fizesse.” – sublinhado nosso.
Perante o teor desses três pontos do elenco de factos provados, temos por seguro que a Autora, através da conta bancária do seu filho CC (…), transferiu para o Réu o valor total de 12.730,50 € e que, para além desse valor, ainda foi entregue ao Réu, em dinheiro, o montante de 500,00 €, que incluía IVA.
Atento o exposto, entendemos que deve ser eliminada do elenco de factos não provados a alínea m).
Aqui chegados, cumpre referir, a propósito das afirmações contidas no ponto 15 das conclusões recursivas, que em sede de “Motivação da fundamentação de facto” a Sra. Juiz a quo procedeu à análise da prova produzida, explicando as razões pelas quais valorou uns meios de prova em detrimento de outros. E não é pelo simples facto de a Autora discordar da valoração que na sentença foi feita dessa prova que se poderá sem mais concluir pela violação do “direito geral da Autora à protecção jurídica e judicial consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.”
Em face de tudo quanto ficou exposto, conclui-se pela parcial procedência da impugnação da matéria de facto (pese embora, como veremos, sem qualquer influência na decisão a proferir), determinando-se o seguinte:
- Eliminam-se do elenco de factos não provados as alíneas j) e m);
- Adita-se ao elenco de factos provados um novo ponto, com a seguinte redação:
“32. Por email de 19 de junho de 2020, foi acordado que o Réu além da realização dos trabalhos aludidos na alínea h), colocaria duas janelas do tipo velux no telhado do prédio identificado no ponto 1), mediante o pagamento do valor total de €500,00 (quinhentos euros) – valor que já incluía o IVA, quantia que foi entregue ao Réu em dinheiro, no mês de junho de 2020, não tendo o Réu emitido qualquer fatura, apesar das diversas solicitações da Autora para que o fizesse.”
*
- A alteração da decisão proferida no sentido da procedência da ação (seja em função da alteração da matéria de facto, no sentido de se considerar que o contrato de empreitada em causa nos autos foi celebrado entre a Autora e o Réu; seja em função da consideração do instituto do abuso de direito).
Neste âmbito, temos por seguro que as alterações introduzidas na matéria de facto na sequência da impugnação de que a mesma foi objeto em sede de recurso não permitem concluir no sentido defendido pela Autora. Ou seja, não permitem concluir que o contrato de empreitada em causa nos autos foi celebrado entre a Autora e o Réu, não tendo, como tal, qualquer reflexo na decisão a proferir.
Resta-nos então averiguar se, em face da factualidade apurada, é possível afirmar, como defende a Apelante, que o Réu agiu em abuso de direito ao invocar que a Autora não é parte legítima no contrato.
Previamente, há que indagar da admissibilidade da invocação dessa questão em sede de recurso, uma vez que a mesma não foi suscitada perante o Tribunal recorrido.
Sobre tal questão refere-se no Acórdão do STJ de 20.12.2022, relatado por Manuel José Aguiar Pereira, processo n.º 8281/17.4T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt:
“(…) 5) É fora de toda a dúvida que, em regra, aos tribunais de recurso apenas cabe reapreciar e/ou modificar as decisões tomadas pelos tribunais recorridos não lhe sendo permitido apreciar questões novas, isto é, não apreciadas nem decididas pelas instâncias. A função essencial do recurso é a reapreciação de questões que tenham sido colocadas e decididas pelos tribunais recorridos. Há, no entanto, excepções a esta regra, como desde logo resulta do disposto no artigo 608.º n.º 2 do Código de Processo Civil. Uma dessas excepções é a de lhe ser permitido ou imposto o conhecimento oficioso de qualquer questão, mesmo quando ela não tenha sido colocada pelas partes. 6) É jurisprudência quase uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que o abuso de direito é de conhecimento oficioso. De entre vários outros arestos assim decidiram, sem qualquer reserva, os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 4 de abril de 2002 (relator Juiz Conselheiro Araújo de Barros), de 18 de outubro de 2012 (relator Juiz Conselheiro Orlando Afonso) ou de 17 de abril de 2018 (relator Juiz Conselheiro João Camilo), sendo todos eles consultáveis em www.dgsi.pt. E porquê? 7) Nos termos do artigo 334.º do Código Civil há abuso de direito quando o seu titular excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo seu fim social ou económico. No dizer de Coutinho de Abreu, há "abuso do direito quando um comportamento, aparentando ser um exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem" (in "Do abuso de Direito", Coimbra, 1983, página 43). O abuso do direito “é um limite normativamente imanente ou interno dos direitos subjetivos, pelo que no comportamento abusivo são os próprios limites normativos-jurídicos do direito particular invocado que são ultrapassados” – assim se discorreu no já mencionado Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 18 de outubro de 2012. Representando o abuso do direito a consagração de uma “forma de antijuricidade ou ilicitude” é sempre permitida sua apreciação oficiosa, na medida em que está em causa a violação de princípios de interesse e ordem pública, mesmo quando o manifesto excesso no exercício do direito redunda em violação de interesses individuais. 8) A diferenciação estabelecida no acórdão recorrido quanto à possibilidade de conhecimento oficioso do instituto do abuso do direito, permitindo-a apenas nos casos em que estivessem em causa interesses de ordem pública, apesar de adequadamente explicada, carece de fundamento. Na verdade, extraindo-se dos factos apurados que estamos em presença de uma situação enquadrável no artigo 334.º do Código Civil, não se vislumbra fundamento para tratar diferentemente as situações em que a ilegitimidade do exercício do direito derive dos limites impostos pela boa-fé, ou derive dos limites impostos pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito. Seja qual for a razão que esteja na sua origem, o abuso do direito é sempre ilegítimo e a sua eventual apreciação consentida oficiosamente pela violação de normas de interesse público que ele sempre representa. Daí que, mesmo quando a questão não seja suscitada perante o tribunal recorrido, recaia sobre o Tribunal de recurso o dever de conhecer do abuso de direito caso se verifiquem os respetivos pressupostos legais. 9) Também a doutrina se tem vindo a pronunciar no sentido de ser permitido ao tribunal o conhecimento oficioso do abuso de direito. Desde logo, o Prof. Adriano Vaz Serra Revista de Legislação e Jurisprudência ano 112 página 131 e seguintes e ano 113 página 298. Em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de outubro de 1978 (RLJ ano 112 a página 132) escreve o Prof. Adriano Vaz Serra: “(…), aquele que exerça o direito com manifesto excesso dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito faz um exercício ilegítimo deste e, por isso, contrário à lei; e cumprindo ao tribunal determinar os limites do direito exercido, ainda que as partes os não aleguem, parece de concluir que o tribunal de revista pode apreciar se o direito é, ou não, exercido abusivamente.” Para mais adiante concluir que a orientação segundo a qual as partes não podem levantar questões novas “não obsta a que o tribunal de revista aprecie e decida se existe abuso de direito, já que tratando-se de uma questão de direito e de interesse e ordem pública, não dependem de invocação das partes uma tal apreciação e decisão, as quais podem ser efectuadas ex officio pelo tribunal”. 10) Do que vem de ser dito sobre a possibilidade de conhecimento oficioso do abuso de direito pelo Tribunal não se extrai que exista obrigação de pronúncia sobre a questão do abuso de direito quando, não tendo a questão sido suscitada, o exercício ilegítimo do direito não resulte dos factos apurados nos autos, até porque o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais se refere apenas às questões controvertidas ou de que cumpra conhecer. O que nos reconduz à questão do ónus de alegação e prova dos factos alegados pelas partes enquanto fundamento do abuso do direito. Como se pondera no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 28 de novembro de 2013 (in www.dgsi.pt ) de que foi relator o Juiz Conselheiro Salazar Casanova, ainda que a questão do abuso de direito seja uma questão nova que pode ser conhecida oficiosamente, a “oficiosidade não pode ir para além dos factos que foram alegados e controvertidos, pois a menção de novas razões de facto constituiria grosseira violação do princípio do contraditório conjugado com o princípio da preclusão” da sua alegação ou prova.” (…)”.
Temos assim por assente a admissibilidade da invocação pela Apelante, em sede de recurso, do instituto do abuso de direito.
Sobre esta matéria rege o disposto no 334º do CC, nos termos do qual “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
Comentando o referido preceito legal refere Almeida Costa (Direito das Obrigações; 5ª Ed., 1991, p. 65) o seguinte: “Como se verifica, o nosso legislador aceitou a concepção objectiva do abuso de direito. Não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido. Basta que na realidade esse acto se mostre contrário. Exige-se, todavia, um abuso nítido: o titular do direito deve ter excedido manifestamente esses limites impostos ao seu exercício. A lei refere-se ao exercício de direitos - o caso paradigmático de actuação do instituto. A sua letra, portanto, não abrange imediatamente quaisquer hipóteses de inércia ou omissão de exercício que possam também considerar-se abusivas. Mas parece que isso não deve constituir obstáculo insuperável, contanto que se encontrem soluções do segundo tipo clamorosamente ofensivas da boa fé, dos bons costumes ou do fim social e económico do direito (...)”.
Vejamos agora se a factualidade apurada nos autos nos permite concluir, como defende a Apelante, que todo o comportamento do Réu a levou a acreditar que jamais viria a invocar que a Autora não é parte legítima no contrato.
Entendemos que não.
Desde logo, não resulta da factualidade apurada que o contrato de empreitada em causa nos autos tenha sido celebrado entre a Autora e o Réu. Na verdade, se por um lado resultou provado que “O Réu foi contactado por DD (…), que se apresentou como dono da obra, no sentido de apresentar orçamento para a realização de reparações no imóvel identificado no ponto 1), que segundo as suas afirmações era sua” (ponto 27) do elenco de factos provados) e que “Os emails referidos nas alíneas h), o), r) e t) foram enviados por DD (…) ao Réu” (ponto 28) do elenco de factos provados), reportando-se o email referido na alínea h) dos factos não provados à adjudicação da obra; por outro, foi dado como não provado que “(…) a Autora adjudicou os trabalhos ao Réu” (alínea g) do elenco de factos não provados).
Acresce que da factualidade considerada como provada não resulta sequer que a Autora incumbiu o seu filho DD (…) de celebrar o contrato de empreitada em causa nos autos e, muito menos, que o Réu tivesse conhecimento desse facto.
Quanto aos pagamentos referenciados nos pontos 13) e 14) do elenco de factos provados, pese embora tenham sido realizados com dinheiro da Autora, a verdade é que chegaram às mãos do Réu através de transferências realizadas a partir de contas bancárias tituladas pelo filho da Autora, CC (…). E, quanto ao pagamento referido no ponto 32) do mesmo elenco, não está demonstrado que o mesmo foi entregue diretamente pela Autora ao Réu. Ou seja, não resulta da factualidade provada que o Réu sabia que tais pagamentos eram realizados pela Autora, muito menos na qualidade de dona da obra.
Neste enquadramento, não se vislumbra que comportamento do Réu poderia ter levado a Autora a acreditar que o mesmo não invocaria que não celebrou com ela o contrato de empreitada.
Relativamente à inércia do Réu perante a resolução extrajudicial do contrato de empreitada por parte da Autora com fundamento em incumprimento definitivo, a verdade é que tal facto, por si só, não permite retirar qualquer conclusão.
Neste enquadramento, resta-nos concluir que os factos de que dispomos não permitem a conclusão de que o Réu agiu em abuso de direito.
Atento o exposto, improcede o recurso, concluindo-se no sentido da manutenção da decisão proferida em primeira instância.
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V. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Autora/Apelante, sem prejuízo da proteção jurídica de que beneficia.
Registe.
Notifique.
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Lisboa, 24.10.2024,
Susana Mesquita Gonçalves
Carlos Gabriel Castelo Branco
Arlindo José Colaço Crua