ACIDENTE DE TRABALHO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
REEMBOLSO DE CAPITAL DE REMIÇÃO
AÇÃO CONTRA O RESPONSÁVEL CIVIL
AÇÃO CONTRA A SINISTRADA
Sumário


1- Da conjugação do regime legal previsto no art. 17º da Lei n.º 98/2009, de 04/09 (na sua versão originária, que era a que vigorava à data do acidente que, em simultâneo, assume a natureza de acidente de trabalho e de acidente de viação), resulta, por um lado, que a responsabilidade primacial e definitiva pelo acidente recai sobre o responsável civil pelo mesmo, com fundamento em culpa ou no risco, podendo sempre o empregador e/ou a sua seguradora repercutir aquilo que, a título de responsabilidade infortunística, tenham pago ao sinistrado ou a terceiros (estes por via da assistência que prestaram ao sinistrado em consequência do acidente de trabalho); e por outro, que as indemnizações consequentes a acidente de trabalho e acidente de viação que se destinem a ressarcir o sinistrado/lesado pelo mesmo dano não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado ao lesado/sinistrado em consequência do acidente, pelo que tal concurso de responsabilidades não deverá conduzir a que possa acumular na sua esfera jurídico-patrimonial um duplo ressarcimento pelo mesmo dano emergente do mesmo evento (acidente).
2- O interesse tutelado pelo regime do art. 17º, que proíbe a duplicação ou acumulação material de indemnizações, não é o do responsável civil pelo acidente (responsável primacial e definitivo - último - pelos danos emergentes do acidente), mas antes o da entidade empregador e/ou da seguradora desta que, em termos de responsabilidade objetiva, em sede de acidente de trabalho, pagaram ao sinistrado/lesado a indemnização que lhe é reconhecida pela lei de acidentes de trabalho.
3- Por isso, apenas a entidade empregadora e/ou a seguradora desta que tenham pago ao sinistrado/lesado a indemnização que lhe é devida, em sede de acidente de trabalho (responsabilidade objetiva) podem evitar o duplo ressarcimento do sinistrado/lesado que aquela norma visa evitar.
4- O responsável civil pelo acidente (a título de culpa ou de risco) não pode recusar o pagamento da indemnização à sinistrada/lesada em que foi condenado a satisfazer-lhe, por decisão de mérito transitada em julgado, proferida no âmbito do processo que aquela lhe moveu, destinada a efetivar a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos ou pelo risco por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência do acidente, com fundamento de que já fora anteriormente indemnizada pelo mesmo dano pelo empregador e/ou pela seguradora deste, no âmbito do acidente de trabalho.
5- Tendo a seguradora da entidade empregadora liquidado à sinistrada/lesada o capital de remição que lhe foi fixado, por sentença, transitada em julgado, proferida no âmbito do processo de acidente de trabalho, em momento em que já não lhe era possível deduzir incidente de intervenção principal na ação que a sinistrada/lesada instaurou contra a responsável civil pelo acidente de viação, pedindo o reembolso do capital de remição que liquidou, tendo, entretanto, por decisão de mérito, transitada em julgado, proferida no âmbito do acidente de viação, a aí demandada sido condenada a pagar à nela autora (sinistrada/lesada no acidente de trabalho) a quantia de 250.000,00 euros, a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho desta, não pode a demandada (responsável civil pelo acidente) descontar nesse montante indemnizatório (de 250.000,00 euros) o capital de remição que a aí autora recebeu no âmbito do acidente de trabalho, com fundamento de que esse capital de remição se destinou a indemnizá-la pelo mesmo dano a que se destina aquele montante indemnizatório de 250.000,00 euros.
6- Antes é a seguradora da entidade empregadora da sinistrada/lesada, enquanto responsável pelas consequências indemnizatórias fixadas na lei dos acidentes de trabalho emergentes do acidente de trabalho, que pagou, no âmbito desse processo, o capital de remição que, caso entenda que esse capital de remição e aquele montante indemnizatório de 250.000,00 euros que o responsável civil pelo acidente de viação pagou à sinistrada/lesada se destinaram a indemnizá-la pelo mesmo dano emergente do mesmo evento (acidente), que terá de instaurar ação contra a sinistrada/lesada, alegando e provando que as ditas indemnizações que lhe foram pagas (capital de remição e quantia de 250.000,00 euros) se destinaram a indemnizá-la pelo mesmo dano e pedindo a condenação desta a reembolsar-lhe o capital de remição que lhe pagou no âmbito do acidente de trabalho.

Texto Integral


Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

EMP01... Limited Company – Sucursal em Portugal, com sede na Rua ..., ... ..., instaurou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra EMP02... – Companhia de Seguros, S.A., com sede no Largo ..., ... ..., pedindo que condenasse a última a pagar-lhe a quantia de 18.729,16 euros, acrescida de juro de mora desde a citação até integral pagamento.
Para tanto alegou, em suma, que: em 12/09/2013, quando se deslocava do trabalho para casa, AA sofreu um acidente estradal; na altura AA pertencia ao quadro de pessoal da “Obra de Santa ...”, que tinha transferido a sua responsabilidade infortunística para a Autora, por contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho; AA instaurou ação contra a Ré, que correu termos pelo Juízo Central Cível de Braga, Juiz ..., com o n.º 2476/16...., em que, por decisão de mérito, transitada em julgado, se julgou que o acidente estradal que a vitimou se deveu à culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel de matrícula XA-..-.., e que a Ré era responsável pela satisfação da indemnização que lhe é devida pelas lesões que sofreu em consequência desse acidente por, na altura, a responsabilidade civil decorrente da circulação daquele veículo por danos causados a terceiros se encontrar transferida para a mesma; por via do contrato de seguro por acidentes de trabalho e do acidente que vitimou AA correu termos, na Instância Central, 1ª Secção do Trabalho, da Comarca da Braga, sob o n.º 12/14...., processo emergente de acidente de trabalho, em que a Autora foi condenada a pagar a AA a quantia de 3.366,25 euros, a título de indemnização por incapacidades temporárias para o trabalho sofridas; 1.314,65 euros, a título de despesas hospitalares, medicamentosas e com transportes; 530,40 euros, a título de encargos judiciais; 224,14 euros ao Hospital ... pela assistência prestada a AA; e 668,42 euros, a título de encargos judiciais e honorários, num total, até ../../2016, de 6.103,86 euros; em 24/11/2016, a Autora apresentou requerimento, no âmbito da ação intentada por AA contra a Ré (Proc. 2476/16....) reclamando o reembolso das quantias que tinha despendido até essa data (6.103,86 euros) e, por sentença proferida em ../../2017, a Ré foi condenada a reembolsar-lhe a mesma, o que fez; acontece que, após ../../2017, a Autora veio a ser condenada, no âmbito dos autos emergentes de acidente de trabalho a pagar a AA a quantia de 25,00 euros, a título de despesas com transportes; 12.171,56 euros, a título de capital de remição; 2.284,56 euros, a título de juros de mora vencidos; e por via desse acidente pagou ainda 3.998,04 euros, a título de encargos e despesas judiciais, e 250,00 euros, a título de despesas hospitalares, num total de 18.729,16 euros, que ainda não lhe foi reembolsada pela Ré e que esta se recusa a reembolsar.
A Ré contestou defendendo-se por exceção, alegando que, no âmbito dos autos de ação declarativa que AA lhe moveu, e onde a Autora foi interveniente, foi condenada a pagar à primeira a quantia de 250.000,00 euros, a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho por ela sofrida, o que já lhe pagou sem que tivesse sido descontado o valor arbitrado àquela a título de capital de remição pela incapacidade parcial permanente com que ficou afetada em sede de acidente de trabalho; a Ré pagou essa indemnização a AA, sem que a Autora tivesse providenciado pelo não pagamento do capital de remição arbitrado àquela no âmbito dos autos de acidente de trabalho, conforme lhe era imposto que fizesse, de modo a evitar a acumulação de indemnizações destinadas a indemnizar BB pelo mesmo dano decorrente do mesmo acidente.
Concluiu pedindo que fosse absolvida do pedido, porquanto a quantia de 12.171,56 euros, que a Autora liquidou a AA, a título de capital de remição, não lhe pode ser exigida, atento o princípio da inacumulabilidade de indemnizações para o mesmo dano e tendo a mesma fonte/origem; e a quantia de 3.998,04 euros, que reclama a título de despesas judiciais e encargos, não ser devida, por não integrar o direito de sub-rogação da Autora.
Realizou-se uma tentativa de conciliação, que se frustrou após sucessivas suspensões da instância.
Em 20/05/2022, proferiu-se despacho, transitado em julgado, em que o Juízo Local Cível de Braga declarou procedente a exceção dilatória de incompetência do mesmo, em razão do território, para conhecer da relação jurídica material controvertida delineada pela Autora na petição inicial, e ordenou a remessa dos autos para o Juízo Local Cível de Barcelos, por ser o territorialmente competente.
Por despacho proferido em 21/09/2022, conheceu-se dos requerimentos probatórios apresentados pelas partes, dispensou-se a realização de audiência prévia e ordenou-se a notificação das partes para se oporem, querendo, à dispensa daquela diligência, com a expressa advertência que, em face da sua não oposição esta ficava dispensada.
Não tendo sido deduzida oposição à dispensa de realização de audiência prévia, em 20/10/2022, proferiu-se despacho saneador tabular, ordenou-se a notificação da Autora para se pronunciar, querendo, quanto à matéria de exceção alegada pela Ré, e fixou-se o valor da causa em 18.729,16 euros.
Na sequência, a Autora respondeu, concluindo pela improcedência da exceção alegada pela Ré, uma vez que apenas esta poderia evitar o duplo ressarcimento de AA.
Por despacho de 10/11/2022 relegou-se o conhecimento da exceção invocada pela Ré para sentença final, com fundamento de que o seu conhecimento estava dependente de produção de prova.
Realizada a audiência final, em 24/02/2024 proferiu-se sentença, em que se julgou a ação totalmente improcedente e se absolveu a Ré do pedido.

Inconformada com o decidido, a Autora interpôs recurso, em que formulou as seguintes conclusões:

1ª – A questão essencial contende com a possibilidade de a A. exigir o reembolso da Ré, e contende igualmente com as datas dos pagamentos efetuados por ambas.
2ª - O tribunal a quo reconhece que a A. tem o direito a ser reembolsada por todas as despesas efetuadas e admite ter ocorrido um duplo ressarcimento à sinistrada, mas entende que as quantias peticionadas terão de ser restituídas à ora Recorrente pela própria sinistrada em nova ação judicial. Mal, a nosso ver.
3ª - Deve ser tida em conta a diferença de comportamento da EMP01... e da EMP02..., nomeadamente face às datas dos pagamentos efetuados à sinistrada, questão absolutamente crucial.
4ª - A A. pagou o capital de remição da pensão e restantes despesas a ../../2018, e a Ré pagou a indemnização por danos patrimoniais futuros a 11 de junho de 2019.
5ª - A “EMP01...” pagou antes da “EMP02...”, e esta pagou numa altura em que a ora EMP01... já tinha pago o mesmo tipo de indemnização à sinistrada.
6ª – Acresce que, para a EMP02..., a EMP01... não era uma estranha em todo este processo, pois tinha sido interveniente na ação cível, onde reclamou as verbas vencidas até novembro de 2016, as quais, aliás, foram pagas pela EMP02....
7ª - Não pode ser imputada qualquer culpa à Recorrente na forma como agiu, dado que estava obrigada, por força do contrato de seguro, da Lei e de uma decisão judicial, a pagar o capital de remição.
8ª - A seguradora laboral age como garante, por um lado, e no âmbito de direitos indisponíveis, por outro. Nada disso se passa com a Ré, na ação cível.
9ª - Quando pagou a indemnização por IPP, em dezembro de 2018, fê-lo como garante, e numa altura em que a sinistrada ainda nada tinha recebido a este título.
10ª - Por outro lado, não era possível impedir ou adiar este pagamento, por se tratar de um direito indisponível.
11ª - Os direitos e garantias previstos na LAT constituem um patamar mínimo indisponível, como refere o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/01/2024.
12ª - O pagamento feito pela Autora constitui uma obrigação legal e contratual, à qual não se podia eximir, nem mesmo movendo uma ação de suspensão de Direitos, ao contrário do que refere a douta sentença recorrida.
13ª -A A. não poderia alegar uma suspensão de direitos em dezembro de 2018, pois a sinistrada ainda não tinha recebido a indemnização por dano patrimonial futuro.
14ª – Também não poderia invocar a prescrição e a caducidade, que não se aplicam no caso concreto.
15ª - A A. pagou, em dezembro de 2018, porque era obrigada a pagar, nada o podia impedir, e exigiu tal reembolso da Ré, em sede extrajudicial, sem resposta.
16ª - A Ré, por seu lado, podia e devia ter agido de modo diferente, de forma a evitar um duplo ressarcimento à sinistrada.
17ª - A Ré sabia que a A. já tinha efetuado vários pagamentos à sinistrada, e, como seguradora laboral, iria obrigatoriamente ter de pagar o capital de remição devido.
18ª – A ré sabia exatamente o que havia pago até novembro de 2016, altura em que nada havia sido pago a título de indemnização por danos patrimoniais futuros.
19ª - Atenta a gravidade das lesões sofridas pela sinistrada, a “EMP02...” sabia e não podia ignorar que a sinistrada iria receber uma indemnização por danos patrimoniais futuros, quer na ação cível, quer na ação laboral.
20ª – Sendo evidente que a seguradora laboral, a “EMP01...”, iria pagar, mais dia menos dia, a competente indemnização por danos patrimoniais futuros.
21ª – A EMP02... sabia que o reembolso anterior respeitava a verbas pagas pela “EMP01...” apenas até ../../2016.
22ª - Provou-se que a EMP01... efetuou o pagamento à sinistrada em dezembro de 2018, e que a Ré efetuou o pagamento, seis meses depois, em junho de 2019.
23ª - Foi a EMP02... que originou o duplo ressarcimento da sinistrada, pois não teve o cuidado de perguntar à EMP01... se já havia pago a indemnização por dano patrimonial futuro, para poder descontar o que pagou nesse âmbito.
24ª - A A., neste momento, não tem fundamento, nem suporte jurídico ou legal, para exigir da sinistrada o reembolso do pagamento realizado a título de capital de remição.
25ª - A Ré, ao invés, podia e devia ter evitado o duplo ressarcimento da sinistrada – bastava perguntar à EMP01..., face aos antecedentes já de si conhecidos…
26ª - A Ré “EMP02...” não atuou com zelo e efetuou o pagamento de forma descuidada, sabendo que a “EMP01...” teria sempre de pagar o capital de remição!!!
27ª - A Ré sabia que a A. não tinha ainda reclamado o reembolso dos danos patrimoniais futuros e, atentas as lesões da sinistrada, sabia e não podia ignorar que a mesma teria direito ao capital de remição pelos danos permanentes sofridos.
28ª - A A. limitou-se a cumprir uma obrigação contratual, enquanto que a Ré, no âmbito da responsabilidade extracontratual, realizou um pagamento à sinistrada, o qual iria resultar num duplo ressarcimento, por culpa sua.
29ª - A A. pagou numa altura em que não podia deixar de pagar. E a Ré poderia não ter pagou tudo à sinistrada, poderia descontar o que a EMP01... pagou.
30ª - A A. pode e deve exigir da EMP02... o reembolso “sub judice”, pois esta foi a única responsável pelo duplo ressarcimento da sinistrada.
31ª - A douta sentença violou o disposto nos artºs 17.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, e 487º nº 2 do Código Civil, que deveriam ter sido interpretados de acordo com as conclusões supra.
Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, que Vossas Exs. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, revogada a douta decisão recorrida, devendo, em sua substituição, ser lavrado douto acórdão que julgue procedentes as conclusões do presente recurso, com as legais consequências, como é da mais inteira e salutar Justiça.

A Ré contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso. ...

*
(...)
*
II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar uma única questão que consiste em saber se a decisão recorrida (ao julgar improcedente a ação quanto ao pedido de reembolso da quantia de 12.171,56 euros paga pela recorrente à sinistrada AA, a título de capital de remição, no âmbito da ação emergente de acidente de trabalho, bem como a quantia de 25,00 euros, que lhe pagou a título de despesas de transporte, a quantia de 2.284,56 euros, que lhe pagou a título de juros de mora vencidos e, bem assim a quantia de 250,00 euros, a título de assistência hospitalar prestada a BB, tudo acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento, e ao absolver a recorrida desse pedido) padece de erro de direito e se, em consequência, se impõe a sua revogação e condenar a última no mesmo.
(....)
Deste modo, porque a recorrente deixou por sindicar a improcedência do pedido de reembolso dos referidos 3998,04 euros, acrescida de juros de mora, o assim decidido quanto a esse segmento decisório (absolvição da recorrida quanto ao reembolso dos apontados 3.998,04 euros, acrescidos de juros de mora), não faz parte do objeto do presente recurso, tendo transitado em julgado.
Por outro lado, apesar de no despacho de admissão do recurso a 1ª Instância se ter pronunciado quanto à(s) pretensa(s) nulidade(s) que terá(ão) sido assacada(s) pela recorrente à sentença recorrida, lidas e lidas as conclusões de recurso e a antecedente motivação não se descortina que nelas tivesse sido invocado pela recorrente qualquer causa determinativa de nulidade da sentença sob sindicância. Essas causas encontram-se taxativamente enunciadas no n.º 1 do art. 615º do CPC e, na verdade, são causas determinativas de anulabilidade da sentença, acórdão (art. 666º, n.º 1) ou, com as necessárias adaptações, do despacho (n.º 3 do art. 613º) e que, por isso, salvo a da al. a) do n.º 1 do art. 615º (falta da assinatura do juiz), não são de conhecimento oficioso. 
Daí que, não tendo a recorrente invocado qualquer causa determinativa de nulidade da sentença sob sindicância, e não se tratando de questão que seja de conhecimento oficioso, não se conhecerá dessa questão, por a mesma não fazer parte do objeto do presente recurso.
*
III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1ª Instância julgou provada a seguinte facticidade, com relevância para a decisão de mérito a proferir no âmbito da presente ação:

1- No dia 12 de setembro de 2013, quando se deslocava do trabalho para casa, a sinistrada AA foi vítima de um acidente de viação.
2- No âmbito laboral, a responsabilidade pelas consequências do sinistro foi assumida pela ora Autora “EMP01...”.
3-  A sinistrada AA pertencia ao quadro de pessoal da “Obra de Santa ...”.
4- A “Obra de Santa ...” transferiu a responsabilidade civil emergente de sinistros laborais ocorridos com os seus empregados para a “EMP01...”, através de contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice n.º ...99.
5- A retribuição auferida por AA, no estrito âmbito do referido contrato de seguro, encontrava-se transferida, à data do sinistro, pelo montante anual de Eur. 23.715, 20 (vinte e três mil e setecentos e quinze euros, e vinte cêntimos).
6- No âmbito estradal, foi dada como provada a responsabilidade da ora Ré “EMP02... Companhia de Seguros, S.A.”
7- A sinistrada AA moveu contra a “EMP02... Companhia de Seguros, S.A.” uma ação emergente do acidente de viação ocorrido em 12 de setembro de 2013, a qual correu termos pelo Juízo Central Cível de Braga – Juiz ... (Proc. n.º 2476/16....).
8 - No âmbito dessa ação, provou-se nomeadamente o seguinte:
1. No dia 12 de setembro de 2013, cerca das 18 horas e 20 minutos, na Estrada Nacional n.º ...03, na freguesia ..., concelho ..., distrito ..., ocorreu um embate entre o veículo ligeiro, de passageiros, de matrícula XA-..-.., de propriedade e conduzido por CC, e o veículo ligeiro, de passageiros, de matrícula ..-..-EM, propriedade da autora, conduzido por DD.
2. A autora era transportada gratuitamente como ocupante (passageira) no veículo de matrícula ..-..-EM.
3. Através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ...24, a proprietária do veículo de matrícula XA-..-.. havia transferido para a Ré seguradora “EMP02... - Companhia de Seguros, S.A.”, a responsabilidade civil pelos danos emergentes da circulação daquele veículo.
5. O veículo de matrícula ..-..-EM, no qual seguia como passageira a autora, circulava na Estrada Nacional n.º ...03, na freguesia ..., concelho ..., no sentido de marcha .../..., dentro da sua metade direita da faixa de rodagem (hemiataxia), bem junto à berma direita.
6. Circulava a uma velocidade de cerca de 30/40 Km/horários,
7. Com as luzes de cruzamento (médios) e com as luzes de presença traseiras ligadas (acesas).
8. Ao aproximar-se de uma passagem para peões, o condutor do veículo ..-..-EM reduziu a velocidade, parou e imobilizou por completo o veículo para deixar passar os peões que já tinham iniciado a travessia da passadeira.
9. Nesse momento é embatido na parte traseira pelo veículo de matrícula XA-..-.., conduzido por CC.
10. A condutora do veículo de matrícula XA-..-.. circulava a velocidade de cerca de 90/100 (noventa/cem) Km/horários.
11. E seguia sem atenção à sua condução e ao demais trânsito.
12. Por essa razão, não se apercebeu do veículo parado à sua frente, e não reduziu a velocidade a que seguia, acabando por embater no veículo de matrícula ..-..-EM.
13. O embate ocorreu a cerca de 3/4 (três/quatro) metros de distância antes da passagem para peões e totalmente dentro e a meio da metade direita da faixa de rodagem, considerando o sentido de marcha de ambos os veículos (.../...).
14. Em consequência do embate, o veículo onde seguia a autora foi projetado para a sua frente, ficando a uma distância de cerca de 15 (quinze) metros de distância do local do embate.
15. O local onde ocorreu o embate configura uma reta com mais de 100 (cem) metros de extensão, com boa visibilidade.
16. A Estrada Nacional n.º ...03, à data e no local onde ocorreu o embate, tinha uma faixa de rodagem que em toda a sua largura media cerca de 7,20 metros (sete metros e vinte centímetros), e o pavimento betuminoso/alcatroado encontrava-se regular e em bom estado de conservação.
17. O estado do tempo era seco.
18. A velocidade máxima permitida, conforme sinalização vertical existente no local, era de 50 km/horários.
9- A ora Autora, no cumprimento das suas obrigações contratuais, prestou assistência clínica a AA, pagou-lhe as indemnizações pela incapacidade temporária, transportes, despesas médicas, despesas judiciais e demais despesas diversas.
10- Dado que se tratou igualmente de um sinistro laboral, correram termos pela Comarca de Braga – Inst. Central – 1ª Sec. Trabalho – J... (Proc. n.º 12/14....) os autos emergentes de acidente de trabalho.
11- Entre a data do sinistro e o dia ../../2016, a ora Autora “EMP01...” despendeu, por via do aludido sinistro, as seguintes quantias:
- Eur. 3.366,25 a título de indemnizações pela incapacidade temporária para o trabalho;
- Eur. 1.314, 65 a título de despesas hospitalares, medicamentosas e com transportes;
- Eur. 530,40 a título de encargos judiciais no âmbito do Proc. n.º 12/14.....
12- Também por força do sinistro que originou os presentes autos, foi intentada ação para cobrança de créditos hospitalares pelo Hospital ... – ..., o qual correu termos pela Comarca de Braga – Instância Central – 1ª Secção de Trabalho – J... (Proc. n.º 12/14....). 13- No âmbito do Processo n.º 12/14...., a ora Autora “EMP01...” pagou as seguintes quantias:
- Eur. 224,14 ao Hospital ... – ...;
- Eur. 668,42 de encargos judiciais e honorários.
14- Até ../../2016, a ora Autora pagou o montante global de Eur. 6.103,86 (seis mil e cento e três euros, e oitenta e seis cêntimos).
15- Em 24 de novembro de 2016, a ora Autora “EMP01...” apresentou um articulado próprio no Proc. n.º 2476/16...., em que era Autora a sinistrada AA e Ré a ora também Ré “EMP02... – Companhia de Seguros, S.A.”, reclamando as quantias despendidas até àquela data, ou seja, a verba de Eur. 6.103,86 (seis mil e cento e três euros, e oitenta e seis cêntimos), passando a figurar nesses autos na qualidade de interveniente.
16- Por sentença de 14 de dezembro de 2017, proferida no Processo n.º 2476/16...., a ora Ré “EMP02...” foi condenada a reembolsar a ora Autora “EMP01...” na quantia de Eur. 6.103, 86 (seis mil e cento e três euros, e oitenta e seis cêntimos).
17- No cumprimento da referida sentença, a ora Ré “EMP02...” pagou efetivamente à ora Autora “EMP01...” aquela quantia acrescida de juros, mostrando-se assim efetuado o reembolso de todos os montantes suportados pela ora Autora até ../../2016.
18- Contudo, à data da prolação da sentença do processo cível (o referido Proc. n.º 2476/16....), ou seja, em dezembro de 2017, os autos do foro laboral ainda não tinham terminado, pelo que, por isso mesmo, a ora Autora “EMP01...”, aí interveniente, apenas pôde reclamar o que tinha despendido até fins de 2016.
19- Após ../../2016, a ora Autora “EMP01...” suportou diversas quantias, por força do sinistro em apreço.
20- O processo emergente de acidente de trabalho – Processo n.º 12/14.... – prosseguiu os seus termos.
21- Nesses autos do foro laboral foi proferida sentença em 15 de fevereiro de 2018, através da qual foram dados como provados os seguintes factos:
a) O (A) sinistrado (a) sofreu um acidente em 12/09/2013, quando trabalhava sob a autoridade, direção e fiscalização de “Obra de Santa ...”, mediante a retribuição anual de 23.715,20 €, encontrando-se a responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a seguradora acima identificada;
b) Em consequência do referido acidente sofreu as lesões descritas nos autos, determinantes de uma IPP de 5%, atribuída, por unanimidade, pela junta médica;
c) A alta ocorreu em 11/04/2014.”
22- A ora Autora “EMP01...”, nesses autos Ré, foi condenada a pagar à sinistrada o capital de remição correspondente à pensão anual de Eur. 830,03 (oitocentos e trinta euros, e três cêntimos), bem como a quantia de Eur. 25,00 (vinte e cinco euros) despendida pela sinistrada com transportes para o tribunal, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano.
23- A sinistrada apresentou ainda uma reclamação, a qual foi indeferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
24- A referida sentença/acórdão transitou em julgado.
25- Após cálculo do capital de remição legalmente efetuado pela secção de processos, a ora Autora “EMP01...” pagou à sinistrada, em ../../2018, as seguintes quantias:
a) Capital de remição – Eur. 12.171,56;  
b) Despesas com transportes – Eur. 25,00;
c) Juros de mora – Eur. 2.284,56.
26- A ora Autora “EMP01...” pagou à sinistrada um total de Eur. 14.481,12 (catorze mil e quatrocentos e oitenta e um euros, e doze cêntimos).
27- A título de encargos e despesas judiciais, a ora Autora “EMP01...” suportou um total de Eur. 3.998,04 (três mil e novecentos e noventa e oito euros, e quatro cêntimos).
28- A título de despesas hospitalares, a ora Autora “EMP01...” pagou o montante global de Eur. 250,00 (duzentos e cinquenta euros).
29- Desde ../../2016 até ../../2018, a ora Autora “EMP01...” suportou uma quantia global de Eur. 18.729,16 (dezoito mil e setecentos e vinte e nove euros, e dezasseis cêntimos), a qual não foi reembolsada pela ora Ré.
30- A ora Autora interpelou a ora Ré, solicitando o pagamento das quantias por aquela despendidas após a referida data de ../../2016, as quais só foram pagas depois da prolação da sentença do processo cível (sentença de dezembro de 2017).
31- A ora Autora não foi reembolsada da quantia de Eur. 18.729,16, o que a levou a propor a presente ação.
32- Foi celebrado contrato de seguro automóvel, titulado pela apólice nº ...24, cujas cláusulas, coberturas e exclusões constam do doc. 1 junto com a contestação.
33- A Ré assumiu e assume a responsabilidade pela indemnização, incluindo as suportadas pela Autora em sede de acidente de trabalho, ao abrigo do aludido contrato de seguro, pelo qual a entidade patronal da lesada transferiu a responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho sofridos pelos seus trabalhadores.
34- À Ré, na qualidade de seguradora, foi transferida a responsabilidade perante terceiros pela circulação do veículo lesante.
35- O facto do qual emerge a obrigação de ambas as seguradoras, ora Autora e Ré, de indemnizar a lesada, é o mesmo: o acidente ocorrido em 12/09/2013.
36- A Autora interveio no processo cível intentado pela lesada AA, e foi indemnizada.
37- Na sentença proferida na 1ª instância, junta pela Autora na petição inicial e notificada que foi a mesma em 13/12/2017, foi atribuída à sinistrada AA, a título de danos patrimoniais futuros – devidos pela perda da capacidade de ganho -, a quantia de “Do exposto resulta, que a título de danos patrimoniais tem a autora o direito a receber a quantia de € 397.169,39.”, dos quais € 280.000,00 a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho.
38- O Tribunal da Relação de Guimarães reduziu aquele valor de € 250.000,00, o que foi confirmado por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
39- Naquele processo, até porque ainda não liquidada, não foi deduzido ou descontado qualquer valor devido a título de indemnização pela incapacidade permanente parcial em sede de acidente de trabalho.
40- A ora Autora, parte naquele processo, tomou conhecimento da sentença e da indemnização arbitrada, pelo que deveria providenciar pelo não pagamento da indemnização devida em sede de acidente de trabalho.
41- Essa quantia indemnizatória foi liquidada em 17/12/2018.
42- A ora Autora “EMP01...” foi interveniente na ação judicial que a sinistrada moveu à ora Ré EMP02... (Proc. n.º 2476/16....), e a ora Ré por sentença de ../../2017 foi condenada a reembolsar a ora Autora “EMP01...” na quantia de Eur. 6.103,86, quantia que a ora Ré pagou.
43- Esse reembolso respeitava a verbas pagas pela ora Autora “EMP01...” até ../../2016.
44- À data da prolação da sentença daquele processo cível, em dezembro de 2017, os autos do foro laboral ainda não tinham terminado, sendo que a ora Autora “EMP01...” apenas pôde reclamar, nos termos legais, o que havia desembolsado até essa altura, já que não podia pedir o reembolso do que não pagara.
45- Nessa altura, a ora Autora “EMP01...” nada reclamou a título de reembolso pelo pagamento do capital de remição, uma vez que não o havia pago.
46- Após ../../2016, a ora Autora “EMP01...” suportou diversas quantias, no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho - Processo n.º 12/14.... – o qual prosseguiu os seus termos.
47- Nestes autos do foro laboral foi proferida sentença em 15 de fevereiro de 2018, tendo a ora Autora “EMP01...” sido condenada a pagar à sinistrada o capital de remição correspondente à pensão anual de Eur. 830,03 (oitocentos e trinta euros e três cêntimos), a quantia de Eur. 25,00 (vinte e cinco euros) despendida pela sinistrada com transportes para o tribunal, e os juros de mora à taxa legal de 4% ao ano.
48- A ora Autora “EMP01...” pagou, em ../../2018, as quantias do capital de remição – Eur. 12.171,56 -, as quantias de despesas com transportes – Eur. 25, 00 –, e as quantias de juros legais de mora – Eur. 2.284,56, bem como pagou ainda, a título de encargos e despesas judiciais, um total de Eur. 3.998,04 (três mil e novecentos e noventa e oito euros, e quatro cêntimos).
49- A ora Autora “EMP01...” pagou as verbas, reclamadas nos presentes autos, em ../../2018, enquanto a ora Ré “EMP02...” pagou a verba de Eur. 417.024,58 em 11 de junho de 2019, a qual inclui a importância de Eur. 250.000,00 a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho.
50- Correu termos, sob o nº 2476/16...., Juiz ..., do Juízo Central Cível de Braga, ação comum em que foi Autora AA e em que foi Ré a ora Ré.
51- A ora Autora interveio naqueles autos e deduziu pedido de reembolso.
52- Nesses mesmos autos, a ora Ré foi condenada (após acórdão proferido pelo STJ) a pagar à aí Autora AA:
a. € 14.880,32, a título de indemnização de perdas salariais;
b. € 75.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais;
c. € 250.000,00 para indemnização da perda da sua futura capacidade de ganho;
d. Quantias acrescidas de juros à taxa de 8%.
53- A Ré já procedeu ao pagamento à sinistrada de todas as quantias em que foi condenada, entre as quais os valores que a ora Autora liquidou em substituição da sua entidade patronal.
54- Os valores pagos pela ora Autora não foram tidos em conta no âmbito do aludido Processo nº 2476/16.....
55- A Ré liquidou à sinistrada todas as quantias em que foi condenada, entre as quais os valores devidos à sinistrada pela Autora em substituição da sua entidade patronal.
56- AA já recebeu da ora Ré, enquanto, esta, seguradora do responsável pelo veículo causador do acidente de viação, indemnização para ressarcimento dos danos concretos que aquela sofreu no acidente de trabalho, desonerando-se totalmente a Ré da sua obrigação.
57- A Ré teve de proceder ao pagamento do valor integral à sinistrada, o que fez.
58- Só não foram retirados, do valor da indemnização global a atribuir a AA, os montantes pagos pela seguradora de acidentes de trabalho e ora Autora (trata-se de valores complementares e não cumuláveis), porque a ora Autora não adotou os cuidados e as diligências necessárias para efetivar essa retirada.
*
Por sua vez, a 1ª Instância julgou como não provado o seguinte:

a- A ora Ré “EMP02...” sabia e não podia ignorar que a ora Ré “EMP01...” ainda não havia pedido o reembolso do capital de remição da pensão, o que haveria de suceder em breve.
b- Só a ora Ré “EMP02...” poderia ter evitado o duplo ressarcimento da lesada.
c- A ora Autora “EMP01...” nada podia fazer senão pagar.
d- Os funcionários da Ré que procederam ao pagamento indevido necessitam apenas do conforto de uma sentença para reembolsarem a “EMP01...” e depois irem reclamar da lesada o pagamento em excesso.
*
IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A - Do julgamento da matéria de facto – eliminação da matéria conclusiva, de direito e da compatibilização da matéria de facto julgada provada pela 1ª Instância (conhecimento oficioso)
A recorrente não impugnou o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, o que não desonera o tribunal ad quem da obrigação de ordenar a eliminação do elenco dos factos julgados provados e não provados da matéria de facto que se apresente repetida, bem como da matéria que não encerra qualquer facticidade, mas tão só puras ilações conclusivas e de direito e, finalmente, de proceder à compatibilização de toda a matéria de facto julgada provada por ordem cronológica e lógica, de modo a torná-la minimamente compreensível.
Com efeito, nos termos do art. 607º do CPC (a que se referem todas as disposições legais que se venham a fazer referência sem menção em contrário), quanto ao modo como a sentença deve ser elaborada e estruturada, estabelece-se que esta começa por identificar as partes, o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar (n.º 2); seguem-se os fundamentos, onde o juiz deve discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final (n.º 3); na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência (n.º 4); o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (n.º 5); no final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade (n.º 6).
Deste modo, quanto ao julgamento da matéria de facto, decorre da previsão da norma que se acaba de referir impender sobre o juiz o dever de na sentença: a) discriminar os factos que considera provados; b) declarar os que considera provados e não provados; e c) fundamentar a decisão da matéria de facto.
A discriminação na sentença dos factos que o juiz considera provados, imposta pelo n.º 3 do art. 607º, respeita aos factos essenciais que constituem a causa de pedir (necessariamente alegados na petição inicial – al. d) do n.º 1 do art. 552º) ou em que se baseiam as exceções invocadas pelo réu na contestação (necessariamente alegados nesse articulado – al. c) do art. 572º) ou em que se baseiam as contra exceções que tenham sido opostas pelo autor àquelas exceções (invocadas pelo Réu na contestação) na réplica, quando esta não for admissível, no início da audiência prévia, ou não havendo lugar a ela, no início da audiência final (e por isso, os factos essenciais em que se baseiam essas contra exceções têm de ser necessariamente alegados pelo autor na réplica, quando esta não for admissível, no início da audiência prévia, ou não havendo lugar a ela, no início da audiência final – arts. 584º, n.º 1, 587º, 3º, n.º 4) - (art. 5º, n.º 1) e, bem assim os factos complementares que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a ação ou a exceção proceda.
Quanto aos factos complementares os mesmos não têm de ser alegados pelas partes, mas têm de ser julgados provados quando a respetiva prova resulte da instrução da causa e as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciar quanto aos mesmos (al. b) do n.º 2 do art. 5º).
Note-se que a prova dos factos essenciais e dos complementares tanto pode resultar da aplicação de regras de direito probatório material, que impõem o julgamento dos mesmos em determinado sentido, sem deixar qualquer margem de subjetivismo ao julgador  - “factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito” -, como, por se tratar de facticidade submetida ao princípio da livre apreciação da prova, pode resultar da prova produzida concatenada com as regras da ciência, da técnica, da lógica e/ou da experiência comum.
Os factos essenciais e complementares julgados provados, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art. 604º, têm de ser discriminados pelo juiz na sentença, o que significa que os mesmos têm de ser nela referenciados de forma própria e autónoma. Já os factos essenciais (necessariamente alegados) que sejam julgados não provados apenas têm de ser indicados na sentença, mas não têm de nela ser discriminados[2].
Quanto aos factos instrumentais que resultem da instrução da causa (al. a) do n.º 2 do art. 5º), na medida em que os mesmos exercem uma função puramente probatória, ao indiciarem a prova ou não prova dos factos essenciais ou dos complementares, os mesmos não devem ser levados ao elenco dos factos provados na sentença, mas antes à fundamentação/motivação do julgamento da matéria de facto, conforme o determina o n.º 4 do art. 607º, ao dispor que nela o juiz deve analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção.
Em sede de julgamento de facto o juiz não deve, portanto, pronunciar-se sobre toda a matéria que foi alegada pelas partes nos seus articulados,  julgando-a provada ou não provada, mas apenas se deve pronunciar (julgando-a como provado ou não provada) quanto à matéria de facto, e dentro desta apenas deve julgar provados ou não provados os factos essenciais integrativos da causa de pedir que tenham sido alegados pelo autor na petição inicial e das exceções que tenham sido alegadas pelas partes na contestação, na réplica, no início da audiência prévia ou no início da audiência final (consoante o momento temporal acima já enunciado em que ocorra a sua alegação), assim como os factos complementares que, ainda que não alegados, resultem da instrução da causa e em relação aos quais as partes tenha tido oportunidade de se pronunciar, nomeadamente, de analisar a prova que quanto aos mesmos foi produzida em audiência contraditória. Os factos instrumentais cuja prova resulte da instrução da causa devem ser julgados provados em sede de fundamentação/motivação do julgamento de facto quanto aos factos essenciais julgados provados ou não provados (necessariamente alegados) e quanto aos factos complementares julgados provados (ainda que não alegados, mas cuja prova resulte da instrução da causa e quando as partes tenham tido oportunidade de exercer quanto aos mesmos o contraditório).
Neste sentido expende Pedro Pais de Vasconcelos que: “Os factos não existem como tal. O que existe é a facticidade. É o acontecer constante, sem cortes nem descontinuidades. No fluir constante do acontecer, os factos são simples recortes artificiais no tecido da realidade. São pedaços da realidade que foram dela artificialmente recortados com o molde da previsão da norma. A partir da facticidade bruta, o critério da seleção do que interessa, do que é relevante para o Direito, é a previsão da regra jurídica candidata à aplicação. Do acontecer real só é aproveitado e autonomizado aquilo que possa ser subsumido à previsão de uma norma. Tudo aquilo que exista na realidade, mas que não esteja previsto em qualquer norma, é desconsiderado como irrelevante. O facto jurídico é, pois, um pedaço da realidade que é dela recortado e autonomizado, sob o critério da sua correspondência à norma. O facto jurídico é, assim, algo que é construído a partir da norma”[3] (destacado nosso).
Por outro lado, em sede de julgamento da matéria de facto o julgador deve julgar provada a matéria de facto provada e não provada (os factos essenciais alegados e, bem assim os complementares que, ainda que não alegados, a respetiva prova tenha resultado da instrução da causa e as partes tenham tido oportunidade de se pronunciar quanto aos mesmos), sem estar condicionado pelas regras de distribuição do ónus de prova, devendo verter na decisão da matéria de facto o resultado objetivo da apreciação dos meios de prova que foram produzidos, apenas limitado pelo objeto do processo, circunscrito pela causa de pedir e pelas exceções invocadas, descrevendo os mesmos na sentença de forma fluente e fiel à realidade histórica tal como esta se revelou nos autos. Por isso, o relato dos factos essenciais e complementares da realidade histórica deve apresentar-se na sentença “arrumada, coerente e sequencialmente (lógica e cronologicamente)”, ou seja “compatibilizando toda a matéria de facto adquirida”, conforme expressamente é determinado pelo n.º 4 do art. 604º[4].
Esse dever, conforme decorre da simples leitura do julgamento de facto realizado pela 1ª Instância não foi observado na sentença recorrida, na medida em que nela se julgou como provada e não provada matéria que não consubstancia qualquer materialidade fáctica, mas antes matéria puramente conclusiva e de direito (como infra se especificará), noutros casos julgou-se provada matéria que se revela totalmente inócua para o thema decidendum nos autos, e noutros casos julgou-se provada e não provada matéria de facto que é repetição de facticidade que já anteriormente tinha sido julgada provada ou não provada, além que, do ponto de vista histórico e cronológico assiste-se na sentença recorrida  a constantes avanços e recuos na facticidade que nela foi julgada provada.
Os factos essenciais e complementares a serem julgados provados e não provados na sentença versa sobre “factos”. E, conforme é entendimento jurisprudencial consensual e consolidado, por “factos” entende-se as ocorrências concretas da vida real e o estado, a qualidade ou situação real das pessoas e das coisas; neles se compreendendo não só os acontecimentos do mundo exterior diretamente captáveis pelas perceções (pelos sentidos) do homem, mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo[5].
Com efeito, já defendia Alberto dos Reis que “é questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior”[6]; e já expendia que a atividade do juiz se deve circunscrever ao apuramento dos factos materiais, devendo evitar que no questionário entrem noções, fórmulas, categorias ou conceitos jurídicos, inserindo apenas, nos quesitos e na matéria de facto assente, factos materiais e concretos”[7]. E na linha de que ao elenco dos factos julgados provados e não provados na sentença (acórdão ou despacho) o juiz apenas deve levar factos materiais se tem pronunciado a jurisprudência nacional maioritária, designadamente, após a entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26/06, que reviu o CPC, na sequência do que a sentença passou a incluir o julgamento da matéria de facto e o julgamento da matéria de direito e que não contém um dispositivo legal equivalente ao anterior art. 646º, n.º 4 do CPC.
Na verdade, os n.ºs 3 e 4 do atual art. 604º  continuam a determinar que o juiz na sentença deve “discriminar os factos que considera provados” e tem de “declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados”, pelo que se continua maioritariamente a considerar como não escritas as respostas do julgador que não consubstanciem factos materiais, mas que versem sobre matéria qualificada como de direito; e a equiparar às conclusões de direito, por analogia, as conclusões de facto, isto é, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados (sem prejuízo de se dever equiparar a factos as expressões verbais, com um sentido técnico-jurídico determinado, que são utilizadas comummente pelas pessoas sem qualquer preparação jurídica, na sua linguagem do dia a dia, falada ou escrita, com um sentido idêntico, contanto que essas expressões não integrem o próprio objeto do processo, ou seja, que não invadam o domínio de uma questão de direito essencial, traduzindo uma resposta antecipada à questão de direito decidenda)[8].
Ora, analisado o julgamento de facto constante da sentença sob sindicância é inegável que, nomeadamente, a expressão “sinistro laboral” (constante do ponto 10º da facticidade julgada provada), a totalidade da matéria do ponto 33º, e a expressão “desonerando-se totalmente a Ré da sua obrigação” constante do ponto 56º da facticidade julgada provada encerra matéria de direito e, por isso, insuscetível de ser levada ao elenco dos factos julgados provados ou não provados na sentença.
Por sua vez, a expressão “a ora Autora EMP01..., apenas pôde reclamar o que tinha despendido até fins de 2016” (constante do ponto 18º dos factos provados) e a matéria dos pontos 35º, 39º, 44º, 45º, 57º, 58º (este quanto à expressão “trata-se de valores complementares e não cumuláveis, porque a ora Autora não adotou os cuidados e as diligências necessárias para efetivar essa retirada”) encerram matéria conclusiva e de direito.
Finalmente, toda a matéria que a 1ª Instância levou ao elenco dos factos que julgou como não provados não encerra qualquer facticidade, mas antes matéria puramente conclusiva e de direito.

Deste modo, com vista a expurgar o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância (relembra-se, não impugnada pela recorrente) das expressões conclusivas e de direito que encerra, bem como das repetições fácticas nele ocorridas e, bem assim da facticidade irrelevante para o thema decidendum na presente ação e de modo a conferir-lhe a necessária narração arrumada, coerente e sequencial (em termos históricos e cronológicos) que deve encerrar, determina-se ex officio:

I- a eliminação de toda a matéria exarada na sentença recorrida, em sede de elenco de factos julgados não provados, por não consubstanciar qualquer matéria de facto, mas puras ilações conclusivas e de direito;
II- a facticidade nela julgada provada passa a constar da seguinte matéria fáctica, que se julga provada:
1- No dia 12 de setembro de 2013, quando se deslocava do trabalho para casa, AA sofreu um acidente.
2- Na altura do acidente, AA pertencia ao quadro de pessoal da “Obra de Santa ...”.
3- A “Obra de Santa ...” transferiu a responsabilidade civil emergente de sinistros laborais que envolvessem os seus empregados para a “EMP01...”, através de contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º ...99.
4- A retribuição auferida por AA, no estrito âmbito do referido contrato de seguro, encontrava-se transferida para a Autora, à data do acidente referido em 1), pelo montante anual de Eur. 23.715, 20 (vinte e três mil e setecentos e quinze euros, e vinte cêntimos).
5- Por via do acidente referido em 1) e do contrato de seguro identificado em 3), na execução desse contrato, a Autora prestou assistência clínica a AA, pagou-lhe as indemnizações pela incapacidade temporária, transportes, despesas médicas, despesas judiciais e demais despesas diversas.
6- Por via desse acidente correram termos, pela Comarca de Braga – Inst. Central – 1ª Sec. Trabalho – J... (Proc. n.º 12/14....), autos emergentes de acidente de trabalho, onde, em 15 de fevereiro de 2018, foi proferida sentença, transitada em julgado, na qual foram julgados provados os seguintes factos:
a) O (A) sinistrado (a) sofreu um acidente em 12/09/2013, quando trabalhava sob a autoridade, direção e fiscalização de “Obra de Santa ...”, mediante a retribuição anual de 23.715,20 €, encontrando-se a responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a seguradora acima identificada;
b) Em consequência do referido acidente sofreu as lesões descritas nos autos, determinantes de uma IPP de 5%, atribuída, por unanimidade, pela junta médica;
c) A alta ocorreu em 11/04/2014.”
7- Entre a data do acidente referido em 1) e o dia ../../2016, a Autora “EMP01...” despendeu, por via do dito acidente e na execução do contrato de seguro referido em 3), as seguintes quantias:
- Eur. 3.366,25, a título de indemnizações pela incapacidade temporária para o trabalho;
- Eur. 1.314, 65, a título de despesas hospitalares, medicamentosas e com transportes;
- Eur. 530,40, a título de encargos judiciais no âmbito do Proc. n.º 12/14.....
8- Também por via desse acidente e do contrato de seguro referido em 3), foi intentada contra a Autora ação para cobrança de créditos hospitalares pelo Hospital ... – ..., a qual correu termos pela Comarca de Braga – Instância Central – 1ª Secção de Trabalho – J... (Proc. n.º 12/14....), pela assistência prestada a AA.
9- No âmbito desse processo a Autora “EMP01...” pagou as seguintes quantias:
- Eur. 224,14 ao Hospital ... – ...;
- Eur. 668,42 de encargos judiciais e honorários.
10- Até ../../2016, a Autora pagou o montante global de Eur. 6.103,86 (seis mil e cento e três euros, e oitenta e seis cêntimos), por via do acidente referido em 1) e na execução do contrato identificado em 3).
11- Por via do acidente referido em 1), AA moveu contra a Ré “EMP02... Companhia de Seguros, S.A.” ação emergente do acidente de viação, a qual correu termos pelo Juízo Central Cível de Braga – Juiz ... (Proc. n.º 2476/16....).
12- No âmbito dessa ação, provou-se, por decisão transitada em julgado, nomeadamente o seguinte:
1. No dia 12 de setembro de 2013, cerca das 18 horas e 20 minutos, na Estrada Nacional n.º ...03, na freguesia ..., concelho ..., distrito ..., ocorreu um embate entre o veículo ligeiro, de passageiros, de matrícula XA-..-.., de propriedade e conduzido por CC, e o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-EM, propriedade da autora, conduzido por DD.
2. A autora era transportada gratuitamente como ocupante (passageira) no veículo de matrícula ..-..-EM.
3. Através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ...24, a proprietária do veículo de matrícula XA-..-.. havia transferido para a Ré seguradora “EMP02... - Companhia de Seguros, S.A.”, a responsabilidade civil pelos danos emergentes da circulação daquele veículo.
5. O veículo de matrícula ..-..-EM, no qual seguia como passageira a autora, circulava na Estrada Nacional n.º ...03, na freguesia ..., concelho ..., no sentido de marcha .../..., dentro da sua metade direita da faixa de rodagem (hemifaixa), bem junto à berma direita.
6. Circulava a uma velocidade de cerca de 30/40 Km/horários,
7. Com as luzes de cruzamento (médios) e com as luzes de presença traseiras ligadas (acesas).
8. Ao aproximar-se de uma passagem para peões, o condutor do veículo ..-..-EM reduziu a velocidade, parou e imobilizou por completo o veículo para deixar passar os peões que já tinham iniciado a travessia da passadeira.
9. Nesse momento é embatido na parte traseira pelo veículo de matrícula XA-..-.., conduzido por CC.
10. A condutora do veículo de matrícula XA-..-.. circulava a velocidade de cerca de 90/100 (noventa/cem) Km/horários.
11. E seguia sem atenção à sua condução e ao demais trânsito.
12. Por essa razão, não se apercebeu do veículo parado à sua frente, e não reduziu a velocidade a que seguia, acabando por embater no veículo de matrícula ..-..-EM.
13. O embate ocorreu a cerca de 3/4 (três/quatro) metros de distância antes da passagem para peões e totalmente dentro e a meio da metade direita da faixa de rodagem, considerando o sentido de marcha de ambos os veículos (.../...).
14. Em consequência do embate, o veículo onde seguia a autora foi projetado para a sua frente ficando a uma distância de cerca de 15 (quinze) metros de distância do local do embate.
15. O local onde ocorreu o embate configura uma reta com mais de 100 (cem) metros de extensão, com boa visibilidade.
16. A Estrada Nacional n.º ...03, à data e no local onde ocorreu o embate, tinha uma faixa de rodagem que em toda a sua largura media cerca de 7,20 metros (sete metros e vinte centímetros), e o pavimento betuminoso/alcatroado encontrava-se regular e em bom estado de conservação.
17. O estado do tempo era seco.
18. A velocidade máxima permitida, conforme sinalização vertical existente no local, era de 50 km/horários.
13- Em 24 de novembro de 2016, a ora Autora “EMP01...” apresentou um articulado próprio no Proc. n.º 2476/16...., reclamando as quantias despendidas até àquela data, no montante global de Eur. 6.103,86 (seis mil e cento e três euros, e oitenta e seis cêntimos) e passou a figurar no âmbito desse processo na qualidade de interveniente.
14- Por sentença de 14 de dezembro de 2017, proferida no âmbito do Processo n.º 2476/16...., a Ré “EMP02...” foi condenada a reembolsar a Autora “EMP01...” a quantia de Eur. 6.103, 86 (seis mil e cento e três euros, e oitenta e seis cêntimos).
15- No cumprimento da referida sentença, a Ré “EMP02...” pagou à Autora “EMP01...” aquela quantia de 6.103,86 euros, acrescida de juros.
16- No âmbito da sentença referida em 6), transitada em julgado, a Autora “EMP01...” foi condenada a pagar à sinistrada AA o capital de remição correspondente à pensão anual de Eur. 830,03 (oitocentos e trinta euros, e três cêntimos), bem como a quantia de Eur. 25,00 (vinte e cinco euros) despendida pela sinistrada com transportes para o tribunal, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano.
17- Na sequência do que, a Autora EMP01... pagou à sinistrada AA, em ../../2018, as seguintes quantias:
a) Capital de remição – Eur. 12.171,56; 
b) Despesas com transportes – Eur. 25,00;
c) Juros de mora – Eur. 2.284,56.
18- A título de encargos e despesas judiciais, no âmbito do processo identificado em 6), a Autora “EMP01...” pagou, em ../../2018, Eur. 3.998,04 (três mil e novecentos e noventa e oito euros, e quatro cêntimos).
19- A título de despesas hospitalares, a Autora “EMP01...” pagou o montante global de Eur. 250,00 (duzentos e cinquenta euros).
20- Desde ../../2016 até ../../2018, a ora Autora “EMP01...” suportou uma quantia global de Eur. 18.729,16 (dezoito mil e setecentos e vinte e nove euros, e dezasseis cêntimos), por via do acidente referido em 1), do contrato de seguro identificado em 3) e do relatado em 16) a 20), a qual não foi reembolsada pela Ré.
21- No âmbito do processo identificado em 11), por decisão transitada em julgado, a Ré foi condenada a pagar a AA, a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho, a quantia de 250.000,00 euros.
22- A Autora tomou conhecimento da sentença proferida no âmbito do processo identificado em 11) e da indemnização arbitrada a BB referida no ponto anterior.
23- A Ré liquidou a indemnização de 250.000,00 euros a AA em 11 de junho de 2019.
*
Depurado o julgamento da matéria de facto realizado pelo julgador a quo (relembra-se, não impugnado pela recorrente) da matéria irrelevante para a decisão a proferir no âmbito da presente ação, dos conceitos conclusivo e de direito que encerrava, bem como das repetições que continha e, bem assim dando à matéria de facto julgada provada a necessária sequência lógica e cronológica, resta analisar o único fundamento de recurso que vem invocado pela recorrente e que se traduz na circunstância de pretender que, ao julgar improcedente a presente ação quanto ao pedido de reembolso da quantia de 12.171,56 euros, que pagou à sinistrada AA, no âmbito dos autos de acidente de trabalho, a título de capital de remição, da quantia de 25,00 euros, que lhe pagou a título de despesas de transporte, da quantia de 2.284,56 euros, que lhe pagou a título de juros de mora vencidos, e da quantia de 250,00 euros, a título de assistência hospitalar prestada a AA por via do acidente de trabalho por ela sofrido, acrescidas de juros de mora desde a citação até integral pagamento,  e ao absolver a recorrida do pedido de reembolso daquelas quantias, a decisão de mérito assim proferida padece de erro de direito.
               
B- Mérito
A recorrente  EMP01... Limited Company – Sucursal em Portugal, instaurou a presente ação contra a recorrida, EMP02... – Companhia de Seguros, S.A., pretendendo exercer o direito de sub-rogação legal que lhe estará conferido pelo art. 17º, da Lei n.º 98/2009, quanto às quantias que pagou, em 17/12/2018, à sinistrada AA, em consequência do acidente de trabalho que a vitimou, em 12 de setembro de 2013, sendo 12.171,56 euros, a título de capital de remição; 25,00 euros, a título de despesas com transportes; 2.284,56 euros, a título de juros de mora vencidos; 3.998,04 euros, a título de encargos e despesas judiciais; e 250,00 euros, a título de despesas hospitalares pela assistência prestada à sinistrada, num total de 18.729,16 euros, acrescida de juros de mora desde a citação até integral reembolso,  alegando que o dito acidente é, em simultâneo, acidente de trabalho e acidente de viação e que, por decisão de mérito, transitada em julgado, proferida no âmbito da ação declarativa que aquela sinistrada instaurou contra a recorrida, que correu termos no Juízo Central Cível de Braga, Juiz ..., sob o n.º 2476/16...., se julgou que esse acidente eclodiu por culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel de matrícula XA-..-.., cuja responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da circulação deste se encontrava transferida para a recorrida à data do acidente.
Na sentença sob sindicância a 1ª Instância julgou o pedido de reembolso formulado pela recorrente quanto à quantia de 3.998,04 euros, que despendeu a título de encargos e despesas judiciais, improcedente e, em consequência, absolveu a recorrida desse pedido com fundamento de que: “O artigo 136º do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de abril (Regime Jurídico do Contrato de Seguro - LCS) prevê a possibilidade de sub-rogação da seguradora nos direitos do segurado contra os terceiros responsáveis pelo sinistro. A ora Autora estava, ao abrigo de um contrato de seguro e da lei, obrigada a satisfazer uma dívida contratual ao mesmo credor (a lesada), a qual satisfez, pelo que é, na medida desse cumprimento, que lhe assistirá o direito de ser reembolsada e nessa medida. Na sub-rogação (legal), o crédito de que o accipiens da prestação é titular transmite-se na íntegra para a titularidade do solvens, mantendo a totalidade da sua etiologia, características e funcionalidades, v. g. garantias constituídas, etc.. Por conseguinte, a Autora só tem direito àquilo que despendeu em prestações em dinheiro e em espécie com a lesada/sinistrada, àquilo que entregou à lesada. No que se refere às despesas constantes do artigo 26º da petição inicial, nomeadamente despesas com a peritagem, ainda que as mesmas façam parte da atividade normal das seguradoras, tais despesas, bem como as despesas judiciais e de procuradoria, têm sede própria de ressarcimento através da apresentação de custas de parte, não sendo devidas nesta sede, como resulta do Ac. da RC, de 12/02/2019, Proc. 1209/16.0T8CBR.C1 e Ac. do TRP de 18/02/2014, disponíveis em www.dgsi.pt. (…)”.  Pelo que, “a quantia de 3.998,04 euros, a título de despesas judiciais e encargos, não é devida pela Ré, por não integrar o direito de sub-rogação da Autora”.
Conforme acima já se deixou enunciado, a recorrente não impugnou o assim decidido, não invocando ter o julgador a quo incorrido em qualquer erro nas normas que selecionou, na interpretação que fez dessas normas e na aplicação que delas fez aos factos que julgou provados e não provados, tudo por forma a alicerçar a decisão de improcedência do enunciado pedido de reembolso formulado pela recorrente contra a recorrida quanto à mencionada quantia de 3.998,04 euros, acrescida de juros de mora.
Daí que os erros de direito que a recorrente assaca à decisão de mérito vertida na sentença sob sindicância não se dirijam a esse concreto segmento decisório, que julgou improcedente aquele pedido de reembolso da quantia de 3.998,04 euros, e respetivos juros de mora, e que, em consequência, absolveu a recorrida desse pedido, tendo o decidido na sentença quanto ao mesmo transitado em julgado.
Acontece que a 1ª Instância julgou improcedente o pedido de reembolso formulado pela recorrente EMP01... contra a recorrida EMP02... quanto às quantias que pagou à sinistrada AA, em 17/12/2018, enquanto responsável pelo acidente de trabalho de que esta foi vítima, da quantia de 12.171,56 euros, que lhe liquidou, a título de capital de remição, no âmbito do processo por acidente de trabalho, da quantia de 25,00 euros, que aí lhe satisfez a título de despesas com transportes, da quantia de 2.284,56 euros, que igualmente aí lhe pagou, a título de juros de mora vencidos, bem como da quantia de 250,00 euros que liquidou, a título de assistência hospitalar prestada a AA, no âmbito do acidente de trabalho, tudo acrescido de juros de mora desde a citação até efetivo reembolso dessas quantias, com os seguintes argumentos: “Quando um acidente reveste, simultaneamente, a natureza de acidente de trabalho e de acidente de viação, as indemnizações a arbitrar à vítima, ou aos seus representantes, por cada um desses títulos não se cumulam, mas são complementares, assumindo a responsabilidade infortunística laboral caráter subsidiário. Nestas circunstâncias, os responsáveis pela reparação do acidente de trabalho ficam desonerados do pagamento de indemnização destinada a ressarcir os mesmos danos já reparados pelos responsáveis pelo acidente de viação. Com este regime pretende-se evitar que os beneficiários recebam uma dupla indemnização pelos mesmos danos, sob pena de se verificar um injusto enriquecimento daqueles, como sucederia no caso de ser permitida a acumulação das duas indemnizações. (…). Tal significa que o facto do qual emerge a obrigação de ambas as seguradoras, Autora e Ré, de indemnizar a lesada, é o mesmo: o acidente ocorrido em 12/09/2013. As duas seguradoras, tratando-se de um facto jurídico do qual emergem dois tipos de obrigações de indemnização – uma por responsabilidade por acidentes de trabalho e outra por responsabilidade civil extracontratual – estão contratualmente obrigadas a satisfazer as respetivas obrigações de indemnização. Ambas as seguradoras estão obrigadas a satisfazer uma dívida contratual ao mesmo credor (o lesado), pelo que, uma vez uma delas desonerada, radica-se nela o direito de se substituir à outra na quota-parte do crédito (que ambos estavam obrigados a satisfazer) que satisfez. A Autora interveio no processo intentado pela lesada AA, tendo sido indemnizada. O que está em causa é o recebimento por duas vezes, em duplicado, da indemnização devida pela perda da capacidade de ganho, em sede de acidente laboral e em sede de acidente de viação.  Na sentença proferida na 1ª instância, junta pela Autora na petição inicial e notificada em 13/12/2017, foi atribuída à lesada AA, a título de danos patrimoniais futuros – devidos pela perda da capacidade de ganho -, a quantia de € 397.169,39, dos quais € 280.000,00 a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho. O Tribunal da Relação de Guimarães reduziu aquele valor, a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho, para € 250.000,00, o que foi confirmado por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Naquele processo, até porque ainda não liquidada, não foi deduzido ou descontado qualquer valor devido a título de indemnização pela incapacidade permanente parcial em sede de acidente de trabalho. A ora Autora, parte naquele processo, tomou conhecimento da sentença e da indemnização arbitrada, pelo que deveria providenciar pelo não pagamento da indemnização devida em sede de acidente de trabalho, liquidada que foi em 17/12/2018 – cfr. artigo 31º da petição inicial -, deduzindo a competente ação de suspensão das prestações por perda de capacidade de ganho, previsto no CPT em vigor ( artigos 151º e ss.), meio próprio para os responsáveis pelo pagamento de prestações devidas para reparação de acidentes de trabalho se desonerarem do cumprimento dessas obrigações, seja com fundamento na prescrição ou suspensão do direito a pensões ou perda de direito a indemnizações (artigo 151.º, nº 1), seja por caducidade do direito em razão da idade, morte, segundas núpcias ou união de facto (artigo 152.º, nº 1), até que aquela quantia arbitrada em sede de acidente de viação fosse esgotada ao valor da pensão anual devida de € 830,03, não fosse a remição, tudo de modo a evitar a acumulabilidade das indemnizações, absorvendo a indemnização civil na laboral. Tal significa que a seguradora do trabalho (ou o responsável pela indemnização laboral) deixa de pagar as pensões até ao limite do montante recebido pelo beneficiário a título de indemnização civil e relativa aos mesmos danos. As indemnizações são, pois, complementares entre si, sem prejuízo de possuírem zonas em que se sobrepõem, não podendo nessa medida ser cumuladas.  Na presente situação concreta, a indemnização laboral visa ressarcir o dano decorrente da perda de capacidade aquisitiva, tendo em conta a profissão da sinistrada, o seu salário, o seu grau de incapacidade e a sua idade, enquanto a indemnização cível visa ressarcir igualmente tais danos. O valor peticionado pela Autora a título de capital de remição NÃO pode ser exigido à Ré, atendendo à inacumulabilidade das indemnizações para os mesmos danos e que tenham a mesma origem/fonte, evitando, assim, a duplicação de indemnizações e que a lesante (entenda-se a ora R.) pague o mesmo dano duas vezes. Uma vez que é devido aquele valor a título de capital de remição, terá de ser a lesada AA a proceder à sua restituição à Autora. É este o valor imputável no foro cível aos danos ressarcidos no foro laboral. (…). Logo, as quantias de € 12.171,56, a título de capital de remição, e dos juros de € 2.284,56 NÃO são devidas pela Ré, atento o princípio da inacumulabilidade das indemnizações para o mesmo dano e que tenham a mesma fonte/origem”.
A recorrente imputa ao assim decidido erro de direito, advogando que tendo as quantias por si liquidadas a AA, no âmbito de acidente de trabalho, a título de capital de remição, despesas com transportes e juros de mora vencidos sido pagas à sinistrada em 17/12/2018, enquanto a recorrida pagou em 11/06/2019, a AA a quantia de 250.000,00 euros, a título de indemnização por perda da capacidade aquisitiva futura desta, em que foi condenada, por decisão de mérito, transitada em julgado, proferida no âmbito da ação declarativa que aquela lhe moveu, contrariamente ao decidido pelo julgador a quo, a mesma, enquanto garante da satisfação dessas indemnizações devidas à sinistrada  AA, não podia obstar ao pagamento destas à última, por se tratar de direito indisponível da sinistrada, que teria necessariamente de lhe satisfazer no cumprimento de uma obrigação legal e contratual, em relação às quais também não podia invocar a prescrição ou a caducidade desses direitos indemnizatórios, por se tratar de institutos que não têm aplicação a indemnizações por acidente de trabalho, além de que, à data em que pagou essas quantias a AA também não lhe podia mover ação requerendo a suspensão de direitos, na medida em que esta não tinha então ainda recebido da recorrida a indemnização de 250.000,00 euros, que esta foi condenada a pagar-lhe pela perda da sua capacidade aquisitiva futura.
Conclui, assim, que a única pessoa que podia obstar ao duplo ressarcimento da sinistrada AA era a recorrida EMP02..., posto que, sabendo que a recorrente EMP01... já tinha efetuado vários pagamentos à sinistrada AA, enquanto seguradora laboral, e que iria obrigatoriamente ter de lhe ter de pagar o capital de remição que lhe era devido, era sua obrigação legal de, em 11/06/2019, data em que pagou à sinistrada a indemnização pela perda da sua capacidade aquisitiva, reter as quantias que aquela já recebera da recorrente no âmbito do processo de acidente de trabalho, de modo a obstar ao duplo ressarcimento daquela pelo mesmo dano emergente do mesmo evento (acidente).
Vejamos se assiste razão à recorrente para os erros de direito que assaca ao decidido pelo julgador a quo.
É absolutamente pacífico no âmbito dos presentes autos que o acidente ocorrido em 12 de setembro de 2013, que vitimou AA assumiu, em simultâneo, a natureza de acidente de trabalho e de acidente de viação.
Como resulta do elenco dos factos provados, na altura do acidente, a responsabilidade infortunística da entidade empregadora de AA – “Obra de Santa ...” – encontrava-se transferida para a recorrente EMP01..., por contrato de seguro do ramo de acidente de trabalho, titulado pela apólice n.º ...99, pela retribuição anual de 23.715,20 euros. Por via desse acidente de trabalho que vitimou AA correu termos ação emergente de acidente de trabalho pela Comarca de Braga, Instância Central, 1ª Secção do Trabalho, Juiz ..., sob o n.º 12/14...., bem como uma ação que foi instaurada contra a recorrente pelo Hospital ..., em que por via da assistência prestada à sinistrada e das decisões de mérito, transitadas em julgado, proferidas no âmbito desses processos, aquela despendeu um total de 6.103,86 euros até ../../2016 (cfr. pontos 1º a 10º dos factos provados).
Também se provou que, por via do acidente a sinistrada AA instaurou ação contra a recorrida EMP02..., que correu termos pelo Juízo Central Cível de Braga, Juiz ..., sob o n.º 2476/16...., em que, por decisão de mérito, transitada em julgado, se julgou que esse acidente de viação é de imputar exclusivamente à condução culposa desenvolvida pelo condutor do veículo de matrícula XA-..-.., recaindo a responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergente da circulação desse veículo sobre a recorrida, em virtude dessa responsabilidade se encontrar então transferida para a última, por contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel (cfr. pontos 11º e 12º dos factos provados).
Mais se provou que, no âmbito deste último processo a recorrente EMP01..., em 24 de novembro de 2016, apresentou articulado próprio, em que reclamou as quantias que, enquanto responsável pelo acidente de trabalho, tinha despendido até ../../2016, no montante global de 6.103,38 euros, tendo, por decisão de mérito neles proferida,  a recorrida EMP02... sido condenada a reembolsar essa quantia à recorrente, o que a mesma cumpriu, reembolsando-lhe a mencionada quantia de 6.103,38 euros (cfr. pontos 13º a 15º dos factos provados).
Também se provou que, no âmbito do acidente de trabalho, em 15 de fevereiro de 2018, foi proferida sentença, transitada em julgado, em que a recorrente EMP01... foi condenada a pagar à sinistrada AA o capital de remição correspondente à pensão anual de 830,03 euros, bem como a quantia de 25,00 euros por esta despendia com transportes para o tribunal, tudo acrescido de juros de mora, na sequência do que, a recorrente pagou à última, em ../../2018, a quantia de 12.171,56 euros, a título de capital de remição, a quantia de 25,00 euros, a título de despesas com transportes, e a quantia de 2.284,56 euros, a título de juros de mora vencidos, além da quantia de 250,00 euros a título de despesas hospitalares pela assistência hospitalar prestada a AA por via do acidente de trabalho sofrido, quantias essas que a recorrida EMP02... se recusa a reembolsar à recorrente EMP01...  (cfr. pontos 16º, 17º, 19º e 20º dos factos provados).
Finalmente, apurou-se que, no âmbito da ação que a sinistrada AA instaurou contra a recorrida EMP02..., que correu termos pelo ..., Juiz ..., sob o n.º 2476/16...., por decisão de mérito transitada em julgado, aquela foi condenada a pagar a AA, além do mais, a quantia de 250.000,00 euros, a título de indemnização pela perda da  capacidade de ganho, que a EMP02... pagou à última em 11/06/2019,  sem que tivesse descontado as quantias recebidas pela sinistrada/lesada, em ../../2018, da recorrente EMP01..., no âmbito do acidente de trabalho (cfr. pontos 21º e 23º dos factos provados).
À data do acidente, em 12 de setembro de 2013, encontrava-se em vigor a Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, na sua versão originária, que regulamentou o regime de reparação de acidente de trabalho e de doenças profissionais (LAT).
O art. 17º daquele diploma, que tem por epígrafe “Acidente causado por outro trabalhador ou por terceiro, estatui:
“1- Quando o acidente for causado por outro trabalhador ou por terceiro, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de ação contra aqueles nos termos gerais.
2- Se o sinistrado em acidente receber de outro trabalhador ou de terceiro indemnização superior à devida pelo empregador, este considera-se desonerado da respetiva obrigação e tem direito a ser reembolsado pelo sinistro das quantias que tiver pago ou despendido.
3- Se a indemnização arbitrada ao sinistrado ou aos seus representantes for de montante inferior ao dos benefícios conferidos em consequência do acidente, a exclusão da responsabilidade é limitada àquele montante.
4- O empregador ou a sua seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente sub-roga-se no direito do lesado contra os responsáveis referidos no n.º 1 se o sinistrado não lhes tiver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente.
5- O empregador e a sua seguradora também são titulares do direito de intervir como parte principal no processo em que o sinistrado exigir aos responsáveis a indemnização pelo acidente a que se refere este artigo”.
Como decorre da previsão legal que se acaba de transcrever, quando o acidente de trabalho é de imputar a terceiros, sejam eles outros trabalhadores da empresa ou pessoas a ela estranhas, como é exemplo típico o caso de acidente que seja simultaneamente acidente de trabalho e acidente de viação, a responsabilidade infortunística que a Lei de Acidentes de Trabalho (LAT), aprovada pela Lei n.º 98/2009, de 04/9, faz recair sobre a seguradora da entidade empregadora, ou, na ausência de contrato de seguro do ramo acidente de trabalho, mediante o qual o empregador tivesse validamente transferido para uma seguradora a sua responsabilidade infortunística, ou a totalidade dessa responsabilidade, a responsabilidade do empregador (no caso de inexistência de contrato de seguro validamente celebrado), ou a responsabilidade deste e/ou da seguradora (no caso de existência de contrato de seguro mas que não abranja a transferência da totalidade da responsabilidade infortunística -  cfr. art. 70º da LAT) não exclui a responsabilidade civil nos termos gerais, fundada na culpa ou no risco, do terceiro responsável pelo acidente, a que aludem os arts. 483º e ss. e 499º e ss. do CC.
Neste sentido, estabelece expressamente o n.º 1 daquele art. 17º que, quando o acidente for causado por outro trabalhador ou por terceiro, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de ação contra aquele nos termos gerais, acrescentando, inclusivamente, o n.º 2 da mesma disposição legal, que se a indemnização devida pelo terceiro responsável nos termos gerais pelo acidente (a título de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos ou pelo risco) ao lesado/sinistrado for superior à indemnização que lhe é devida pelo empregador ou pela sua seguradora, em sede de responsabilidade infortunística (a ser determinada de acordo com as normas próprias deste tipo de responsabilidade) destinada a indemnizá-lo pelo mesmo dano, o empregador ou a sua seguradora ficam desonerados da responsabilidade infortunística que sobre eles recai e têm direito a ser reembolsados pelo sinistrado das quantias que tiverem pago ou despendido, evitando-se assim que este seja duplamente ressarcido pelo mesmo dano decorrente do mesmo evento (acidente), ao receber aquela indemnização da sua entidade patronal ou da sua seguradora, em sede de responsabilidade infortunística, e do terceiro responsável civil nos termos gerais (a título de culpa ou pelo risco) pelo acidente, nos casos em que naturalmente ambas essas indemnizações se destinem a indemnizá-lo pelo mesmo dano que emerge do mesmo evento (o acidente que, em simultâneo, seja acidente de trabalho e acidente de viação).
Acresce que, nos termos dos n.ºs 4 e 5 daquele art. 17º, reconhece-se ao empregador ou à sua seguradora, nos casos em que tenham liquidado ao sinistrado a indemnização que lhe é devida no âmbito da responsabilidade infortunística que sobre eles recai, um direito de sub-rogação legal, na medida desse pagamento/cumprimento. Esse direito de sub-rogação legal atua numa dupla vertente: a) nos casos em que o lesado/sinistrado tenha instaurado contra o terceiro responsável civil pelo acidente ação destinada a efetivar a responsabilidade extracontratual por factos ilícitos ou pelo risco, reclamando dele a indemnização que lhe é devida nos termos gerais pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência do acidente, nos termos dos arts. 17º, n.º 5 da LAT e 592º do CC, reconhece-se ao empregador ou à sua seguradora, no âmbito dessa ação, o direito a intervir como parte principal (deduzindo o competente incidente de intervenção principal) reclamando do terceiro responsável pelo acidente as quantias que já pagaram ao sinistrado/lesado no âmbito da responsabilidade infortunística que sobre eles recai, ao reconhecer-lhes um direito de sub-rogação legal na medida do montante que pagaram ao lesado/sinistrado no âmbito dessa responsabilidade infortunística, que, assim, na medida desse pagamento/pagamento, passam a ocupar perante o demandado (terceiro responsável pelo acidente nos termos gerais) o direito de crédito que pertencia ao primitivo credor (lesado/sinistrado)[9]; b) nos casos em que o empregador ou a sua seguradora satisfaçam a responsabilidade infortunística ao sinistrado, havendo um terceiro que seja responsável pelo acidente nos termos gerais (a título de culpa ou risco), porque aqueles, nos termos dos arts. 17º, n.º 4 da LAT e arts. 592º ficam sub-rogados no direito que o sinistrado/lesado tem perante esse terceiro responsável civil pelo acidente, na medida do pagamento/cumprimento da indemnização que satisfizeram ao sinistrado (em sede de responsabilidade infortunística), nos casos em que este não instaure contra esse terceiro ação exigindo-lhe a indemnização que lhe é devida nos termos gerais (a título de culpa ou risco), logo que se mostre decorrido um ano a contar da data do acidente, pode o empregador ou a sua seguradora (que satisfizeram ao sinistrado a indemnização que lhe era devida em sede de responsabilidade infortunística) instaurar aquela ação nos termos gerais contra o terceiro responsável civil pelo acidente reclamando dele o pagamento das quantias que pagaram ao sinistrado em sede de acidente de trabalho.
Deste modo, da conjugação do regime legal dos n.ºs 1, 2, 4 e 5 do art. 17º decorre, por um lado, que a responsabilidade primacial e definitiva pelo acidente que, em simultâneo, seja acidente de trabalho e acidente de viação incide sobre o responsável civil pelo acidente de viação, quer com fundamento na culpa, quer com base no risco, podendo sempre o empregador ou a respetiva seguradora repercutir aquilo que, a título de assunção da responsabilidade infortunística, tenham pago ao sinistrado no âmbito do acidente de trabalho; e por outro, que as indemnizações consequentes a acidente de trabalho e acidente de viação que se destinem a ressarcir o mesmo dano não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado ao lesado/sinistrado, pelo que tal concurso de responsabilidades não deverá conduzir que o último possa cumular na sua esfera jurídico-patrimonial um duplo ressarcimento pelo mesmo dano emergente do mesmo evento (acidente)[10], o que, adiante-se, mostra-se perfeitamente compreensível a luz do ordenamento jurídico.
Na verdade, nos casos em que um acidente de trabalho tenha sido causado por outro trabalhador ou por terceiro, que nos termos das disposições gerais previstas no CC deva responder civilmente perante o sinistrado/lesado pelas consequências danosas que para ele emergiram do acidente, a título de culpa ou de risco, esse evento (acidente) assume do ponto da sua natureza jurídica a qualidade de acidente de trabalho e, no caso sobre que versam os autos, de acidente de viação.
Enquanto acidente de trabalho, a lei de acidentes de trabalho faz recair uma responsabilidade objetiva (independentemente de culpa) sobre o empregador, em que, em primeira linha, se visa a recuperação física e psíquica do sinistrado, e apenas a título secundário se recorre à indemnização em dinheiro em caso de morte ou de incapacidade para o trabalho do sinistrado. Assim, em sede de acidente de trabalho, os danos sofridos pelo sinistrado são típicos, no sentido de que apenas são indemnizáveis os danos que a lei de acidentes de trabalho declara expressamente serem objeto de indemnização, não abrangendo, portanto, contrariamente ao que acontece no âmbito da responsabilidade civil em geral, a indemnização de todos os danos patrimoniais sofridos pelo lesado/sinistrado em consequência do acidente (na responsabilidade infortunística, no cálculo da indemnização em dinheiro, das incapacidades temporárias sofridas ou das incapacidades definitivas com que o sinistrado ficou afetado, ou no caso de morte deste, na indemnização devida ao seu cônjuge e filhos, apenas é considerada uma parte da retribuição por ele auferida – em regra, 70% - art. 17º da LAT) e, salvo se o acidente de trabalho ocorrer por culpa do empregador – art. 18º da LAT -, a indemnização devida ao sinistrado nessa sede nunca abrange os danos de natureza não patrimonial que sofreu em consequência do acidente.
Por outro lado, a indemnização em sede de acidente de trabalho prossegue finalidades específicas, em que a primeira finalidade por ela prosseguida, conforme já enunciado, é a recuperação física e psíquica do sinistrado, ou seja, a restauração natural do mesmo, pondo cobro aos danos por ele sofridos em consequência do acidente de trabalho, procurando-se a todo o custo repor a sua capacidade de trabalho e de ganho. Apenas em segundo lugar, no âmbito do acidente de trabalho se recorre à indemnização em dinheiro, no caso de morte ou de incapacidade para o trabalho do sinistrado, mas aqui com particularidades, na medida em que o cálculo dessa indemnização em dinheiro se destina apenas a indemnizar um tipo delimitado de dano (morte ou incapacidade temporária ou definitiva, parcial ou total, para o trabalho) e em que o cálculo dessa indemnização se faz de acordo com normas próprias, em que se atende apenas a parte da retribuição auferida pelo sinistrado (em regra, 70%)[11].
A figura dos acidentes de trabalho, como expende Pedro Romano Martinez, “tem algo que ver com a ideia de Estado-providência inserido no seio empresarial. Tal como o Estado deve assegurar que não sejam causados prejuízos aos cidadãos, também o empregador terá de providenciar quanto à inexistência de danos aos seus trabalhadores no desenvolvimento da atividade de que estão incumbidos”. A responsabilidade por acidente de trabalho é uma responsabilidade objetiva. Para de algum modo pôr cobro às dificuldades de prova da culpa do empregador por parte do trabalhador sinistrado/lesado, em caso de acidente de trabalho, veio admitir-se que a responsabilidade daquele pelas consequências danosas emergentes do acidente para o trabalhador sinistrado assentasse na responsabilidade civil objetiva. Mas “a responsabilidade objetiva do empregador foi estabelecida na lei de forma limitada, de certo modo à imagem do que ocorre em sede de responsabilidade civil objetiva no Código Civil, onde, em certos casos, se estabeleceram limites máximos no montante indemnizatório, por exemplo, com respeito aos acidentes de viação no art. 508º do CC. Só que a responsabilidade civil objetiva por acidentes de trabalho assenta numa conceção diferente: a responsabilidade não é ilimitada, mas o limite é fixado com base em dois aspetos. Primeiro, na noção legal de acidente de trabalho, que é delimitado pelo legislador. Segundo, a reparação só abrange as despesas respeitantes ao restabelecimento do estado de saúde, à recuperação da capacidade de trabalho e de ganho e, em caso de incapacidade ou de morte, indemnizações correspondentes à redução da capacidade, subsídio de readaptação, pensões aos familiares e despesas de funeral. Na Lei dos Acidentes de trabalho, em vez de se estabelecer um montante máximo da indemnização, delimitou-se o conceito de acidente de trabalho e fixaram-se os danos ressarcíveis. Não estão, assim, cobertos outros danos patrimoniais para além dos indicados no art. 23º da LAT, por exemplo, se o relógio do trabalhador se estragou por causa do acidente. Não são igualmente indemnizáveis os danos não patrimoniais, pois tais prejuízos não fazem parte do elenco constante do art. 23º da LAT”[12].
A responsabilidade por acidente de trabalho consubstancia, portanto, uma responsabilidade objetiva do empregador, em que independentemente do trabalhador/sinistrado ter contribuído com culpa para o eclodir do acidente, contanto que o seu grau de culpa não assuma foros de gravidade tais que leve à descaracterização do acidente como acidente de trabalho (cfr. art. 14º da LAT), o empregador, independentemente de culpa, com base no princípio do risco empresarial e até à socialização do risco é responsável pela indemnização de parte dos danos sofridos pelo sinistrado segundo padrões diversos dos da responsabilidade pelo risco. Os danos ressarcíveis em sede de acidente de trabalho são apenas os concretos danos que a LAT, de modo taxativo, declara indemnizáveis no seu art. 23º (danos típicos). A finalidade primeira da indemnização é a recuperação física e psíquica do trabalhador sinistrado e, em que apenas a título secundário se recorre ao pagamento de uma quantia pecuniária em caso de morte daquele ou de sofrer uma incapacidade, temporária ou definitiva, para o trabalho em consequência do acidente de trabalho. Essa indemnização pecuniária é calculada de acordo com critérios objetivos (matemáticos) estabelecidos na LAT, em que para o cálculo da mesma apenas se considera parte da remuneração auferida pelo sinistrado à data do acidente e que, portanto, não cobrem, mesmo nessa sede, a totalidade dos prejuízos patrimoniais sofridos pelo sinistrado em consequência do acidente de trabalho que o vitimou.
Por isso, é que a responsabilidade do empregador por acidente de trabalho sofrido pelos seus trabalhadores tem algo a ver com a ideia do Estado-Providência, na medida em que com a responsabilidade infortunística que a lei faz impender sobre aquele visa-se garantir um mínimo de proteção ao sinistrado e aos elementos do seu agregado familiar nuclear (mulher e filhos, em caso de incapacidade total para o trabalho ou de morte do sinistrado).
Essa preocupação do legislador em garantir esse mínimo de proteção ao sinistrado e aos elementos do seu agregado familiar nuclear foi ao ponto do art. 78º da LAT declarar que os créditos provenientes do direito à reparação que estabelece são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam das garantias consignadas no Código do Trabalho, e do seu art. 79º obrigar o empregador a transferir a sua responsabilidade infortunística para entidades legalmente autorizadas a celebrar contrato de seguro do ramo acidente de trabalho, pondo aqueles a coberto do risco de insolvência do empregador. 
Quando o acidente de trabalho seja desencadeado por terceiro, de modo que este seja responsável civilmente pela indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais que dele decorram nos termos gerais da responsabilidade civil aquiliana (culpa ou risco), as indemnizações devidas por ambos os tipos de responsabilidade (responsabilidade por acidente de trabalho e responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos ou pelo risco), por respetivamente, entidade empregadora e/ou sua seguradora e pelo terceiro responsável civil pelo acidente prosseguem, portanto, finalidades distintas e assentam também elas em critérios distintos.
A responsabilidade infortunística assenta na responsabilidade objetiva do empregador, e é delimitada, por um lado, pelo conceito de acidente de trabalho, e por outro, pelo art. 23º da LAT, que apenas declara serem indemnizáveis os danos típicos que prevê (deixando de fora parte dos danos indemnizáveis nos termos gerais da responsabilidade civil com base em culpa ou no risco, nomeadamente, os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado/sinistrado em consequência do acidente) e em que a indemnização em dinheiro é determinada de acordo com as normas próprias previstas na LAT, que apenas cobrem parte dos danos típicos cuja ressarcibilidade a LAT determina serem indemnizáveis (apenas considera parte da retribuição recebida pelo sinistrado no cálculo da indemnização).
A finalidade do legislador no âmbito da responsabilidade por acidente de trabalho é o de garantir uma indemnização mínima ao trabalhador e aos seus familiares em caso de acidente de trabalho.
Porque assim é, a responsabilidade infortunística que recai sobre o empregador e/ou a sua seguradora, porque não cobre todos os danos sofridos pelo lesado/sinistrado em consequência do acidente, por cuja eclosão seja responsável terceiro no termos gerais, a título de culpa ou risco, e porque essa responsabilidade prossegue finalidades próprias, não pode compreensivelmente prejudicar o direito de ação que assiste ao sinistrado/lesado contra o terceiro responsável civil pelo eclodir do evento (acidente), nem pode apagar a responsabilidade primacial e definitiva desse terceiro civilmente responsável pelo ressarcimento da totalidade dos danos decorrentes do acidente nos termos gerais, de que foi o causador, nem o pode desonerar do prejuízo que desse acidente resultou para o empregador ou para a sua seguradora, ao terem de satisfazer as indemnizações ao sinistrado ou familiares deste que lhe são impostas pela LAT.
Daí que se mostre perfeitamente justificado que quando o acidente seja, em simultâneo, acidente de trabalho e acidente de viação, como é o caso sobre que versa o presente processo, o sinistrado/lesado possa optar por demandar apenas o terceiro responsável, nos termos gerais da responsabilidade civil extracontratual (arts. 483º e ss. do CC), conforme preceitua expressamente o art. 17º, n.º 1 da LAT.
No caso em que esse terceiro (responsável civil pelo acidente) venha a ser condenado naquela ação instaurada pelo lesado/sinistrado a pagar a indemnização que lhe é devida pela sua entidade empregadora ou pela seguradora desta, em sede de acidente de trabalho, e a satisfaça ao lesado/sinistrado, compreende-se que a entidade patronal e/ou a sua seguradora fiquem desoneradas da responsabilidade infortunística perante o sinistrado quanto a esse concreto dano pelo qual já foi indemnizado pelo responsável civil pelo acidente - responsável primacial e definitivo/último (n.º 2 do art. 17º).
E também se compreende que, no caso da entidade empregadora ou a sua seguradora já terem satisfeito a indemnização ao sinistrado/lesado que sobre elas recai em sede de acidente de trabalho, fiquem sub-rogadas no direito do sinistrado/lesado perante o terceiro responsável civil pelo acidente nos termos gerais, a título de culpa ou risco, na medida desse seu cumprimento/pagamento, podendo intervir na ação instaurada pelo lesado/sinistrado contra aquele terceiro, como parte principal, exigindo ao último (responsável civil pelo acidente) o reembolso das quantias já liquidadas ao lesado/sinistrado em sede de acidente de trabalho, situação em que, no caso de procedência dessa ação, essas quantias lhe serão restituídas pelo terceiro responsável civil pelo acidente nos termos gerais, e serão descontadas ao montante indemnizatório que vem reclamado pelo lesado/sinistrado daquele destinadas a indemnizá-lo pelo mesmo dano (n.º 5 do art. 17º).
Mostra-se igualmente compreensível que, nos casos em que o lesado/sinistrado instaure ação contra o terceiro responsável civil pelo acidente nos termos gerais, reclamando dele a indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência do acidente, caso essa ação venha a proceder e a indemnização que o terceiro venha a satisfazer ao primeiro seja de montante superior ao que lhe é devido pelo empregador e/ou pela seguradora deste, em sede de acidente de trabalho, com vista a ressarci-lo pelo mesmo e específico dano por que foi indemnizado pelo terceiro (responsável primacial e definitivo pelo eclodir do acidente), o empregador e/ou a sua seguradora não só fiquem desonerados da responsabilidade infortunística que sobre eles recai quanto à indemnização desse concreto dano, como, nos casos em que já tenham pago essa indemnização ao sinistrado/lesado em sede de acidente de trabalho, tenham a faculdade de instaurar contra o último ação, alegando e provando que a quantia indemnizatória que lhe pagaram em sede de acidente de trabalho se destinou a ressarci-lo pelo mesmo dano por que foi também indemnizado pelo terceiro responsável primacial e definitivo pelo acidente, e reclamando a sua condenação a restituir-lhes aquilo que lhe pagaram em sede de acidente de trabalho (n.º 2 do art. 17º).
Por outro lado, compreende-se que, nos casos em que o sinistrado instaure ação contra o terceiro responsável civil pelo acidente, reclamando dele a indemnização por todos os danos (patrimoniais e não patrimoniais) que sofreu em consequência do acidente, caso essa ação venha a proceder e a indemnização que lhe seja liquidada pelo terceiro com vista a indemnizá-lo pelos concretos e específicos danos que a LAT impõe à sua entidade patronal e/ou seguradora desta, em sede de acidente de viação, seja de montante inferior à indemnização que lhe é devida pelos últimos em sede de acidente de trabalho, o sinistrado/lesado, no âmbito deste último processo (acidente de trabalho) apenas tenha direito a ser indemnizado pela diferença (ou seja, pelo montante indemnizatório que  lhe é reconhecido pela LAT e que permanece insatisfeito pelo terceiro responsável civil pelo acidente, na sequência da indemnização que lhe liquidou) - n.º 3 do art. 17º.
Finalmente, nos casos em que o sinistrado/lesado receba da entidade empregadora ou da seguradora desta a indemnização que lhe é devida em sede de acidente de trabalho (na sequência do que ficam sub-rogados no direito do mesmo perante o terceiro responsável civil pelo acidente, a título de culpa ou risco, na medida desse pagamento/cumprimento), nas situações em que decorre um ano sobre a data do acidente sem que o sinistrado/lesado tenha instaurado ação contra o terceiro responsável civil pelo acidente, reclamando dele a indemnização pelos danos (patrimoniais e/ou não patrimoniais) que sofreu em consequência do acidente, mostra-se perfeitamente compreensível que assista à entidade empregadora ou à seguradora desta (que lhe satisfizeram a indemnização em sede de acidente de trabalho) o direito a instaurar aquela ação contra o terceiro, reclamando dele o pagamento das quantias que pagaram ao sinistrado/lesado em sede de acidente de trabalho (n.º 4 do art. 17º).
Em suma, decorra do que se acaba de dizer que as indemnizações consequentes a acidente de viação e de acidente de trabalho, porque assentam em critérios distintos e prosseguem finalidades próprias, não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causados ao sinistrado/lesado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o último possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano que emerge do mesmo evento (acidente).
A responsabilidade primacial e definitiva (última) pelo ressarcimento dos danos decorrentes do evento danoso que seja, em simultâneo, acidente de viação e acidente de trabalho é a que recai sobre o responsável civil pelo acidente, quer com fundamento em culpa, quer com base no risco, assumindo, assim, a responsabilidade da entidade empregadora e/ou da sua seguradora caráter subsidiário ou transitório, em que lhes assiste o direito de repercutirem aquilo que, a título de responsabilidade objetiva pelo acidente de trabalho, tenham pago ao sinistrado/lesado.
No entanto, conforme emerge do que se vem dizendo, o regime do art. 17º, que proíbe a duplicação ou acumulação material de indemnizações, não visa tutelar o interesse do lesante (responsável principal e definitivo pelos danos causados ao sinistrado/lesado em consequência do acidente), mas antes tutelar o interesse da entidade patronal e/ou da respetiva seguradora que, em termos de responsabilidade objetiva, pagaram ao sinistrado/lesado a indemnização que lhe é reconhecida pela legislação laboral.
Por isso é que, nos termos dos n.ºs 2 a 5 do art. 17º, apenas assista à entidade empregadora e/ou à sua seguradora que sejam responsáveis pela indemnização dos danos sofridos pelo sinistrado/lesado em sede de acidente de trabalho o direito de evitar aquele duplo ressarcimento do último pelo mesmo dano emergente do mesmo evento, ao reconhecer-se-lhes o direito de recusarem o pagamento da indemnização que sobre elas recaia, em sede de responsabilidade objetiva, por acidente de trabalho, no caso em que aquele já tenha sido indemnizado pelo terceiro responsável civil (primacial e definitivo) pelo acidente nos termos gerais (a título de culpa ou pelo risco), pelo mesmo dano.
Quanto ao terceiro responsável civil pelo acidente nos termos gerais, não lhe assiste o direito de recusar o pagamento da indemnização devida ao sinistrado/lesado com fundamento de que já fora indemnizado pela entidade empregadora e/ou pela seguradora desta em sede de responsabilidade objetiva por acidente de trabalho ou que irá por elas ser indemnizado nessa sede[13].
Neste sentido escreve-se de forma magistral no acórdão do STJ, de 11/12/2012, Proc. 40/08.1TBMMV.C1.S1 (a que anteriormente já fizemos referência) que: “(…) constitui entendimento uniforme e reiterado o de que as indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto.
Por outro lado, não é controvertida a conclusão segundo a qual a responsabilidade primacial e definitiva é a que incide sobre o responsável civil, quer com fundamento na culpa, quer com base no risco, podendo sempre a entidade patronal ou respetiva seguradora repercutir aquilo que, a título de responsável objetivo pelo acidente laboral, tenha pago ao sinistrado.
Desta fisionomia essencial do concurso ou concorrência de responsabilidades (que não envolve um concurso ou acumulação real de indemnizações pelos mesmos danos concretos) pode extrair-se a conclusão que este figurino normativo preenche, no essencial, a figura da solidariedade imprópria ou imperfeita, já que:
- no plano das relações externas, o lesado/sinistrado pode exigir alternativamente a indemnização ou ressarcimento dos danos a qualquer dos responsáveis, civil ou laboral, escolhendo aquele de que pretende obter em primeira linha a indemnização, mas sem que lhe seja lícito somar, em termos de acumulação real, ambas as indemnizações;
- no plano das relações internas, a circunstância de haver um escalonamento de responsabilidades, sendo um dos obrigados a indemnizar o responsável definitivo pelos danos causados, conduz a que tenha de se outorgar ao responsável provisório (a entidade patronal ou respetiva seguradora) o direito ao reembolso das quantias que tiver pago, fazendo-as repercutir definitivamente, direta ou indiretamente, no património do responsável ou responsáveis civis pelo acidente.
Têm sido, todavia, acentuadas algumas particularidades ou aspetos específicos e peculiares desta relação de solidariedade imprópria.
Assim:
- no que toca ao regime das relações externas, acentua-se que (ao contrário do que ocorre na normal solidariedade obrigacional – art. 523º do CC) o pagamento da indemnização pelo responsável pelo acidente laboral não envolve extinção, mesmo parcial, da obrigação comum, não liberando o responsável pelo acidente de viação: é que, se a indemnização paga pelo detentor ou condutor do veículo extingue efetivamente a obrigação de indemnizar a cargo da entidade patronal, já o inverso não será exato, na medida em que a indemnização paga por esta entidade não extinguiria a obrigação a cargo do responsável pela circulação do veículo que causou o acidente (…);
- no plano das relações internas, tem sido acentuado que o quadro normativo aplicável é o que resulta estritamente do disposto na lei dos acidentes de viação em vigor (…), sendo esse direito ao reembolso do responsável laboral efetivado necessariamente por uma de três formas:
- substituindo-se ao lesado na propositura da ação indemnizatória contra os responsáveis civis, se lhes pagou a indemnização devida pelo sinistro laboral e o lesado não curou de os demandar no prazo de 1 ano a contar da data do acidente;
- intervindo como parte principal na causa em que o sinistrado exerce o seu direito ao ressarcimento no plano da responsabilidade por factos ilícitos, aí efetivando o direito de regresso ou de reembolso das quantias já pagas;
- exercendo o direito ao reembolso contra o próprio lesado, caso este tenha recebido (em processo em que não haja tido lugar a referida intervenção principal) indemnização que represente duplicação da que lhe tinha outorgado em consequência do acidente laboral.
De salientar ainda que tem sido considerado o efeito a atribuir à revogação do regime que constava do art. 21º do DL. 408/79 – conferindo à seguradora do responsável pelo acidente de trabalho o direito ao reembolso direto das quantias pagas contra a seguradora do acidente de viação – operada pelo art. 40º do DL. 5222/85, cujo art. 18º se limita a mandar aplicar a este tema do concurso de responsabilidades emergentes de acidentes de viação e de trabalho – o que tem conduzido ao entendimento segundo o qual o direito de reembolso tem de ser exercido contra o sinistrado que haja recebido indemnizações em duplicado pelo mesmo dano (…).    
(…).
Em benefício desta orientação, pode, desde logo, invocar-se a letra da lei – ou seja, o regime consagrado no art. 31º da Lei 100/97, que efetivamente não contempla a faculdade de o responsável civil opor ao lesado/sinistrado, como verdadeira exceção perentória, o anterior pagamento de indemnização laboral, reportada precisamente aos mesmos danos que suportam a pretensão indemnizatória formulada na ação que visa a efetivação da responsabilidade civil extracontratual: é que, como atrás se realçou, o caso de o lesado desencadear a pertinente ação de indemnização contra o lesante, apenas são previstas duas hipóteses:
- ou a entidade patronal/seguradora deduz oportunamente incidente de intervenção principal peticionando em via de ação de regresso aquilo que já pagou ao sinistrado, não podendo, neste caso obviamente o tribunal condenar o responsável a pagar indemnizações sobrepostas simultaneamente ao lesado e à interveniente, repartindo-as logo pelo A. e pelo interveniente ativo conforme a medida dos seus direitos;
- ou não foi deduzida intervenção principal pela entidade patronal ou respetiva seguradora e, neste caso – não estando legalmente previsto o desconto ou abate da indemnização pelos danos já ressarcidos no foro laboral – terá de reconhecer-se o direito do lesado ao ressarcimento da totalidade do dano sofrido, cabendo a quem satisfez a indemnização laboral a faculdade de, em nova ação movida agora contra o lesado obter, em via de regresso, as quantias pecuniárias que hajam implicado duplo ressarcimento do mesmo dano concreto sofrido pelo lesado/sinistrado.
Importa, naturalmente, descortinar com clareza quais os interesses subjacentes a este regime legal – que efetivamente não prevê o desconto ou abate, por iniciativa do lesante demandado, das quantias já pagas ao sinistrado em consequência do acidente laboral, mesmo demonstrando a seguradora/Ré que ocorreria duplo ressarcimento de certo dano concreto: no nosso entendimento, estará subjacente a este regime normativo a ideia-base segundo a qual o interesse protegido através da consagração da proibição de duplicação ou acumulação material de indemnizações é, não obviamente o do lesante, responsável primacial pelos danos causados, mas o da entidade patronal (ou respetiva seguradora) que, em termos de responsabilidade meramente objetiva, garantem ao sinistrado o recebimento das prestações que lhe são reconhecidas pela legislação laboral. E, nesta perspetiva, não assistirá ao lesante o direito de, no seu próprio interesse, se desvincular unilateralmente de uma parcela da indemnização decorrente do facto ilícito com o singelo argumento de que um outro responsável já assegurou, em termos transitórios, o ressarcimento de alguns dos danos causados ao lesado – sendo, pelo contrário, indispensável a iniciativa do verdadeiro titular do interesse protegido através da consagração da regra fundamental da proibição de acumulação de indemnizações (traduzida, como se viu, ou na dedução de oportuna intervenção principal na causa, ou no exercício do direito ao reembolso contra o próprios lesado que obteve indemnização pela totalidade do dano ou na propositura de ação de regresso em substituição do lesado que, no prazo de 1 ano, não mostrou interesse no exercício do seu direito  indemnização global a que teria direito).
Parecendo perfeitamente razoável esta ideia segundo a qual, de acordo com a titularidade do interesse tutelado, não pode o lesante – responsável primacial pelas consequências do facto ilícito – desvincular-se unilateralmente da obrigação a seu cargo de suportar a integralidade da indemnização pelos danos que causou, sem que o verdadeiro titular do interesse protegido haja tomado qualquer iniciativa no sentido de garantir ou assegurar o direito ao reembolso das quantias pagas, não pode deixar, todavia, de se realçar um avultado inconveniente, no plano prático, deste regime normativo, decorrente da previsão contida no n.º 2 do citado art. 31º (só evitável com a oportuna dedução pela entidade patronal do incidente de intervenção principal na ação de responsabilidade civil em curso).    
Na verdade, o regime consagrado leva a que, acabando o lesado por poder ver reconhecido, na ação de responsabilidade civil extracontratual, o direito de indemnização pela totalidade dos danos sofridos, se irá, num segundo momento, confrontar com a provável propositura contra si de uma ação, através da qual a entidade patronal exerce o referido direito ao reembolso pelas quantias pagas adiantadamente a título de responsabilidade pelo sinistrado laboral: ora, para além dos inconvenientes, em termos de economia processual, que decorrem desta duplicação de ações (só evitável com a dedução de oportuna intervenção principal, nos termos do n.º 5 do art. 31º), não pode olvidar-se que, sendo normalmente o sinistrado laboral um cidadão economicamente carenciado, poderá ser afetada com a ação de reembolso a confiança que porventura havia depositado no reconhecimento judicial da pretensão indemnizatória global, acabando por ter de abrir mão de uma parcela deste quantitativo pecuniário; além de que, neste exato circunstancialismo, estará , em muitos casos, seriamente comprometida a viabilidade prática da ulterior execução da sentença que tenha julgado procedente a ação de reembolso contra o lesado, por as suas necessidades de subsistência poderem ter entretanto exaurido o montante pecuniário recebido.
Importa, porém, realçar que o reconhecimento ao lesante da faculdade de opor ao lesado a exceção perentória de recebimento da indemnização laboral – alegando na contestação e provando cabalmente que os danos peticionados abrangiam prestações decorrentes da legislação laboral, já integralmente satisfeitas pela entidade patronal ou respetiva seguradora – sempre teria de depender de uma condição fundamental: ser permitido ao titular do direito de regresso ou reembolso efetivá-lo no confronto do lesante ou respetiva seguradora. Na verdade, a não se entender assim, seriamos conduzidos a um resultado anómalo e materialmente inadmissível, traduzido em o abate da indemnização laboral no quantitativo global peticionado acabar por reverter em benefício do próprio lesante – que anteriormente logrou abater, na ação em que era demandado, uma parcela da indemnização global a seu cargo sob a invocação do princípio da proibição de duplicação de indemnizações – tal desconto no valor da indemnização global acabaria por reverter a favor do autor do facto ilícito, o que parece obviamente desajustado e inadmissível.
Ora, quanto a este ponto, é manifesto que a já referida revogação do regime que constava do art. 21º do DL 408/79, ao eliminar a possibilidade, aí expressamente prevista, de a entidade patronal obter diretamente do próprio segurador do responsável pelo acidente de viação o reembolso das quantias pagas, bem como o mecanismo de intervenção principal oficiosa do responsável laboral na ação de indemnização pelo acidente de viação, veio naturalmente dificultar o entendimento segundo o qual seria possível ao responsável laboral exercer um direito de reembolso contra a seguradora do responsável pelo facto ilícito – sendo evidente que a inexistência desse direito ao reembolso contra o responsável civil extracontratual conduzirá inelutavelmente à tese segundo a qual não é lícito a este fazer reverter em benefício do seu património o desconto ou abate que tivesse obter na ação” (destacado e sublinhado nosso).
Assentes nas premissas que se acabam de explanar, revertendo ao caso dos autos, o acidente ocorrido no dia 12 de setembro de 2013, que vitimou AA, conforme já referido, tem natureza simultânea de acidente de viação e de trabalho.
Estando a responsabilidade infortunística da entidade empregadora de AA transferida para a recorrente EMP01..., por contrato de seguro de acidente de trabalho, no âmbito desse acidente, entre o dia da sua eclosão e ../../2016, a recorrente despendeu: 3.366,25 euros, a título de indemnizações pelas incapacidades temporárias para o trabalho sofridas pela sinistrada; 1.314,65 euros, a título de despesas hospitalares, medicamentosas e com transportes que lhe prestou; 530,40 euros, a título de encargos judiciais no âmbito do acidente de trabalho (Proc. n.º 12/14...., que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Instância Central, 1ª Secção de Trabalho, Juiz ...); 224,14 euros, pela assistência hospitalar prestada à sinistrada em consequência do acidente de trabalho; e 668,42 euros, a título de encargos judiciais e honorários, num total de 6.103,86 euros.
Tendo a sinistrada BB instaurado contra a ora recorrida EMP02... ação declarativa de condenação, reclamando desta a indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência do acidente de viação, enquanto responsável civil por esse acidente (que, em simultâneo, é acidente de trabalho), que correu termos no Juízo Central Cível de Braga, Juiz ..., sob o n.º 2476/16...., a recorrente EMP02..., nos termos do n.º 5 do art. 17º da LAT, deduziu, no âmbito daquela ação, incidente de intervenção principal provocada, em que pediu que a recorrida EMP02... a reembolsasse da dita quantia de 6.103,86 euros, que já despendera até ../../2016, em sede de acidente de trabalho e enquanto responsável infortunística pelas consequência emergente desse acidente, nos termos estabelecidos na legislação laboral.
No âmbito dessa ação, por decisão de mérito, transitada em julgado, a recorrida EMP02... foi condenada a reembolsar à recorrente EMP01... a mencionada quantia de 6.103,86 euros, acrescida de juros de mora, o que esta já lhe satisfez.
Acontece que, em 14 de dezembro de 2016, ainda se encontrava em curso o processo emergente de acidente de trabalho que vitimou AA.
No âmbito do referido processo emergente de acidente de trabalho, veio a ser proferida decisão, transitada em julgado, que condenou a recorrente a pagar à sinistrada AA o capital de remição da pensão anual de 830,03 euros, bem como a quantia de 25,00 euros despendida por AA com transportes para o tribunal, tudo acrescido de juros de mora. E, na sequência dessa condenação, em 17/12/2018, a recorrente pagou: à sinistrada AA a quantia de 12.171,56 euros, a título de capital de remição; 25,00 euros, a título de despesas com transportes; e 2.284,56 euros, a título de juros de mora vencidos, além de ter pago 250,00 euros, a título de despesas hospitalares pela assistência prestada à mesma sinistrada por via do acidente de trabalho.
Em 17/12/2018, como bem refere a recorrente EMP01..., contrariamente ao decidido pela 1ª Instância, aquela não podia deixar de pagar as mencionadas quantias à sinistrada AA, dado que as indemnizações em causa emergem de acidente de trabalho, sendo, por isso, os identificados créditos indemnizatórios devidos à lesada/sinistrada inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis, nem podia invocar que esta (ou o hospital a quem pagou os referidos 250,00 euros, pela assistência hospitalar prestada à mesma por via do acidente de trabalho) já se encontrava indemnizada pela recorrida EMP02... pelos prejuízos a que as identificadas quantias se destinavam, porquanto, a indemnização de 250.000,00 euros, em que esta última foi condenada a satisfazer a AA, no âmbito do acidente de viação, a fim de a indemnizar pela perda da sua capacidade de ganho, apenas lhe veio a ser liquidada em 11 de junho de 2019.
Daí que, salvo melhor opinião, não podia a recorrente EMP01... socorrer-se da ação a que alude o art. 151º do Código do Processo do Trabalho para obter a suspensão do pagamento daquelas quantias indemnizatórias devidas à sinistrada AA (ou à entidade hospitalar), no âmbito do processo emergente do acidente de trabalho, tendo, por imposição legal, de proceder ao seu pagamento.
Por outro lado, tendo a sentença proferida pela 1ª Instância, no âmbito do Processo n.º 2476/16...., que a sinistrada AA instaurou contra a recorrida EMP02..., com vista a efetivar a responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos emergente do acidente de viação sido proferida em ../../2017,  ou seja, em data anterior à sentença proferida, em 15/02/2018, transitada em julgado, no âmbito do acidente de trabalho, também naturalmente que a recorrente EMP02... não podia já, nos termos do art. 17º, n.º 5 da LAT, deduzir incidente de intervenção principal naquela primeira ação (de acidente de viação) pedindo o reembolso das identificadas quantias que pagou no âmbito do acidente de trabalho, por via da sentença, transitada em julgado, nele proferida em 15/02/2018 (capital de remição, transportes, juros de mora e quantia de 250,00 euros paga ao hospital pela assistência prestada à sinistrada em consequência do mencionado acidente de trabalho).
Porém, apesar de ter conhecimento, em 24/11/2016 (data em que a recorrente EMP01... deduziu incidente de intervenção principal no âmbito do processo por acidente de viação que a sinistrada AA lhe instaurou, reclamando o pagamento das quantias que até ../../2016 já tinha despendido no âmbito do processo de acidente de trabalho), que este último processo ainda se encontrava em curso, e que nele a recorrente EMP01... iria (ou podia) ser condenada a pagar à sinistrada BB créditos indemnizatórios que lhe eram reconhecidos pela legislação laboral, incluindo a entidades hospitalares que lhe tivessem prestado assistência por via daquele acidente, e ainda que, em 11 de junho de 2009 (data em que a recorrida EMP02... liquidou  a AA a quantia de 250.000,00 euros, em que foi condenada a satisfazer-lhe, no âmbito do processo por acidente de viação, por decisão de mérito, transitada em julgado, que a condenou a pagar-lhe a mencionada quantia, a título de indemnização pela perda da sua capacidade de ganho), tivesse conhecimento que BB já tinha recebido, em 17/12/2018, da recorrente EMP01..., no âmbito do acidente de trabalho, 12.171,56 euros, a título de capital de remição, salvo o devido respeito por opinião contrária, nunca podia aquela descontar na indemnização de 250.000,00 por si devida à sinistrada/lesada BB a referida quantia de 12.171,56 euros que esta última já recebera no âmbito do acidente de trabalho da recorrente EMP01... a título de capital de remição.
Com efeito, relembra-se, os mecanismos previstos nos n.ºs 2 a 5 do art. 17º da LAT, com vista a evitar a duplicação ou acumulação material de indemnizações por parte do lesado/sinistrado, são estabelecidos em benefício da entidade empregadora e/ou da seguradora desta que liquidaram a indemnização  que lhe era devida no âmbito do acidente de trabalho, e não em benefício do responsável civil que, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos ou pelo risco, é o primacial e definitivo responsável pelas consequência indemnizatórias decorrentes de acidente que, em simultâneo, assuma a natureza de acidente de trabalho e de acidente de viação.
Destarte, a recorrida EMP02..., enquanto responsável civil pelo acidente de viação não se podia exonerar do pagamento da indemnização em que foi condenada, por decisão de mérito, transitada em julgado, a satisfazer à sinistrada/lesada BB, no montante de 250.000,00 euros, a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho desta, descontando a esse montante indemnizatório a quantia que aquela já anteriormente recebera da recorrente EMP01..., a título de capital da remição, no âmbito do processo de acidente de trabalho, com fundamento de que esse capital de remição se destinava a indemnizá-la pelo mesmo dano a que se destinava a quantia indemnizatória de 250.000,00.
A recorrida EMP02..., enquanto responsável civil do acidente e assim, responsável primacial e definitiva (última) pelas consequências indemnizatórias dele emergentes, não se pode desvincular unilateralmente da obrigação de indemnizar a lesada AA pelos 250.000,00 euros, em que foi condenada a satisfazer-lhe, por decisão judicial transitada em julgado, a título de indemnização pela perda da sua capacidade de ganho, uma vez que o art. 17º da LAT não contempla essa faculdade ao responsável civil (recorrida EMP02...) de poder opor à lesada o anterior pagamento de indemnização laboral, reportada precisamente ao mesmo dano que suporta a indemnização em que ela foi condenada como responsável primacial e definitiva pelo acidente, por decisão judicial transitada em julgado. O interesse tutelado pelo regime jurídico do art. 17º não é o da recorrida EMP02..., mas antes o da recorrente EMP01... (que suportou a responsabilidade infortunística para com a sinistrada BB em sede de acidente de trabalho).
Por isso, tal como decorre do disposto no n.º 2 do art. 17º, e foi decidido corretamente pela 1ª Instância, caso a recorrente EMP01... entenda que a quantia que pagou à sinistrada AA, a título de capital de remição, no âmbito do acidente de trabalho, se destinou a indemnizá-la pelo mesmo dano a que se destinou a indemnização de 250.000,00 euros, a título de perda da capacidade de ganho que foi arbitrada àquela (em que a recorrida EMP02... foi condenada a pagar-lhe, por decisão judicial, transitada em julgado, no âmbito do acidente de viação), e que, nessa sequência, já lhe liquidou em 11 de junho de 2019, terá se ser a mesma (recorrente EMP01...) que, com vista a evitar a dupla indemnização da sinistrada AA pelo mesmo dano emergente do mesmo evento, terá de instaurar contra a última ação, alegando e provando que essas quantias indemnizatórias se destinaram a indemnizá-la pelo mesmo dano, provindo do mesmo evento (acidente), e pedindo a condenação desta a reembolsar-lhe a quantia de 12.171,56 euros que lhe pagou a título de capital de remição no âmbito do acidente de trabalho.
Decorre do excurso antecedente que, ao assim decidir, a 1ª Instância não incorreu nos erros de direito que a recorrente assaca à decisão de mérito constante da sentença recorrida, pelo que, sem prejuízo das alterações acima identificadas que se introduziram ao julgamento da matéria de facto realizado pelo julgador a quo, impõe-se julgar o presente recurso improcedente e, em consequência, confirmar a decisão de mérito constante da sentença recorrida.
*
(....)
V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sem prejuízo das alterações acima identificadas que introduzem ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, acordam em julgar o presente recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão de mérito constante da sentença recorrida.
*
Custas do recurso pela recorrente uma vez que nele ficou “vencida” (art. 527º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
*
Notifique.
*
Guimarães, 17 de outubro de 2024

José Alberto Moreira Dias – Relator
Susana Raquel Sousa Pereira – 1ª Adjunta
Gonçalo Oliveira Magalhães – 2º Adjunto
 


[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Paulo Pimenta, “Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, págs. 320 e 321, em que expende, que: “A discriminação dos factos que o juiz considera provados, imposta pelo n.º 3 do art. 607, respeita aos factos essenciais, sendo a natural decorrência da decisão sobre a matéria de facto e aglutinados apenas os factos que foram dados como provados: são precisamente esses factos essenciais que constituem o fundamento de facto da sentença. A decisão sobre a matéria de facto constitui o chamado julgamento de facto, isto é, a pronúncia do juiz acerca dos factos que julga provados e dos factos que julga não provados, conforme estabelece o n.º 4 do art. 607º, devendo esta pronúncia versar sobre os factos essenciais, sendo certo que os factos provados tanto serão os que resultaram da prova produzida nos autos como os que “estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito”. (…), a discriminação de que trata o n.º 3 do art. 607º supõe um prévio juízo sobre os factos provados e não provados, isto é, supõe o julgamento de facto, constituindo tal discriminação um repositório limitado àqueles factos que ficaram provados. (…) o juiz deve declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (n.º 4), mas tem de discriminar os que considera provados (n.º 3). No plano dos factos (e continuamos a falar dos factos essenciais), a sentença tem de indicar tanto os factos provados como os factos não provados, o que releva até para a eventual impugnação da decisão sobre a matéria de facto: nisso consiste a declaração a que alude o n.º 4 do art. 607º. O que sucede é que os factos provados a declarar como tal devem ter uma referência própria e autónoma: aí reside a discriminação dos factos provados impostas pelo n.º 3 do art. 607. Quer isto significar que o elenco dos factos provados vale, em simultâneo, como resultado do julgamento de facto e como fundamentação de facto da própria sentença. Adianta, a fls. 321, nota 739, que: “Esta discriminação dos factos considerados provados face aos não provados explica-se também pela circunstância de, na economia da decisão final da causa ao nível da 1ª instância, os factos não provados nenhuma função desempenharem, tudo se passando como se não tivessem sido sequer alegados”.
No mesmo sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, págs. 744, onde sustentam que, em sede de julgamento da matéria de facto “cabe necessariamente uma pronúncia (positiva, negativa, restritiva ou explicativa) sobre os factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundamentar as exceções, e de outros factos também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a ação ou a exceção proceda. (…). Quanto aos factos instrumentais, para além de não carecerem de alegação (aliás, o ónus de alegação respeita somente aos factos essenciais, isto é, àqueles de cuja prova depende a procedência ou improcedência da ação ou da defesa), podem ser livremente discutidos e apreciados na audiência final. Consequentemente, atenta a função secundária que desempenham no processo, tendente simplesmente à prova dos factos essenciais, para além de não integrarem os temas os temas da prova, nem sequer deverão ser objeto de um juízo probatório específico”, bastando que “sejam revelados ou expostos na motivação da decisão, no segmento em que o juiz, analisando criticamente as provas produzidas, exteriorize o percurso lógico que o conduza à formulação do juízo probatório sobre os factos essenciais”. 
[3] Pedro Pais de Vasconcelos, “Teoria Geral do Direito Civil”, vol. I, 8ª ed., Almedina, págs. 355 e 356.
[4] Paulo Pimenta, ob. cit., pág. 322; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 743, nota 6, e pág. 745, notas 19 e 20.
[5] Ac. STJ. de 09/03/2003, Proc. 03B1816, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos a que se venha a fazer referência sem menção em contrário.
[6] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, 4ª ed., Coimbra Editora, págs. 206 e 207.
[7] Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 212.
[8] Acs. STJ., de 01/10/2019, Proc. 109/17.1T8ACB.C1.S1; de 07/05/2014, Proc. 39/12.3T4AGD.C1.S1; de 11/07/2012, Proc. 3360/14.0TTLSB.L1.S1; e de 14/11/2006, Proc. 06A2992.
[9] Acs. STJ., de 09/03/2010, Proc. 2270/04.6TBVLG.P1.S1; de 11/01/2001, Proc. 4760/07.0TBBRG.G1.S1.
[10] Ac., de 11/12/2012, Proc. 40/08.1TBMMV.C1.S1.
[11] Pedro Romano Martinez, “Direito do Trabalho”, 2013, 6ª ed., Almedina, págs. 790 e 808 a 812.
[12] Pedro Romano Martinez, ob. cit., págs. 777 e 784.
[13] Acs. STJ, de 02/06/2015, Proc. 464/11.7TBVLNG.S1; de 11/12/2012, Proc. 40/08.1TBMMV.C1.S1; RG., de 25/01/2018, Proc. 58/16.0T8CBC-A.G1; R.P., de 18/04/2017, Proc. 461/13.8T8TBPVZ.P1.