ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
RESPONSABILIDADE DA EMPRESA DE TRABALHO TEMPORÁRIO E DA EMPRESA UTILIZADORA
Sumário

I - Para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, n.º 1, da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação.
I - Na vigência da LAT (Lei n.º 100/97, de 13 de setembro) bem como na vigência da sua antecessora (Lei n.º 2127/65, de 3 de agosto), a empresa de trabalho temporário era responsabilizada pelo acidente resultante do incumprimento de normas de segurança pelo utilizador e na sequência da sua condenação, podia exercer o direito de regresso contra a empresa utilizadora pelo contributo desta para o acidente. Na vigência da nova lei de acidentes de trabalho (Lei n.º 98/2009, de 04.09) a empresa utilizadora é responsabilizada, desde logo, no processo e, em caso de procedência da ação, condenada pagar ao sinistrado as indemnizações devidas, solidariamente com a entidade empregadora daquele, a empresa de trabalho temporário.
II - A alteração legislativa apenas se teve em vista a simplificação processual no que respeita ao apuramento da responsabilidade pela reparação do acidente, ficando as questões mais complexas designadamente as inerentes ao funcionamento do direito de regresso entre a empresa de trabalho temporário e a utilizadora para fora do processo de acidente de trabalho, mas envolvendo as duas entidades no apuramento do processo causal do acidente e da responsabilidade pelo mesmo.
IV- Ainda que se apure que o acidente de trabalho se ficou a dever à falta de observação, por parte do utilizador de mão-de-obra, das regras sobre segurança e saúde no trabalho a responsabilidade pela reparação do acidente, nos termos prescritos no artigo 18.º n.º 1 da NLAT, incumbe solidariamente ao empregador e ao utilizador da mão-de-obra, sem prejuízo de assistir ao empregador, por via de ação autónoma, direito de regresso contra o utilizador.”

(o sumário inclui sumário parte do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2024, Uniformizador de Jurisprudência, do Acórdão da Relação de Guimarães proferido no processo nº6585/21.0T8BRG.G1)
(Da responsabilidade da Relatora).

Texto Integral

Processo nº 13102/18.8T8PRT.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto – Juiz 2

Relatora: Teresa Sá Lopes

1ª Adjunta: Desembargadora Eugénia Pedro

2º Adjunto: Desembargador Nélson Fernandes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

Relatório:

Por participação entrada neste tribunal em 6 de Junho de 2018, AA, operário da industria conserveira, veio dar conta da ocorrência de um acidente de trabalho de que teria sido vítima no dia 28 de Março de 2018, ..., quando prestava trabalho para a sua empregadora A..., Ld.ª, sendo a Seguradora a ora B..., S.A..

Decorrida a fase conciliatória do processo, as partes não chegaram a acordo (em 07 de Maio de 2019), sendo que a Seguradora não aceitou qualquer responsabilidade, alegando que o acidente resultou exclusivamente de violação grosseira de regras de segurança pelo sinistrado.

O Sinistrado instaurou ação de condenação emergente de acidente de trabalho, com processo especial, contra B..., S.A., e subsidiariamente contra A..., Ld.ª e C...), S.A..

Formulou o pedido de que deve a presente ação ser julgada procedente, por provada, e em consequência:

I. Ser a 1ª Ré (B..., S.A.) condenada a pagar o capital de remição de uma pensão anual EUR. 584,77 (quinhentos e oitenta e quatro euros e setenta e sete cêntimos), sendo esta pensão parcialmente remível, nos termos do disposto no artigo 75º, n.º 2, da Lei 98/2009 de 4 de Setembro

II. Ser a 1ª Ré (B..., S.A.) condenada a pagar o montante EUR. 3.291,63, referente ao período de 184 dias de ITA;

III. Ser a 1ª Ré (B..., S.A.) condenada a pagar a quantia de EUR. 228,50, referente a despesas em honorários clínicos e assistência médica;

IV. Ser a 1ª Ré (B..., S.A.) condenada a pagar juros de mora, à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos, até integral pagamento.

V. Serem a 2ª e 3ª Rés (A... C...), S.A.), subsidiariamente, condenadas no pagamento das quantias supra referidas, bem como no pagamento de qualquer montante que seja por elas devida.

VI. Serem a 2ª e 3ª Rés (A... C...), S.A.), subsidiariamente, condenadas no pagamento pagar juros de mora, à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos, até integral pagamento.

Aí alegou, nomeadamente:

- No dia 21 de Agosto de 2017, o Autor celebrou com a sociedade A..., Lda., (2ª Ré), contrato de trabalho a termo certo (cedência de mão-de-obra temporária)

- A referida sociedade (A...) dedica-se à actividade de cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros utilizadores, podendo ainda desenvolver actividades de selecção, orientação e formação profissional, consultoria e gestão de recursos humanos.

- Tem a sua responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a companhia de seguros, aqui 1ª Ré, através da apólice n.º ...93.

- O contrato de trabalho celebrado destinava-se a possibilitar àquela sociedade a cedência temporária a terceiros utilizadores das funções exercidas pelo aqui Autor, mais concretamente à sociedade C...), S.A.

- Neste sentido, o Autor desempenhou funções inerentes à categoria profissional de trabalhador de fabrico (operário de indústria conserveira) na mencionada sociedade C...), S.A. (3ª Ré).

A 3ª Ré, C...), S.A., contestou, aceitando a matéria fáctica da petição inicial, sobre a ocorrência de um acidente de trabalho e sobre a relação laboral consigo mesma, por corresponder à verdade, a contratação do Autor a título temporário via 2ª Ré, A..., Ld.ª.

Aduziu a exceção da caducidade e alegou que a responsabilidade pelo acidente não poderá ser assacada à Ré C...), S.A., mas sim ao próprio Autor, porquanto este, não obstante a experiência acumulada e as formações recebidas, decidiu, por iniciativa própria e sem que tivesse recebido qualquer instrução nesse sentido, tentar desencravar a máquina cravadeira que esta a operar e que tinha encravado, sem primeiro a desligar.

A 1ª Ré Seguradora contestou, com a posição de que o acidente é imputável à culpa exclusiva do demandante, por inobservância das regras de segurança, encontrando-se descaracterizado na ótica do trabalhador, pelas alíneas a) do nº1 e b) do artigo 14º da Lei nº 98/2009, de 04.09.

Aduziu que o demandante, o qual não obstante ter tido formação específica para a tarefa que desempenhava, não fazia uso de quaisquer equipamentos de proteção, quer individual quer coletiva, sabendo que não deveria ter adotado essa conduta e, sobretudo, introduzir um braço na máquina sem a imobilizar totalmente antes.

A 2ª Ré, A..., Lda, contestou, referindo que nenhum interesse direto tem em contestar, o acidente não se deveu ao facto de a máquina operada se encontrar sem proteções ou sem os necessários sistemas de segurança. O Autor operava a máquina em questão há cerca de um ano, num total superior a 1200 horas de trabalho no mesmo equipamento, tendo recebido a formação profissional adequada para o efeito, sido informado dos riscos inerentes ao seu manuseamento e posto de trabalho, tendo-lhe sido ministradas ações de formação relativas ao cumprimento das regras de higiene e segurança e a máquina em questão possuía todos os sistemas de segurança requeridos por lei.

Fruto da experiência acumulada e do natural excesso de confiança motivado pelas inúmeras horas de trabalho, o Autor, motu próprio e sem que tivesse recebido qualquer ordem ou instrução para o efeito, resolveu enfiar o braço no interior da máquina, a fim de desencravar o mecanismo, sem que tivesse sequer curado de desligar o aparelho, sendo regra da mais elementar segurança e decorrente do próprio senso comum, nunca, em circunstância alguma, mexer no mecanismo de uma máquina enquanto esta se encontrar ligada que o A., deliberadamente, ignorou, contribuindo, de forma exclusiva, para a realização do acidente em questão.

Pugnou pela procedência da exceção de ilegitimidade e caso assim não se entenda pela total improcedência da ação.

Em 28.09.2021, pela Mm.ª Juiz a quo, à data, foi proferido o seguinte despacho:

“Nos presentes autos de processo especial emergente de acidente de trabalho, o autor, para além da companhia de seguros “B..., S.A.”, demanda as empresas “A..., Lda.”, com quem havia celebrado um contrato de trabalho temporário, C...), S.A.”, empresa utilizadora, pedindo a condenação subsidiária destas a pagarem-lhe uma pensão anual, uma indemnização pelos períodos de incapacidade temporária e despesas em honorários clínicos e assistência médica.

Como bem refere a 2ª ré na sua contestação, não estando em causa nos autos o montante da responsabilidade transferida para a ré seguradora, nem o autor alegando na sua petição inicial nada que possa fundamentar a violação de regras de segurança (dos artigos 10º e 14º da petição inicial consta matéria iminentemente conclusiva que nem sequer é imputada a cada uma das rés individualmente), não se descortina a razão pela qual a ação é proposta contra estas rés. De igual modo, não se percebe o porquê de as mesmas serem demandadas subsidiariamente.

Finalmente, e face aos pressupostos alegados que estão na base do seu cálculo, estamos em crer que o montante da pensão anual não poderá ascender ao montante peticionado de € 584,77.

Assim, e antes de mais, ao abrigo do disposto no artigo 7.º/2 do Código de Processo Civil, determina-se a notificação do autor para que esclareça:

→ a razão pela qual demanda as 2ª e 3ª rés;

→ a razão pela qual o faz em termos subsidiários;

→ se existe erro de cálculo no montante peticionado a título de pensão anual.”

O Sinistrado apresentou requerimento, nos termos que se transcrevem:

“1º O Autor desconhecia, como desconhece, as condições gerais do contrato de seguro por acidentes de trabalho, nomeadamente as condições em que está transferida a responsabilidade para a 1ª Ré, bem como as hipóteses de exclusão/ delimitações negativas das garantias contratuais.

2º Motivo pelo qual demandou, por cautela, as 2ª e 3ª Rés, em termos subsidiários.

3º Apresenta, desde já, a Vossa Ex.ª desculpas pelo erro no cálculo do montante peticionado a título de pensão anual, nada tendo a opor a que seja feito um novo cálculo.”

Em 29.01.2021, pela Mm.ª Juiz a quo, à data, foi proferido o seguinte despacho:

“Uma vez que sobre si impende o respetivo ónus de formulação do pedido, convida-se o autor a reformular o valor da pensão a que se acha com direito e, por isso, peticiona.”

Em 17.03.2022 foi proferido o seguinte despacho:

“Na sua petição inicial, ao descrever o acidente por si sofrido, o autor alega que “… quando se encontrava a executar as suas funções, o seu braço esquerdo ficou preso na máquina de cravar tampas nas latas de conservas …”. Acrescenta que tal sucedeu “… porque a mencionada máquina se encontrava sem as devidas proteções, bem como sem os necessários sistemas de segurança”. Sustenta ainda que “… o autor agiu sempre de acordo com os materiais e condições disponibilizadas, sendo certo que, à data do acidente de trabalho, as condições de segurança não estavam devidamente implementadas”.

Tal como resulta do disposto no artigo 5.º/1 do Código de Processo Civil, «às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas».

Ora, no caso em apreço, e no que àqueles pontos acima enunciados respeita, afigura-se-nos que a alegação apresentada é parca e mesmo conclusiva, importando que o autor melhor concretize a dinâmica do acidente por si sofrido, designadamente descrevendo que funções se encontrava a desempenhar, com que tipo de máquina estava a trabalhar (descrevendo-a quanto ao seu modo de funcionamento); qual o motivo pelo qual o seu braço esquerdo ficou preso na máquina; quais as proteções e sistemas de segurança que essa máquina devia ter e não tinha; em que medida é que tal circunstância determinou ou contribuiu para o acidente sofrido.

De igual modo, deverá o autor discriminar as despesas que teve em honorários clínicos e assistência médica, sendo certo que, como é óbvio, o ónus da prova não supre o ónus da prévia alegação.

Porque estamos perante uma exceção, convida-se ainda o autor a, querendo, se pronunciar quanto à descaracterização do acidente por si sofrido.

Desta forma, tendo em conta o que ficou dito e ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 27.º, al. b) do Código de Processo do Trabalho e 590.º/2, al. b) e 4 do Código de Processo Civil, convida-se o autor a, no prazo de 10 dias, completar a sua petição inicial, com a apresentação de novo articulado, concretizando a matéria alegada nos termos supra expostos.

Caso este convite venha a ser satisfeito pelo trabalhador, disporão as rés de igual prazo de 10 dias para, querendo, se pronunciarem quanto aos factos novos, nos termos do disposto no artigo 590.º/5 do Código de Processo Civil.”

O Autor veio apresentar novo articulado de petição inicial “tentando melhor concretizar a matéria já alegada”, mantendo o pedido de “Serem a 2ª e 3ª Rés (A... C...), S.A.), subsidiariamente, condenadas no pagamento das quantias supra referidas, bem como no pagamento de qualquer montante que seja por elas devida.”

Alegou, nomeadamente que a mencionada máquina se encontrava sem as devidas proteções, sensor que em caso de encravamento, de imediato suspendia/bloqueava o funcionamento desta, bem como sem os necessários sistemas de segurança que posteriormente ao acidente foram adquiridos (ex: gradeamento).

Conclui a este respeito que o Autor agiu sempre de acordo com os materiais e condições disponibilizadas, sendo certo que, à data do acidente de trabalho, as condições de segurança não estavam devidamente implementadas.

Pela Seguradora foi apresentada nova contestação, mantendo a posição de que o acidente é imputável à culpa exclusiva do demandante, por inobservância das regras de segurança, encontrando-se descaracterizado na ótica do trabalhador, pelas alíneas a) do nº1 e b) do artigo 14º da Lei nº 98/2009, de 04.09.

Foi proferido despacho saneador, pela Mm.ª Juiz a quo, à data.

Aí ficou também decidido:

“Conclui-se, assim, que a 1ª ré [A..., Lda.] tem interesse direto em contradizer e, logo, pela improcedência da invocada exceção de ilegitimidade.”

(…)

“Assim, no caso em apreço, tendo a alta clínica sido comunicada ao sinistrado em 28/09/2018 e tendo a participação do acidente dado entrada em tribunal em 06/06/2018, manifestamente não decorreu o prazo de caducidade a que alude o artigo 179.º/1 da Lei n.º 98/2009, pelo que improcede a invocada exceção, o que ora se decide.”

(…)

“Assim, improcede igualmente a invocada exceção de prescrição do direito de reembolso invocada pelo ISS.”

Foi fixada a matéria de facto assente.

Foram elencados como temas de prova:

1. As circunstâncias em que o acidente supra referido ocorreu: a máquina que estava a ser operada, as tarefas que a mesma executa, as funções do operário.

2. O concreto modo de produção do acidente.

3. Os sistemas de segurança de que a máquina dispunha ou não.

4. Os sistemas de bloqueio da máquina e sua utilização.

5. O modo como a máquina, naquele momento, foi desligada.

6. As lesões que resultaram para o autor do acidente sofrido.

7. Os períodos de incapacidade temporária.

8. A data de consolidação médico-legal das lesões.

9. As sequelas.

10. A incapacidade permanente parcial que resultou de tais sequelas.

11. A incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.

12. As intervenções cirúrgicas a que o autor foi sujeito e correspondente internamento.

13. As consultas a que recorreu e fisioterapia e sua duração temporal.

14. As dores sentidas pelo autor aquando e após o acidente.

15. O estado em que se encontra a nível situacional.

16. E a nível profissional.

17. O despendido pelo autor em honorários clínicos e assistência médica.

18. As funções desempenhadas pelo autor na ré “C...” ao longo do tempo.

19. A formação que lhe foi ministrada e o conhecimento que lhe foi dado dos riscos inerentes ao seu posto de trabalho.

20. O sucedido com a máquina que estava a ser operada e a atitude (decisão) do autor.

21. A acessibilidade do comando que desligava a máquina.

22. O montante pago pela Segurança Social ao autor a título de subsídio de doença e referente ao período de 30/05/2018 28/09/2018.

Foi fixado como objeto do litígio:

1. Determinar se o acidente sofrido pelo autor resultou da falta de observação das regras sobre a segurança e saúde no trabalho.

2. Ou, antes, se o mesmo se mostra descaracterizado, por ter resultado, única e exclusivamente, de culpa do autor.

3. Em caso de resposta negativa à anterior questão, determinar as consequências de tal acidente.

Foi realizada a audiência de discussão e julgamento com observância de todas as formalidades legais, após o que foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta:

“Nesta conformidade:

A) Absolvo as RR “A..., LDA” C...), S.A. de todos os pedidos contra si formulados.

B) Condeno a Ré “B..., SA”” a pagar ao Autor AA:

I- a pensão anual, vitalícia e atualizável no montante de € 5.894,60 a ser paga mensalmente, até ao 3º dia de cada mês e no seu domicílio devida a partir de 16 de Junho de 2021, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como o subsídio de férias e de Natal, cada um igualmente no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, respetivamente, conforme o disposto no artº 48º, nº 3, alínea c) e 72, nº2, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, pelo que procede o primeiro pedido formulado pelo Autor.

II- Nos termos da Portaria n.º 6/2022, de 4 de janeiro que procedeu à atualização anual das pensões de acidente de trabalho (art. 1º daquela Portaria), cujos artigos 2º e 3º, estatuem que a partir de 01/01/2022, as pensões de acidente de trabalho são atualizadas para o valor resultante da aplicação da percentagem de aumento de 1 %, a partir de 01/01/2022, aquela pensão anual devida pela Ré seguradora ao sinistrado foi atualizada para a quantia anual de € 5.953,55.

III- E nos termos da Portaria n.º 24-A/2023, de 9 de Janeiro, arts 1º e 2º, a partir de 01/01/2023, as pensões de acidente de trabalho são atualizadas para o valor resultante da aplicação da percentagem de aumento de 8,4 %, a partir de 01/01/2022, aquela pensão anual devida pela Ré seguradora ao sinistrado foi atualizada para a quantia anual de € 6.453,65;

IV- A quantia de € 5.057,62 a título de subsídio de elevada incapacidade permanente, desde 16/6/2021, acrescida de juros de mora, a contar sobre essa data à taxa de 4% ao ano até integral e efectivo pagamento

V- a quantia de 22.161,37 €, a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta, deduzida a quantia de € 2.077,92, devida pela R Seguradora ao ISS, que ao A pagou, a título subsídio de doença no período decorrido de 30/05/2018 a 28/09/2018 essa quantia, todo acrescido de juros de mora à taxa de 4% ao ano, contados a partir de 16/6/2021 e até efetivo e integral pagamento.

VI- A quantia de € 228,50, referente a despesas em honorários clínicos e assistência médica., acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir de 13-07-2021 e até integral pagamento.

VII- A fornecer ao A tratamentos de fisioterapia, terapia ocupacional, ortótese de posicionamento da mão e punho, faca de Nelson, bolsa palmar para a mão esquerda que permita encaixe de talher, rebordo de prato, base antiderrapante, abridor de frascos e latas, abotoador, calçadeira de cabo longo, calçador de meias, adaptador para fechos e escova de cabo longo para banho.

C. Condeno a Ré “B..., SA” a pagar ao ISS, IP quantia de € 2.077,92 acrescida de juros de mora à taxa legal até efetivo e integral pagamento.


*

Custas pela R Seguradora.

Fixo o valor de processo em € 118.124,12- artigo 120.º do Código de Processo do

Trabalho.”

Não se conformando com o assim decidido, a Ré Seguradora apelou.

Foram as seguintes as suas conclusões que se transcrevem:

“1. Nos termos do disposto nos arts. 80.º do C.P.T. e dos arts. 662.º e 640.º do C.P.C., aplicáveis ex vi do art. 1.º, n.º 2, al. a) do C.P.T., o Tribunal da Relação pode alterar a decisão sobre a matéria de facto, no caso vertente, uma vez que o apelante a impugnou, os depoimentos estão gravados e constam dos autos todos os elementos e documentos com base nos quais foi proferida

2. Tendo em conta os depoimentos das testemunhas BB, CC e DD, em conjugação com os documentos juntos aos autos, mormente relatório do Autoridade Para as Condições do Trabalho, junto aos autos em 14-09-2023, com a referência CITIUS 36643729, o Tribunal “a quo” podia e devia ter ter dado como provados os factos 10 e 14 alegados pelo sinistrado na douta petição inicial.

3. É de notar que do relatório do Autoridade Para as Condições do Trabalho resulta que o sinistro “terá ocorrido porque a cravadeira, modelo 424, n.º série: 19-...04 e ano de fabrico 2004, não dispunha de proteção adequada a prevenir o risco de contacto mecânico, devido à ausência de protetores que impedissem o acesso a zonas perigosas ou de dispositivos que interrompessem o movimento dos elementos móveis antes do acesso a estas zonas”.

4. Releva, ainda, que o documento em causa não foi impugnado e que tem uma força probatória superior à prova testemunhal, atenta a consabida falibilidade desta.

5. Alto Tribunal, fazendo uma apreciação crítica e conjugada das provas, dar provados dois factos, constantes dos artigos 10.º e 14.º da douta petição inicial, a saber:

Facto constante do art.º 10.º: “A mencionada máquina encontrava-se sem as devidas proteções, bem como sem os necessários sistemas de segurança.”;

Facto constante do art.º 14.º: “o Autor agiu sempre de acordo com os materiais e condições disponibilizadas, sendo certo que, à data do acidente de trabalho, as condições de segurança não estavam devidamente implementadas.”;

6. Quer se proceda à alteração da matéria de facto, nos moldes atrás preconizados, quer assim não ocorra, mantendo-se a mesma inalterada, o que não se concede e apenas por cautela de patrocínio se equaciona, a verdade é que em ambos nos casos nos parece evidente que o acidente terá de ser imputado a culpa da Ré empregadora.

7. Face ao que diz o citado artigo 18.º da LAT a responsabilidade agravada da entidade patronal poderá ter um de dois fundamentos, a saber: (i) O primeiro, constante da parte inicial do n.º 1 do referido artigo 18.º, quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, que pressupõe um comportamento culposo da parte da entidade empregadora ou seu representante e (ii) o segundo, constante da segunda parte do mesmo normativo, quando o acidente resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho por banda da entidade empregadora.

8. “A única diferença entre estes dois fundamentos reside na prova da culpa, que é necessária no primeiro caso e dispensável no segundo.

9. “Quanto ao nexo de causalidade, ele comporta duas vertentes: Uma, naturalística, que consiste em saber se esse facto concreto (violador da norma de segurança), em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano, havendo, pois, que se provar que o facto integrou o processo causal que conduziu ao dano e a outra, jurídica, que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstrato, como causa idónea do dano ocorrido.”

10. Com efeito, será apodítico concluir, até por recurso às regras da experiência comum, que o uso de uma máquina industrial de cravar latas de conservas, com dispositivos móveis altamente cortantes, sem que possua um dispositivo de proteção será, no mínimo, concausal do acidente.

11. A co-R. entidade patronal violou ostensivamente as mais elementares regras de segurança que, por lei, estava obrigada a cumprir, nomeadamente o artigo 281.º do Código do Trabalho, os artigos 5.º e 15.º da Lei n.º 102/2009, de 10/09.

12. Para além destes normativos de caráter mais genérico, a co-R. afrontou o D.L. n.º 50/2005, de 28/02, diploma que estabelece as regras mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho e a Portaria 21343, de 18 de Junho de 1965.

13. Com a sua conduta, a co-R. empregadora não acautelou o risco decorrente da falta dessa proteção e, por virtude dessa falta, não protegeu o trabalhador do acesso às partes móveis da máquina, que se localizam numa zona altamente perigosa e suscetível de causar acidentes, como efetivamente, causou.

14. Foi esta conduta omissiva da co-R. entidade patronal que causou o acidente, porque a máquina tem componentes móveis suscetíveis de causar acidentes, devendo, por isso, dispor de protetores que protegessem o autor de acesso àquela zona perigosa de modo a evitar que, como aconteceu no caso, a sua mão direita avançasse sobre a peça que estava a cortar e entrasse em contacto com o disco de corte.

15. Se a máquina fosse dotada da proteção de acesso o sinistrado nunca teria sido puxado para o interior da máquina, pois sempre esbarraria nessa proteção, evitando ser atingida pelo disco e, desse modo, não teria ocorrido o acidente.

16. Sem embargo, analisando o concreto tipo de trabalho que o sinistrado executava e o equipamento em causa, uma máquina desprovida de proteção, seria elevadíssima a probabilidade de acontecer um acidente de trabalho, como o que acabou por acontecer.

17. “(…) interpretada globalmente a decisão de facto é de concluir que o acidente resultou de falta de observação, por parte da entidade patronal das regras sobre segurança no trabalho e não sendo necessário, para a verificação da previsão legal contida na segunda parte, do n.º 1, do art. 18.º, da LAT, que a falta de observância de regras de segurança seja causa exclusiva na produção ou verificação do acidente, é de concluir pela responsabilidade daquela na reparação dos danos emergentes do presente acidente de trabalho.”.

18. De resto, não faz o menor sentido o referido na página 17 da douta sentença em crise, pois não só o sinistrado invocou a responsabilidade da co-R patronal não só o sinistrado o alegou, nos pontos 10 e 14 da petição inicial como, como foram provados factos nesse sentido (factos 2 a 8 da factualidade dada como provada) e, ainda que assim não fosse, nunca o tribunal estaria limitado à alegação e pedido das partes, podendo e devendo, nos termos dos artigos 72.º e 74.º do DL n.º 480/99, de 09 de Novembro, e dentro dos respetivos limites, dar como provados factos relevantes para o litígio, ainda que não alegados pelas partes e, se se der o caso, condenar para além do pedido.

19. Deverá, pois, declarar-se essa responsabilidade das co-R. entidades empregadoras, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 18.º e 79.º da LAT (Lei n.º 98/2009), condenando-se essas co-R. solidariamente com a aqui recorrente nos montantes em que esta última foi condenada, possibilitando o ulterior exercício do direito de regresso.

20. Mostram-se violadas, por errada interpretação e aplicação, entre outras, as disposições dos artigos 18.º e 79.º da LAT (Lei n.º 98/2009).

NESTES TERMOS, Concedendo provimento ao presente recurso, alterando a douta sentença recorrida em conformidade com o exposto, declarando, entre o mais, a culpa grave das co-R. entidades patronais e que o acidente ocorreu por virtude da violação culposa das regras de Segurança,

V. Exas. farão, como sempre INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!” (realce e alteração do tamanho de letra aqui introduzidos)

A Recorrida C...), S.A., contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença proferida, aduzindo para tal:

“A) Bem andou a douta sentença ao julgar como o fez, absolvendo as Rés A... LDA. e C...), S.A. e condenando a Ré B..., S.A. a pagar ao Autor todas as quantias devidas;

B) O Recurso apresentado é, desde logo, manifestamente improcedente por as questões submetidas à apreciação do Tribunal se resumirem apenas a perceber se o acidente ocorrido se ficou a dever à violação grosseira de regras de segurança pelo Sinistrado, levando à descaraterização do acidente.

C) Em momento algum Recorrente ou Autor (que se conformou com o resultado da sentença, não tendo apresentado Recurso) suscitaram a responsabilidade da Ré C... pelo acidente.

D) O trabalho desenvolvido pelo Autor comportava riscos, dos quais este tinha pleno conhecimento, apesar de toda a formação fornecida pela Ré C... e de todas as regras basilares de saúde e segurança no trabalho se encontrarem cumpridas.

E) É para infortúnios como o caso dos autos que a lei prevê a obrigação de transmissão da responsabilidade das Entidades Patronais para as Seguradoras.

F) Não existe fundamento legal nem processual para a condenação pedida pela Recorrente nas suas alegações, dado não existir qualquer pedido nesse sentido, nem poder ser considerado que se apurou decisivamente a responsabilidade pelo acidente – pelo que não pode agora a Recorrente querer que o Tribunal condene em objeto diverso do pedido.

G) A matéria que a Recorrente pretende ver como provada é matéria que não foi alegada no processo, surgindo este argumento ex novo no Recurso interposto, pelo que a Ré C... nunca sentiu a necessidade de se defender de tais acusações.

H) Não só o douto Tribunal considerou que o Autor nada alegou que pudesse fundamentar a violação de regras de segurança – “dos artigos 10º e 14º da PI consta matéria iminentemente conclusiva que nem sequer é imputada a cada uma das Rés” – como o próprio Autor afirma ter apenas demandado as 2ª e 3ª Rés por cautela, por desconhecer as condições gerais do contrato de seguro por acidentes de trabalho.

Sem prescindir,

I) Do depoimento das testemunhas e da prova documental junta não resultam os factos que a Recorrente pretende que resultem, mas apenas o total desconhecimento das circunstâncias em que ocorreu o acidente, bem como a impossibilidade de apurar que medidas poderiam ter sido tomadas para o evitar.

J) Não se encontram preenchidos os pressupostos legais necessários à imputação ao empregador da responsabilidade pela reparação dos danos sofridos em consequência do acidente de trabalho, uma vez que não se provou a omissão efetiva de regras de segurança que impendiam sobre este (e, consequentemente, também não pode ser estabelecida qualquer relação causal) – a prova destes não foi feita pelo Autor nem pela Recorrente.

TERMOS EM QUE DEVE IMPROCEDER NA ÍNTEGRA O PRESENTE RECURSO E MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA.” (realce e alteração do tamanho de letra aqui introduzidos)

O recurso foi admitido, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, apresentados que foram ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, foi exarado parecer, no qual sustenta que o recurso deverá merecer em parte provimento, aí se lendo (realce nosso):

“2.2. Levando em conta os factos dados como provados, sobretudo no ponto 4, entende-se que na verdade este acidente não teria ocorrido se existisse uma barreira física entre a zona da máquina dos cabeços/estrelas e o tapete subsequente.

Conclusão a que chegou também a ACT no inquérito que elaborou acerca do acidente e foi junto ao processo.

Este dispositivo foi colocado e devidamente implementado depois do acidente, como referem as testemunhas ouvidas, conforme excertos transcritos.

Agora a porta dessa barreira física encontra-se fechada, o que antes não acontecia, e uma vez abertas, para retirar alguma das “latas” que tenha ficado “encravada” ou “contenha defeito”, a máquina para de forma automática (por ação de censores), o que não acontecia antes, e, neste caso, em que a máquina se mantinha sempre em funcionamento.

Retirar uma ou cinco “latas” do tapete com a máquina em movimento é mais que provável que possam ocorrer e ocorram acidentes.

Sendo certo que, a regra, para garantir segurança na realização desta operação, a máquina deve estar parada.

(…)

Neste caso, não foram acauteladas condições de segurança, consubstanciadas na ausência de um dispositivo protetor, ou barreira física entre a zona da máquina dos cabeços/estrelas e o tapete subsequente.

A falta deste dispositivo esteve na origem deste acidente. E, caso existisse o acidente seria evitado pois, ao abrir a porta de acesso ao tapete a máquina parava automaticamente, e o acidente não ocorria.

Responsável, antes de mais, é entidade empregadora do trabalhador sinistrado – art.º 7º e 79º, n.º 2, da LAT – que deverá ser condenada nos termos do art.º 18º da LAT e a Seguradora nos termos do art.º 79º, 3, da mesma Lei.

3. Pretendia, ainda, a Recorrente que se considerassem provados os factos constantes dos artigos 10º e 14º da p. i.

Alegava-se nos citados artigos da p. i. que, artigo 10.º: “A mencionada máquina encontrava-se sem as devidas proteções, bem como sem os necessários sistemas de segurança” e no artigo 14.º: “o Autor agiu sempre de acordo com os materiais e condições disponibilizadas, sendo certo que, à data do acidente de trabalho, as condições de segurança não estavam devidamente implementadas.”

Esta factualidade, traduz-se em conclusões, sem que se diga em concreto os sistemas de segurança em falta. Estes, são os que resultam dos factos dados como provados.


*

4. Termos em que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer no sentido de ser concedido parcial provimento ao recurso, nos termos referidos.

A Ré C...), S.A., respondeu ao Parecer, nos seguintes termos:

“1. Vem o Ministério Público afirmar que o acidente “não teria ocorrido se existisse uma barreira física entre a zona da máquina dos cabeços/estrelas e o tapete subsequente” .

2. O que não se pode aceitar.

3. As circunstâncias do acidente são absolutamente desconhecidas, não passando tal afirmação de um juízo hipotético.

4. A máquina possuía os dispositivos de segurança exigidos por lei à data dos factos.

5. A probabilidade elevada da ocorrência de acidentes defendida pelo Ministério Público é contraditada pela realidade factual, de nunca ter ocorrido qualquer acidente naquela máquina em pelo menos 27 anos de existência da mesma.

6. Como bem afirma o MP, o ónus da prova da prova da responsabilidade agravada do empregador cabe ao respetivo beneficiário, não tendo tal sido sequer alegado pelo trabalhador, e tendo sido apenas invocado pela seguradora no âmbito deste recurso.

7. Sendo essencial a existência de um nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano, traduzido num juízo de imputação objetiva do dano ao facto que o produz.

8. Assim, a causalidade adequada neste âmbito não se basta com a afirmação empírica de que uma determinada regra de segurança não foi cumprida (facto ilícito) e que também por via disso ocorreu o acidente e suas consequências, mas exige também a demonstração de que se tal regra tivesse sido cumprida o acidente não teria ocorrido, pois só assim se poderá sustentar que a violação não foi indiferente para a produção do resultado.

9. Os trabalhadores tinham instruções claras da Entidade Patronal para não manusear as partes móveis da máquina sem a desligar primeiro.

10. Pelo que o acidente seguramente não teria ocorrido se a máquina estivesse parada.

11. Estando o mecanismo de paragem da máquina, como se demonstrou, acessível ao trabalhador que apenas o acionou no decorrer do acidente.

12. Deste modo, não se verificou nenhuma violação das regras de saúde e segurança no trabalho, nem a mesma foi alegada ou provada no presente processo de forma concreta.

13. Nem foi alegada ou provada a culpa da entidade patronal na ocorrência do acidente.

14. O Ministério Público limita-se a afirmar que “não foram acauteladas condições de segurança, consubstanciadas na ausência de um dispositivo protetor ou barreira física entre a zona da máquina dos cabeços/estrelas e o tapete subsequente”.

15. Ora, não só existia uma porta de acesso à zona móvel da máquina, que não se provou se estaria aberta ou fechada no momento do acidente, como existia um mecanismo de paralisação da máquina.

16. Que os trabalhadores tinham instruções para acionar sempre que se revelasse necessário.

17. Como não é invocada qualquer normal legal ou sequer regra da experiência violada pela Entidade Patronal.

18. A responsabilização da Entidade Patronal não pode derivar de um juízo abstrato e conclusivo.

19. Mas apenas de factos concretos, alegados e provados pelas partes, com garantia de contraditório, dos quais não resulte dúvida de que foram causa adequada do acidente.

20. O que não se verifica neste caso.

21. Pelo exposto, salvo o devido respeito, carece de fundamentação o parecer do Ministério Público, pelo que não deve ser alterada a douta decisão proferida em primeira instância.”


*

Corridos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir.

Objeto do recurso:

Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º, nº4 e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil – aplicável ex vi do artigo 87º, nº1 do Código de Processo do Trabalho –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir:

- impugnação da matéria de facto;

- saber se existe responsabilidade agravada, das 2ª e 3ª Rés, A..., Ld.ª e C...), S.A., se estas devem ser condenadas a pagar ao Sinistrado/Apelante os montantes decorrentes dessa responsabilidade agravada e demais consequências.

2. Fundamentação:

2.1. Fundamentação de facto:

2.1.1. Na fundamentação da decisão de facto, lê-se na sentença:

“1) No dia 28 de março de 2018, o autor sofreu um acidente, enquanto se encontrava ao serviço da 3ª ré, na sua sede, durante o tempo de trabalho.

2) No dia 28 de Março de 2018, pelas 12:00 horas, o Autor operava a máquina de cravar latas, cravadeira.

3) Tal máquina era constituída por um tapete, seguido de cabeços/estrelas – mecanismo que crava os tampos nas latas -, tapete e lavadora.

4) Inexistia qualquer barreira física entre a zona da máquina dos cabeços/estrelas e o tapete subsequente.

5) O A estava posicionado de frente para o tapete e entre si e a máquina interpunha-se um espaço que tinha aposto uma porta de metal, porta esta que permitia o acesso à máquina cravadeira e que estava sempre aberta, para que os trabalhadores observassem e monitorizassem o processo de produção e verificassem as latas após as mesmas saírem dos cabeços/estrelas quando estas estavam no tapete subsequente.

6) Havia um botão de paragem da máquina na zona frontal superior da máquina que permitia desliga-la e liga-la e que está ao alcance do operador.

7) As funções do A compreendiam:

a. abrir as torneiras dos molhos,

b. colocar tampos na máquina cravadeira,

c. verificar as latas que circulavam no tapete situado antes da cravadeira, para se assegurar de que continham todos os componentes,

d. verificar se nenhuma lata encravava nos cabeços/estrelas, sendo que, se tal sucedesse, a máquina teria de ser parada no botão de emergência e a lata(s) encravada(s) teria de ser retirada com um gancho metálico,

e. após a cravação, verificar se as latas que haviam sido depositadas no tapete estavam bem cravadas, para o que teria de retirar com as mãos cerca de cinco latas que estavam no tapete (tapete este situado logo após os cabeços/estrelas da cravadeira), para amostragem e vistoria.

8) Por forma não concretamente apurada o braço esquerdo do A ficou preso nos cabelos/estrelas da máquina de cravar tampas nas latas de conservas, vindo o A a sofrer lesões.

9) O Autor estava ao serviço da Ré C... desde 21/8/2017.

10) No decurso da sua prestação de trabalho para a Ré C... o A recebeu acções de formação, designadamente “Cumpra as Regras”, “Reforço de Regras Básicas”, “Produção D...”, ”Protecção da Integridade da Marca D... e Segregação”, “Reforço de Regras de Segurança e Higiene e outros”, “Sensibilização, Formação – Circulação e Interdição de Peões na/parta a Zona de Frio”.

11) O tapete da máquina cravadeira funciona a baixa velocidade.

12) Do referido em 1) resultou para o Autor:

a. esfacelo do antebraço e mão esquerda;

b. Lesão da artéria cubital sem capacidade de reparação;

c. Lesão do nervo cubital e do nervo mediano sem possibilidade de sutura;

d. Lesão dos ventres musculares do antebraço, dos flexores superficiais dos dedos, do flexor longo do polegar, dos flexores radial e cubital do carpo, palmar longo (sem possibilidades de reparação, tenodese a flexores profundos;

e. Fractura do cúbito, osteossíntese com placa e parafusos;

f. Fractura do 2º metacarpo, osteossíntese OOS com placa de minifragmentos;

g. Luxação carpo metacárpica, estabilização com fio de K.

13) O Autor foi assistido no Hospital ..., Porto, onde foi operado duas vezes, tendo sido intervencionado ainda oito vezes no bloco operatório para limpezas cirúrgicas.

14) O A foi sujeito a internamento entre 28-03-2018 a 29-05-2018.

15) Findo o internamento, o Autor prosseguiu os tratamentos em consulta externa de ortopedia, tendo feito fisioterapia no mesmo Hospital durante três meses.

16) O Autor continua limitado e tem dificuldades em comer, vestir-se e despir-se, apertar os cordões dos sapatos, apertar e desapertar botões, bem como fazer o nó de gravata.

17) O Autor não voltou a trabalhar no seu posto de trabalho.

18) A nível de lesões e/ ou sequelas, o Autor apresenta:

- No membro superior esquerdo, uma cicatriz na face anterior do antebraço, braquiforme, com comprimento de 30 cm e largura de 7 cm.

- Outras cicatrizes na face dorsal do antebraço e da mão, a maior das quais tem 10 cm de comprimento;

- Acentuado défice de flexão e extensão dos dedos;

- Punho com extensão máxima de 30 graus.

19) O Autor tem IPP de 42,964%, com IPATH, pelo que após aplicação de facto 1,5 pela não reconvertibilidade profissional tem IPP de 64,446%, desde 15/6/2021, tendo estado em situação de incapacidade absoluta para o trabalho de 29/3/2018 a 15/6/2021.

20) O A carece de tratamentos de fisioterapia, terapia ocupacional, ortótese de posicionamento da mão e punho, faca de Nelson, bolsa palmar para a mão esquerda que permita encaixe de talher, rebordo de prato, base antiderrapante, abridor de frascos e latas, abotoador, calçadeira de cabo longo, calçador de meias, adaptador para fechos, escova de cabo longo para banho.

21) O autor, AA, nasceu no dia ../../1980.

22) No dia 21 de agosto de 2017, o autor celebrou com a ré “A...” um contrato de trabalho a termo (cedência de mão-de-obra temporária).

23) A referida sociedade dedica-se à atividade de cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros utilizadores, podendo ainda desenvolver atividades de seleção, orientação e formação profissional, consultoria e gestão de recursos humanos.

24) Em 28 de março de 2018, o autor auferia € 594,00x14 + €3,50x22x11 + € 15,00x14, num total anual de € 9.373,00.

25) Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...93, a “A...” havia transferido a sua responsabilidade infortunística laboral em relação ao autor para a ré seguradora, pela retribuição acabada de referir.

26) O contrato de trabalho celebrado destinava-se a cedência temporária a terceiros utilizadores das funções exercidas pelo aqui autor, mais concretamente à sociedade “C...), S.A.”.

27) Na R C... o autor desempenhou funções inerentes à categoria profissional de trabalhador de fabrico (operário de indústria conserveira).

28) O autor é beneficiário da Segurança Social o NISS ...55.

29) O Instituto da Segurança Social, IP pagou ao Autor, a título de subsídio de doença, o montante de € 2.077,92, no período decorrido de 30/05/2018 a 28/09/2018.

30) O A despendeu a quantia de EUR. 228,50, referente a despesas em honorários clínicos e assistência médica.

* * * * *

Para além da factualidade acima elencada e com interesse para a decisão não resultaram provados quaisquer outros factos.

Designadamente, não se provou que:

a) O A decidiu sem que tivesse recebido qualquer instrução nesse sentido, tentar desencravar a máquina cravadeira que estava a operar e que tinha encravado, sem primeiro a desligar.

b) Havia o A recebido da R C... instruções para nunca mexer no mecanismo da máquina enquanto esta estivesse ligada.

c) Pelo facto da máquina ter encravado, o A abriu a porta de segurança para verificar a situação e tentou desencravá-la sem primeiro a parar por completo.

d) Nessa altura, ficou com o braço preso,

e) O A não acionou o botão de paragem da máquina nem utilizou o gancho metálico.


* * * * *

Motivação:

O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos juntos aos autos, na prova testemunhal produzida em sede de audiência e na prova pericial, do modo que seguidamente se descreve.

A factualidade ínsita nas alíneas 1), 22) a 29) dos factos provados corresponde àquela que fora já considerada assente porquanto estava provada por documento e/ou acordo das partes.

Quanto às circunstâncias espácio-temporais que rodearam a eclosão do acidente, designadamente ao modo de funcionamento da máquina/linha de produção da cravação, dispositivos da máquina, funções do operador(es) dessa máquina, tarefas do A – pontos 2) a 8) e 11) da matéria de facto provada e a) a e) dos factos não provados – os factos provados foram confirmados por todas as pessoas inquiridas que disso tinham conhecimento, designadamente por BB – funcionária da R C... há 35 anos, que trabalha há 15 anos sempre na máquina cravadeira e deu formação naquele que era o seu posto de trabalho ao A (durante cerca de 2 meses), para que este a substituísse na sua baixa de 3 meses, que acorreu aos gritos do A aquando do acidente, falando com ele, que lhe disse “engatou”, ficando a testemunha com a ideia que o A terá introduzido o braço na máquina na parte após a zona das “estrelas/cabeços” para vistoriar a qualidade das latas pegando nelas com as mãos quando estavam sobre o tapete, tendo a roupa de trabalho que envergava sido puxada inadvertidamente pelo(s) “cabeços/estrelas”, mais esclarecendo que todos os operadores procediam como o A fez, introduzindo o braço na máquina através da porta de metal que estava sempre aberta para verificar a qualidade da cravação, explicando que, se tal feito logo após a zona dos “cabeços/estrelas”, muitas latas poderiam ficar inutilizadas por o operador não se aperceber imediatamente (ou no mais curto espaço de tempo possível) da existência de defeitos decorrentes do processo de cravação, esclarecendo ainda que após o acidente a R C... introduziu melhorias naquela linha de produção, isolando a zona dos “cabeços/estrelas” com acrílicos, colocando sensores na porta que passou a estar fechada, sendo que quando agora se abre a porta a zona do mecanismo dos “cabeços/estrelas” para, embora o tapete continue a rolar, referindo ainda a formação que ministrou ao A e as que os trabalhadores da fábrica recebiam -, o depoimentos sincero, coerente e credível desta testemunha foi confirmado por depoimento igualmente credível das testemunhas CC – mecânico que trabalha nas linhas de produção da R C... há 9 anos e que também acorreu aos gritos do sinistrado, com ele falando, tendo-lhe o sinistrado dito que se sentiu a ser puxado, descrevendo a testemunha que o A envergava uma camisola que era farda e tinha cor azul, descrevendo ainda os mecanismos da máquina à data do acidente e atualmente -, DD, que também operava a máquina nos anos de 2017 e 2018, tendo ouvido os gritos aquando do acidente, descrevendo as alterações introduzidas à máquina após o referido acidente, sendo que após o sinistro a testemunha passou a trabalhar na referida máquina. Já a testemunha EE, preparadora de peixe da R C..., estava ao lado do A na referida máquina aquando do acidente, estando posicionado na linha de produção depois do A, nunca tendo exercido as funções daquele, tendo-se afastado de imediato por ter ficado impressionada, nada sabendo acerca das funções exercidas pelos operadores da maquina posicionados na linha de montagem no mesmo local onde estava o A, descrevendo as fardas que há na fábrica e a existência de um botão de ligar e desligar da máquina. FF, que peritou o acidente a solicitação de empresa que presta serviços para a R Seguradora, e elaborou o documento de fls. 285 vs e ss e que foi junto aos autos a 13/9/2023, descreveu as tarefas que realizou nessa precisa medida. Por seu turno, GG, encarregado geral da fábrica, relatou como se encontrava numa reunião e acorreu aos gritos dos trabalhadores, vendo já o A sentado com o braço embrulhado, explicou que pouco sabia e sabe das funções concretas dos operários, pois que a R C... tinha cerca de 180 trabalhadores e as suas tarefas prendem-se essencialmente com a qualidade dos produtos e crus. Mais se teve em conta as fotografias da máquina de fls. 241 a 242, 287 v e ss, auto de notícia da PSP de fls. 290 vs e ss e auto de notícia da ACT e demais documentos de processo de contraordenação juntos aos autos a 14/9/2023.

Teve-se ainda em conta os documentos comprovativos do sinistrado ter frequentado ações de formação na R C... de fls 275 a 279 e a data em que ali iniciou funções – para prova dos pontos 9) e 10) da factualidade provada – sendo que as testemunhas trabalhadores da R C... também o confirmaram.

Quanto às lesões sofridas pelo A e incapacidades para o trabalho por este sofridas, pontos 12) a 20) da matéria de facto provada, teve-se em conta os exames periciais realizados nos autos, quer na fase singular quer por junta médica, sendo que a junta médica foi unânime, tendo-se tido ainda em conta os elementos clínicos do sinistrado juntos aos autos e o parecer do CHGE de fls 18 do Apenso A.

Note-se que realizado o exame por junta médica, os Srs. Peritos médicos atribuíram ao sinistrado, por unanimidade os senhores peritos médicos que o sinistrado ficou afetado com 42,964% de IPP, com IPATH.

Há que ponderar que, nos termos do ponto 5) al. a) das Instruções Gerais, da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho ou Doenças Profissionais, anexa ao Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:

a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse fator.

No caso dos autos o A tem IPATH, pelo que se terá de entender que não é reconvertível em relação ao posto de trabalho, pelo que beneficiará da aplicação do factor 1,5.

Considerando a fórmula legal IG + (IG x 0.5), concluímos que o A tem IPP de 64,446%, desde 15/6/2021.

No que respeita às despesas médicas teve-se em conta os documentos juntos aos autos a fls 250 e ss conjugados com regras de experiência comum – ponto 30).”

2.1.2. Impugnação da matéria de facto:
De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº1 do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 1º, nº 2, al. A) do Código de Processo do Trabalho), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Os poderes da Relação sobre o julgamento da matéria de facto foram reforçados na atual redação do Código de Processo Civil.
Abrantes Geraldes, (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 230) refere que, “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Apesar de (obra citada, pág. 245), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não poder confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”.
Na reapreciação da força probatória das declarações de parte, dos depoimentos das testemunhas e dos documentos, importa ter presente o princípio da livre apreciação, como resulta do disposto nos artigos 607º, nº5 e 466º, nº3, ambos do Código de Processo Civil e 396º e 366º.
Preceitua ainda o artigo 640º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil:
«1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)».
Entende a Apelante a Apelante que o Tribunal a quo apreciou de forma incorreta a prova testemunhal e documental produzida, julgando de forma incorreta os factos considerados como provados e não provados.
Analisando a matéria que a Apelante pretende fique provada, afigura-se-nos que é conclusiva, nela se incluindo juízos de valor que se prendem, aliás, com a questão jurídica suscitada pela Autora de que houve violação das regras de segurança.
No Acórdão desta Secção de 27.09.2017, proferido no processo nº3978/15.6T8VFR.P1, (Relator Desembargador Jerónimo Freitas), lê-se: “Como é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada.(…)”.
E no Acórdão do S.T.J. de 12.03.2014, in www.dgsi.pt: “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa ou latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes”,
Lê-se ainda no Acórdão do S.T.J. de 28.01.2016, in www.dgsi.pt: «Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de facto que se insira de forma relevante na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta ou componente relevante da resposta àquelas questões, ou cuja determinação de sentido exija o recurso a critérios jurídicos, deve o mesmo ser eliminado.»
Entende a Apelante que tendo em conta os depoimentos das testemunhas BB, CC e DD, em conjugação com os documentos juntos aos autos, mormente relatório do Autoridade Para as Condições do Trabalho, o Tribunal “a quo” podia e devia ter ter dado como provados os factos 10 e 14 alegados pelo Sinistrado na douta petição inicial.

Salienta que do relatório do Autoridade Para as Condições do Trabalho resulta que o sinistro “terá ocorrido porque a cravadeira, modelo 424, n.º série: 19-...04 e ano de fabrico 2004, não dispunha de proteção adequada a prevenir o risco de contacto mecânico, devido à ausência de protetores que impedissem o acesso a zonas perigosas ou de dispositivos que interrompessem o movimento dos elementos móveis antes do acesso a estas zonas”, documento que não foi impugnado, tem uma força probatória superior à prova testemunhal, atenta a consabida falibilidade desta.

Analisando:

- A mencionada máquina encontrava-se sem as devidas proteções, bem como sem os necessários sistemas de segurança. (art.º 10º da petição inicial)

A matéria de facto (não conclusiva) a este respeito, mostra-se assente nos itens 2, 3, 4 e 5 dos factos provados:

- No dia 28 de Março de 2018, pelas 12:00 horas, o Autor operava a máquina de cravar latas, cravadeira.

- Tal máquina era constituída por um tapete, seguido de cabeços/estrelas – mecanismo que crava os tampos nas latas -, tapete e lavadora.

- Inexistia qualquer barreira física entre a zona da máquina dos cabeços/estrelas e o tapete subsequente.

- O A estava posicionado de frente para o tapete e entre si e a máquina interpunha-se um espaço que tinha aposto uma porta de metal, porta esta que permitia o acesso à máquina cravadeira e que estava sempre aberta, para que os trabalhadores observassem e monitorizassem o processo de produção e verificassem as latas após as mesmas saírem dos cabeços/estrelas quando estas estavam no tapete subsequente.

A demais matéria que a Apelante pretende introduzir, é matéria conclusiva, pelo que improcede a este respeito a respetiva pretensão.

- O Autor agiu sempre de acordo com os materiais e condições disponibilizadas, sendo certo que, à data do acidente de trabalho, as condições de segurança não estavam devidamente implementadas. (art.º 14º da petição inicial)

É também matéria conclusiva.

A este respeito e como relevância, ficou considerada matéria de facto não provada nas alíneas a), b) c) d) e e) que:

- O A decidiu sem que tivesse recebido qua quer instrução nesse sentido, tentar desencravar a máquina cravadeira que estava a operar e que tinha encravado, sem primeiro a desligar.

- Havia o A recebido da R C... instruções para nunca mexer no mecanismo da máquina enquanto esta estivesse ligada.

- Pelo facto da máquina ter encravado, o A abriu a porta de segurança para verificar a situação e tentou desencravá-la sem primeiro a parar por completo.

- Nessa altura, ficou com o braço preso,

- O A não acionou o botão de paragem da máquina nem utilizou o gancho metálico.

A demais matéria que a Apelante pretende introduzir, é matéria conclusiva, pelo que improcede a este respeito a respetiva proteção.

Improcede na totalidade a impugnação de facto da Apelante.

2.2. Fundamentação de direito:

Lê-se na sentença:

“No caso, compulsada a matéria de facto apurada provou-se que no dia 28 de março de 2018, o autor sofreu um acidente, enquanto se encontrava ao serviço da 3ª ré, na sua sede, durante o tempo de trabalho, pois que, por forma não concretamente apurada o braço esquerdo do A ficou preso nos cabelos/estrelas da máquina de cravar tampas nas latas de conservas, vindo o A a sofrer as seguintes lesões: no membro superior esquerdo, uma cicatriz na face anterior do antebraço, braquiforme, com comprimento de 30 cm e largura de 7 cm; outras cicatrizes na face dorsal do antebraço e da mão, a maior das quais tem 10 cm de comprimento; acentuado défice de flexão e extensão dos dedos; punho com extensão máxima de 30 graus.

É igualmente manifesto que do acidente decorreu, como consequência direta e necessária, lesão corporal para o Autor, de que resultou redução na sua capacidade de trabalho e de ganho.

E estando no concreto acidente sobre que versam os autos verificados os acima apontados elementos espacial, temporal e causal, dúvidas não subsistem que este concreto evento é de qualificar como “acidente de trabalho”.”

Conclui a Ré Seguradora/Apelante que quer se proceda à alteração da matéria de facto, quer assim não ocorra, mantendo-se a mesma inalterada, em ambos os casos o acidente terá de ser imputado a culpa da Ré Empregadora.

Não obstante a improcedência da alegação da Recorrente em sede de impugnação da matéria de facto, impõe-se atender à subsunção jurídica concretizada na sentença do Tribunal a quo relativamente à questão do agravamento da reparação em virtude de violação de regras de segurança, perante a factualidade que resultou provada.

Concluiu, em suma, a Ré Seguradora Apelante:

- Será apodítico concluir, até por recurso às regras da experiência comum, que o uso de uma máquina industrial de cravar latas de conservas, com dispositivos móveis altamente cortantes, sem que possua um dispositivo de proteção será, no mínimo, concausal do acidente.

- A co-R. Empregadora violou as mais elementares regras de segurança que, por lei, estava obrigada a cumprir, nomeadamente o artigo 281º do Código do Trabalho, os artigos 5º e 15º da Lei n.º 102/2009, de 10/09.

- A co-R. Empregadora afrontou o D.L. n.º 50/2005, de 28/02, diploma que estabelece as regras mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho e a Portaria 21343, de 18 de Junho de 1965.

- Com a sua conduta, a co-R. Empregadora não acautelou o risco decorrente da falta dessa proteção e não protegeu o trabalhador do acesso às partes móveis da máquina, que se localizam numa zona altamente perigosa e suscetível de causar acidentes, como efetivamente, causou.

- Foi esta conduta omissiva da co-R. Empregadora que causou o acidente, porque a máquina tem componentes móveis suscetíveis de causar acidentes, devendo, por isso, dispor de protetores que protegessem o Autor de acesso àquela zona perigosa de modo a evitar que, como aconteceu no caso, a sua mão direita avançasse sobre a peça que estava a cortar e entrasse em contacto com o disco de corte.

- Se a máquina fosse dotada da proteção de acesso o Sinistrado nunca teria sido puxado para o interior da máquina, pois sempre esbarraria nessa proteção, evitando ser atingida pelo disco e, desse modo, não teria ocorrido o acidente.

- Analisando o concreto tipo de trabalho que o Sinistrado executava e o equipamento em causa, uma máquina desprovida de proteção, seria elevadíssima a probabilidade de acontecer um acidente de trabalho, como o que acabou por acontecer.

Vejamos:

É inquestionável a obrigação de o Empregador assegurar aos trabalhadores condições de segurança em todos os aspetos relacionados com o trabalho, devendo para o efeito aplicar as medidas necessárias, nomeadamente combatendo na origem os riscos previsíveis, anulando-os ou limitando os seus efeitos, dando prioridade à proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual (Lei nº 102/2009 de 10/09, da qual se realça o disposto pelos artigos 15º e 17º quanto às obrigações gerais do empregador e do trabalhador, respetivamente).
Por sua vez, está o trabalhador obrigado a cumprir as prescrições de saúde e segurança no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador (cfr. artigos 15º e 17º, nº 1 alínea a) da Lei 102/2009, de 10/09 e o artigo 128º, nº 1, als. e) e j), ambas do Código do Trabalho).
Não ficou demonstrada a existência de condições de segurança estabelecidas pela Entidade empregadora ou previstas na lei, a violação, por ação ou por omissão, dessas condições, por parte do Autor, cuja atuação fosse voluntária, ainda que não intencional, e sem causa justificativa e que existiu nexo de causalidade entre essa violação e o acidente.

Ficou inclusive considerada matéria de facto não provada nas alíneas a), b) c) d) e e) que:

- O Autor decidiu sem que tivesse recebido qualquer instrução nesse sentido, tentar desencravar a máquina cravadeira que estava a operar e que tinha encravado, sem primeiro a desligar.

- Havia o Autor recebido da Ré C... instruções para nunca mexer no mecanismo da máquina enquanto esta estivesse ligada.

- Pelo facto da máquina ter encravado, o Autor abriu a porta de segurança para verificar a situação e tentou desencravá-la sem primeiro a parar por completo.

- Nessa altura, ficou com o braço preso,

- O Autor não acionou o botão de paragem da máquina nem utilizou o gancho metálico.

Neste sentido se pronunciou também a Mm.ª Juiz a quo, na sentença recorrida:

“Revertendo ao caso dos autos, analisada a matéria de facto apurada, forçoso é concluir que as rés não lograram provar, como era seu ónus fazer – cfr. artigo 342º, n.º 2 do Código Civil –, quaisquer factos que permitam concluir pela descaracterização do acidente dos autos por referência a qualquer uma das situações previstas no citado artigo 7º e especificamente à invocada situação prevista na alínea c) do nº 1 desse normativo – veja-se a factualidade não provadas das als a) a e), não se tendo provado que o A tenha executado a tarefa onde se magoou por sua própria iniciativa e contra ordens expressas das RR Patronais, nem que o acidente tenha ocorrido por o A ter tentado desencravar a máquina e não a ter parado por completo previamente.

Na verdade, não se apurou desde logo que o sinistrado tenha praticado qualquer facto suscetível de ser enquadrado numa das referidas situações previstas na lei e que não dão direito a reparação do acidente – sendo certo que o ónus dessa prova sobre as RR impendia (art.º 342º, n.º 2 CC), pelo que não se verifica, desde logo, o primeiro requisito para que possa proceder a descaracterização do acidente de trabalho dos autos por violação de regras de segurança pelo sinistrado (art.º 14º, n.º 1, al a) NLAT).

E também não se verifica a situação prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 14º citado.

Na verdade, ficou provado que o sinistrado tenha atuado de forma descuidada e negligente, mas tal negligência não se pode reputar de groseira.

Como vimos supra, competia às rés, como responsáveis pela reparação do acidente, o ónus de prova dos factos conducentes à descaracterização do acidente de trabalho, ónus que no caso dos autos não se mostra cumprido.

Em face do explanado, improcede totalmente a exceção da descaracterização do acidente, sendo o acidente dos autos indemnizável.”

Afastada que está a responsabilidade do Autor pelo eclodir do acidente de trabalho, importa apurar se pelo mesmo foi responsável a Entidade empregadora.

A responsabilidade agravada da Entidade empregadora em matéria de acidentes de trabalho, (cfr. artigo 18º, nº1 da Lei 98/2009, incluído na transcrição da sentença supra), exige:

a) a demonstração da inobservância das regras sobre a segurança, higiene e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora;

b) que foi essa inobservância a causa adequada do acidente.

Considerou a 1ª instância que “(…) apenas em sede de alegações orais na audiência de julgamento, a Ré Seguradora concluiu entender que o acidente se terá ficado a dever a infração de regras de segurança por parte da R C..., no entanto nenhum facto foi alegado de onde se pudesse retirar a ilação a que chegou a R Seguradora, muito menos se tendo provado qualquer facto nesse sentido, pelo que essa pretensão da R Seguradora não pode proceder.”

Conclui a Ré Seguradora/Apelante que não faz o menor sentido o assim referido na sentença em crise, pois não só o Sinistrado invocou a responsabilidade da co-R patronal nos pontos 10 e 14 da petição inicial como foram provados factos nesse sentido (factos 2 a 8 da factualidade dada como provada) e, ainda que assim não fosse, nunca o tribunal estaria limitado à alegação e pedido das partes, podendo e devendo, nos termos dos artigos 72º e 74º do DL n.º 480/99, de 09 de Novembro, e dentro dos respetivos limites, dar como provados factos relevantes para o litígio, ainda que não alegados pelas partes e, se se der o caso, condenar para além do pedido.

Reparo que subscrevemos.

Mais não fosse, impunha-se atentar a que foi considerado objeto do litígio, nomeadamente:

1. Determinar se o acidente sofrido pelo autor resultou da falta de observação das regras sobre a segurança e saúde no trabalho.

É questão que também a este tribunal superior se coloca.

O Decreto-Lei n.º 50/2005 de 25 de Fevereiro, transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho.

Prevê o Artigo 16.º do mesmo Decreto-Lei:

«Riscos de contacto mecânico

1 - Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protetores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas.

2 - Os protetores e os dispositivos de proteção:

a) Devem ser de construção robusta;

b) Não devem ocasionar riscos suplementares;

c) Não devem poder ser facilmente neutralizados ou tornados inoperantes;

d) Devem estar situados a uma distância suficiente da zona perigosa;

e) Não devem limitar a observação do ciclo de trabalho mais do que o necessário.

3 - Os protetores e os dispositivos de proteção devem permitir, se possível sem a sua desmontagem, as intervenções necessárias à colocação ou substituição de elementos do equipamento, bem como à sua manutenção, possibilitando o acesso apenas ao sector em que esta deve ser realizada.»

No caso, aquando do acidente, inexistia qualquer barreira/protetor que impedisse o acesso às zonas perigosas da máquina em que o Sinistrado operava, nomeadamente o equipamento designado de cravadeira e respetivos órgão móveis.

Assim se afere do que resultou provado e se salienta:

- No dia 28 de Março de 2018, pelas 12:00 horas, o Autor operava a máquina de cravar latas, cravadeira.

- Inexistia qualquer barreira física entre a zona da máquina dos cabeços/estrelas e o tapete subsequente.

- O A estava posicionado de frente para o tapete e entre si e a máquina interpunha-se um espaço que tinha aposto uma porta de metal, porta esta que permitia o acesso à máquina cravadeira e que estava sempre aberta, para que os trabalhadores observassem e monitorizassem o processo de produção e verificassem as latas após as mesmas saírem dos cabeços/estrelas quando estas estavam no tapete subsequente.

Em suma, entendemos ter ocorrido violação das disposições respeitantes às condições de segurança que devem proteger os trabalhadores expostos, contra os riscos de contacto mecânico.

O Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se, recentemente, sobre a questão em apreciação, em diversos acórdãos.

Lê-se no sumário do Acórdão de 03.11.2023, do STJ (in www.dgsi.pt):

“I- A responsabilidade agravada do empregador pode ter dois fundamentos autónomos: um comportamento culposo da sua parte (a título de dolo ou negligência), criador de uma situação perigosa (e inerente esfera de risco); ou a violação pelo empregador de regras de segurança ou saúde no trabalho que ele estivesse diretamente obrigado a observar e de cuja omissão resulte o acidente (hipótese em que é desnecessária prova da culpa, ao contrário do que acontece naquele primeiro caso).

II- Ambos os fundamentos exigem (para além do “comportamento culposo” ou da violação normativa) a prova do nexo causal entre determinada conduta (ato ou omissão) e o acidente.

III- O ónus de alegar e provar os factos que agravam a responsabilidade do empregador compete ao respetivo beneficiário, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

(…)” (https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/696fa541231452a480258a6000333f2b?OpenDocument)

No Acórdão de 21.02.2024, do STJ (in www.dgsi.pt):

“Dispõe o artº 14º, nº 1, al. a), da Lei 98/2009 (LAT):

1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:

a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei”.

Quanto ao nexo de causalidade, temos que, e segundo Galvão Teles, Manual de Direito das Obrigações, 229, no direito civilístico português vigora a doutrina da causalidade adequada: "determinada ação ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa ação ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar"

No Ac. do STJ de 23/9/2012, proc. 289/09.0TTSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, escreveu-se o seguinte:

“Debruçando-se sobre esta temática, Pessoa Jorge começa por aludir à “teoria da equivalência das condições”, para a qual “... cada condição sine qua non seria causa de todo o efeito, porque, sem ela, as outras condições não teriam atuado” (in “Ensaio Sobre os Pressupostos Da Responsabilidade Civil” – “Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal”, Lisboa, 1 a 72, reedição, página 389).

Sendo notório, porém, que uma tal teoria jamais poderia ser transposta, na sua genuinidade, para o domínio da responsabilidade civil – por ser patentemente injusto responsabilizar alguém por prejuízos que nada tiveram a ver em concreto, com a sua conduta – haverá que eleger então, de entre as várias condições do dano, aquelas que legitimam a imposição, ao respetivo agente, da obrigação de indemnizar.

O nosso sistema positivo acolheu a “teoria de causalidade”, ao consignar, no artigo 563.º do Código Civil, que “...a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

A inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a sua produção, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excecionais ou extraordinárias.

A teoria da causalidade adequada impõe, pois, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico concreto, condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado; e, num segundo momento, que o facto concreto apurado seja, em geral e abstrato, adequado e apropriado para provocar o dano.

E assim sendo, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excecionais, extraordinárias ou anómalas, que intervieram no caso concreto- ac. do STJ de 25/10/2018, proc. 92/16.0T8BGC.G1.S2.

“(...) o artigo 563.º do Código Civil estabelece a respeito da obrigação de indemnização que esta “só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” (…). Quer se considere que a norma consagra assim a chamada “causalidade adequada” na sua formulação negativa, quer se ponha o acento no escopo da norma violada e na interação entre o fundamento da responsabilidade e a imputação do dano ao agente 3, o lesado tem aqui apenas que invocar que a não observância das regras de segurança terá provavelmente influído na ocorrência do acidente. Como bem destacou o Tribunal da Relação de Guimarães, em Acórdão também ele recente, “trata-se de elaborar um juízo de prognose sobre se aquele facto, em abstrato e em condições normais, tem aptidão genérica para produzir aquele resultado típico que é, assim, sua consequência normal, recorrendo-se à probabilidade fundada em conhecimentos médios e em regras da experiência comum”- ac. do STJ de 3/11/2023, Proc. n.º 1694/20.6T8CSC.C1.S1.

Constitui jurisprudência deste STJ (veja-se, por exemplo, o acórdão de 23-06-2023, Proc. n.º 179/19.8T8GRD.C1.S1, para cuja fundamentação exaustiva remetemos) que, para prova do nexo causal, basta a demonstração de que o sinistro é uma consequência normal, previsível da violação das regras de segurança, independentemente de se provar ou não, com todo o rigor e extensão, “a vertente naturalística”, a chamada dinâmica do acidente - cfr., igualmente, o citado Ac. de 3/11/2023.” (https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/946e6082f7adc44d80258acb003bc011?OpenDocument)

No mesmo sentido, também o recente Acórdão do STJ de 22.05.2024 (in www.dgsi.pt):

“ I - O nosso sistema positivo acolheu a “teoria de causalidade”, ao consignar, no artigo 563.º do Código Civil, que “...a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

II- Para prova do nexo causal, basta a demonstração de que o sinistro é uma consequência normal, previsível da violação das regras de segurança, independentemente de se provar ou não, com todo o rigor e extensão, a chamada dinâmica do acidente.”

Por último, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2024, Uniformizando Jurisprudência, proferido em 17.04.2024:

«Para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, n.º 1, da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação.» (realce aqui introduzido)

Em concreto, como acima afirmado, mostra-se violada uma regra de segurança específica.

E pode concluir-se que atentas as regras da experiência, era objetivamente provável que a omissão das medidas de segurança - nomeadamente as que o Sinistrado alegou vieram ulteriormente a ser implementadas (matéria não incluída na factualidade assente) -, onde o Autor se encontrava a trabalhar, desencadeasse o evento provocando-lhe lesões e sequelas físicas que ficaram provadas?

A resposta é afirmativa.

O acidente dos autos ocorreu em no dia 28 de Março de 2018, sendo aplicável a Lei nº 98/2009, de 04 de Setembro (LAT), a qual regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais.
Dispõe o artigo 7º da LAT que «é responsável pela reparação e demais encargos decorrentes de acidentes de trabalho (...), a pessoa singular ou coletiva de direito privado ou de direito público não abrangida par legislação especial, relativamente ao trabalhador ao seu serviço".
Daqui decorre que são os empregadores que, em primeira linha, respondem pela reparação do acidente, embora sejam obrigados a transferir essa responsabilidade para uma companhia de seguros que passará então a ser a responsável, nos termos do contrato de seguro - artigo 79º da LAT.
A reparação do acidente ao abrigo da Lei dos Acidentes de Trabalho só pode, pois, em princípio, ser pedida à entidade empregadora ou à sua seguradora.
Em princípio, desde logo, tratando-se de responsabilidade agravada, por a responsabilidade poder abranger outras entidades como resulta do artigo 18º nº1 da LAT: «1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança, e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.»
No caso, da factualidade provada, como se afirmou houve omissão que configura violação de regras sobre segurança no trabalho.
Importa aqui atender ao que se provou nos itens 22, 23, 26 e 27 dos factos provados:

- No dia 21 de agosto de 2017, o Autor celebrou com a ré “A...” um contrato de trabalho a termo (cedência de mão-de-obra temporária).

- A referida sociedade dedica-se à atividade de cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros utilizadores, podendo ainda desenvolver atividades de seleção, orientação e formação profissional, consultoria e gestão de recursos humanos.

- O contrato de trabalho celebrado destinava-se a cedência temporária a terceiros utilizadores das funções exercidas pelo aqui autor, mais concretamente à sociedade “C...), S.A.”.

- Na Ré, C... o autor desempenhou funções inerentes à categoria profissional de trabalhador de fabrico (operário de indústria conserveira).

Com reporte à anterior LAT - Lei n.º 100/97, de 13-09, deixamos transcrita a fundamentação do Acórdão da Relação de Évora de 08.11.2011, proferido no processo nº 289/09.0TTSTB.E1 (Relator Desembargador João Luís Nunes, in www.dgsi.pt), ainda que

“Como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-03-2010 (Proc. n.º 436/09.1YFLSB – 4.ª Secção), o vínculo obrigacional previsto na Lei dos Acidentes de Trabalho estabelece-se entre o sinistrado ou os seus beneficiários legais, por um lado, e a entidade empregadora: e «[] quem beneficia da atividade prestacional do trabalhador e conforma a sua laboração, através de um vínculo – real ou potencial – de autoridade/subordinação jurídica e económica, deve igualmente assumir a responsabilidade pela mencionada reparação, responsabilidade essa que subsiste inclusivamente naquelas situações em que o acidente foi causado por outros trabalhadores ou por terceiros, sem prejuízo do direito de regresso que assista à entidade empregadora relativamente ao causador do evento, ou da sua própria desoneração, se este último já tiver satisfeito, entretanto, a indemnização correspondente».

Do que se deixa dito resulta que não acompanhamos a sentença recorrida quando nela se afirma que “(…) a violação das regras de segurança não pode ser imputada à entidade patronal, pois esta não dirigia efectivamente os trabalhos realizados naquela obra, nem determinava os procedimentos a adoptar – entre eles, os de segurança.

Nem se entende que seja aceitável que a R. entidade patronal possa ou deva ser penalizada pelo descuido de terceiros, que efectivamente dominavam a obra e decidiam o que ali se devia fazer e como”.

Ora, a responsabilidade da empresa de trabalho temporário, como empregadora, não se limita, após a colocação do trabalhador no utilizador, a pagar a retribuição e a exercer o poder disciplinar: se assim fosse, parece que ela não assumia qualquer risco como empregador para além da contratação do trabalhador; nem se compreenderia o porquê de, por exemplo, o utilizador dever informar a empresa de trabalho temporário sobre os riscos de segurança daquele.

Em tal situação a empresa de trabalho temporário apresentar-se-ia como uma simples agência de intermediação de emprego ou de colocação de trabalhadores.

E a obrigatoriedade que impende sobre a empresa de trabalho temporário de realizar o seguro de acidentes de trabalho limitava-se a abranger o período até à colocação do trabalhador no utilizador?

Nesta situação, a obrigatoriedade de seguro por parte do empregador parece que visava apenas acautelar um eventual acidente in itinere até o trabalhador estar colocado no utilizador, abrangendo, por isso, situações muito limitadas.

E se assim fosse não se compreende que a lei não contemplasse, ao menos expressamente, a obrigatoriedade do utilizador transferir a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho com o trabalhador para outra entidade.

Como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Setembro de 2004 (Proc. n.º 3775/03 – 4.ª secção), “ainda que a responsabilidade pela observância das condições de segurança num determinado local incumba a um terceiro (que responderá por tal perante as entidades fiscalizadoras competentes ou até em face da entidade patronal, na sede própria), continua a ser a entidade patronal - que paga a remuneração e exerce o seu poder de autoridade sobre o trabalhador -, a responsável direta perante este por determinar a execução da prestação laboral em local onde não foram previamente cumpridas as prescrições legais sobre higiene e segurança no trabalho”.

Assim, correndo o risco de sermos tautológicos, importa concluir que sendo (…), empresa de trabalho temporário, a empregadora (…), sobre ela recai o “risco de autoridade” como empregadora, sendo, por isso, a primeira responsável pela reparação do acidente de trabalho sofrido pelo trabalhador; isto mesmo em situações de responsabilidade agravada, por violação das regras de segurança, quer estas sejam imputáveis ao utilizador, quer sejam imputáveis a outro terceiro face à relação laboral.

Em tais situações, a empregadora responde nos termos previstos no artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97, de 13-09, respondendo a seguradora subsidiariamente e nos termos do n.º 2 do artigo 37.º da mesma lei.

Tudo isto sem prejuízo do direito de regresso que aquela possa vir a exercer sobre os responsáveis diretos pelo acidente.

Refira-se que neste mesmo sentido se decidiu em acórdão, recente, deste tribunal de 11-10-2011 (Proc. n.º 279/07.7TTBJA.E1).” (sublinhado nosso)

Na vigência da atual Lei de Acidentes de Trabalho, porém, “a empresa utilizadora é responsabilizada, desde logo, no processo e, em caso de procedência da ação, condenada pagar ao sinistrado as indemnizações devidas, solidariamente com a entidade empregadora daquele, a empresa de trabalho temporário.” lê-se no sumário do recente Acórdão da Relação de Guimarães de 12.06.2024, proferido no processo nº6585/21.0T8BRG.G1 (Relatora Desembargadora Vera Sottomayor, in www.dgsi.pt).

Seguimos de perto a fundamentação deste último acórdão:

“Prescreve o art.º 15.º da Lei n.º 102/2009, de 10/09, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 3/2014, de 28/01, que

1 – O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho.

2 – O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:

a) Evitar riscos;

b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições do trabalho, as relações sociais e a influência dos fatores ambientais;

c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;

d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adotar as medidas adequadas de proteção;

e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de proteção (…)”.

E prescreve o art.º 16.º da citada Lei, que regula as atividades simultâneas ou sucessivas no mesmo local de trabalho, o seguinte:

“1. Quando várias empresas, estabelecimentos ou serviços desenvolvam, simultaneamente, atividades com os seus trabalhadores no mesmo local de trabalho, devem os respetivos empregadores, tendo em conta a natureza das atividades que cada um desenvolve, cooperar no sentido da proteção da segurança e da saúde.

2. Não obstante a responsabilidade de cada empregador, devem assegurar a segurança e a saúde, quanto a todos os trabalhadores a que se refere o número anterior, as seguintes entidades:

a) A empresa utilizadora, no caso de trabalhadores em regime de trabalho temporário

(…)”.

Das citadas disposições legais resulta, que a empresa de trabalho temporário será, em primeira linha, a entidade responsável pela reparação dos acidentes de trabalho sofridos pelos respetivos trabalhadores temporários quando cedidos a empresa utilizadora, já que se impõe às empresas de trabalho temporário o cumprimento efetivo do dever de controlo das condições de trabalho dos trabalhadores temporários, o que significa que se lhe impõe um especial dever de cuidado, que passa pelo conhecimento mínimo das condições de trabalho que o seu trabalhador vai encontrar, em claro detrimento de um papel de mero intermediário na colocação de mão-de-obra.

Importa ainda referir que as empresas de trabalho temporário para afastar a sua responsabilidade pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho estão sujeitas a um duplo ónus de prova, referente quer ao incumprimento das regras relativas à segurança, higiene e saúde no trabalho por parte da empresa utilizadora, quer referente ao seu próprio cumprimento do dever de vigilância das condições de trabalho dos trabalhadores temporários nas empresas utilizadoras, o qual deverá ser observado em ação autónoma a instaurar posteriormente, em caso de existência de eventual direito de regresso.

Em suma, ainda que se apure que o acidente de trabalho se ficou a dever à falta de observação, por parte do utilizador de mão-de-obra, das regras sobre segurança e saúde no trabalho a responsabilidade pela reparação do acidente, nos termos prescritos no artigo 18.º n.º 1 da NLAT, incumbe solidariamente ao empregador e ao utilizador da mão-de-obra, sem prejuízo de assistir ao empregador, por via de ação autónoma, direito de regresso contra o utilizador.

Carece assim de fundamento a pretensão (…) no sentido de afastar a sua responsabilidade pelo ressarcimento de acidentes de trabalho resultante do incumprimento de normas de segurança decorrente da interpretação que faz do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, diploma que revogou a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e que entrou em vigor no 1 de Janeiro de 2010, com a qual não podemos concordar.”

Em concreto, a 2ª e 3ª Rés, Entidade empregadora e a Empresa utilizadora de mão-de-obra, são solidariamente a responsáveis em termos agravados.

Tendo o acidente resultado da inobservância por ambas de regras de segurança, justifica-se a responsabilidade infortunística em termos solidários das mesmas, ou seja, a consideração de que são ambas responsáveis pela reparação dos danos decorrentes do mesmo acidente, conforme resulta do artigo 18º da LAT.
Ocorrendo «Atuação culposa do empregador», dispõe o artigo 18º, nº4 da LAT:
«4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por atuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição;
b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;
c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.»
Por seu turno, a condenação da Ré Seguradora é limitada às prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso:
Artigo 79º nº 3 da LAT:
«3 - Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.»
O Autor não pediu expressamente a pensão agravada, mas há que a atribuir, estando perante direitos indisponíveis- artigo 74º do Código de Processo do Trabalho.

Procedendo aos cálculos da pensão agravada, nos termos do artigo 18º, nº4, alínea b) da LAT, temos a considerar a matéria provada:

- O Autor em 28 de março de 2018, o autor auferia € 594,00x14 + € 3,50x22x11 + € 15,00x14, num total anual de € 9.373,00.

- IPP de 42,964% com IPATH pelo que após aplicação de facto 1,5 pela não reconvertibilidade profissional tem IPP de 64,446%, desde 15/6/2021.

Assim:

Remuneração anual de € 9.373,00

9.373,00x 0, 70= 6.561,1

9.373,00-6.561,1 = 2.811,9

2.811,9x 0,64466= 1.812,72

6.561,1+ 1.812,72 = € 8.373,82

O valor da pensão agravada devida é de € 8.373,82

Tal como referido na sentença, a ser paga mensalmente, até ao 3º dia de cada mês e no seu domicílio devida a partir de 16 de Junho de 2021, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como o subsídio de férias e de Natal, cada um igualmente no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, respetivamente, conforme o disposto no artº 48º, nº 3, alínea c) e 72, nº2, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro.

Nos termos da Portaria n.º 6/2022, de 4 de janeiro que procedeu à atualização anual das pensões de acidente de trabalho (art. 1º daquela Portaria), cujos artigos 2º e 3º, estatuem que a partir de 01/01/2022, as pensões de acidente de trabalho são atualizadas para o valor resultante da aplicação da percentagem de aumento de 1 %, a partir de 01/01/2022.

E nos termos da Portaria n.º 24-A/2023, de 9 de Janeiro, arts 1º e 2º, a partir de 01/01/2023, as pensões de acidente de trabalho são atualizadas para o valor resultante da aplicação da percentagem de aumento de 8,4 %, a partir de 01/01/2022.

Ficou ainda provado:

- Como consequência desse mesmo evento, resultaram para o Autor os seguintes períodos de incapacidade temporária absoluta para o trabalho de 29/3/2018 a 15/6/2021.

O Autor tem também direito à indemnização agravada pelos períodos de incapacidade temporária para o trabalho, nos termos previstos no artigo 18º, nº4, alínea a) da LAT.

O Autor não pediu expressamente tal indemnização agravada, mas há que a atribuir, estando perante direitos indisponíveis - artigo 74º do Código de Processo do Trabalho.

Procedendo ao respetivo cálculo:

A base é a remuneração anual: € 9.373,00

Face ao período de incapacidade temporária absoluta para o trabalho de 29/3/2018 a 15/6/2021 e ao disposto no artigo 18º, nº4, alínea a) da LAT, temos:

- 1172 dias de ITA = € 9.373,00:365 x 1172dias = € 30.096,31

É assim devida ao Autor a quantia correspondente ao agravamento que corresponde à diferença entre a indemnização agravada e a indemnização normal, deduzida a quantia de € 2.077,92 que o ISS, pagou ao Autor, a título subsídio de doença no período decorrido de 30/05/2018 a 28/09/2018, ou seja, 30.096,31- 22.161,37- 2.077,92 = € 5.857,02, quantia essa acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, contados a partir de 16/6/2021 e até efetivo e integral pagamento.

Em suma:

Impõe-se considerar devida ao Sinistrado a pensão anual e vitalícia, em virtude de o acidente ter resultado da inobservância culposa das regras de segurança pela Empregadora, no valor de € 8.373,82.

Tal como referido na sentença, a ser paga mensalmente, até ao 3º dia de cada mês e no seu domicílio devida a partir de 16 de Junho de 2021, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como o subsídio de férias e de Natal, cada um igualmente no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, respetivamente, conforme o disposto no artº 48º, nº 3, alínea c) e 72, nº2, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro.

A pensão é anualmente atualizável desde a data do vencimento em 10.06.2021.

Tal como referido na sentença, nos termos da Portaria n.º 6/2022, de 4 de janeiro que procedeu à atualização anual das pensões de acidente de trabalho (art. 1º daquela Portaria), cujos artigos 2º e 3º, estatuem que a partir de 01/01/2022, as pensões de acidente de trabalho são atualizadas para o valor resultante da aplicação da percentagem de aumento de 1 %, a partir de 01/01/2022.

E nos termos da Portaria n.º 24-A/2023, de 9 de Janeiro, arts 1º e 2º, a partir de 01/01/2023, as pensões de acidente de trabalho são atualizadas para o valor resultante da aplicação da percentagem de aumento de 8,4 %, a partir de 01/01/2022.

Impõe-se ainda considerar devido ao Sinistrado um subsídio por elevada incapacidade permanente fixado para além da pensão, na quantia de € 5.057,62, desde 16/6/2021, acrescida de juros de mora, a contar sobre essa data à taxa de 4% ao ano até integral e efetivo pagamento.

Impõe-se também, considerar devida ao Sinistrado a quantia de € 5.857,02, correspondente ao agravamento por diferença entre a indemnização agravada e a indemnização normal, pelos períodos de incapacidade temporária absoluta para o trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data dos atinentes vencimentos, contados a partir de 16/6/2021 e até efetivo e integral pagamento..

Mais se justifica condenar as 2ª e 3ª Rés, respetivamente, Entidade empregadora e Empresa utilizadora, a pagar ao Sinistrado, a indemnização normal devida caso não houvesse agravamento, pelos períodos de incapacidade temporária para o trabalho, no valor de € 22.161,37, a que o Sinistrado tem direito e de que a 1ª Ré, Seguradora, responde solidariamente, sem prejuízo do direito de regresso (artigo 79º, nº3 da LAT).

Justifica-se, ainda, condenar a 2ª e 3ª Rés Entidade empregadora e Empresa utilizadora, pelas demais prestações a que o Sinistrado tem direito e em que a Ré, Seguradora ficou também condenada na sentença recorrida e responde solidariamente, sem prejuízo do direito de regresso (artigo 79º, nº3 da LAT), nos termos ali decididos:

“VI- A quantia de € 228,50, referente a despesas em honorários clínicos e assistência médica., acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir de 13-07-2021 e até integral pagamento.

VII- A fornecer ao A tratamentos de fisioterapia, terapia ocupacional, ortótese de posicionamento da mão e punho, faca de Nelson, bolsa palmar para a mão esquerda que permita encaixe de talher, rebordo de prato, base antiderrapante, abridor de frascos e latas, abotoador, calçadeira de cabo longo, calçador de meias, adaptador para fechos e escova de cabo longo para banho.


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Termos em que se julga a apelação procedente.

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Tendo em conta os valores das prestações agravadas, o valor da ação é alterado, como previsto no artigo 120º, nºs 1 e 3 do Código de Processo do Trabalho, para o valor de € 157.663,95.

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3. Decisão:

Nesta conformidade, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em revogar a decisão recorrida no segmento que absolveu as 2ª e 3ª Rés, Entidade empregadora e a Empresa utilizadora do pedido formulado e em conformidade:

1. Condenar as 2ª e 3ª Rés, Entidade empregadora e a Empresa utilizadora, a pagar ao Sinistrado/Autor:

a) A pensão anual e vitalícia, no valor de € 8.373,82 (oito mil, trezentos e setenta e três euros e oitenta e dois cêntimos), a ser paga mensalmente, até ao 3º dia de cada mês e no seu domicílio devida a partir de 16 de Junho de 2021, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como o subsídio de férias e de Natal, cada um igualmente no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, respetivamente, conforme o disposto no 18º, nº4, alínea b) e 72, nº2, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, com juros de mora desde os respetivos vencimentos até integral pagamento.

Nos termos da Portaria n.º 6/2022, de 4 de janeiro que procedeu à atualização anual das pensões de acidente de trabalho (art. 1º daquela Portaria), cujos artigos 2º e 3º, estatuem que a partir de 01/01/2022, as pensões de acidente de trabalho são atualizadas para o valor resultante da aplicação da percentagem de aumento de 1 %, a partir de 01/01/2022.

E nos termos da Portaria n.º 24-A/2023, de 9 de Janeiro, arts 1º e 2º, a partir de 01/01/2023, as pensões de acidente de trabalho são atualizadas para o valor resultante da aplicação da percentagem de aumento de 8,4 %, a partir de 01/01/2022.

b) A indemnização pelos períodos de incapacidade temporária para o trabalho, no montante de € 5.857,02 (cinco mil, oitocentos e cinquenta e sete euros e dois cêntimos), correspondente ao agravamento por diferença entre a indemnização agravada e a indemnização normal, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data dos atinentes vencimentos, contados a partir de 16/6/2021 e até efetivo e integral pagamento.

c) A indemnização normal devida caso não houvesse agravamento, pelos períodos de incapacidade temporária para o trabalho, no valor de € 22.161,37 (vinte e dois mil, cento e sessenta e um euros e trinta e sete cêntimos), a que o Sinistrado tem direito e de que a 1ª Ré, Seguradora, responde solidariamente, sem prejuízo do direito de regresso (artigo 79º, nº3 da LAT).

d) O subsídio de elevada incapacidade permanente no valor correspondente à quantia de € 5.057,62 (cinco mil e cinquenta e sete euros e sessenta e dois cêntimos), desde 16/6/2021, acrescida de juros de mora, a contar sobre essa data à taxa de 4% ao ano até integral e efetivo pagamento.

e) A quantia de € 228,50 (duzentos e vinte e oito mil e cinquenta cêntimos), referente a despesas em honorários clínicos e assistência médica, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, a partir de 13-07-2021 e até integral pagamento.

f) A fornecer ao Autor tratamentos de fisioterapia, terapia ocupacional, ortótese de posicionamento da mão e punho, faca de Nelson, bolsa palmar para a mão esquerda que permita encaixe de talher, rebordo de prato, base antiderrapante, abridor de frascos e latas, abotoador, calçadeira de cabo longo, calçador de meias, adaptador para fechos e escova de cabo longo para banho.

2. Manter a decisão recorrida, na medida em que condenou a Ré Seguradora.


*

Custas da ação pelo Sinistrado, pela Ré Seguradora, pela Entidade empregadora e pela Entidade utilizadora, conforme decaimento.

Custas da apelação pela Entidade empregadora e Entidade utilizadora, conforme decaimento.

D.n.


Porto, de 14 de Outubro de 2024.

Teresa Sá Lopes

Eugénia Pedro

Nélson Fernandes