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INVALIDADE DO FUNDAMENTO EXPRESSO NO CONTRATO A TERMO CELEBRADO
FORMALIDADE AD SUBSTANTIAM A INTEGRAR FORÇOSAMENTE NO CONTEXTO DO CONTRATO
PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO TEMÁTICA
Sumário
I - Atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão. II – Face à invalidade do fundamento expresso no contrato a termo celebrado entre as partes, não há que proceder à reapreciação de factos alegados na contestação, já que estes não têm a virtualidade de sanar a falta de concretização do motivo justificativo ou a sua insuficiência. III - Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual. IV - A indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade ad substantiam, tendo que integrar, forçosamente, o texto do contrato. V – Assim, não dá cumprimento à mencionada exigência formal a justificação aposta no contrato de trabalho a termo, onde se lê: “A segunda outorgante é admitida ao serviço da primeira sob as condições de tempo atrás definidas porquanto tal admissão radica num contrato de prestação de serviço celebrado entre a primeira outorgante e os seus clientes identificados neste contrato, o qual tem natureza não duradoura. A estipulação de um prazo de 6 meses, considerando as renovações legalmente possíveis, corresponde à previsão da primeira outorgante quanto à necessidade de disponibilidade de mão de obra para a execução do contrato por si celebrado. De direito funda-se no disposto na alínea f) do n° 2 do artigo 140º do Código do Trabalho.” VI – E, sendo a aposição do termo ao contrato de trabalho formalmente inválida, é irrelevante tudo quanto seja aduzido no sentido de justificar a validade material ou substancial da aposição do termo ao contrato.
(Da Responsabilidade da Relatora)
Texto Integral
Proc. nº 214/23.5T8MTS.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 2
Recorrente: A..., Ldª.
Recorrida: AA
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I - RELATÓRIO
A A., AA, com o NIF ...60..., residente na Praceta ..., ... ..., intentou, acção declarativa com processo comum, contra A..., Lda, NIPC ...60, com sede no Centro Empresarial ..., Apartado ...40, ... ..., pedindo que “deve a presente ação ser julgada provada e procedente e, em consequência:
A. Deve ser reconhecido que era sem termo o contrato celebrado entre a A. e a R. por nulidade da cláusula que o estipula;
B. Deve ser declarada a ilicitude do despedimento, por inexistência de justa causa;
C. Deve, em consequência, condenar-se a R.:
a. a reconhecer a subsistência e a plena vigência do contrato de trabalho com a A.;
b. a reintegrar a A. nas suas funções e local de trabalho, com todos os direitos decorrentes do contrato de trabalho, da categoria e antiguidade,
c. ou, em alternativa, se essa for a opção da A. até à sentença, a pagar-lhe uma compensação correspondente a 45 dias de retribuição por cada ano completo ou fração de antiguidade, no mínimo de três de meses de retribuição;
d. a pagar à Autora:
i. 709 € a título de retribuições vencidas, referente ao mês de dezembro de 2022;
ii. as retribuições vincendas até ao trânsito em julgado;
iii. os juros moratórios sobre as quantias pedidas, calculados à taxa legal, desde a data do vencimento de cada retribuição mensal até ao respetivo pagamento;”.
Alega, em síntese, que celebrou com a R. um contrato de trabalho a termo certo, com início em 02.12.2021, para, sob as suas ordens e direção, prestar serviços de limpeza a clientes desta, tendo sido colocada no B..., Colégio Privado, onde limpava desde o refeitório, corredor e salas de aulas, contrato de trabalho que viu denunciado por carta registada com efeitos a 01.06.2022.
Mais, alega que, a R. não tinha e não tem qualquer fundamento válido para a contratação da A. mediante contrato de trabalho a termo certo ou incerto. E, como se não bastasse, contratou outra trabalhadora para as mesmas tarefas e horário da A..
Por fim alega que, não sabe nem vislumbra a razão para o seu despedimento, sendo a caducidade invocada pela R. ilícita e que, o fundamento da R. é absolutamente falso, pois, a não ser que fosse um acréscimo excecional dos serviços de limpeza (que sempre deveria ser provado) ou a substituição de um trabalhador ausente, os serviços de limpeza irão continuar, pelo que a R. não adquiriu a exploração de um serviço de natureza ocasional.
*
Frustrada a conciliação, na audiência de partes, foi a empregadora notificada para contestar, o que veio a fazer, nos termos que constam dos autos, alegando, em síntese, que celebrou com a autora um contrato de trabalho a termo certo, especificamente, por determinado cliente da ré ter exigido um reforço de serviço devido a acrescidos cuidados de limpeza durante a pandemia, tendo comunicado à autora a caducidade do seu contrato de trabalho quando o cliente deixou de exigir tal acréscimo e porque a autora não aceitou um horário de trabalho mais reduzido que lhe propôs;
Mais, alega que o contrato que mantinha, com o cliente em causa, não supunha a permanência da actividade que a A. veio a prestar por via da sua contratação. O cliente pretendeu um trabalhador adicional por um período de tempo limitado e que a R. admitiu que pudesse ser de 6 meses. Daí, ter contratado a A. nos termos referidos. O cliente prescindiu do serviço, pelas razões expressas, admitindo, contudo, mantê-lo parcialmente, contudo, a A. não aceitou, legitimamente, um trabalho a tempo parcial pelo que foi cessado o serviço de 8 horas e declarada a caducidade do contrato.
Alega, também que, ainda que assim não se considere, a autora recusou, em agosto de 2022, oferta de emprego disponibilizada pelo IEFP, pelo que, caso venha a considerar-se o despedimento ilícito da autora, deve a ré ser absolvida do pedido de pagamento das retribuições vencidas e vincendas, bem como do pedido de reintegração.
Conclui “pela improcedência da acção e pela consequente absolvição da R. dos pedidos contra si formulados, com as inerentes consequências legais.
Ainda que se venha a considerar como configurando a cessação do contrato um despedimento ilícito da A., o que por mero raciocínio se concebe, deverá ainda assim ser a R. absolvida do pedido de pagamento das prestações retributivas vincendas ou intercalares bem como do pedido de reintegração formulado, com as inerentes consequências legais.”.
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Após, ter sido dispensada a realização da audiência prévia e a prolação do despacho a que se refere o art. 596º do Código de Processo Civil, nos termos que constam do despacho de 30.05.2023, foi proferido despacho saneador tabelar e fixado o valor da causa em € 5 000,01 (cinco mil euros e um cêntimo).
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Realizada a audiência, nos termos documentados na acta de 07.09.2023, foi proferida sentença que terminou com a seguinte: “- Decisão. Tudo visto e ponderado, nos termos supra expostos, decide-se julgar a presente ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência: a) declarar que o contrato de trabalho celebrado entre autora e ré em 02.12.2021, configura um contrato por tempo indeterminado; b) declarar a ilicitude do despedimento da autora; c) Condenar a ré a pagar à autora uma indemnização, em valor equivalente a 30 (trinta) dias de retribuição base por cada ano ou fração de antiguidade, até à data do trânsito em julgado da decisão, consignando-se que a antiguidade da autora remonta ao dia 02 de dezembro de 2021 e que a retribuição a atender é de € 709,00 mensais, indemnização essa que nesta data se liquida em € 2127,00 (dois mil cento e vinte e sete euros), acrescida dos juros, calculados à taxa legal, desde o trânsito em julgado da decisão, até integral pagamento; d) condenar a ré a pagar à autora as retribuições, no valor mensal de €709,00, que seriam devidas desde 11.12.2022 e até ao trânsito em julgado da sentença, deduzindo-se o valor das retribuições auferidas pela autora a partir de 29.08.2022, por via da colocação em oferta do centro de emprego (...06), acrescidas dos juros de mora à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento, a liquidar em execução de sentença.
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Custas pela autora e pela ré na proporção dos respetivos decaimentos, sendo quanto à autora sem prejuízo da isenção de custas.
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Valor da causa: € 5000,01 (cinco mil euros e um cêntimo).
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Registe e notifique.”.
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Inconformada a Ré interpôs recurso, nos termos das alegações juntas que, terminou com as seguintes: “C o n c l u s õ e s
1 – A decisão produzida na sentença sob recurso quanto à matéria de facto considerou não existirem factos não provados com relevância para a decisão da causa, sendo os apresentados nos articulados qualificados como “conclusivos ou sem relevância para a decisão da causa”.
2 – Tal decisão considerou apenas e tão só os factos pertinentes para a decisão da causa assente na solução jurídica que a meritíssima juíza “a quo” tinha por correcta e que veio a expressar na sentença.
3 – Considerando que a decisão a proferir era susceptível de recurso, por via do valor da causa e do disposto na alínea a) do artº 79º do C.P.Ct., deveria a matéria de facto a fixar considerar as várias soluções plausíveis de direito.
4 – De entre as soluções plausíveis de direito, desde logo as decorrentes da apreciação da omissão ou insuficiência das referências ao termo e ao motivo justificativo, susceptíveis de conduzir ou não à consequência prevista na alínea c) do nº 1 do artº 147º do Código do Trabalho.
5 – Perante a possibilidade de o entendimento quanto a tal matéria não coincidir com o que veio a ser expresso na sentença, por via do recurso de que as partes podiam lançar mão, impunha-se que na sentença se tivesse apreciado, positiva ou negativamente, a matéria de facto que possibilitaria a prova do fundamento invocado para a contratação a termo.
6 – Tendo a A. invocado na acção que o fundamento da Ré/Recorrente para a sua contratação era absolutamente falso, cabendo a esta última, como empregadora, a prova de que o motivo justificativo da contratação a termo era verdadeiro, impunha-se que o pudesse fazer por recurso aos meios de prova apresentados e com referência aos factos por si invocados.
7 – De outro modo, nunca o presente recurso poderia proceder em face da acção e dos factos considerados na sentença como provados.
8 – A decisão de facto deve ser alterada, sem prejuízo dos factos que foram considerados na sentença como provados, considerando-se ainda como tal os referidos de 1 a 12 em VIII destas alegações.
9 – Tal decorre dos depoimentos das testemunhas identificadas em VIII a final, designadamente dos excertos dos mesmos transcritos em IX, X, e XI destas alegações.
10 – A indicação do termo estipulado e do motivo justificativo devem observar as regras previstas no artº 141º nº 1 al. e) e nº 3 do Código do Trabalho, como sucedeu no caso.
11 – Tais regras visam, designadamente, permitir o controle da necessidade temporária invocada e da adequação do período à necessidade.
12 – A Recorrente não remeteu a fundamentação do contrato para uma necessidade meramente temporária ou qualquer outro conceito vago.
13 – Usou um texto sucinto mas suficientemente esclarecedor, quer para o trabalhador admitido, quer para quem viesse a ser chamado a realizar o controle de tal necessidade temporária.
14 – Deste modo, deve considerar-se que a Recorrente deu cumprimento ao disposto na alínea f) do nº 1 do artº 141º do Código do Trabalho, nos termos exigidos pelo disposto no nº 3 do citado artigo.
15 – Igualmente deve considerar-se que a admissão da Recorrida resultou de uma necessidade temporária, correspondente aos cuidados de higienização num colégio durante a pandemia, e por um período correspondente à duração dessa necessidade.
16 – Tal resulta da factualidade que se deve considerar como provada por via dos depoimentos testemunhais produzidos, prestados por três colegas de trabalho cujos depoimentos se mostraram credíveis e cuja razão de ciência não merece reparo.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exªs proficientemente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogada a sentença recorrida e absolvida a Recorrente de todos os pedidos contra si formulados, com o que se fará J u s t i ç a.”.
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A A. apresentou contra-alegações que terminou com as seguintes “CONCLUSÕES
1. A A. pela presente ação emergente de contrato individual de trabalho peticionou junto do tribunal a condenação da sua antiga entidade empregadora “A. reconhecer que era sem termo o contrato celebrado entre a A. e a R., com as demais consequências legais, fruto do seu despedimento.
2. O presente recurso apresentado pela R., doravante Recorrente, incide também sobre a matéria de facto. No presente processo, a audiência final processou-se com gravação dos depoimentos prestados nesse ato processual, pelo que estão reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão da prova produzida.
3. Para a decisão do Tribunal a quo ser alterada haverá que averiguar se algo de “anormal" se passou na formação da "prudente convicção'', ou seja, ter-se-á de demonstrar que na formação da convicção foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos.
4. A Recorrente, contudo, não se insurge quanto à análise dos testemunhos feitos pela Tribunal a quo.
5. Nas suas palavras, a Recorrente “considera, contudo, que outros factos deveriam ter sido apreciados e dados por assentes pela relevância dos mesmos para a eventual apreciação da veracidade do motivo constante do contrato para a admissão da Recorrida no regime de termo certo e pelo período de seis meses.”
6. E fá-lo por entender que fez a menção expressa necessária entre a justificação e o termo, razão pela qual defende a inclusão daqueles factos.
7. Contudo, salvo respeito por melhor opinião, não tem qualquer razão a ora Recorrente.
8. Como é sabido a contratação a termo assume caracter excecional, encontrando-se delimitados na lei os casos em que a mesma é permitida.
9. Essa excecionalidade encontra justificação no facto dessa contratação contrariar o princípio da segurança no emprego previsto na nossa Constituição. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada, Coimbra Editora, Vol. I, 4.ª Edição, pág. 707, referem que “é bastante significativo que o primeiro dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores seja o direito à segurança no emprego, com destaque para a garantia contra despedimentos sem justa causa. Trata-se de uma expressão directa do direito ao trabalho (art.º 58º), o qual, em certo sentido, consubstancia um aspecto do próprio direito à vida dos trabalhadores. Na sua vertente positiva, o direito ao trabalho consiste no direito a procurar e a obter emprego; na sua vertente negativa, o direito ao trabalho garante a manutenção do emprego, o direito de não ser privado dele. E, se a satisfação específica daquele encontra dificuldades de conceptualização (cfr. nota III ao art.º 58º), já a do segundo não depara com qualquer obstáculo, tratando-se, como se trata, de proibir acções ou comportamentos (nomeadamente o despedimento injustificado). O direito à segurança no emprego significa, assim, não por certo um «direito real» dos trabalhadores sobre o posto de trabalho adquirido ou a transformação dos postos de trabalho em «propriedade social», mas, pelo menos, uma alteração qualitativa do estatuto do titular da empresa enquanto proprietário, empresário e patrão.”. Dizem ainda os mesmos autores in “Ob. Cit”. pág. 716, “O direito à segurança no emprego não consiste apenas no direito a não ser despedido sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos (embora esta seja a sua componente mais importante, que a Constituição expressamente destaca). O seu âmbito de proteção abrange todas as situações que se traduzam em injustificada precariedade da relação de trabalho. Este mesmo direito perderia qualquer significado prático se, por exemplo, a relação de trabalho estivesse generalizadamente sujeita a prazos mais ou menos curtos, porquanto, nesta situação, o empregador não precisaria de despedir, bastando-lhe não renovar a relação jurídica no termo do prazo.
10. Como consta dos factos provados, o termo tem a seguinte justificação: “a segunda outorgante é admitida ao serviço da primeira sob as condições de tempo atrás definidas porquanto tal admissão radica num contrato de prestação de serviço celebrado entre a primeira outorgante e os seus clientes identificados neste contrato, o qual tem natureza não duradoura. A estipulação de um prazo de 6 meses, considerando as renovações legalmente possíveis, corresponde à previsão da primeira outorgante quanto à necessidade de disponibilidade de mão de obra para a execução do contrato por si celebrado. De direito funda-se no disposto na alínea f) do n° 2 do artigo 140º do Código do Trabalho”.
11. O contrato de trabalho a termo resolutivo, previsto no art.º 139 e ss. do CT, só pode ser celebrado para satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade (vd. art.º 140 n.º 1), sendo que a entidade empregadora está obrigada a especificar com determinação suficiente os factos concretos que justificam a estipulação do termo ao contrato. Neste sentido, i.a, Joana Nunes Vicente, Prontuário de Direito do Trabalho, no 82 (Interinidade = substituição de trabalhador ausente) “O nosso ordenamento jurídico impõe uma descrição concretizada e circunstanciada dos motivos que justificara a aposição do termo em cada contrato de trabalho. (...) Repare-se que ao exigir-se uma descrição concretizada e circunstanciada dos motivos que justificam a aposição do termo, está-se, mediatamente a dotar os eventuais interessados em fiscalizar o motivo da contratação — entre os quais avulta, em última instância, o tribunal de meios que permitam controlar a existência e veracidade do motivo, porquanto torna-se possível apurar com maior rigor se o motivo invocado existe e se, de facto, foi ele que deu causa à celebração de determinado contrato de trabalho a termo”.
12. Dispõe o artigo 140 n.º 1 O contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita e deve conter:… e) Indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo;…3 - Para efeitos da alínea e) do n.º 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado. Caso esta formalidade não seja cumprida, mormente caso se “omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo”, o contrato de trabalho considera-se sem termo (art.º 147.º n.º 1, do CT). É pacífico que a indicação concreta do motivo justificativo do termo e da relação entre este e o termo estipulado constituem uma formalidade “ad substantiam”, pelo que a sua insuficiência não pode ser suprida por outros meios de prova. Apenas podem ser atendidos os factos expressos no texto do contrato de trabalho para aferir da validade do termo e do estabelecimento do nexo causal para a celebração daquele contrato durante aquele concreto período de tempo (Vd., Ac. do TRG de 03-02-2022, proc. 2641/20.0T8BTG.G1. E, entre outos, os Acórdãos do STJ de 2-12-2013, processo 273/12.6T4AVR.C1.S1 e de 6-03-2019, processo 10354/17.4T8SNT.L1.S1).
13. Considerando que ao contrato a termo deve corresponder a satisfação de necessidades temporárias da empresa que a lei estabelece regras que visam obstar à sua eternização.
14. Salvo respeito por mais douta opinião, o motivo justificativo, limitando-se a reproduzir uma afirmação vaga e descontextualizada, dada a sua generalidade e abstração, é insuscetível de dar satisfação aos fins visados pela lei. Na verdade, e sendo evidente que a atividade da R. se centra na prestação de serviços de limpeza, não se compreende (do texto da cláusula) que acréscimo excecional da sua atividade ocorreu que motivasse a celebração do contrato de trabalho a termo. A R. há de ter uma carteira de clientes, que se admite não ser composta sempre pelos mesmos, mas que certamente terá uma média constante de trabalho, e para tanto necessitará de um quadro de pessoal.
15. Por outro lado, do texto da cláusula não se sabe que pessoal foi contratado, o porquê desse contrato, e qual a sua relação com o contrato celebrado com a A....
16. Acresce ainda que nada é referido que relacione a duração do contrato de trabalho com o contrato de prestação de serviços invocado como fundamento (ou um dos) da contratação precária.
17. A omissão de tal circunstancialismo impede-nos de poder aquilatar da (real) necessidade da R. em reforçar temporariamente o pessoal ao seu serviço.
18. O motivo mencionado não permite, assim, a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia do artigo 140, porque se trata da menção de indicação genérica e vaga, insuficientemente particularizada, capaz de suportar em si diversas situações concretas, que não satisfazem o objetivo pretendido pelo legislador. Como se escreveu, i.a., no acórdão da Relação do Porto de 8/11/2018 (processo n.º 2178/17.5T8VLG.P1, disponível em www.dgsi.pt), e com inteira pertinência para a situação em apreço ainda que a prestação de serviços a que a ali R. se dedicasse fosse de diferente natureza, “a celebração de contratos de prestação de serviços de natureza temporária pela empresa não constitui razão, nem pode fundamentar, por si só, a contratação a termo certo de um trabalhador, ainda que pelo mesmo período daquele contrato de prestação de serviço ou com termo aquando do termo desse contrato.
19. Se assim fosse entendido, então, a Ré, que presta serviços a terceiros, bem poderia celebrar apenas contratos de trabalho a termo certo, ficando dispensada de celebrar contratos de trabalho por tempo indeterminado, o que, e salvo o devido respeito, constituiria fraude à lei [concretamente às disposições que regem a contratação por tempo indeterminado] e violaria o direito à segurança no emprego consagrado no artigo 53º da Constituição da República Portuguesa.
20. Na verdade, e em face da matéria provada, resulta que a R. recorreu à contratação a termo para satisfazer os seus serviços «concretamente definidos nos contratos de prestação de serviços», que executa, com o fundamento de que eles não são duradouros. Só que esses mesmos serviços, que ela diz não serem duradouros, constituem o seu escopo social, a sua atividade, que de nada tem de precário, a não ser que ela, Ré, seja extinta.”
21. Desta forma, não é possível concluir que a circunstância de facto em que ocorreu a contratação da A. se tratava de uma situação nova excecional e temporária. Daí que se possa concluir que não resulta concretizado em que termos o invocado acréscimo da atividade da empresa (R.) revestia natureza temporária ou precária.
22. Em suma, os fundamentos constantes do contrato em causa não se encontram suficientemente concretizados em termos fácticos de modo a que se possa concluir, com segurança, pela necessidade da contratação a termo, nem tão pouco conexionar a justificação invocada e o termo estipulado.
23. De notar ainda que, conforme decorre do n.º 5 do artigo 140, cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo.
24. Tal exigência não foi cumprida no caso, pois que, diversamente do que sustenta a Recorrente, também consideramos que o que se fez constar do contrato, assim, apenas, que “radica num contrato de prestação de serviço celebrado entre a primeira outorgante e os seus clientes identificados neste contrato (...)” e que “o qual [o contrato] tem natureza não duradoura.”, não evidencia, até porque a atividade da R. aqui recorrente se centra na prestação de serviços a várias empresas e no âmbito de contratos temporários – aliás, como o diz afinal a própria Recorrente –, que acréscimo excecional da sua atividade ocorreu no caso que motivasse a celebração do contrato de trabalho a termo.
25. Melhor esclarecendo, tendo certamente a Recorrente uma carteira de clientes, que se admite não ser composta sempre pelos mesmos, variando só por essa razão as necessidades de contratação de trabalhadores, então poderia afinal estar sempre justificada, com o argumento da natureza e modo como é exercida aquela atividade, a contratação a termo, quando, salvo o devido respeito, entendemos que não é propriamente assim, valendo aqui, contrariando esse seu entendimento, o que se escreveu no acórdão desta Relação de 8 de novembro de 2018.
26. De resto, mantendo-se o mesmo motivo para se justificarem posteriormente as renovações que ocorreram na contratação a termo da A., mais se justificará perceber, pois que o texto não o evidencia minimamente, em que residiu afinal tal invocado acréscimo e, ainda, do mesmo modo, já agora, se se manteve afinal durante todo esse período.
27. Trata-se, pois, de uma indicação insuficiente, pois que não permite alcançar a razão de ser do estipulado um prazo, ao não estar suficientemente concretizado que aumento de necessidades se verificaram. Ou seja, estamos perante uma referência genérica a um aumento de atividade, por não estar devidamente concretizada em termos de se poder dizer que fosse pontual.
28. Assim, porque as referências ao motivo justificativo da contratação da A. com termo certo são insuficientes, concluímos, na esteira do Tribunal a quo, que o contrato de trabalho celebrado entre A. e R. se considera sem termo, mantendo-se a sentença colocada em crise.
Pelo exposto e nos demais termos de direito aplicáveis, deve ser julgado totalmente improcedente o Recurso, confirmando-se a sentença colocada em crise, assim se fazendo a tão costumeira JUSTIÇA!”.
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No despacho proferido em 22.01.2024, a Mª Juíza “a quo”, admitiu a apelação, com subida imediata, e efeito suspensivo.
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Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o presente recurso não obter provimento, na consideração, segundo diz, da sentença recorrida se encontrar devidamente fundamentada de facto e de direito e ser notório que a argumentação da alegação da recorrente não pode subsistir em confronto com a ponderada argumentação expendida naquela decisão.
Notificadas deste, as partes não responderam.
*
Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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É sabido que, salvo as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, a questão suscitada e a apreciar consiste em saber se deve ser revogada a decisão recorrida, considerando-se que a Recorrente deu cumprimento ao disposto na alínea f) do nº 1 do artº 141º do Código do Trabalho, nos termos exigidos pelo disposto no nº 3 do citado artigo, face à alteração da decisão de facto, nos termos pretendidos pela mesma.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
A 1ª instância considerou:
“São os seguintes os factos provados, com relevância para a decisão da causa:
1. No dia 02.12.2021, entre autora e ré foi assinado um documento intitulado de “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, através do qual, a partir daquela data, a primeira foi admitida ao serviço da segunda para, sob as suas ordens e direção, prestar as funções inerentes à categoria profissional de trabalhadora de limpeza, durante 40 horas semanais, à razão de 8 horas por dia, incumbindo à ré o direito de definir o respetivo horário de trabalho (documento de fls. 10 a 12 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
2. Da cláusula terceira do aludido contrato, consta que “A admissão produzirá efeitos a partir da data de assinatura do presente contrato – 02/12/2021 – e estará subordinada a um prazo de 6 meses, com termo em 01/06/2022”;
3. Da cláusula quarta do mesmo contrato, consta que “A segunda outorgante é admitida ao serviço da primeira sob as condições de tempo atrás definidas porquanto tal admissão radica num contrato de prestação de serviço celebrado entre a primeira outorgante e os seus clientes identificados neste contrato, o qual tem natureza não duradoura. A estipulação de um prazo de 6 meses, considerando as renovações legalmente possíveis, corresponde à previsão da primeira outorgante quanto à necessidade de disponibilidade de mão de obra para a execução do contrato por si celebrado. De direito funda-se no disposto na alínea f) do n° 2 do artigo 140º do Código do Trabalho.”
4. Da cláusula quinta do referido contrato, consta que “a segunda outorgante é admitida para exercer a sua atividade nas instalações do cliente da primeira outorgante B..., sitas em Rua ..., ... Porto.
5. A autora auferia o vencimento mensal de €709,00, acrescido de um subsídio de alimentação no valor de €3,70 por dia efetivo de trabalho;
6. Por carta registada com AR, datada de 02.05.2022 e recebida pela autora em 11.05.2022, a ré comunicou à autora “a caducidade do seu contrato de trabalho, pelo que o mesmo cessará a 01 de Junho de 2022”;
7. Na sequência da cessação do contrato de trabalho em causa, não foi concedido à autora qualquer subsídio de desemprego;
8. A autora manteve a sua inscrição no IEFP, como desempregada, até 29.08.2022, data em que foi colocada em oferta do centro de emprego (...06).
*
Não existem factos não provados com relevância para a decisão da causa,
consignando-se que, entre os factos alegados na petição inicial, contestação e articulado superveniente apresentado em audiência de julgamento, os demais são conclusivos ou sem relevância para a decisão da causa.”.
*
Sobre como firmou a sua convicção, o Tribunal “a quo” referiu o seguinte:
“Na análise crítica das posições assumidas pelas partes nos articulados, bem como nos documentos juntos a fls. 10 (contrato de trabalho), 13 e 36 (comunicação da caducidade do contrato e respetivo AR), 14 (recibo de vencimento da autora) e 54 (informação do IEFP quanto ao subsídio de desemprego e colocação da autora em novo emprego).”.
*
Vejamos.
A recorrente pretende que seja revogada a decisão recorrida, no essencial, na consideração de que deu cumprimento ao disposto na alínea f) do nº 1 do artº 141º do Código do Trabalho, nos termos exigidos pelo disposto no nº 3 do citado artigo.
Assim a questão a apreciar no presente recurso, resume-se, essencialmente, a saber, se o termo aposto no contrato de trabalho da Autora é válido como considera aquela, ou tal não acontece como se decidiu naquela.
O Tribunal “a quo” considerou que o termo aposto no contrato de trabalho da Autora é inválido com base nos seguintes fundamentos e argumentos: «(…)
Atentos os pedidos formulados pela autora e as posições assumidas por ambas as partes nos articulados, cumpre decidir, antes de mais, sobre a validade do termo constante do contrato de trabalho celebrado entre autora e ré.
Refira-se, antes de mais, que face ao princípio constitucional da segurança no emprego, consagrado no art. 53º da Constituição da República Portuguesa, a celebração de contratos a termo assume, entre nós, um caráter excecional.
Com efeito, e de acordo com o disposto no art. 140º, nº 1 do Código do Trabalho, “o contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades.”
Nos termos do nº 2, alínea f), do mesmo artigo, considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa, o “acréscimo excecional de atividade da empresa”.
No entanto, exige ainda o art. 141º, nº 1, alínea e) do Código do Trabalho, que o contrato de trabalho a termo seja reduzido a escrito e contenha, designadamente, e tratando-se de contrato a termo certo, a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo.
E acrescenta ainda o nº 3 do mesmo artigo 141º que “a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.”
Por último, quando se omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo, o contrato de trabalho considera-se sem termo (cfr. art. 147º, nº 1, alínea c) do Código do Trabalho).
Conforme se escreveu no sumário do douto Acórdão da Relação de Guimarães datado de 02.02.2023 e disponível em www.dgsi.pt, “o nexo de causalidade entre o motivo justificativo e o termo aposto no contrato de trabalho deve transparecer dos factos inseridos no texto do acordo, sob pena de nulidade da cláusula contratual.”
Vejamos agora o caso concreto.
O que ficou escrito na cláusula 4ª do contrato de trabalho celebrado entre autora e ré foi que “A segunda outorgante é admitida ao serviço da primeira sob as condições de tempo atrás definidas porquanto tal admissão radica num contrato de prestação de serviço celebrado entre a primeira outorgante e os seus clientes identificados neste contrato, o qual tem natureza não duradoura. A estipulação de um prazo de 6 meses, considerando as renovações legalmente possíveis, corresponde à previsão da primeira outorgante quanto à necessidade de disponibilidade de mão de obra para a execução do contrato por si celebrado. De direito funda-se no disposto na alínea f) do n° 2 do artigo 140º do Código do Trabalho.”
A nosso ver, faltam nesta cláusula factos que permitam estabelecer a relação entre o motivo invocado (necessidade de mão de obra para executar contrato de natureza não duradoura celebrado com cliente da ré) e o termo estipulado, sendo que nada é referido sobre o concreto acréscimo de trabalho que estaria em causa, nem sobre a duração de tal acréscimo.
E não sendo possível percecionar-se, pela simples leitura do contrato, por que motivo a celebração de determinado contrato entre a ré e uma sua cliente determinou a contratação da autora por um período de 6 meses, não é possível afirmar-se um nexo de causalidade entre o motivo justificativo e o termo aposto, sendo inválida a cláusula que o estabelece.
Por outro lado, importa referir que a falta de factos no texto do contrato que permitam estabelecer este nexo de causalidade, não pode ser suprida pela alegação dos factos pertinentes na contestação da presente ação, porquanto a inclusão de tais factos no clausulado contratual constitui uma formalidade “ad substanciam”.
Assim, e no caso concreto, estamos perante um contrato por tempo indeterminado e não perante um contrato com termo, pelo que, a respetiva cessação da iniciativa do empregador pressupunha o cumprimento das formalidades do despedimento por facto imputável ao trabalhador, por inadaptação ou por extinção de posto de trabalho, nenhuma delas tendo sido cumprida.
A cessação do contrato fundou-se, antes, numa mera comunicação unilateral, o que se reconduz ao despedimento ilícito da autora, previsto no art. 381º, al. c) do Código do Trabalho, cujas consequências estão previstas nos arts. 388º a 392º do mesmo Código.
Estabelecido o despedimento ilícito da autora, importa agora estabelecer as consequências de tal ilicitude, considerando os pedidos formulados.
(…)». (Fim de citação)
Como se disse, desta discorda a apelante/Ré defendendo a validade do termo aposto no contrato de trabalho, argumentando, em síntese, o seguinte:
“O presente recurso não visa exclusivamente pôr em causa a decisão proferida no que ao aspecto nuclear da mesma concerne, assim se considerando a invocada omissão na cláusula dos tais factos quer permitiriam estabelecer a relação entre o motivo invocado e o termo estipulado.
Visa igualmente a desconsideração da restante factualidade na decisão proferida quanto à matéria de facto.
É notório que na douta sentença proferida foram seleccionados apenas e tão só os factos pertinentes para a prolação da decisão assente na solução jurídica que se tinha por correcta e que se veio a expressar.
Contudo, sabendo-se que a decisão a proferir era susceptível de recurso, deveria a matéria de facto considerar as várias soluções plausíveis de direito.
(…).
Ora, como se escreveu já, se o tribunal de recurso não partilhar o mesmo entendimento do tribunal “a quo” está-lhe subtraída a matéria de facto, que ficou demonstrada, que lhe permita avaliar se a justificação dada era verdadeira ou falsa.
E, assim, visa este recurso, desde logo e em primeiro lugar, a decisão proferida quanto à matéria de facto.”.
E prossegue: “Não coloca a Recorrente em causa os factos que, na sentença sob recurso, foram considerados como provados.
Considera, contudo, que outros factos deveriam ter sido apreciados e dados por assentes pela relevância dos mesmos para a eventual apreciação da veracidade do motivo constante do contrato para a admissão da Recorrida no regime de termo certo e pelo período de seis meses.
(…).
Em face do que se deixou expresso a Recorrente, concordando com os factos que vêm dados como assentes na douta sentença sob recurso, entende que outros factos deviam igualmente ser considerados como provados, mais precisamente os referidos em VIII destas alegações.
(…).
A Recorrente não remeteu a fundamentação do contrato para uma necessidade meramente temporária ou qualquer outro conceito vago.
Usou um texto sucinto mas suficientemente esclarecedor, quer para o trabalhador admitido, quer para quem, como veio a ser o caso, fosse chamado a realizar o tal controle da necessidade temporária, atrás referido.
Assim, não se concorda com o entendimento a tal propósito acolhido na sentença proferida e sob recurso.
(…)”.
Mas, não tem razão.
O entendimento jurídico que perfilhamos, no caso, não é diferente do expresso na decisão recorrida.
Senão, vejamos.
Comecemos, por relembrar que a Autora fundamenta os seus pedidos no facto de o contrato a termo certo, celebrado com a Ré, não indicar o motivo justificativo da sua celebração, a determinar a sua conversão em contrato de trabalho sem termo.
Na decisão recorrida assim se concluiu, sufragando a tese da Autora.
Mas a Ré não concorda e, pese embora, não colocar em causa os factos que na sentença foram considerados como provados diz, contudo, considerar e alega, que outros factos deveriam ter sido apreciados e dados por assentes pela relevância dos mesmos para a eventual apreciação da veracidade do motivo constante do contrato para a admissão da Recorrida no regime de termo certo e pelo período de seis meses.
São tais factos os seguintes, por referência à contestação da Recorrente:
“1 - a contratação da A. resultara do facto de, temporariamente, o mencionado cliente (B...) ter exigido um reforço de serviço determinado por acrescidos cuidados de limpeza, decorrentes da pandemia, que entendeu implementar (artº 13º);
2 - face à contratação de tal reforço de serviço, que tinha natureza temporária, como a A. sabia, a R. considerou como adequada a estipulação de um prazo de 6 meses, por prever que a exigência do serviço se iria manter por esse período (artº 14º)
3 - e, em Abril de 2022, o cliente comunicou à R. que não pretendia manter o serviço tal como o tinha contratado (artº 15º);
4 - pretendia que o mesmo fosse prestado apenas por 4 horas por dia, invocando que o colégio tinha retomado o funcionamento anterior à pandemia e que a limpeza diurna (13 às 17 horas) não era possível (artº 16º);
5 - a R. deu conta à A. de que o serviço ia cessar e que poderia ser mantido por 4 horas, o que a A. declinou, por pretender um horário integral (8 horas) (artº 17º);
6 - em consequência, a R. careceu de fazer cessar o contrato por a necessidade que determinara a contratação da A. ter cessado (artº 18º);
7 - a R. não perdeu o cliente, a quem continua a prestar serviço (artº 20º);
8 - o serviço que a A. foi prestar e que determinou a sua admissão esse, sim, cessou por via do regresso à normalidade da frequência das instalações pelos alunos (artº 21º);
9 - o contrato que a R. mantinha com o cliente em causa não supunha a permanência da actividade que a A. veio a prestar por via da sua contratação (artº 23º);
10 - o cliente pretendeu um trabalhador adicional por um período de tempo limitado e que a R. admitiu que pudesse ser de 6 meses, daí a R. ter contratado a A. nos termos referidos (artºs 24º e 25º);
11 - o cliente prescindiu do serviço, pelas razões expressas, admitindo, contudo, mantê-lo parcialmente (artº 26º);
12 - a A., contudo, não aceitou um trabalho a tempo parcial pelo que foi cessado o serviço de 8 horas e declarada a caducidade do contrato (artº 27º);”.
Mais, alega que, “A prova de tais factos resulta, no entender da Recorrente, dos depoimentos prestados pelas testemunhas BB (depoimento prestado entre as 10:39 e as 11:00 horas), supervisora na empresa, na qual trabalha há 31 anos, que acompanhava o cliente B... em tal função de supervisão, CC (depoimento prestado entre as 10:10 e as 10:38 horas), também funcionária da Recorrente, há 18 ou 19 anos, trabalhando sempre no mencionado cliente e DD (depoimento prestado entre as 11:06 e as 11:17 horas), também funcionária da Recorrente no mesmo cliente e há 7 anos.”. E, prossegue com a transcrição, (do minuto 2:22 ao minuto 10:16 da gravação) e (do minuto 10:35 ao minuto 10:41 da gravação), do depoimento da testemunha BB, do depoimento da testemunha CC (do minuto 9:59 ao minuto 23:19 da gravação), da testemunha DD (do minuto 2:03 ao minuto 8:17 da gravação).
Ora, analisando este, concreto, segmento da apelação, em que a recorrente pretende a alteração da matéria de facto, defendendo que devem dar-se como provados aqueles factos (pontos 1 a 12, supra transcritos), sem necessidade de qualquer pronúncia prévia sobre se, se mostram ou não cumpridos os ónus que a este respeito se impõem àquela (art. 640º, do CPC) para que se proceda à análise desta questão, desde logo, se adianta e importa dizer que, aqueles factos, alegados pela ré/recorrente na sua contestação e cuja reapreciação vem peticionar, são inócuos para efeitos de concretização do motivo justificativo da contratação da Autora, (questão nuclear apreciada na sentença, cuja revogação a mesma defende) na medida em que, os mesmos, têm que constar, obrigatoriamente, do texto do documento, ou seja, do contrato de trabalho a termo que entre as partes foi celebrado, sendo das cláusulas daquele que têm de constar os factos que permitam estabelecer a relação entre o motivo invocado e o termo estipulado.
Pois, como bem se lê na decisão recorrida, “não sendo possível percecionar-se, pela simples leitura do contrato, por que motivo a celebração de determinado contrato entre a ré e uma sua cliente determinou a contratação da autora por um período de 6 meses, não é possível afirmar-se um nexo de causalidade entre o motivo justificativo e o termo aposto, sendo inválida a cláusula que o estabelece.
Por outro lado, importa referir que a falta de factos no texto do contrato que permitam estabelecer este nexo de causalidade, não pode ser suprida pela alegação dos factos pertinentes na contestação da presente ação, porquanto a inclusão de tais factos no clausulado contratual constitui uma formalidade “ad substanciam”.”.
E, se assim é, de nada vale à Ré «tentar» completar o teor do contrato com factos que alegou na contestação.
Ou melhor dizendo, no caso, tentar demonstrar a veracidade de um fundamento inválido, como bem se considerou na decisão recorrida. Sendo evidente que, da análise do contrato, não é possível percecionar, por que motivo a celebração do contrato de prestação de serviço entre a ré e uma sua cliente, como referido na cláusula 4ª daquele, determinou a contratação da Autora por um período de 6 meses. Desde logo, nada de concreto é referido que permita afirmar o necessário nexo de causalidade entre aquele motivo justificativo e o prazo de 6 meses que a empregadora, alegadamente, “previu” para o seu termo. Ou seja, nada é referido sobre o concreto acréscimo decorrente da celebração daquele, nem sobre a duração desse acréscimo.
Conforme, neste sentido é o (Acórdão do STJ de 18.6.2008 in CJ, Acórdãos do STJ, ano 2008, tomo II, pág.s 281/283), onde se defende que, “ (…) a falta de concretização, no próprio documento, dos factos e circunstâncias que motivaram a contratação da recorrente, importa anulidade da estipulação (…)”.
Igual posição se encontra expressa no (Acórdão do STJ de 06.02.2013 in CJ, Acórdãos do STJ, ano 2013, tomo I, pág. 259), em cujo sumário, que aqui se deixa transcrito, se lê: “(…) a contratação a termo está sujeita a forma escrita, constituindo alguns dos seus elementos, como a indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo, formalidades ad substanciam, cuja omissão têm como cominação aconversão automática em contrato por tempo indeterminado do correspondente negócio”.
Ainda, no mesmo sentido que subscrevemos, o (Acórdão desta Relação de 27.02.2023, Proc. nº 13604/21.9T8PRT-A.P1, in www.dgsi.pt), em cujo sumário se lê: “I- Nos termos do art. 141º, nºs 1, al. e) e 3 do CT/2009 o contrato de trabalho a termo certo terá de ser celebrado por escrito, dele devendo constar a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo, indicação esta que “deve ser feita com a menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”, requisito formal este de cujo incumprimento decorre que o contrato deva ser considerado como sem termo. II - A fundamentação formal do contrato constitui formalidade de natureza ad substanciam, visando a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia do art. 140º e a realidade e a adequação da própria justificação invocada face à duração estipulada para o contrato. IV - Sendo a aposição do termo ao contrato de trabalho formalmente inválida, é irrelevante tudo quanto seja aduzido no sentido de justificar a validade material ou substancial da aposição do termo ao contrato.”.
Em suma, importa, assim, reiterar que a falta de concretização do motivo justificativo ou a sua insuficiência não pode ser suprida pela alegação dos factos pertinentes na contestação da ação em que a questão se suscite. Na verdade, a indicação do motivo no clausulado contratual constitui uma formalidade “ad substanciam”, (vejam-se ainda, a propósito da fundamentação do termo contratual a título meramente exemplificativo os Acs. STJ de 28/04/2010 e de 09/06/2010).
Conclui-se, portanto que o contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré, assinado no dia 02.12.2021, só pode e tem de se considerar celebrado sem termo, como o considerou a decisão recorrida de acordo com as disposições legais nela citadas por falta de concretização do motivo justificativo da estipulação do termo.
A ré veio, na sua contestação, invocar a veracidade do motivo constante do contrato e que a autora sabia das circunstâncias em que era contratada e dos motivos que levaram à sua contratação a termo. Contudo, tendo a obrigação da justificação da aposição do termo ao contrato, com a indicação dos respetivos factos, natureza ad substantiam é perfeitamente irrelevante o alegado na medida em que não tenha tradução factual no próprio contrato.
Assim, mesmo que a Autora tivesse tido conhecimento dos concretos motivos que levaram à celebração do contrato a termo e que tais motivos a serem verdadeiros pudessem validamente fundamentar a estipulação do termo, tal é totalmente irrelevante, dada a invalidade do fundamento expresso naquele.
Por isso, como logo dissemos, a deduzida impugnação da apelante, quanto àqueles factos é totalmente irrelevante para efeitos da decisão a proferir, nesta sede.
Logo e sendo sabido que, à reapreciação da matéria de facto impugnada só há que proceder, caso estejam em causa factos essenciais a fundamentarem solução jurídica do caso, pois, não sendo desse modo, deve ser indeferida a reapreciação, parece-nos ser essa a situação no caso, quanto àqueles factos.
Conforme, neste sentido, veja-se o douto (Acórdão desta Relação de 19.5.2014), onde se decidiu, “atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão”.
Atenta a invalidade do fundamento expresso no contrato, a eventual prova daqueles factos, objecto de impugnação, não é susceptível de fundamentar a pretensão da recorrente, de ser absolvida do peticionado pela A., sendo totalmente inócua.
Sendo desse modo, surge-nos evidente a inutilidade da pretendida reapreciação da matéria constante naqueles artigos da contestação e, como resulta do disposto no art. 130º do CPC, a lei proíbe a prática de actos inúteis.
Assim, não há que proceder à reapreciação daqueles pontos, agora, impugnados, neste sentido, veja-se ainda, o douto (Ac. da RC de 6.3.2012), onde se decidiu, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.”.
Por esta razão, improcede a pretensão deduzida pela apelante, em relação àqueles.
E, face ao exposto, improcedendo este segmento da apelação, a questão nuclear supra referida pela recorrente, como já dissemos, também, não nos merece censura, face ao modo, como bem foi decidida no Tribunal “a quo”, atenta a factualidade que se apurou e a subsunção jurídica efectuada, que subscrevemos.
Desse modo, sem necessidade de acrescidas considerações, só podemos concluir pela total improcedência do recurso, como a própria recorrente considera (veja-se conclusão 7 da sua alegação) teria de acontecer.
Em resumo diga-se, apenas, que nos termos do art. 141º, nºs 1, al. e) e 3 do CT/2009 o contrato de trabalho a termo certo terá de ser celebrado por escrito, dele devendo constar a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo, indicação esta que “deve ser feita com a menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”. Ou seja, a fundamentação formal do contrato constitui formalidade de natureza ad substanciam, visando a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia do art. 140º e a realidade e a adequação da própria justificação invocada face à duração estipulada para o contrato.
Requisito formal este de cujo incumprimento decorre que o contrato deva ser considerado como sem termo.
Ora, analisando, é evidente que não cumpre a mencionada exigência formal a justificação aposta no contrato de trabalho a termo, em causa, onde se lê: “A segunda outorgante é admitida ao serviço da primeira sob as condições de tempo atrás definidas porquanto tal admissão radica num contrato de prestação de serviço celebrado entre a primeira outorgante e os seus clientes identificados neste contrato, o qual tem natureza não duradoura. A estipulação de um prazo de 6 meses, considerando as renovações legalmente possíveis, corresponde à previsão da primeira outorgante quanto à necessidade de disponibilidade de mão de obra para a execução do contrato por si celebrado. De direito funda-se no disposto na alínea f) do n° 2 do artigo 140º do Código do Trabalho.”.
Logo, sendo sobre a empregadora, agora, recorrente que recai o dever de fazer constar do contrato de trabalho o termo estipulado e o respectivo motivo justificativo, com menção expressa dos factos que o integram, como referido, “devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado” (art. 141º n.º1, al. e) e nº3, do CT, acima referido), bem assim de fazer a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo (art. 140º nº5, do mesmo código), é manifesto que a Ré, agora, recorrente, não o fez.
Consequentemente, só podemos confirmar a decisão recorrida.
Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes todas as conclusões da apelação.
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III – DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se nesta secção em julgar o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.
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Custas pela apelante.
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Porto, 14 de Outubro de 2024
*
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Relatora: (Rita Romeira)
1ª Adjunta: (Teresa Sá Lopes)
2º Adjunto (António Luís Carvalhão)