JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO PELO TRABALHADOR
EXIGÊNCIA DE EFEITOS QUE TORNEM INEXIGÍVEL A CONTINUAÇÃO DA PRESTAÇÃO DA ATIVIDADE
INDEMNIZAÇÃO DEVIDA PELO TRABALHADOR PELA RESOLUÇÃO DO CONTRATO QUE OPEROU SEM QUE PROVE A JUSTA CAUSA E SEM O CUMPRIMENTO DO AVISO PRÉVIO
Sumário

I - A resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, sem necessidade de aviso prévio com invocação de justa causa, a que alude o art.º 394.º do CT/2009, pode ser fundada num comportamento ilícito do empregador ou resultante de circunstâncias objetivas, relacionadas com o trabalhador ou com a prática de atos lícitos pelo empregador – dizendo-se no primeiro caso que estamos perante resolução fundada em justa causa subjetiva e, no segundo, por sua vez, fundada em justa causa objetiva.
II - A dimensão normativa da cláusula geral de rescisão exige mais do que a mera verificação material de um qualquer dos comportamentos do empregador elencados, sendo ainda necessário que desse comportamento culposo resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que seja inexigível ao trabalhador – no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – a continuação da prestação da sua atividade.
III - A indemnização devida pelo trabalhador pela resolução do contrato que operou sem que prove a justa causa e sem o cumprimento do aviso prévio, tendo subjacente a proteção dos interesses da empregadora – com vista, nomeadamente, a que esta possa providenciar, em tempo útil, pela substituição do trabalhador sem prejudicar a atividade da empresa –, opera automaticamente, desde que requerida por aquela, pelo simples facto de o trabalhador ter feito cessar a sua relação laboral sem cumprir - ou cumprindo apenas parcialmente - o prazo de aviso prévio, independentemente de a entidade empregadora ter com isso sofrido ou não quaisquer efetivos danos.

Texto Integral

Apelação / processo n.º 43/23.6T8AVR.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 1

Autor: AA

Ré: A..., S.A.

_______

Nélson Fernandes (relator)

Germana Ferreira Lopes

António Luís Carvalhão

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

1. AA intentou contra A..., S.A., a presente ação declarativa comum, na qual pede que esta seja condenada:

a) A reconhecer a existência de justa causa na resolução contratual que operou;

b) A pagar-lhe indemnização correspondente a 45 dias por cada ano de antiguidade, no montante de € 25.821,62;

c) A pagar-lhe os créditos laborais discriminados no art. 21.º da petição inicial, no montante de 9.150,19;

d) A pagar-lhe juros vencidos e vincendos, à taxa de 4% ano, a contar da data da cessação do contrato (11/11/2022), até integral e efectivo pagamento, que em 05/01/2023 ascendem a € 176,24;

e) Em custas e tudo o mais que for legal.

Alegou para tanto, em síntese, que: foi admitido a trabalhar para a Ré em Outubro de 2008, para o exercício das funções inerentes à categoria profissional de vendedor, auferia, na data da cessação do contrato de trabalho, o salário mensal ilíquido de € 1.214,00, acrescidos de ajudas de custo (refeições e combustíveis); para o exercício das suas funções, tinha à disposição um veículo automóvel e um telemóvel; a partir de finais de Abril do ano de 2022, a Ré deixou de satisfazer os fornecimentos aos clientes que ele Autor angariou regularmente no exercício das suas funções, pelo que durante os meses que se seguiram, limitou-se a contactar os clientes e a recuperar créditos, que sempre entregou nos serviços administrativos da Ré; Não lhe foram pagas as retribuições dos meses de setembro e outubro de 2022, nem as ajudas de custo, desde Junho de 2022; manteve-se totalmente inativo, já que a Ré não tinha quaisquer produtos para entregar aos clientes, nem lhe presta qualquer esclarecimento sobre a situação, mantendo-se incontactável; perante tais circunstâncias, resolveu o contrato de trabalho, através de carta registada com aviso de receção, datada de 7 de Novembro de 2022, invocando justa causa, sendo que, não tendo essa carta sido levantada por culpa da Ré, a mesma produziu validamente os seus efeitos; a R ficou-se a dever: salários de 15 de setembro a 21 de novembro de 2022, no valor global de €2.751,74; 15 dias de férias não gozadas, vencidas em 01/01/2022, no valor de € 1.821,00; ajudas de custo no valor de €1.238,95; e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, relativos ao ano de cessação, no valor global de € 3.338,50.

Não foi possível o acordo, em sede de audiência de partes.

A Ré contestou: invocando a caducidade do direito do Autor a resolver o contrato de trabalho, nos termos do art.º 395º n.º 1 do Cód. do Trabalho, alegando que só após a propositura da ação é que teve conhecimento da comunicação de resolução, ou seja, mais de 30 dias depois dos factos nela invocados; impugnou a versão dos factos alegada pelo Autor, contrapondo que foi este que deixou de aparecer nas instalações da empresa, a partir de setembro de 2022 e defendendo que não existe fundamento para a resolução do contrato de trabalho, nem consequentemente, para a indemnização reclamada.

Concluiu pela improcedência da ação e deduziu ainda reconvenção, onde pediu a condenação do Autor:

«(…) c) A ver declarada a ilicitude da resolução do contrato de trabalho;

d) A pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de € 2.856,00, nos termos dos arts. 399º e 401º do Código do Trabalho;

e) A reconhecer que a R. detém sobre o A. um crédito no valor de € 1.800,00, que lhe adiantou para despesas;

f) A ver declarada a compensação do crédito que reconhece ao A., no valor € 4.025,22, com o crédito que lhe assiste, de € 4.228,00 e, em consequência, ser declarada extinta a obrigação da R.;

g) A pagar-lhe a diferença que a seu favor resulta da compensação de créditos, no valor de € 202,78;

h) A reconhecer que lhe deve e a pagar-lhe as quantias de € 3.042,82 que lhe emprestou no dia 11/05/2016 e o A. não restituiu; e de € 6.000,00, respeitante ao preço de um veículo marca ..., matrícula ..-LB-.., que lhe vendeu no dia 16/11/2015 e o A. ainda lhe não pagou;

i) A pagar-lhe juros de mora sobre tais quantias, calculados à taxa de 4% ao ano;

j) A devolver-lhe o veículo automóvel de trabalho, matrícula ..-PS-.. e o computador de trabalho, no estado em que lhe foi entregue.».

Respondeu o Autor, pugnando pela improcedência da exceção da caducidade invocada, reafirmando o já alegado na petição inicial e impugnando o que em contrário é dito na contestação, mais considerando que a reconvenção é legalmente inadmissível e deve, em qualquer caso, improceder. Sustentou, por fim, que a Ré deve ser condenada por litigância de má-fé, em multa e indemnização por todos os danos causados, incluído os honorários do seu (A.) mandatário, em montante não inferior a €1.500,00.

Aquando do saneamento dos autos foi admitida apenas parcialmente a reconvenção, relegando-se para final o conhecimento da exceção da caducidade do direito do Autor invoca pela Ré. Dispensou-se, de seguida, invocando-se o disposto no artigo 49.º, n.º 3, do CPT, a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova.

Fixou-se por fim o valor da ação em € 52.649,05.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta:

“Temos em que se decide, na parcial procedência da acção e da reconvenção:

I. Reconhecer a existência de justa causa na resolução contratual operada pelo A..

II. Condenar a R. a pagar ao A.:

a) € 11.380,08 (onze mil, trezentos e oitenta euros e oito cêntimos) de indemnização pela resolução com justa causa do contrato de trabalho.

b) € 6.574,79 (seis mil, quinhentos e setenta e quatro euros e setenta e nove cêntimos) a título de créditos salariais, apurados já depois de operada a compensação - conforme explicitado supra.

c) Juros de mora vencidos e vincendos sobre as referidas quantias, até integral pagamento, à taxa de 4%, a contar da data da cessação do contrato (22/11/2022).

III. No mais absolver A. e R. do pedido.

IV. Julgar improcedente o pedido de condenação da R. como litigante de má-fé.

Custas da acção e da reconvenção a cargo de A. e R., na proporção dos respectivos vencimentos – art.º 527º n.ºs 1 e 2 do Cód. de Processo Civil.

Registe e notifique.”

2. Inconformada, apresentou a Ré requerimento de interposição de recurso, apresentando no final das suas alegações as respetivas conclusões, nos termos que agora se transcrevem:

“1. Sempre com o maior respeito, foram incorrectamente julgados pelo Tribunal a quo os seguintes pontos da matéria de facto:

1. - Que a R. colocou à disposição do A., para o exercício da sua actividade, uma máquina fotográfica.

2. - Que o A. não devolveu ainda à R. o computador de trabalho que esta tinha posto à sua disposição.

3. - Que as despesas apresentadas pelo A. em relação aos meses de Julho e Agosto de 2022 apresentavam desconformidades.

4. - Que na sequência da conversa entre o A. e o administrador da R., BB, a que se alude no n.º 15 dos factos provados, o A. ficou de ponderar e apresentar propostas, numa futura e próxima reunião, com vista a uma eventual alteração ou cessação da relação laboral.

5. - Que o administrador da R., após essa reunião, ficou a aguardar o contacto do A., que desde então, não mais contactou ou prestou contas à R., nem lhe prestou trabalho

2. São os seguintes os concretos meios probatórios constantes do processo, com indicação das passagens da gravação acima melhor especificados, em que se funda o recurso, e que impõem decisão sobre estes pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida:

1. I) prova documental - toda a prova documental junta aos autos, em particular, os documentos nºs 1 a 26 juntos pela Recorrente com a sua contestação

2. II) prova testemunhal.

1. o depoimento de parte do Autor AA, prestado no dia 18/10/2023, (cfr. acta de audiência de julgamento de fls…, refª citius 129589498), gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início pelas 10:31 e termo pelas 11:23 horas, com a duração de 51:56 minutos

2. As declarações de parte do legal representante da Ré, BB, prestadas no dia 18/10/2023, (cfr. acta de audiência de julgamento de fls…, refª citius 129589498), gravadas no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início pelas 11:27 e termo pelas 12:02 horas, com a duração de 35:20 minutos

3. o depoimento da testemunha CC, prestado no dia prestado no dia 18/10/2023, (cfr. acta de audiência de julgamento de fls…, refª citius 129589498), gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início pelas 12:16 e termo pelas 12:27 horas, com a duração de 11:23 minutos

4. o depoimento da testemunha DD, prestado no dia prestado no dia 16/11/2023, (cfr. acta de audiência de julgamento de fls…, refª citius 130119384), gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início pelas 09:43 e termo pelas 09:59 horas, com a duração de 15:18 minutos

5. o depoimento da testemunha EE, prestado no dia prestado no dia 16/11/2023, (cfr. acta de audiência de julgamento de fls…, refª citius 130119384), gravado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início pelas 10:19 e termo pelas 10:58 horas, com a duração de 38:32 minutos

3. Deve ser proferida uma decisão de provado sobre cada uma das acima referidas questões de facto impugnadas.

4. A relação de trabalho existente entre o Autor e a Ré, iniciada em Outubro de 2008, já mais de 14 (catorze) anos, decorreu sem quaisquer incidentes, desde o seu início, até pelo menos Julho de 2022.

5. Num dos últimos dias de Setembro de 2022, o Autor falou nas instalações da Ré com o administrador desta, BB, a respeito da situação da empresa e da situação laboral do Autor.(cfr. facto provado sob o nº 15) A partir daí, o Autor deixou de compareceu nas instalações da Ré. (cfr. facto provado sob o nº 16). O local de trabalho do Autor era nas instalações da R., sitas na Estrada Nacional n.º ..., Lugar ..., ..., e tal só não sucedia quando o Autor se deslocava a clientes, no exercício das suas funções. (cfr. facto provado sob o nº 4)

6. As despesas com gasóleo e alimentação que o Autor mensalmente apresentava e justificava à Ré eram por esta reembolsadas depois de por esta validadas.

7. As despesas com gasóleo e alimentação que o Autor apresentou relativas a Julho e Agosto de 2022, foram conferidas no dia 17/08/2022 (cfr. doc. nºs 9 a 14 juntos com a contestação da Ré), não tendo sido validadas por apresentarem desconformidades, uma vez que, relativamente ao mês de Julho, dias 5 e 29, o Autor apresentava despesas relativas a dias de férias, o mesmo sucedendo no dia 3 de Agosto.

8. O Autor no mês de Junho de 2022 apresentou despesas com gasóleo e alimentação, no valor de 476,05 € [do que, conferidas pela Ré, foram por esta validadas em mais 18,01 € (cfr. doc. nºs 6 e 7 juntos pela Ré com a contestação) razão porque a Ré, destas, lhe reembolsou a quantia de 494,15 € (cfr. doc. nºs 7 e 8)]

9. Este valor estava em linha com o que, normalmente, era o valor de despesas em gasóleo e alimentação que o Autor mensalmente apresentava à Ré para conferência e validação.

10. Relativamente ao mês de Setembro de 2022, o Autor, destas despesas, apenas apresentou um valor de 76,19 € (cfr. o facto provado sob o nº 18)

11. Relativamente aos meses de Outubro e Novembro de 2022 o Autor NÃO APRESENTOU à Ré UM QUALQUER VALOR DESTAS DESPESAS com gasóleo e alimentação, o que sustenta a conclusão de que num qualquer dos dias dos meses de Outubro e Novembro de 2022 o Autor, em benefício da Ré, não efectuou despesas com gasóleo ou com alimentação,

12. o que sustenta também a conclusão de que durante um qualquer dia destes meses de Outubro e Novembro de 2022 o Autor não se deslocou a clientes da Ré, no exercício das suas funções.

13. O local de trabalho do Autor era nas instalações da Ré, sitas na Estrada Nacional n.º ..., Lugar ..., ..., e tal só não sucedia quando o Autor se deslocava a clientes, no exercício das suas funções. (cfr. facto provado sob o nº 4)

14. É sobre o Autor que impende o ónus da prova dos factos que invoca como fundamento à resolução do contrato de trabalho ao abrigo do disposto no art. 394º CT

15. Como se constata (cfr. o que consta provado sob o nº 6) não é rigorosamente verdade o que o Autor alega sob o nº 1 da missiva de 07/11/2022.

16. O Autor não provou, como lhe incumbia, o que aí invoca como fundamento sob os nºs 4º, 5º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º e 12º.

17. É falso o que o Autor aí alega sob o nº 6, na medida em que a Ré pagou ao Autor, em 12/08/2022, as despesas por este apresentadas em relação ao mês de Junho de 2022, no valor total de € 494,15. (cfr. o constante do facto provado sob o nº 17); a Ré efectuou uma transferência para o Autor em 08/11/2022, no valor de € 647,19, transferência essa que se destinou a pagar ao Autor o vencimento e as ajudas de custo do mês de Setembro de 2022, processados no recibo pelos montantes ilíquidos de € 606,95 e € 107,00, respectivamente. (cfr. o constante dos factos provados sob o nºs 19 e 20); e, ainda, na medida em que a Ré havia já adiantado ao Autor, para futuras despesas, € 300,00, em 27/09/2017; €1.000,00, em 13/04/2018; e € 500,00, em 15/10/2008 e que estas quantias eram, ou para serem devolvidas no final, ou para serem acertadas com eventuais créditos de despesas que o Autor detivesse. (cfr. o constante dos factos provados sob o nºs 22 e 23).

18. Também completamente falso o fundamento invocado pelo Autor de que a Ré, relativamente ao Autor, se tenha tornado incontactável ou se tenha mantido incontactável.

19. Mantendo sempre o devido respeito por opinião contrária, tem-se por inaceitável a conclusão tirada pelo Tribunal a quo, de que “… não se provou que (o Autor) deixou de prestar trabalho (que no caso, se circunscrevia à tentativa de cobrança das dívidas dos clientes) ou mesmo que não tenha mais contactado ou prestado contas à R., por outra forma que não a sua comparência pessoal nas instalações da empresa.”

20. Esta conclusão é contraditória com o ter-se dado como provado que O local de trabalho do A. era nas instalações da R., sitas na Estrada Nacional n.º ..., Lugar ..., ..., e tal só não sucedia quando o A. se deslocava a clientes, no exercício das suas funções e que As funções do A. eram também de proceder junto dos clientes à cobrança de débitos que estes tinham para com à R.. isto porque

21. O Autor não apresentou à Ré, relativamente aos meses de Outubro e Novembro de 2022 um qualquer valor de despesas com gasóleo e alimentação.

22. À luz das regras da experiência, é inaceitável poder concluir-se – como o faz a sentença recorrida – de que não se provou que o Autor deixou de prestar trabalho, uma vez que o pode ter feito por outra forma que não a sua comparência pessoal nas instalações da empresa …

23. Isto porque, se só quando o Autor se deslocava a clientes, no exercício das suas funções, é que não tinha a obrigação de desenvolver o trabalho para que fora contratado no seu local de trabalho naquelas instalações da Ré … quando assim não fosse, era naquelas instalações da Ré que o Autor deveria prestar o seu trabalho.

24. Se desde os últimos dias de Setembro de 2022 o Autor não mais compareceu nas instalações da Ré … e se em Outubro e Novembro de 2022 não apresentou despesas (de gasóleo e alimentação) ... diligências ou tentativas de cobrança de dívidas que não fosse presencialmente junto dos clientes, todas elas teriam de ser pelo Autor efectuadas a partir do local de trabalho do Autor, nas instalações da Ré. E não foram !

25. O Autor não prova que as despesas que apresentou relativas a Julho e Agosto de 2022 já tivessem sido validadas pela Ré.

26. O Autor não alega o dia em que apresentou à Ré tais despesas.

27. Mesmo tomando como referência os valores que o Autor apresentou para Julho de 2022, 500,78 €, e para Agosto de 2022, 185,93 €, tais montantes estavam garantidos pelo valor do adiantamento (pelo menos 1.800,00 € ) que o Autor detinha em seu poder.

28. Se entendesse que tais despesas estavam já validadas e que deveriam já ter-lhe sido reembolsadas, o Autor sempre poderia compensar tais montantes naquele valor que lhe fora adiantado.

29. No ofício o Autor não alega, não especifica a que ajudas de custo se refere, não alegou ou concretizou a periodicidade com que eram apresentadas, não alegou o dia e o mês em que apresentou à Ré cada uma delas, não alegou o prazo que a Ré dispunha para as validar e, sobretudo, não alegou, relativamente a cada uma delas, o prazo em que a Ré as devia pagar.

30. O Tribunal a quo não dá como assente, nem a periodicidade, nem o dia, em que a Ré se obrigou a validar e reembolsar o Autor das quantias que este lhe apresentava. Não está provado o prazo que a Ré tinha para validar tais despesas. Não está provado o dia em que tais despesas, validadas ou não, deviam ser reembolsadas pela Ré ao Autor.

31. Assim sendo, não é possível, ao contrário do que o faz a sentença recorrida, concluir-se que Apenas em relação às despesas do mês de Julho e Agosto tinham decorrido mais de 60 dias sobre a data do vencimento, fazendo impender sobre a R. uma presunção inilidível de culpa.

32. Seja no âmbito da chamada justa causa subjetiva (culposa) ou no âmbito da chamada justa causa objetiva em qualquer das apontadas situações está subjacente o conceito de justa causa. Que o artigo 394º do CT não define.

33. Mas que deve ser apreciada segundo o disposto no nº 3 do artigo 351º do CT, com as necessárias adaptações, ou seja, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao caráter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

34. O Autor só podia resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento da Ré tivesse sido ilícito, culposo e por forma a tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, sendo ainda necessária a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral.

35. Na carta de resolução do contrato o Autor não especifica os concretos factos suscetíveis de preencher as expressões que constam da comunicação, sobretudo no que concerne às denominadas ajudas de custo.

36. Esta preterição, naquele ofício, dos requisitos necessários de natureza procedimental, previstos no nº 1 do artigo 395º do CT, tem por consequência, por razões meramente formais, a ilicitude da resolução operada pelo Autor.

37. O Autor aí, apenas invoca a chamada justa causa subjetiva.

38. O Autor não concretizou ou especificou a que ajudas de custo se refere, não concretizou a periodicidade com que eram apresentadas, não alegou o dia e o mês em que apresentou à Ré cada uma delas, não alegou o prazo que a Ré dispunha para as validar e, sobretudo, não alegou, relativamente a cada uma delas, o prazo em que a Ré as devia pagar.

39. Inexiste justa causa para a resolução do contrato de trabalho promovida pelo Autor.

40. A conduta da Ré, para ser susceptível de integrar a resolução do contrato de trabalho pelo Autor com justa causa, deveria, para além de ilícita e de culposa, ainda, tornar, em razão da sua gravidade e das suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, o que não se provou nem sucedeu.

41. A nível procedimental, devendo o trabalhador observar o preceituado no art. 395º do CT, na acção onde se aprecie a licitude da resolução, apenas serão atendíveis para a justificar, os factos constantes da referida comunicação (art. 398º nº 3).

42. Ao caso, e ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo não se aplica a presunção de culpa contida no art. 394º nº 5, do CT.

43. Uma qualquer falta de pagamento pontual não se deveu a culpa da Ré.

44. Sabendo o Autor o que se deu como provado sob os nºs 12, 13 e 14, e tendo ocorrido o constante do facto nº 15, tudo isto, por si só, é suficiente a fundamentar uma ausência de culpa por parte da Ré,

45. Sendo o local de trabalho do Autor as instalações da Ré, onde esteve num dos últimos dia de Setembro de 2022, tendo ocorrido a conversa referida sob o nº 15, nas circunstâncias que, em declarações de parte, são referidas pelo administrador da Ré, o suposto acontecer, em termos de razoabilidade e à luz das regras da experiência comum, era o Autor continuar a comparecer nas instalações da Ré, o seu local de trabalho, era o Autor concluir com o administrador da Ré a conversa que tinham tido num desses últimos dias de Setembro de 2022 e não, como de facto veio a acontecer, “A partir daí, A. deixou de comparecer nas instalações da R.” (cfr facto provado sob o nº 15)

46. Fica ilidida eventual presunção de culpa que se possa entender impender sobre a Ré.

47. Não se verifica nos autos o elemento causal. Ou seja a conduta que se aponta à Ré, avaliada no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao caráter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostam relevantes, não eram susceptíveis de terem tornam imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

48. A Ré ilidiu eventual presunção de culpa.

49. Os factos provados, à luz de tudo o acima alegado, não revestem gravidade bastante que possa, como o fez o Autor, justificar a inexigibilidade da manutenção do contrato de trabalho.

50. Ao contrário do que concluiu a douta sentença recorrida, inexiste justa causa na resolução contratual promovida pelo Autor. Inexistindo, não tem o Autor direito à indemnização prevista no art. 396º, nº 1 do CT.

51. Deve ser declarada a ilicitude da resolução do contrato de trabalho operada pelo Autor. Em consequência, deve este ser condenado a pagar à Ré, a título de indemnização, a quantia de 2.428,00 € (art. 399º e 401º do CT)

52. A Ré reconhece ser devedora ao Autor das quantias referidas sob o nº 67 do seu articulado de contestação / reconvenção no valor global de 4.025,22 €.

53. A Ré, beneficiando de um crédito sobre o Autor de 1.800,00 € e de 2.428,00 €, declarou, naquele articulado, compensado este seu crédito naquele crédito do Autor, em consequência do que fica extinta a sua obrigação para com o Autor que ainda lhe fica devedor da quantia de 202,78 € ([1.800,00 + 2.428,00 =4.228,00 – 4.025,22 €].

54. O decidido pelo Tribunal a quo deve ser revogado, no que concerne ao segmento que decidiu pela parcial procedência da acção e no que concerne ao segmento do pedido reconvencional admitido que dele absolve a Autora, bem como na consequente condenação em custas na proporção dos respectivos vencimentos, mais devendo julgar-se a acção totalmente improcedente no que concerne ao peticionado pelo Autor da Ré, sob as alíneas a), b), d) e e) do pedido, e, relativamente ao que peticionado sobre a alínea c), proceder o mesmo apenas nos termos e para os efeitos do que a Ré alega sob os nºs 67º e 68º do seu articulado de contestação / reconvenção. Mais deve, o pedido reconvencional admitido deduzido pela Ré contra o Autor ser julgado procedente no que concerne ao aí peticionado sob as alíneas c), d) [(mantendo-se a condenação relativa ao peticionado sob a alínea e)], f), g), i) e k).

55. Nos termos sobreditos a douta sentença recorrida, e de entre outros, violou o disposto nos art. 394º e 399º do Código do Trabalho.”

Conclui, no provimento do recurso, que deve a decisão recorrida “ser substituída por outra que, ponderados todos os elementos objetivos e subjetivos, absolva a Ré do pagamento da indemnização a que foi condenada e condene o Autor no pedido reconvencional admitido”.

2.1. Não contra-alegando, apresentou o Autor recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões:

“A) A douta sentença recorrida ao considerar que a inatividade do trabalhador derivada da falta de produtos para vender não constitui fundamento “atendível para sustentar a resolução contratual” é uma decisão ilegal e, claramente, ao arrepio da prova produzida;

B) de facto, o autor, ora recorrente, foi admitido ao serviço da ré, que prossegue a atividade de comércio de rações e alimentos para animais, para o exercício das funções inerentes à categoria profissional de vendedor;

C) Sucede que, a partir de Abril de 2022, a Ré começou a ficar sem produtos para vender aos seus clientes e, a partir de final do referido mês deixou de ter rações para fornecer aos seus clientes;

D) Decorridos alguns meses, em finais de Setembro de 2022, o Autor falou nas instalações da ré com o administrador da ré, BB, a respeito da situação da empresa e da situação laboral do Autor, sem que a ré tomasse qualquer iniciativa de resolução de ambos aos assuntos. Como lhe competia;

E) A inatividade da Ré e consequente inatividade de funções de vendedor são da exclusiva responsabilidade da recorrida que não tomou qualquer iniciativa para retomar a normal atividade de comércio de rações, é claramente culposa.

F) Aliás, a Ré, recorrida, no seu articulado da contestação, nem sequer alegou qualquer facto para justificar a inatividade;

G) Em conformidade com o disposto no n.º 1 alínea b do artigo 129.º do código do Trabalho (CT) “é proibido ao empregador obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho”. Sendo que a violação desta norma implica a prática de uma contraordenação muito grave. (n.º 2 daquela disposição legal);

H) O dever daquele normativo a que se tem chamado de dever de ocupação efetiva, está relacionado com o artigo 127.º n.º 1 alínea c) do mesmo diploma, na medida em que deste resulta que o empregador deve proporcionar boas condições de trabalho ao trabalhador do ponto de vista físico e moral;

I) Por outro lado, a conduta da Ré, ao manter a inatividade durante largos meses, ao criar condições para que o trabalhador apresentasse a resolução do contrato, ofende de forma deliberada o princípio da boa-fé, na execução contratual, conforme o prevê o artigo 126.º n.º 1 do CT;

J) Neste sentido decidiu o acórdão da Relação do Porto, datado de 8.03.2019, que se transcreve:

III – A violação do dever de ocupação efetiva do trabalhador, nos termos que a lei consagra na alínea b), do n.º 1, do art.º 129º, do Código do Trabalho 2009, pressupõe que exista por parte do empregador comportamentos injustificadamente obstativos da prestação efectiva de trabalho. IV Não se trata, pois, de um direito absoluto do trabalhador, podendo existir situações de desocupação do trabalhador que sejam justificadas designadamente por razões económicas, disciplinares ou outras não imputáveis ao empregador. V – A marginalização de trabalhadores na organização da empresa, sem outras razões que não apenas a de uma reestruturação voluntária (não imprescindível) para maior rentabilidade, prolongada no tempo e sem um plano de reocupação e/ou reconversão daqueles, não pode deixar de considerar-se excessivo face ao princípio da boa-fé e integradora da contra-ordenação prevista e punida pelo n.º 1, al. b), e n.º 2 do art. 129º do CT.”

K) A factualidade invocada pelo autor na comunicação de resolução do contrato consubstanciada na inatividade da entidade empregadora por falta de produtos para vender não justificada constitui, por si só, fundamento para a resolução do contrato com justa causa. Cfr. alínea b) do n.º 2 do artigo 294.º do Código do Trabalho.

L) A resolução do contrato com fundamento no n.º 2 do artigo 394.º do CT, suprarreferido, confere ao autor o direito a uma indemnização de 15 a 45 dias de retribuição por cada ano completo de antiguidade, mas no caso sub iudice, considerando a gravidade e o grau de ilicitude da ré deve fixar-se nos 45 dias. Cfr. n.º 1 do artigo 396.º CT.

M) Assim não tendo, decidido a douta sentença recorrida, foram violadas as disposições legais supracitadas.”

Conclui pelo provimento do recurso, e, em consequência, revogada a sentença recorrida, substituindo-se por outra que julgue provada que a inatividade do trabalhador derivada da falta de produtos para o vender (exercício de funções), constitui só por si, fundamento para a resolução do contrato de trabalho, e consequentemente atribuição da

indemnização por antiguidade, no correspondente a 45 dias por cada ano de efetividade de serviço, com que se fará JUSTIÇA.”

2.1.1. Respondeu a Ré ao recurso subordinado, concluindo do modo seguinte:

“1. O Recorrente não impugna a decisão do Tribunal de 1ª Instância quanto à matéria de facto.

2. Não é verdade o que o Recorrente alega sob o nº 9 das suas alegações, quando refere Significa, portanto, que o A., ora recorrente, ficou impedido de desempenhar as funções para que fora contratado, porque a ré nunca providenciou para que tivesse produtos (rações) para comercializar, nem nunca manifestou interesse em continuar a atividade, ao longo dos meses que antecederam a cessação do contrato (de Abril a Novembro de 2022) nem é verdade o que aí alega sob o nº 10º, quando refere que Provavelmente, para, com a falta de pagamento de salários e outras despesas, pressionar o autor a apresentar a respetiva rescisão unilateral do contrato a que estava vinculado..

3. O Tribunal a quo não deu como provado que o A., ora recorrente, ficou impedido de desempenhar as funções para que fora contratado, porque a ré nunca providenciou para que tivesse produtos (rações) para comercializar, nem nunca manifestou interesse em continuar a atividade, ao longo dos meses que antecederam a cessação do contrato (de Abril a Novembro de 2022) nem deu como provado que Provavelmente, para, com a falta de pagamento de salários e outras despesas, pressionar o autor a apresentar a respetiva rescisão unilateral do contrato a que estava vinculado.

4. Já em sentido contrário ao pugnado pelo Recorrente, o Tribunal a quo deu como provado: que O local de trabalho do A. era nas instalações da R., sitas na Estrada Nacional n.º ..., Lugar ..., ..., e tal só não sucedia quando o A. se deslocava a clientes, no exercício das suas funções; que As funções do A. eram também de proceder junto dos clientes à cobrança de débitos que estes tinham para com à R. que A relação entre as partes decorreu sem quaisquer incidentes, desde o seu início, até pelo menos Julho de 2022 que A partir Abril de 2022, a R. começou a ficar sem produtos para vender aos seus clientes, porque a empresa que lhos fornecia (que pertencia ao mesmo grupo empresarial da R.) entrou em processo de insolvência que A partir de finais de Abril de 2022, a R. deixou de ter rações para fornecer aos seus clientes, nomeadamente os que foram angariados pelo A. que A partir daí, as funções do A. limitaram-se à tentativa de cobrança das dívidas dos clientes para com a R. que Num dos últimos dias de Setembro de 2022, o A. falou nas instalações da R. com o administrador desta, BB, a respeito da situação da empresa e da situação laboral do A. e que A partir daí, o A. deixou de compareceu nas instalações da R..

5. Como cristalinamente conclui o Tribunal a quo, No que se refere à circunstância (também invocada na comunicação de resolução) da R. a partir de final de Abril de 2022 ter ficado sem produtos para vender, o que limitou as funções do A. à tentativa de cobrança das dívidas dos clientes, apurou-se que tal se deveu ao facto da empresa que fornecia a R. (que pertencia ao mesmo grupo empresarial) ter entrado em processo de insolvência, sem que se possa afirmar que a R. contribuiu culposamente para tal situação.

6. Esta conclusão, ao contrário do que pretende o Recorrente, não é merecedora de censura e também não é merecedora de censura a conclusão seguinte Pelo que esse fundamento não é atendível para sustentar a resolução contratual com base em comportamento culposo da empregadora..

7. Devem improceder as conclusões tiradas pelo Recorrente sob as alíneas A, B, C, D, E, F, G, H, I, e K, das suas alegações, no que concerne à possibilidade de, como aquele pretende, daí partir-se para a procedência do concluído sob as alíneas L e M, conclusões que igualmente devem improceder.

8. A Recorrida não violou o disposto na al. b), do nº 1, e nº 2, do art. 129º do C.T.

9. Não resultam nos autos provados comportamentos imputáveis à Ré, ora Recorrida, que sejam injustificadamente obstativos da prestação efectiva de trabalho por parte do Autor.

10. Como bem decidiu nesta parte o Tribunal a quo, a Ré não contribuiu culposamente para a situação que levou à circunstância invocada pelo Autor.

11. Os fundamentos a invocar pelo trabalhador para a resolução com justa causa do contrato de trabalho, têm de provir de comportamento culposo do empregador – não é o que sucedeu nos autos.

12. O Autor tinha funções que podia e devia ter continuado a exercer … e que, inexplicável e injustificadamente, desde finais de Setembro de 2022 deixou de o fazer …

13. Nem todas as situações de inatividade de trabalhadores constituem uma violação do dever de ocupação efetiva pois só assim será quando não forem justificadas e constituam uma violação do princípio da boa-fé ou integrem uma situação de abuso de direito, havendo que se distinguir os casos em que a situação de inocupação visa causar prejuízos ao trabalhador ou pressioná-lo em termos inaceitáveis, daqueles em que se justifica por resultar de um facto não imputável ao empregador.

14. A Ré não actuou de má-fé. Não agiu de forma deliberada ou contrária à boa-fé. A uma conduta justificada, como é a dos autos que decorre de um factor externo não desejado e não controlado pela Ré, não se pode afirmar a contrariedade à boa-fé !

15. Pugna o Recorrente que a graduação da indemnização, não se faça com base em 20 dias de retribuição por cada ano de antiguidade como foi fixado na sentença recorrida, mas com base em 45 dias de retribuição por cada ano de antiguidade: ora, nos termos e com os fundamentos acima já referidos, deve improceder esta pretensão (conclusão L) do Recorrente.

16. A sentença recorrida não viola nenhuma das disposições legais que o Recorrente refere nas sua alegações de recurso.

17. A factualidade imputável à Recorrida não demonstra a existência de um comportamento que, pela sua gravidade e consequências, tivesse tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho com o Recorrente.

18. A persistir – o que aqui apenas academicamente se concede - o entendimento de que se verificou justa causa de resolução do contrato de trabalho, o seu grau de ilicitude foi mínimo, pelo que a indemnização fixada com base em 20 dias vai até para além do que era adequado e exigível. A Sentença recorrida análise, ponderou e aplicou com critério os dispositivos legais aplicáveis.

19. De acordo com o constante da sentença recorrida quanto à retribuição mediana e o grau de ilicitude não acentuado, perante o que afigura-se óbvia a conclusão de que a indemnização - a ser devida, e sustenta-se, não é ! - nunca deverá ser fixada além do que o foi em 1ª Instância.”

Conclui pela improcedência do recurso subordinado.

2.2. Os recursos foram admitidos em 1.ª instância como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

3. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela improcedência dos recursos.


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II- Questões a resolver

Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) matéria de facto / recurso sobre a matéria de facto (recurso principal); (2) Dizendo de direito: saber se a sentença recorrida errou na aplicação do direito: a respeito da justa causa para a resolução do contrato de trabalho (recurso principal e subordinado); a respeito do pedido reconvencional (recurso principal).


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III- Fundamentação

A) De facto

O Tribunal recorrido fez constar da sentença na pronúncia sobre a matéria de facto o seguinte:

«Provados estão os seguintes factos:

1. O A. foi admitido a trabalhar sob as ordens e direcção da R., mediante contrato de trabalho sem prazo, em Outubro de 2008, para o exercício das funções inerentes à categoria profissional de vendedor.

2. A R. prossegue a actividade de comércio de rações e alimentos para animais, no que sempre empregou o A..

3. As instalações da R. eram e são situadas na Estrada Nacional n.º ..., Lugar ..., ....

4. O local de trabalho do A. era nas instalações da R., sitas na Estrada Nacional n.º ..., Lugar ..., ..., e tal só não sucedia quando o A. se deslocava a clientes, no exercício das suas funções.

5. As funções do A. eram também de proceder junto dos clientes à cobrança de débitos que estes tinham para com à R..

6. O A. recebia da R. o salário mensal ilíquido de € 1.214,00, mais € 214,00 ilíquidos por mês processados no recibo de vencimento a título de “ajudas de custo” e ainda quantia correspondente às despesas com gasóleo e alimentação, despesas estas que apresentava e justificava mensalmente à R. e das quais era por esta reembolsado, depois de validadas pela R..

7. Para o exercício da sua actividade, a R. colocou à disposição do A., pelo menos, um veículo automóvel, um telemóvel e um computador.

8. A relação entre as partes decorreu sem quaisquer incidentes, desde o seu início, até pelo menos Julho de 2022, verificando-se a regularidade do pagamento dos encargos para a Segurança Social.

9. O A. remeteu à R., em 07/11/2022, carta registada com aviso de recepção, de que consta cópia a fls. 13/14 dos autos, dirigida para a morada da sede da R. ..., Lugar ... - Apartado ...8, ... ...), com o seguinte teor, na parte que para o caso releva:

«Assunto: resolução do contrato de trabalho, ao abrigo do disposto no artigo 394 do CT.

Exmos. Srs.

Serve a presente para levar ao conhecimento de V. Exas. a minha intenção de resolver o contrato de trabalho, com invocação de Justa causa, com efeitos a partir da receção desta comunicação e, tendo por fundamento o seguinte:

1. Estou vinculado a essa empresa desde 1 de Outubro de 2008, desempenhando as funções inerentes à categoria profissional de vendedor, mediante o pagamento da retribuição mensal ilíquida de 1.214,00€ (mil duzentos e catorze euros), acrescida de ajudas de custo (para alimentação e combustível dado que a prestação se efetua fora das instalações).

2. A Partir, pelo menos, de fins de Abril de 2022, a A..., por razões que me são estranhas, deixou de fornecer aos seus clientes, os produtos do seu comércio (rações para animais).

3. Pelo que, apesar de continuar a manter os contatos com os clientes, a administração continuou a não dar reposta à satisfação das encomendas que regulamente vinham sendo apresentadas.

4. Desde finais de Abril até ao presente, limitei-me a manter os contatos com os clientes e a fazer cobrança de créditos, entregando-os à administração,

5. No mais, mantendo-me totalmente inativo e sem qualquer possibilidade de desempenhar as funções de vendedor para que fui contratado.

6. A retribuição mensal e as respetivas ajudas de custos deixaram de ser pagas, aquelas a partir de Setembro e, estas a partir de Junho de 2022.

7. A A... mantém-se na total ausência de atividade, sendo de admitir, a curto prazo, a sua insolvência, já que a administração nada faz no sentido de restabelecer a oferta de produtos aos seus clientes.

8. Nada transmitindo ao seu trabalhador para salvaguarda dos seus direitos e assegurar a normalidade da relação laboral.

9. A manutenção da situação descrita afetou de forma grave e reiterada a situação económica e a estabilidade do seu agregado familiar.

10. E a sujeição a um clima de incerteza e angústia, suscetíveis de causar relevante dano de natureza psicológica.

11. Nestas circunstâncias, tornou-se impossível a manutenção do vínculo laboral, por facto imputável à entidade empregadora,

12. Os factos expostos, porque violadores da relação jurídica laboral, constituem justa causa para resolução do contrato de trabalho, por iniciativa do trabalhador, nos termos, designadamente, do n.º 1 e 2 alíneas a), b), d) e e) do artigo 394,º do CT.

Nestes termos, fica resolvido o contrato de trabalho. com efeito a partir da receção desta comunicação; e

Advertido de que deverá, no prazo de cinco dias:

a)- proceder ao pagamento das retribuições em atraso, relativamente aos meses de Setembro, Outubro de 2022 e parte de Novembro;

b)- proceder ao pagamento das ajudas de custo já apresentadas, relativas a Junho e Outubro, no valor de 1.238,95€ (mil duzentos e trinta e oito euros e noventa e cinco cêntimos);

c)- proceder ao pagamento de metade das férias vencidas em 1/01/2022, não gozadas, no valor de 607,00€ (seiscentos e sete euros);

d)- proceder ao pagamento dos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal, relativos ao ano da cessação do contrato, no montante global de 2.023,84€ (dois mil e vinte e três euros, e oitenta e quatro cêntimos);

e)- proceder ao pagamento da indemnização de antiguidade. no correspondente a 45 dias por cada ano, o que perfaz o montante de 25.494,00€ (vinte e cinco mil quatrocentos e noventa quatro euros); (…)»

10. Os serviços postais diligenciaram no sentido da entrega da referida carta, mas a mesma não foi levantada pela R., tendo sido devolvida ao remetente no dia 22/11/2022.

11. Em 19/04/2022, o A. foi pai, tendo beneficiado de licença parental, desde 17/08/2022 até 31/08/2022.

12. A partir Abril de 2022, a R. começou a ficar sem produtos para vender aos seus clientes, porque a empresa que lhos fornecia (que pertencia ao mesmo grupo empresarial da R.) entrou em processo de insolvência.

13. A partir de finais de Abril de 2022, a R. deixou de ter rações para fornecer aos seus clientes, nomeadamente os que foram angariados pelo A..

14. A partir daí, as funções do A. limitaram-se à tentativa de cobrança das dívidas dos clientes para com a R..

15. Num dos últimos dias de Setembro de 2022, o A. falou nas instalações da R. com o administrador desta, BB, a respeito da situação da empresa e da situação laboral do A..

16. A partir daí, o A. deixou de compareceu nas instalações da R..

17. A R. pagou ao A., em 12/08/2022, as despesas por este apresentadas em relação ao mês de Junho de 2022, no valor total de € 494,15.

18. A R. não pagou ao A. as despesas por este apresentadas, em relação aos meses de Julho (€ 500,78), Agosto (€ 185,94) e Setembro de 2022 (€ 76,19).

19. A R. efectuou uma transferência para o A. em 08/11/2022, no valor de € 647,19. 20. Essa transferência destinou-se a pagar ao A. o vencimento e as ajudas de custo do mês de Setembro de 2022, processados no recibo pelos montantes ilíquidos de € 606,95 e € 107,00, respectivamente.

21. A R. nada pagou ao A., em relação aos meses de Outubro e Novembro de 2022.

22. A R. adiantou ao A., para futuras despesas, € 300,00, em 27/09/2017; € 1.000,00, em 13/04/2018; e € 500,00, em 15/10/2008.

23. Essas quantias adiantadas ao A., só no final do contrato de trabalho deveriam ser devolvidas à R. ou acertadas com eventuais créditos de despesas que o A. na altura detivesse.

Não se provaram quaisquer outros factos de entre os alegados na petição inicial e contestação, nomeadamente:

- Que a R. colocou à disposição do A., para o exercício da sua actividade, uma máquina fotográfica.

- Que o A. não devolveu ainda à R. o computador de trabalho que esta tinha posto à sua disposição.

- Que a R. não prestava ao A. qualquer esclarecimento sobre a situação da empresa, mantendo-se incontactável, nem sequer respondendo a solicitações do mandatário do A., que por carta registada com aviso de recepção de 11.10.2022 a convocou a comparecer no seu escritório.

- Que a R. cancelou o “serviço de comunicações (telemóvel)”.

- Que as despesas apresentadas pelo A. em relação aos meses de Julho e Agosto de 2022 apresentavam desconformidades.

- Que na sequência da conversa entre o A. e o administrador da R., BB, a que se alude no n.º 15 dos factos provados, o A. ficou de ponderar e apresentar propostas, numa futura e próxima reunião, com vista a uma eventual alteração ou cessação da relação laboral.

- Que o administrador da R., após essa reunião, ficou a aguardar o contacto do A., que desde então, não mais contactou ou prestou contas à R., nem lhe prestou trabalho - embora se tenha demonstrado que deixou de comparecer nas instalações da empresa (cfr. n.ºs 15 e 16 dos factos provados).»


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B) Discussão

1. Recurso sobre a matéria de facto

1.1. Critérios de admissibilidade

Resultando do n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 87º, nº1 do CPT, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, aí se abrangendo, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente, importa, então, que verifiquemos se fundamento legal ocorre que impeça essa pretendida reapreciação.

Dispõe-se no artigo 640.º, do CPC, o seguinte:

“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.

Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[1]. Contudo, como também sublinha, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”.

A respeito do cumprimento do ónus estabelecido na citada alínea c) do n.º 1, se pronunciou, muito recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 17 de outubro de 2023[2], uniformizando a Jurisprudência nos seguintes termos: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”.

Muito embora apenas tenha sido fixada jurisprudência a respeito da referida alínea, resultam, porém, do mesmo Acórdão, assim da sua fundamentação, considerações que temos como claramente relevantes quanto às demais exigências que resultarão do mesmo preceito, nos termos que seguidamente se transcrevem:
«(…) Desse modo, impõe-se a respetiva harmonização com os mais ditames no que concerne à admissibilidade do recurso, legitimidade para recorrer, prazos para tanto, bem como as regras no que concerne ao modo de interposição, no que para aqui releva, os recursos interpõem-se por meio de requerimento, devendo conter obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade, artigo 637, n.º 1 e n.º 2, especificando o n.º 1, do artigo 639, que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, artigo 639, n.º 1, preceito legal de cariz genérico, reportando-se assim aos recursos onde sejam apenas suscitadas questões de direito, mas também se pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto(57), procedendo à delimitação do objeto do recurso, como avulta do previsto no artigo 635, n.º 3 e 4.
Em conformidade, não surpreende que no artigo 640 não se faça qualquer referência aos aspetos formais, antes enunciados, relevando sim, que sejam dadas essencialmente as indicações previstas na alínea a), na medida em que as mesmas delimitam a atividade de reapreciação junto do Tribunal da Relação, do julgado quanto à matéria de facto.
4 - Não pode, no entanto, ser esquecida a ratio legis, no atendimento dos princípios já enunciados na abordagem do histórico do preceito, que seria despiciendo repisar, mas também, e com eles necessariamente relacionados, os hodiernos vertidos no vigente Código de Processo Civil, caso do princípio da cooperação, enquanto responsabilidade conjunta de todos os intervenientes processuais, numa visão instrumental do processo para a obtenção da solução justa e atempada do litígio, bem como, com as devidas adaptações, o dever da gestão processual na vertente da respetiva adequação, sublinhando a prevalência da matéria em relação à forma, sempre pautados pelo dever de boa-fé, não esquecendo o ónus de alegação, numa pretendida colaboração ativa para a apreciação a realizar pelo Tribunal, inculcada com a inclusão do apontamento da decisão alternativa, e tendo presente a imprescindível consideração da proporcionalidade e razoabilidade que para a causa em concreto seja atendível e se justifique.
Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso.
Quando aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador(58), chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso(59), conforme o n.º 1, alínea c) (60) do artigo 640, apresentando algumas divergências ou em sentido não totalmente coincidente, vejam-se os Autores, Henrique Antunes(61), Rui Pinto(62), Abílio Neto(63).
5 - Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada. (…)»

Do que nos afigura resultar da citada fundamentação, afigura-se-nos adequado, em face do que resulta da lei, o entendimento de que, para cumprir os ónus legais, o recorrente sempre terá de alegar e levar para as conclusões, sob pena de rejeição do recurso, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, como estabelecido na alínea a) do n.º 1 do preceito citado, enquanto definição do objeto do recurso, sendo que, noutros termos, já quando ao cumprimento do disposto nas alíneas b) e c) do mesmo número, desde que vertido no corpo das alegações, a respetiva não inclusão nas conclusões não determina tal rejeição do recurso.

Em face do antes dito, importa desde já sinalizar que, no caso, em face do que levou às conclusões, a impugnação da matéria de facto pretendida pela Recorrente apenas está em condições de ser admitida, o que se decide, quanto aos pontos da matéria de facto não provada que naquelas indica, assim:

- Que a R. colocou à disposição do A., para o exercício da sua actividade, uma máquina fotográfica.

- Que o A. não devolveu ainda à R. o computador de trabalho que esta tinha posto à sua disposição.

- Que as despesas apresentadas pelo A. em relação aos meses de Julho e Agosto de 2022 apresentavam desconformidades.

- Que na sequência da conversa entre o A. e o administrador da R., BB, a que se alude no n.º 15 dos factos provados, o A. ficou de ponderar e apresentar propostas, numa futura e próxima reunião, com vista a uma eventual alteração ou cessação da relação laboral.

- Que o administrador da R., após essa reunião, ficou a aguardar o contacto do A., que desde então, não mais contactou ou prestou contas à R., nem lhe prestou trabalho - embora se tenha demonstrado que deixou de comparecer nas instalações da empresa (cfr. n.ºs 15 e 16 dos factos provados).

Por outro lado, ainda, no que ao caso importa, a respeito do cumprimento do ónus estabelecido na alínea b) do n.º 2 antes citado, afirma-se no Acórdão de 5 de setembro de 2018[3], que esse, “ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos” – afirmando-se que “não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna” –, não deixaremos de esclarecer, por último, que se admite que tal indicação possa ser realizada conjuntamente para mais do que um facto, caso se trate de factos diretamente relacionados.

Não obstante, sendo também reconhecido pela nossa Jurisprudência que deve ser realizada uma adequada ponderação, caso a caso, em que relevará, nomeadamente, quer a extensão da impugnação que é pretendida, quer da prova que é indicada, no que ao caso importa, até porque em grande parte os factos têm relação, de seguida procederemos, então, à apreciação.

1.2. Apreciação:

Os pontos impugnados são os que antes de mencionaram, pretendendo a Recorrente que sejam dados como provados.

Como meios de prova em que diz suportar a alteração, indica a Recorrente provado documental (“toda a prova documental junta aos autos, em particular, os documentos nºs 1 a 26 juntos pela Recorrente com a sua contestação”), depoimento de parte do Autor, declarações de parte do seu legal representante BB e os depoimentos das testemunhas CC, DD e EE, localizando no registos de gravação, exceção feito ao depoimento do Autor, as passagens que diz serem relevantes – mas sem as transcrever.

Não tendo sido apresentadas contra-alegações, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Da motivação sobre a matéria de facto, quanto à factualidade tida como não provada, apenas resulta o seguinte: “No tocante à matéria de facto controvertida que não foi considerada provada, a convicção do tribunal assentou na ausência de prova produzida em julgamento passível de a demonstrar, sendo de salientar, quanto ao computador de trabalho, que o A. afirmou que já o deixou nas instalações da empresa, sem que se tenha feito qualquer prova em contrário.”

Deixando-se consignado que se procedeu à reanálise da prova produzida, em particular a que foi indicada pela Recorrente, com audição dos registos de gravação no que diz respeito à prova por declarações / testemunhal, desde já adiantamos que não se vislumbram elementos que permitam divergir da convicção que foi firmada em 1.ª instância, impondo-se-nos esclarecer, aliás, quanto a esta última prova, que apenas das declarações prestadas por BB e pela testemunha EE resultam algumas referências a parte da matéria de facto que reapreciamos, mas em termos que, salvo o devido respeito, tanto mais que outra prova foi produzida e quanto a essa a Recorrente tal omite, permitam substituir aquela convicção do Tribunal por outra e designadamente a que é indicada pela Recorrente. Alias, com conhecimento direto, e neste caso, quanto à reunião ocorrida e que o Autor teria ficado de pensar e depois ir falar com BB, apenas este o refere com conhecimento de causa (a testemunha EE apenas referiu que não teria assistido e que tal apenas lhe teria sido transmitido), o que ocorre também quanto ao computador e máquina fotográfica.

É que, neste âmbito, importa dizer que, na consideração de que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo essa de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[4] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, importa, então, que a impugnação que seja feita não se baste com a mera alegação de que não concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova[5], artigo 607.º, nº 5 do CPCivil[6]. Ou seja, usando, é certo, também o Tribunal da Relação, na apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto, do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 607.º, nº 5, do CPC), em termos de proceder ao controlo efetivo da decisão recorrida – devendo sindicar a formação da convicção do julgador, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece –, tendo presente, porém, o regime estabelecido, assim no artigo 662.º do CPC, não se basta, no entanto, com a constatação de que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida, não podendo o recorrente limitar-se a invocar genericamente que ocorreu erro de julgamento, tendente a uma reapreciação global dos meios de prova, exigindo, antes, diversamente, que tal censura seja assente na violação de qualquer dos passos para a formação da convicção firmada em 1.ª instância, seja designadamente por não existirem os dados objetivos que se apontam na motivação, seja por se terem violado os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou ainda por não ter existido liberdade de formação da convicção – a lei impõe, pois, ao recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, um ónus de impugnação, devendo expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal de 1.ª instância, sendo que, os argumentos não procedem. De resto, nesse âmbito, cumpre salientar que o nº 1 do art.º 662º do Código de Processo Civil dispõe que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, ou seja, não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida.

Por decorrência de todo o exposto, improcede o recurso nesta parte.

1.3. Pelas razões que anteriormente referimos, o elenco factual a atender para dizermos o Direito do caso é aquele que como tal foi considerado em 1.ª instância.

2. O Direito do caso

2.1. Introito

Em face do que resulta das conclusões apresentadas pela Recorrente, que como o dissemos já, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, delimitam o âmbito do nosso conhecimento, dizendo aquela que a sentença “recorrida, e de entre outros, violou o disposto nos art. 394º e 399º do Código do Trabalho”, apresenta como argumentos, no essencial, no âmbito da aplicação do direito, o seguinte:

- Devendo a justa causa ser apreciada segundo o disposto no nº 3 do artigo 351º do CT, com as necessárias adaptações, ou seja, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao caráter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes, o Autor só podia resolver o contrato de trabalho com justa causa subjetiva se o comportamento da Ré tivesse sido ilícito, culposo e por forma a tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, sendo ainda necessária a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral;

- Na carta de resolução do contrato o Autor não especifica os concretos factos suscetíveis de preencher as expressões que constam da comunicação, sobretudo no que concerne às denominadas ajudas de custo, tendo a preterição dos requisitos necessários de natureza procedimental, previstos no nº 1 do artigo 395º do CT, por consequência, por razões meramente formais, a ilicitude da resolução operada pelo Autor – este apenas invoca a chamada justa causa subjetiva, mas não concretizou ou especificou a que ajudas de custo se refere, não concretizou a periodicidade com que eram apresentadas, não alegou o dia e o mês em que apresentou à Ré cada uma delas, não alegou o prazo que a Ré dispunha para as validar e, sobretudo, não alegou, relativamente a cada uma delas, o prazo em que a Ré as devia pagar, inexistindo assim justa causa para a resolução do contrato de trabalho que promoveu, para além de que não se provou uma conduta que tenha, em razão da sua gravidade e das suas consequências, tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;

- No caso, e ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, não se aplica a presunção de culpa contida no art. 394º nº 5, do CT – uma qualquer falta de pagamento pontual não se deveu a culpa da Ré (sabendo o Autor o que se deu como provado sob os nºs 12, 13 e 14, e tendo ocorrido o constante do facto nº 15, tudo isto, por si só, é suficiente a fundamentar uma ausência de culpa por parte da Ré);

- Sendo o local de trabalho do Autor as instalações da Ré, onde esteve num dos últimos dia de Setembro de 2022, tendo ocorrido a conversa referida sob o nº 15, o suposto acontecer, em termos de razoabilidade e à luz das regras da experiência comum, era o Autor continuar a comparecer nas instalações da Ré, o seu local de trabalho, e não, como se provou, que a partir daí, deixou de comparecer nas instalações da Ré (cfr facto provado sob o nº 15) – fica ilidida eventual presunção de culpa que se possa entender impender sobre a Ré;

- Devendo ser declarada a ilicitude da resolução do contrato de trabalho operada pelo Autor, deve este, em consequência, ser condenado a pagar à Ré, a título de indemnização, a quantia de 2.428,00 € (art. 399º e 401º do CT) – reconhecendo que é devedora ao Autor das quantias referidas sob o nº 67 do seu articulado de contestação / reconvenção, no valor global de €4.025,22, beneficia, porém, diz, de um crédito sobre o Autor de 1.800,00 € e de 2.428,00 €, que declarou compensado com aquele crédito do Autor, pelo que, em consequência, fica extinta a sua obrigação para com o Autor que ainda lhe fica devedor da quantia de 202,78 € ([1.800,00 + 2.428,00 =4.228,00 – 4.025,22 €].

Conclui, no provimento do recurso, que deve a decisão recorrida “ser substituída por outra que, ponderados todos os elementos objetivos e subjetivos, absolva a Ré do pagamento da indemnização a que foi condenada e condene o Autor no pedido reconvencional admitido”.

Por sua vez, não obstante não ter contra-alegando, o Autor apresentou recurso subordinado, em que invoca, mais uma vez designadamente, os seguintes argumentos:

- a sentença recorrida ao considerar que a inatividade do trabalhador derivada da falta de produtos para vender não constitui fundamento “atendível para sustentar a resolução contratual”, é ilegal, pois que, diz, tendo começou a Ré a ficar sem produtos para vender aos seus clientes e de ter rações para fornecer aos seus clientes, falou ele Autor, em finais de setembro de 2022, nas instalações da Ré com seu administrador, a respeito da situação da empresa e da sua situação laboral, sem que aquela tomasse qualquer iniciativa de resolução de ambos aos assuntos, como lhe competia, sendo assim da sua responsabilidade, de modo culposo, a sua inatividade e consequente inatividade das suas funções de vendedor da exclusiva responsabilidade, ao não tomar qualquer iniciativa para retomar a normal atividade de comércio de rações, é claramente culposa – em conformidade com o disposto no n.º 1 alínea b do artigo 129.º do código do Trabalho (CT) “é proibido ao empregador obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho”, sendo que a violação desta norma implica a prática de uma contraordenação muito grave (n.º 2 daquela disposição legal) / o dever daquele normativo a que se tem chamado de dever de ocupação efetiva, está relacionado com o artigo 127.º n.º 1 alínea c) do mesmo diploma, na medida em que deste resulta que o empregador deve proporcionar boas condições de trabalho ao trabalhador do ponto de vista físico e moral; por outro lado, a conduta da Ré, ao manter a inatividade durante largos meses, ao criar condições para que o trabalhador apresentasse a resolução do contrato, ofende de forma deliberada o princípio da boa-fé, na execução contratual, conforme o prevê o artigo 126.º n.º 1 do CT –, acrescentando depois que a factualidade que invocou na comunicação de resolução do contrato consubstanciada na inatividade da entidade empregadora, por falta de produtos para vender não justificada, constitui, por si só, fundamento para a resolução do contrato com justa causa. Cfr. alínea b) do n.º 2 do artigo 294.º do Código do Trabalho.

- A resolução do contrato com fundamento no n.º 2 do artigo 394.º do CT, suprarreferido, confere-lhe o direito a uma indemnização de 15 a 45 dias de retribuição por cada ano completo de antiguidade, sendo que, no caso, considerando a gravidade e o grau de ilicitude da ré deve fixar-se nos 45 dias. Cfr. n.º 1 do artigo 396.º CT.

Contrapõe a Ré, quanto ao recurso subordinado do Autor:

- que não violou o disposto na al. b), do nº 1, e nº 2, do art. 129º do C.T;

Que não resultam nos autos provados comportamentos a si imputáveis que sejam injustificadamente obstativos da prestação efetiva de trabalho por parte do Autor.

- que não atuou de má-fé, sendo que, diz, a uma conduta justificada, como é a dos autos que decorre de um fator externo não desejado e não controlado pela Ré, não se pode afirmar a contrariedade à boa-fé;

- deve improceder a pretensão do Autor de que a graduação da indemnização, se faça em 45 dias de retribuição por cada ano de antiguidade – a o entendimento de que se verificou justa causa de resolução do contrato de trabalho, o seu grau de ilicitude foi mínimo, pelo que a indemnização fixada com base em 20 dias vai até para além do que era adequado e exigível.

Pronunciando-se o Ministério Público, no parecer emitido, pela improcedência dos recursos, de seguida procederemos à apreciação das questões colocadas.

2.2. Questão da resolução do contrato (recurso principal e subordinado)

Constata-se que, quanto à questão da resolução do contrato operada pelo Autor, se fez constar da sentença, depois de considerações a respeito do enquadramento teórico e legal da questão, incluindo com citação de doutrina e jurisprudência, o seguinte:
“(…) II. De acordo com o disposto no art. 394º, ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar de imediato o contrato, resolvendo-o, quer com fundamento em comportamento culposo do empregador (a denominada resolução com justa causa subjectiva), quer com base na alteração das circunstâncias ou em actuações não culposas do empregador (justa causa objectiva).
Constituindo justa causa para a resolução contratual por parte do trabalhador, designadamente, a falta culposa de pagamento pontual da retribuição, considerando-se culposa aquela que se prolongue por período de 60 dias, sem admissibilidade de prova em contrário[7] - art. 394º, n.ºs 2, al. a) e 5. E presumindo-se culposa quando o atraso no pagamento da retribuição seja inferior a 60 dias, presunção esta ilidível, mediante prova em contrário – cfr. art. 799º n.º 1 do Cód. Civil.
Provou-se que a R. não pagou ao A. as despesas por este apresentadas, em relação aos meses de Julho (€ 500,78), Agosto (€ 185,94) e Setembro de 2022 (€ 76,19).
E que só em 08/11/2022 pagou parte do vencimento e das ajudas de custo de Setembro de 2022, mais concretamente €606,95 a título de vencimento e €107,00 de ajudas de custo (valores ilíquidos), de acordo com o que foi processado no respectivo recibo de vencimento.
Nada lhe tendo pago em relação aos meses de Outubro e Novembro de 2022.
Aquando da produção de efeitos da resolução contratual (22/11/2022), a R. tinha em dívida para com o A. as despesas relativas aos meses de Julho (€ 500,78), Agosto (€ 185,94) e Setembro de 2022 (€ 76,19), bem como parte da retribuição e ajudas de custo do mês de Setembro de 2022 (no valor de € 607,05 e € 107,00, respectivamente) e a retribuição e ajudas de custos do mês de Outubro de 2022 (no valor de € 1.214,00 e € 214,00, respectivamente).
Apenas em relação às despesas do mês de Julho e Agosto tinham decorrido mais de 60 dias sobre a data do vencimento, fazendo impender sobre a R. uma presunção inilidível de culpa. Vigorando, no mais, uma presunção legal de culpa - que a R. não ilidiu.
Entendendo-se que o não pagamento das referidas retribuições, ajudas de custo e despesas, tendo em conta o seu valor global (€2.904,96), reveste gravidade bastante para justificar a inexigibilidade da manutenção do contrato de trabalho.
Sendo de notar que, embora a R. tenha adiantado ao A. para futuras despesas, €
300,00 em 27/09/2017, €1.000,00 em 13/04/2018 e €500,00 em 15/10/2008, essas quantias só no final do contrato de trabalho deveriam ser devolvidas à R. ou acertadas com eventuais créditos de despesas que o A. na altura detivesse.
Salientando-se, também, que apesar de se ter demonstrado que o A. deixou de comparecer nas instalações da empresa a partir da reunião que manteve com o administrador da R. em finais de Setembro de 2022, não se provou que deixou de prestar trabalho (que no caso, se circunscrevia à tentativa de cobrança das dívidas dos clientes) ou mesmo que não tenha mais contactado ou prestado contas à R., por outra forma que não a sua comparência pessoal nas instalações da empresa.
No que se refere à circunstância (também invocada na comunicação de resolução) da R. a partir de final de Abril de 2022 ter ficado sem produtos para vender, o que limitou as funções do A. à tentativa de cobrança das dívidas dos clientes, apurou-se que tal se deveu ao facto da empresa que fornecia a R. (que pertencia ao mesmo grupo empresarial) ter entrado em processo de insolvência, sem que se possa afirmar que a R. contribuiu culposamente para tal situação.
Pelo que esse fundamento não é atendível para sustentar a resolução contratual com base em comportamento culposo da empregadora.
O reconhecimento da existência da justa causa na resolução contratual, confere ao A. direito à indemnização prevista no art. 396º n.º 1, que é fixada pelo tribunal entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade (com o limite mínimo correspondente a 3 meses de retribuição base e diuturnidades), atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador. Sendo o cálculo da indemnização feito proporcionalmente, em caso de fracção de ano de antiguidade – cfr. n.º 2.
A retribuição do A. é mediana e o grau de ilicitude não é acentuado, atendendo a que o valor global em dívida, embora com significado, não é particularmente elevado e o incumprimento não se mantinha há muito tempo, no que se refere à maior parte desse valor, sendo certo que o A. tinha apesar de tudo em seu poder €1.800,00, que lhe tinham sido adiantados pela R..
Justificando-se, em função disso, que a graduação da indemnização se faça com base em 20 dias de retribuição por cada ano de antiguidade.
Cifrando-se o valor da indemnização devida ao A., tendo em conta o respectivo salário base (€ 1.214,00) e a sua antiguidade na empresa, à data da resolução (14 anos e 22 dias), em € 11.380,08[8]. (…)”

Em face da citada fundamentação, diremos o seguinte:

Resulta do artigo 394.º do CT/2009 (redação vigente à data da resolução):

“1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.

2 - Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:

a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;

b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador, designadamente a prática de assédio praticada pela entidade empregadora ou por outros trabalhadores;

c) Aplicação de sanção abusiva;

d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;

e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;

f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.

3 - Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:

a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato;

b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador;

c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.

d) Transmissão para o adquirente da posição do empregador no respetivo contrato de trabalho, em consequência da transmissão da empresa, nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do artigo 285.º, com o fundamento previsto no n.º 1 do artigo 286.º-A.

4 - A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.

5 - Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo.”

Desde logo, importa evidenciar que é em face dos motivos invocados pelo trabalhador na comunicação de resolução do contrato com invocada justa causa que se afere a procedência daqueles motivos, pois que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem – principio da vinculação temática (n.º 3, do art.º 398.º).

Tendo de ser comunicada a intenção de resolução ao empregador nos 30 dias subsequentes ao conhecimento pelo trabalhador dos factos que a justificam, comunicação essa que tem de revestir a forma escrita, com a “indicação sucinta dos factos que a justificam” (n.º1 do art.º 395.º, do CT/09) – o que deve ser entendido no sentido de que o trabalhador não está dispensado de concretizar, com o mínimo de precisão, os factos que estão na base da sua decisão[9] –, é a partir dessa indicação que se afere a procedência dos motivos que são invocados para a resolução, pois que “apenas são atendíveis para a justificar” os factos que dela constarem – principio da vinculação temática (n.º 3, do art.º 398.º) –, sem esquecermos, ainda, que é “a justa causa apreciada nos termos do n.º 3, do art.º 351.º, com as necessárias adaptações” (n.º 4 do art.º 394.º), bem como que é sobre o trabalhador que impende o ónus de alegação e prova da existência de justa causa – ou seja, que alegue e prove os factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho (art.º 342.º n.º 1, do Código Civil).

Para efeitos de aplicando tais critérios ao caso, está em causa uma invocação, pelo Autor, de justa causa subjetiva, assente em comportamento(s) do empregador que se reconduza (m) a ato(s) ilícito(s), nomeadamente, em síntese, limitando-se a nossa análise às questões que são objeto da nossa apreciação, por referência à comunicação resolutiva com invocação de justa causa, que, a retribuição mensal e as respetivas ajudas de custos deixaram de ser pagas ao Autor, aquelas a partir de Setembro e, estas a partir de Junho de 2022 (recurso principal) e que, desde abril de 2022, tem estado inativo, por falta de qualquer possibilidade de desempenhar as funções de vendedor para que foi contratado (recurso subordinado).

Ora, sendo, como o dissemos, a justa causa apreciada nos termos do n.º 3, do art.º 351.º, com as necessárias adaptações (n.º 4 do art.º 394.º), e na consideração, ainda, de que é sobre o trabalhador que impende o ónus de alegação e prova da existência de justa causa – ou seja, que alegue e prove os factos constitutivos do direito a fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho (art.º 342.º n.º 1, do Código Civil) –, então, no caso que se aprecia, sendo os motivos que mencionamos supra aqueles a que importa atender para verificar da existência ou não de justa causa, importando valorar, desses, apenas aqueles que se consideraram provados, o que se constata, face à factualidade que se provou, é o que diremos de seguida.

Em primeiro lugar, começando-se pela análise da invocada inatividade do Autor / trabalhador, que este no recurso subordinado tem como ilegal e culposa – por ser da exclusiva responsabilidade da Ré, ao não tomar, diz, qualquer iniciativa para que retomasse a normal atividade de comércio de rações, é claramente culposa, invocando o disposto no n.º 1 alínea b do artigo 129.º do código do Trabalho como ainda o que resulta do artigo 127.º n.º 1 alínea c) do mesmo diploma, bem como que ocorrerá ofensa, de forma deliberada, do princípio da boa-fé, na execução contratual, conforme o prevê o artigo 126.º n.º 1 do CT –, diremos que, com a natural salvaguarda do devido respeito, para o que se impõe que seja apenas atendida a factualidade provada (e não, pois, o que dessa não resulta, assim quanto ao mais que é mencionado pelo Recorrente), não vislumbramos razões para não acompanharmos a sentença recorrida, quando se fez constar, a esse propósito, ter sido apurado “que tal se deveu ao facto da empresa que fornecia a R. (que pertencia ao mesmo grupo empresarial) ter entrado em processo de insolvência, sem que se possa afirmar que a R. contribuiu culposamente para tal situação”, para concluir de seguida que esse fundamento não seria “atendível para sustentar a resolução contratual com base em comportamento culposo da empregadora”. É que, bastando para o efeito atender-se ao que resulta dos pontos 12.º e 13.º provados, nesses se evidenciando, apenas, que a partir abril de 2022, começou a Ré a ficar sem produtos para vender aos seus clientes, porque a empresa que lhos fornecia (que pertencia ao mesmo grupo empresarial) entrou em processo de insolvência, tendo deixado, a partir de finais daquele mês, de ter rações para fornecer aos seus clientes, nomeadamente os que foram angariados pelo Autor, passando a partir daí o Autor a limitar-se à tentativa de cobrança das dívidas dos clientes para com a Ré, a verdade é que, de tal factualidade, salvo o devido respeito, não vislumbramos em que poderá assentar a ilicitude e culpa que invoca o Autor, como ainda a sustentação para o violação das normas que invoca no recurso subordinado, razão por que tal recurso fica votado ao insucesso, improcedendo assim.

Agora em segundo lugar, restando verificar o fundamento relacionado com a invocada falta de pagamentos (recurso principal), consideramos, neste caso diversamente do que foi entendido na sentença recorrida, que assim não acompanhamos, que tal invocação, em face do que se provou, não dá adequado suporte à justa causa para a resolução que foi operada pelo Autor.

É que, demonstrando-se é certo que a Ré não pagou ao Autor as despesas por este apresentadas em relação aos meses de julho (€ 500,78), agosto (€ 185,94) e setembro de 2022 (€ 76,19) e que nada pagou em relação aos meses de outubro e novembro de 2022 (pontos 18.º e 19.º da factualidade provada), o que se considerou na sentença configurar-se como falta de pagamento pontual, nessa parte, de retribuição salarial e outros valores (ajudas de custo), no entanto, porém, salvo o devido respeito, ainda que porventura não se colocassem dúvidas, pelo menos em parte, a esse respeito (e como veremos não é esse o caso), ainda nesse caso, atendendo ao contexto e circunstâncias do caso, que se nos impõe atender, seria questionável que tal mencionado incumprimento assumisse gravidade bastante, como é pressuposto, para termos como verificada a característica essencial do conceito de justa causa, assim a demonstração de que tais comportamento da entidade patronal, no caso a Ré, mesmo que se admita que lhe pudessem ser imputáveis a título de culpa, pela sua gravidade e consequências, tornassem inexigível a manutenção do vínculo laboral.

Dito de outro modo, não consideramos que, no caso, dos comportamentos da Ré que se lograram demonstrar – e que tenham sido invocados na carta de resolução, por ser pressuposto também como já o dissemos anteriormente – resultassem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que fosse inexigível ao trabalhador, no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, bem como o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostram relevantes, a continuação da prestação da atividade pelo trabalhador/Autor – como a dimensão normativa da cláusula geral de rescisão o exige. E, acrescente-se, esse juízo tem também necessariamente presente que a preocupação com a manutenção da relação de trabalho e a diversidade de interesses e de posições das partes devem motivar exigências diversas relativamente ao preenchimento da justa causa de resolução por iniciativa do trabalhador, projetando-se assim a referida preocupação de salvaguarda da relação de trabalho na ponderação do preenchimento daquele conceito.

A factualidade provada a atender é a seguinte:

12. A partir Abril de 2022, a R. começou a ficar sem produtos para vender aos seus clientes, porque a empresa que lhos fornecia (que pertencia ao mesmo grupo empresarial da R.) entrou em processo de insolvência.

13. A partir de finais de Abril de 2022, a R. deixou de ter rações para fornecer aos seus clientes, nomeadamente os que foram angariados pelo A..

14. A partir daí, as funções do A. limitaram-se à tentativa de cobrança das dívidas dos clientes para com a R..

15. Num dos últimos dias de Setembro de 2022, o A. falou nas instalações da R. com o administrador desta, BB, a respeito da situação da empresa e da situação laboral do A..

16. A partir daí, o A. deixou de compareceu nas instalações da R..

17. A R. pagou ao A., em 12/08/2022, as despesas por este apresentadas em relação ao mês de Junho de 2022, no valor total de € 494,15.

18. A R. não pagou ao A. as despesas por este apresentadas, em relação aos meses de Julho (€ 500,78), Agosto (€ 185,94) e Setembro de 2022 (€ 76,19).

19. A R. efectuou uma transferência para o A. em 08/11/2022, no valor de € 647,19. 20. Essa transferência destinou-se a pagar ao A. o vencimento e as ajudas de custo do mês de Setembro de 2022, processados no recibo pelos montantes ilíquidos de € 606,95 e € 107,00, respectivamente.

21. A R. nada pagou ao A., em relação aos meses de Outubro e Novembro de 2022.

22. A R. adiantou ao A., para futuras despesas, € 300,00, em 27/09/2017; € 1.000,00, em 13/04/2018; e € 500,00, em 15/10/2008.

23. Essas quantias adiantadas ao A., só no final do contrato de trabalho deveriam ser devolvidas à R. ou acertadas com eventuais créditos de despesas que o A. na altura detivesse.

Ora, em face do que resulta da citada factualidade, demonstrando-se é certo que a Ré não pagou ao Autor as despesas por este apresentadas em relação aos meses de julho (€ 500,78), agosto (€ 185,94) e setembro de 2022 (€ 76,19), importaria saber, para se poder falar de incumprimento, tal como aliás o invoca a Recorrente, o que não resulta da factualidade provada, qual o dia ou momento em que a Ré estaria obrigada a reembolsá-las ao Autor (para se falar de vencimento). Por outro lado, agora a respeito de se ter provado que a Ré nada pagou em relação aos meses de outubro e novembro de 2022 (pontos 18.º e 19.º da factualidade provada), importa esclarecer, quanto ao último desses meses, que sequer, tendo por referência a data em que o Autor comunicou a intenção de resolução (7 de novembro de 2022), se pode falar em vencimento da obrigação e, assim, de falta de cumprimento.

De resto, para além do que antes referimos, sempre se nos impõe, mesmo considerando-se que tenha ocorrido, ainda assim, falta de pagamento pontual de valores que eram devidos ao Autor, que tenhamos presentes as demais circunstâncias provadas, como nos é exigido na análise, assim a situação em que se encontrava a Ré, por um lado – desde abril de 2022, assim sem ter rações para fornecer aos seus clientes, nomeadamente os que foram angariados pelo Autor (limitando-se as funções desse, a partir daí, à tentativa de cobrança das dívidas dos clientes para com a Ré –, e, por outro, tal como resulta dos pontos 15.º e 16.º provados, que, tendo o Autor, num dos últimos dias de setembro de 2022, falado nas instalações da Ré com o administrador desta, BB, a respeito da situação da empresa e da sua situação laboral, a verdade é que a partir daí deixou de comparecer nas instalações da Ré. A que acresce, diga-se por fim, que, tendo a Ré afinal adiantado ao Autor, para futuras despesas, €300,00, em 27/09/2017, €1.000,00, em 13/04/2018 e €500,00, em 15/10/2008 (ponto 22.º provado), sendo verdade que essas quantias adiantadas só deveriam ser devolvidas à Ré no final do contrato de trabalho ou então acertadas com eventuais créditos de despesas que o Autor na altura detivesse (ponto 23.º provado), daí resulta que, ainda que se encontrassem em dívida ao Autor as despesas por este apresentadas em relação aos meses de julho (€ 500,78), agosto (€ 185,94) e setembro de 2022 (€ 76,19) e que nada pagou a Ré em relação aos meses de outubro e novembro de 2022 (pontos 18.º e 19.º da factualidade provada) – dizemos ainda que se considerassem em dívida, pelas razões que antes referimos) –, não é menos certo que lhe haviam sido adiantadas as quantias antes mencionadas, o que, assim o entendemos, sempre deverá ser atendido no momento em que se faz a ponderação sobre saber se se encontra ou não verificada a característica essencial do conceito de justa causa, assim, como já antes o dissemos, a demonstração de que os comportamento da entidade patronal, no caso a Ré, que lhe podem ser imputáveis a título de culpa, pela sua gravidade e consequências, tornassem inexigível a manutenção do vínculo laboral – resultassem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que fosse inexigível ao trabalhador, no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, bem como o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostram relevantes, a continuação da prestação da atividade, como a dimensão normativa da cláusula geral de rescisão o exige.

Do exposto resulta, pois, que, na procedência do recurso, se nos impõe revogar a sentença e assim o nessa decidido no ponto I do seu dispositivo, em que se reconheceu a licitude da cessação do contrato de trabalho operada pela A., mediante resolução com justa causa, que será substituída, no presente acórdão, pela declaração de improcedência desse pedido, como ainda, do mesmo modo, pois que fica prejudicada em face da nossa decisão (incluindo a apreciação do recurso subordinado nessa parte), a indemnização em que, por decorrência, a Ré foi condenada, no valor de €11.380,08[10], condenação esta constante da alínea a) do seu ponto II.

2.3. Do pedido reconvencional (recurso da Ré):

Sustenta a Ré / recorrente que deve o Autor ser condenado a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de 2.428,00 € (art. 399º e 401º do CT), bem como que seja reconhecido ter um crédito sobre o Autor de €1.800,00, pelo que, diz, operando a compensação, fica extinta a sua obrigação para com o Autor que ainda lhe fica devedor da quantia de 202,78 € ([1.800,00 + 2.428,00 =4.228,00 – 4.025,22 €].

Constata-se que, em sede de reconvenção, peticionou efetivamente a Ré/Reconvinte a condenação do Autor/Reconvindo, nos termso que refere no presente recurso.

Da sentença recorrida resulta o seguinte:
“(…) III. Estão em dívida ao A. as despesas relativas aos meses de Julho (€ 500,78), Agosto (€ 185,94) e Setembro de 2022 (€ 76,19), bem como parte da retribuição e ajudas de custo do mês de Setembro de 2022 (no valor de € 607,05 e € 107,00, respectivamente) e a retribuição e ajudas de custos dos meses de Outubro de 2022 (no valor de € 1.214,00 e €214,00, respectivamente) e 22 dias de Novembro de 2022 (no valor de € 890,27 e € 156,93, respectivamente).
Bem como a retribuição correspondente a 15 dias de férias não gozadas pelo A., no valor de € 973,64[11].
E os proporcionais de férias[12], e subsídios de férias e de Natal[13], relativos ao ano de cessação do contrato, no total de € 3.448,99.
Créditos laborais que ascendem ao valor global de € 8.374,79, que deduzidos dos €1.800,00 de despesas adiantados pela R., dá um saldo a favor do A. no valor de € 6.574,79
Com o que procede apenas em parte a compensação reconvencionalmente invocada pela R.. (…)”

Apreciando, importando também desde já salientar que a Recorrente não dirigiu expressamente o recurso à parte da sentença em que se considerou ser devida retribuição correspondente a 15 dias de férias não gozadas pelo Autor no valor de €973,64, também não se pode dizer que não seja devido o pagamento das despesas a que se alude na mesma sentença – relativas aos meses de julho (€ 500,78), agosto (€ 185,94) e setembro de 2022 (€ 76,19) –, bem como parte da retribuição e ajudas de custo do mês de setembro de 2022 (no valor de € 607,05 e € 107,00, respetivamente) e a retribuição e ajudas de custos dos meses de outubro de 2022 (no valor de € 1.214,00 e €214,00, respetivamente) e 22 dias de novembro de 2022 (no valor de €890,27 e € 156,93, respetivamente), bem como, diga-se, evidenciou neste recurso que estejam incorretos os cálculos dos valores a que se alude também na sentença de proporcionais de férias[14] e subsídios de férias e de Natal[15], relativos ao ano de cessação do contrato, no total de € 3.448,99, o mesmo ocorrendo quanto ao valor global, que nessa se afirmou, desses créditos laborais, quando se referiu que ascendem ao valor global de €8.374,79, razão pela qual entendemos que não existem razões para a este último atendermos para efeitos da compensação que invocou a Recorrente e que pretende ver aplicada.

Por outro lado, agora referente ao crédito que a mesma Recorrente possa ter sobre o Autor / recorrido, diremos então o seguinte:

Tendo-se declarado na sentença improcedente o pedido que formulou por ausência de aviso prévio, com o argumento de que fora julgada lícita a resolução do contrato com justa causa – o que, diz-se, por si só determina a exclusão da obrigatoriedade de ser cumprido qualquer prazo de aviso prévio –, a verdade é que, como resulta do que antes afirmámos, a resolução, por falta de demonstração de justa causa, não pode considera-se lícita.

Ora, cumprindo dizer o Direito, conforme tem vindo a entender a doutrina e a Jurisprudência, a razão ou fundamento para a atribuição do direito indemnizatório por falta de aviso prévio reside na proteção contra cessações súbitas do contrato de trabalho que perturbem e prejudiquem a atividade do empregador.

Tal regime encontra-se previsto nos artigos 399.º a 401.º do CT/2009.

Afirma-se no Acórdão desta Relação e Secção de 29 de Junho de 2015[16], o seguinte:
“(…) De acordo com o disposto no artigo 399.º do Código do Trabalho, não se provando a justa causa de resolução do contrato o empregador tem direito a indemnização dos prejuízos causados, não inferior ao montante calculado nos termos do artigo 401.º. E face ao estatuído neste preceito legal, o trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou da obrigação assumida em pacto de permanência.
Como assinala Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2012, Principia, pág. 548), «[a]pesar de a letra da lei parecer indicar que há duas indemnizações – uma igual à retribuição-base e diuturnidades e outra equivalente aos danos causados – aplicando-se a primeira «sem prejuízo» da segunda, julgamos ser pacífico que a indemnização devida pelo trabalhador é uma só, cujo valor será, no mínimo e independentemente da ocorrência de danos, igual ao da retribuição-base e diuturnidades, podendo ser mais elevado quando o empregador prove que sofreu danos de montante superior ao valor mínimo da indemnização que o trabalhador está obrigado a pagar».
A norma em causa corresponde, embora com alterações de redacção, ao artigo 448.º do Código do Trabalho de 2003, que por sua vez correspondia, se bem que também com diferente redacção, ao artigo 39.º da LCTT.
No âmbito desta última norma, escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-10-2003 (Recurso n.º 4495/02, disponível em www.dgsi.pt), que a mesma previa «(…) dois tipos de indemnização para a falta de aviso prévio da rescisão do contrato pelo trabalhador. O primeiro, que funciona automaticamente pelo simples facto de ter sido omitido, total ou parcialmente, o aviso prévio, independentemente de que daí tenha ou não emergido qualquer dano para o empregador; o segundo, que só tem lugar quando houver danos que possam ser adequadamente imputados ao não cumprimento do prazo de aviso prévio».
No caso a empregadora peticionou o valor correspondente à retribuição-base.
E tendo a autora sido admitida ao serviço da ré em (…) e cessado o contrato em (…) – tendo, portanto, mais de dois anos de antiguidade – é pacífico que face ao que dispõe o artigo 400.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o prazo de aviso prévio era de 60 dias, o qual não foi respeitado, uma vez que a autora resolveu o contrato de trabalho na data da recepção da comunicação pela ré (…) e com efeitos imediatos.
Assim, não parece oferecer contestação que a ser devida indemnização o seu valor é o correspondente a dois meses de retribuição, (…).
E também não parece oferecer contestação que a indemnização em causa funciona automaticamente, pelo simples facto de o trabalhador ter feito cessar a sua relação laboral sem cumprir – ou cumprindo apenas parcialmente – o prazo de aviso prévio, independentemente de a entidade empregadora ter com isso sofrido ou não quaisquer efectivos danos.”

Assim, no caso, por aplicação do regime antes mencionado, procedendo o recurso também quanto a esta questão, tal como peticionado pela Ré / reconvinte / aqui recorrente, é-lhe devida a quantia de €2 428,00, que somada ao montante que adiantou, considerado na sentença, de €1 800,00, perfaz um global, sendo assim este o seu crédito, de €4 228,00, razão pela qual, operada a compensação com o crédito do Autor, resta-lhe em dívida, enquanto saldo a favor do Autor, a quantia de €4 150,79 (€8.374,79 – €4 228,00) e não, pois, o valor constante da alínea b) do ponto II do dispositivo da sentença, de €6.574,79, que assim importa que retifiquemos.

Procede, pois, mas apenas parcialmente e nos termos expostos, o recurso da Ré nesta parte.

A responsabilidade pelas custas do recurso subordinado pelo Autor, as da ação e do recurso principal impendem sobre as partes na proporção de vencimento / decaimento (artigo 527.º do CPC).


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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, segue-se o sumário do presente acórdão, da responsabilidade exclusiva do relator:

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IV – DECISÃO:

Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em declarar totalmente improcedente o recurso subordinado apresentado pelo Autor e, no que se refere ao recurso principal, apresentado pela Ré, declarando-o improcedente na parte dirigida à impugnação da matéria de facto, na sua parcial procedência no âmbito da aplicação do direito, em alterar o decidido na sentença, a qual, mantendo-se no mais:

- É revogada no que se refere ao Ponto I e à alínea b) do seu ponto II, ambos do dispositivo, em que se reconhecia, no primeiro, a licitude da cessação do contrato de trabalho operada pelo Autor e na última o valor de €11.380,08 de indemnização pela resolução com justa causa do contrato de trabalho, sendo substituídas, neste acórdão, pela declaração de absolvição da Ré desses pedidos;

- No que se refere à alínea b) do ponto II, é alterado o valor de €6.574,79 que aí consta, passando a ser, no presente acórdão, o de €4.150,79.

A responsabilidade pelas custas impende: quanto ao recurso subordinado, sobre o Autor/recorrente; referentes à ação e recurso principal impendem sobre as partes na proporção de vencimento / decaimento.


Porto, 14 de outubro de 2024

(acórdão assinado digitalmente)

Nélson Fernandes (relator)

Germana Ferreira Lopes

António Luís Carvalhão


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[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222.

[2] Relatora Conselheira Ana Resende – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023, Processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 (Recurso para Uniformização de Jurisprudência), publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14, páginas 44 - 65.

[3] Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, mais uma vez em www.dgsi.pt.

[4] Cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt.

[5] artigo 607.º, nº 5 do CPC.

[6] Cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[7] Na jurisprudência, vd. os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/12/2011 (proferido no processo n.º 1022/09.1TTCBR.C1) e da Relação do Porto de 21/02/2011 (proferido no processo n.º 345/10.1TTPNF.P1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt; Na doutrina, João Leal Amado, in Contrato de Trabalho – À Luz do Novo Código do Trabalho, pág. 443.
[8] € 1.214,00 : 30 x 20 = € 809,33.
(€ 809,33 x 14 anos) + (€ 809,33 : 12 meses : 30 dias x 22 dias) = € 11.380,08.
[9] Cf. Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Ed., Principia, 2012, pág. 533.
[10] € 1.214,00 : 30 x 20 = € 809,33.
(€ 809,33 x 14 anos) + (€ 809,33 : 12 meses : 30 dias x 22 dias) = € 11.380,08.
[11] (€ 1.214,00 + € 214,00) : 22 x 15 = € 973,64.
[12] [(€ 1.214,00 + € 214,00) : 12 x 10] + [(€ 1.214,00 + € 214,00) : 12 : 30 x 22] = € 1.277,27.
[13] [(€ 1.214,00 : 12 x 10) + (€ 1.214,00 : 12 : 30 x 22)] x 2 = €2.171,72.
[14] [(€ 1.214,00 + € 214,00) : 12 x 10] + [(€ 1.214,00 + € 214,00) : 12 : 30 x 22] = € 1.277,27.
[15] [(€ 1.214,00 : 12 x 10) + (€ 1.214,00 : 12 : 30 x 22)] x 2 = €2.171,72.
[16] Relator João Nunes, em www.dgsi.pt.