CRIME DE FURTO
MODO DE VIDA
CONCEITO
REGISTO CRIMINAL
CANCELAMENTO
ARREPENDIMENTO
MEDIDA DA PENA
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Sumário

I - Faz dos furtos modo de vida, para os efeitos da alínea f) do n.º 1 do artigo 204º do Código Penal, quem como o arguido comete quatro furtos em apenas dois meses, revelando especialização no local de cometimento - Universidade ... -, deles obtendo quantias consideráveis e não se lhe conhecendo outro modo de vida, encontrando-se sem atividade profissional conhecida, na situação de desempregado, sem auferir qualquer rendimento, sem residência fixa, nem apoio de terceiros.
II - O cancelamento definitivo da inscrição da condenação no registo criminal, com a consequente reabilitação, implica que o seu beneficiário terá de ser tratado como delinquente primário no caso de tornar a figurar como arguido num novo processo, não podendo aquela ser considerada para a determinação da medida da pena.
III - Não existindo para o arguido um qualquer ‘dever de arrependimento’, o facto de não ter demonstrado arrependimento constitui circunstância inócua para a medida da pena.
IV – O regime de permanência na habitação é a regra para a execução das penas de prisão até dois anos - diretamente determinados ou resultantes do desconto -, constituindo o cumprimento em estabelecimento prisional a exceção.
V - Só quando o tribunal chegar à conclusão de que a execução da pena privativa da liberdade na habitação se mostra desadequada, v.g. por falta de condições de exequibilidade, ou insuficiente para satisfazer as finalidades de prevenção é que pode optar pela execução dentro dos muros da cadeia.
VI - Encontrando-se o arguido atualmente no estabelecimento prisional sujeito à medida de coação prisão preventiva e à data dos factos sem atividade profissional conhecida, na situação de desempregado, sem auferir qualquer rendimento, sem residência fixa, nem apoio de terceiros, é de concluir que não há condições de exequibilidade para o regime de permanência na habitação, o qual é, por isso, de afastar.

(Sumário da responsabilidade do Relator)

Texto Integral

Processo n. 30/23.4PEAVR.P1
Sumário (da responsabilidade do relator):
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Relator: William Themudo Gilman
1ª Adjunta: Maria Deolinda Dionísio
2º Adjunto: Jorge Langweg
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Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto:
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1-RELATÓRIO
No processo comum (coletivo) nº 30/23.4PEAVR, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Central Criminal de Aveiro - Juiz 2, após julgamento, foi acórdão com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, atendendo às considerações expendidas e normas legais citadas, decide-se:
A- CONDENAR o arguido AA na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal - factos 1-6, 18-20, 21-23 dos supra dados como provados
B- CONDENAR o arguido AA na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal - factos 7-9, 18-20, 21-23 dos supra dados como provados.
C- CONDENAR o arguido AA na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal - factos 10-12, 18-20, 21-23 dos supra dados como provados
D- CONDENAR o arguido AA na pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal - factos 13-15, 18-20, 21-23 dos supra dados como provados.
E) Em cúmulo jurídico das penas descritas de A) a D) CONDENAR o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão.
F – Julgar PROCEDENTE o pedido de indemnização civil formulado pela demandante Universidade ... e, em consequência condenar o demando AA no pagamento da quantia de €2.698,00 (dois mil, seiscentos e noventa e oito euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, contados à taxa legal - desde a notificação do arguido para contestar o pedido formulado e até efectivo e integral pagamento.
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Não se conformando com esta decisão, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação, concluindo na sua motivação o seguinte (transcrição):
«CONCLUSÕES
1. O Arguido foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão, assim como no pagamento da quantia de €2.698,00 à Universidade ....
2. É entendimento do Arguido que tais factos constantes da Acusação foram mal julgados e, em consequência deverão ser julgados como não provados.
3. A introdução num espaço aberto ao público como é a Universidade ... não representa um dano acrescido que justifique a previsão da qualificação proposta para a ação do furto.
4. O local onde o Arguido alegadamente terá entrado encontra-se aberto, sem qualquer obstáculo a impedir o seu acesso.
5. Durante a audiência de discussão e julgamento não se provou que a área em causa está vedada ou não é de acesso livre, pelo contrário, é um espaço aberto ao público, ao qual qualquer cidadão pode livremente aceder, independentemente da ligação que tenha à Universidade.
6. Considerando que o espaço físico onde alegadamente o Arguido ilegitimamente se introduziu, não estava vedado e o respetivo acesso fechado, entendemos não estar preenchida, em qualquer das duas situações – com referência, respetivamente, aos factos 1 a 3, 4 a 6, 7 a 12, 13 a 15 e 19 – a qualificativa agravante do furto, prevista na al. f) do nº 1 do artigo 204º do CP.
7. Por não existir espaço fechado com o alcance penalmente tutelado pelo normativo supra, os factos praticados pelo Arguido subsumem-se na previsão do crime de “furto simples”, previsto no artigo 203º do Código Penal, não se verificando in casu qualquer outro elemento objetivo qualificativo enunciado nas diversas alíneas do nº 1 e do nº 2 do artigo 204º do Código Penal.
8. Mas mesmo que o espaço não estivesse aberto ao público, sempre se dirá que é um espaço acessível ao público.
9. Por exemplo, quanto aos factos considerados provados números 10 a 12, o Arguido explicou que se introduziu legitimamente naquele espaço, tendo, inclusive, pedido autorização ao segurança para entrar e ir à casa de banho, portanto, se tal autorização lhe foi concedida, não se pode, de todo, assumir que não estava autorizado a fazê-lo.
10. O Arguido entende não haver lugar à qualificação do crime de furto (como qualificado) p.e p. pelo artigo 204º/1 al. h) do Código Penal, porquanto o Arguido foi emigrante durante alguns anos no estrangeiro, nomeadamente em Londres e Bruxelas, a fim de, como todos os emigrantes portugueses, obter melhores condições salariais e mais tarde poder regressar a Portugal com poupanças suficientes, de modo a poder viver desafogadamente no seu país natal.
11. Considerar que Arguido que fez vida de emigrante e agora voltou para Portugal com poupanças do seu rendimento no estrangeiro, faz da prática de furtos modo de vida é ignorar por completo as declarações prestadas pelo Arguido que abdicou do seu direito ao silêncio, tanto em 1º Interrogatório Judicial, como em audiência de discussão e julgamento, para colaborar com o Tribunal na descoberta da verdade material.
12. É legítimo concretizar e concluir que o Arguido recorrente faz do trabalho na construção civil, o seu modo de vida, porquanto foram mais (em maior número) os dias e o tempo em que se dedicou ao trabalho e à angariação de réditos normativos, do que o número de ilícitos, criminalmente relevantes, que alegadamente terá praticado.
13. Das declarações prestadas pelo Arguido resulta que ele tinha como obter proventos necessários à sua subsistência, não necessitando de furtar para manter ou melhorar a sua condição económica e/ou estatuto social.
14. Não se provando que o Arguido fazia da prática de furtos o seu modo de vida, em causa estarão apenas crimes de furto simples.
15. O crime de furto simples assume a natureza semipública, posto que, depende de queixa o respetivo procedimento criminal (artigo 203.º, n.º 3 do CP).
16. Ora, quando o procedimento criminal depende de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação (artigo 113.º, n.º 1 do CP).
17. O Ministério Público dispõe de legitimidade para promover o processo, desde que o ofendido lhe dê conhecimento dos factos, podendo a queixa ser apresentada pelo titular do direito respetivo, por mandatário judicial ou por mandatário munido de poderes especiais (artigo 49.º, n.º 1 e 3 do CP).
18. Está, pois, em causa, no caso concreto, saber se a denunciante BB é a única titular dos interesses que a lei quis proteger com a incriminação.
19. Considerando a factualidade assente, entendemos que, no caso concreto, não seria apenas BB, mas também a Universidade ... e os senhores CC, DD, EE, FF, GG e HH os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, no crime de furto, sendo, assim, ofendidos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 68.º, n.º 1 do CPP.
20. A denúncia foi apresentada por BB, tal como consta do auto de denúncia, de fls. 1, alegando que é proprietária do seu computador portátil que teria sido furtado.
21. O facto de BB se ter identificado, junto da Polícia de Segurança Pública, como proprietária de um dos bens furtados, não confere legitimidade aos proprietários dos restantes bens para apresentar a queixa dos autos, pois que as queixas não se confundem, nem BB tinha legitimidade para apresentar queixa dos restantes bens furtados, já que não estava investida dos poderes de disposição, uso e fruição dos mesmos.
22. Da análise dos factos provados, conclui-se que era à Universidade ... e aos senhores acima identificados que assistia legitimidade para apresentar queixa pela prática dos factos em apreço.
23. O Auto de Notícia junto aos autos a fls. 1 não tem, nem podia ter tido, a virtualidade de sanar a falta de um pressuposto processual que tem de estar verificado para legitimar a acusação pública deduzida pelo Ministério Público, o que equivale à sua falta e implica a nulidade do processo
24. Conclui-se, assim, pela ilegitimidade de BB para apresentar a queixa dos restantes bens alegadamente furtados pelo Arguido e, consequentemente, pela ilegitimidade do Ministério Público para exercer a ação penal, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 49.º do CPP.
25. Relativamente aos factos dados como provados números 13 a 17, no que concerne ao portátil que lhe foi apreendido, propriedade da sra. BB, nem sequer pode estar preenchido o tipo legal de furto, tendo por base as declarações do Arguido transcritas, pois que não foi o Arguido quem subtraiu o objeto em causa, o mesmo apenas o comprou a um indivíduo, desconhecendo que o mesmo era furtado.
26. A conduta do Arguido, a considerar-se um facto ilícito típico, nunca seria a prevista nos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. h) do Código Penal.
27. Mesmo que se considerasse estarmos perante um crime de furto (o que só por mera hipótese académica se concebe) nunca seria um furto na sua forma consumada, já que o Arguido foi surpreendido pelos Órgãos de Polícia Criminal, antes de obter a posse pacífica e estável do objeto furtado, mas antes um furto na forma tentada.
28. A considerar-se que o Recorrente foi o autor da prática dos factos, o Arguido nunca chegaria a estar no domínio de facto do computador, pois que os Órgãos de Polícia Criminal intervieram de imediato, porquanto que, a suposta fuga do Arguido fora frustrada e acabou sendo intercetado.
29. Por outro lado, os OPC quando se depararam com o Arguido, na Estação ..., este encontrava-se, como centenas de pessoas, sentado à espera de um comboio.
30. Não resulta do factualismo provado que o Arguido levantou suspeitas aos OPC, pois que continuou sentado ao ver os OPC chegar e quando estes o abordaram, em momento algum tentou fugir.
31. Se os OPC não poderiam ter procedido à Revista, nunca teriam tido acesso legal ao computador e, por conseguinte, nunca teriam identificado o Arguido como suspeito da prática dos factos sub judice, muito menos sujeitá-lo a qualquer medida de coação.
32. O Arguido considera que os factos 1 a 3 e 4 a 6 foram incorretamente julgados e dados como provados.
33. As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida baseiam-se nas declarações do Arguido, nas quais nega a prática dos factos e nos depoimentos das testemunhas II, CC, DD, JJ e KK que não presenciaram os factos.
34. A testemunha II negou ter visto algum suspeito e não se apercebeu imediatamente da falta do disco, só mais tarde, entre as três e as quatro.
35. A testemunha CC não conseguiu relacionar com o Arguido a pessoa que viu espreitar para o laboratório, nem se lembra de alguma vez ter visto o mesmo.
36. A testemunha CC confirma que apenas viu um suspeito com uma mochila, descrição física que, evidentemente, se poderia compaginar com a de qualquer aluno da Universidade.
37. A testemunha DD explicou que tudo o que sabia lhe tinha sido contado por outra testemunha e confirmou não ter visto ninguém.
38. A testemunha JJ explicou que a pessoa que viu passar por si vinha em contraluz, pelo que, não a conseguiu reconhecer:
39. No mesmo sentido, a testemunha JJ explicou que só viu a pessoa no momento da saída do corredor:
40. A testemunha JJ esclareceu ainda que não se chegou a cruzar com a tal pessoa:
41. A testemunha JJ explicou que não viu os traços de olhos e boca da pessoa que terá visto dirigir-se para a saída.
42. A testemunha JJ explicou que qualquer pessoa pode entrar nas instalações da Universidade, por exemplo, para ir ao bar.
43. A testemunha KK respondeu que viu o Arguido apenas a descer as escadas.
44. O depoimento da testemunha KK não deverá merecer qualquer credibilidade uma vez que a testemunha ora diz que talvez reconheça o Arguido como tendo sido a pessoa que passou por ela, ora mais adiante, se contradiz.
45. Quando questionada sobre como funciona a entrada de pessoas nas instalações da Universidade, a testemunha KK explica que a entrada é pública:
46. Mesmo relativamente aos horários, os depoimentos das testemunhas divergem já que enquanto a testemunha JJ situa a ocorrência dos factos entre as 13h30 e as 14h00, a testemunha DD diz que os factos terão ocorrido entre as 12h e as 12h15.
47. À semelhança das restantes testemunhas, também a testemunha DD não terá presenciado nenhum crime uma vez que entre o meio-dia e quinze, meio dia e meia foi almoçar e só voltou por volta da uma e quinze, uma e vinte.
48. O Tribunal a quo também não poderia ter dado como provado os factos 7 a 9 uma vez que, da inquirição das testemunhas, nem sequer foi possível obter a marca e modelo dos computadores alegadamente furtados.
49. A testemunha LL também não conseguiu identificar o valor de cada computador portátil.
50. Também é impossível considerar provado que o Arguido entrou nos laboratórios ... e ..., na Universidade ..., sem ter a devida autorização uma vez que a testemunha LL admite que as portas dos espaços da Universidade estão abertas e que existem muitas pessoas por ali a circular:
51. Quanto ao facto provado nº 8 também não podemos considerar que foi o Arguido quem acionou o alarme de incêndio e beneficiou do facto do alarme ter começado a tocar porquanto, a testemunha LL não viu quem acionou o botão do alarme de incêndio:
52. A testemunha LL esclareceu que não sabe dizer quem terá alegadamente furtado os computadores portáteis e que tudo não passam de suposições.
53. Por fim, a testemunha LL esclareceu que ninguém está proibido de entrar na Universidade, pelo que, daí se depreende, que também o Arguido estaria autorizado a fazê-lo.
54. A testemunha MM esclareceu que não presenciou os factos, também não soube identificar os computadores, e explicou que tudo o que saberia ter-lhe ia sido contado pela testemunha LL.
55. A testemunha FF não presenciou quaisquer factos uma vez que terá saído do edifício em que se encontrava a trabalhar:
56. A testemunha FF também não se recorda do modelo do computador de que era proprietário e que alegadamente terá sido furtado
57. A testemunha FF nega ter visto por ali alguém estranho e nega ter visto o Arguido alguma vez na Universidade ...:
58. A testemunha GG também não presenciou os factos uma vez que saiu quando o alarme tocou:
59. A testemunha GG confessou ainda que esteve ausente do laboratório cerca de meia hora e também não viu ninguém a acionar o alarme.
60. A testemunha NN também não presenciou o alegado furto por se encontrar fora do departamento.
61. A testemunha NN negou ter-se apercebido de ver ali alguém estranho, explicando que o piso é frequentado por centenas de pessoas.
62. Quanto ao valor do computador propriedade da Universidade, a testemunha NN explicou que o mesmo foi adquirido em 2020 ou 2021 por 1500,00€, não tendo tido em conta o valor do seu desgaste natural.
63. A testemunha NN respondeu que o carregador, os phones e o rato não foram furtados e não soube quantificar o valor dos trabalhos que tinha no computador:
64. Quando questionado sobre se qualquer pessoa pode entrar nas instalações da Universidade ..., a testemunha NN respondeu afirmativamente.
65. Impugnam-se os factos números 10 a 12 já que é o próprio Arguido a confirmar em audiência de discussão e julgamento que o saxofone nunca caberia no saco que ele trazia e que não sabia que os saxofones se dividem em peças:
66. A testemunha HH também não presenciou os factos já que se ausentou da sala onde deixou o saxofone para ir almoçar:
67. A testemunha HH nega ter visto a cara do suspeito.
68. A testemunha acima referida explica ainda que normalmente transporta o saxofone numa mala e que o saxofone só poderia caber numa mochila, se fosse desmontado e, mesmo desmontado, tal só seria possível, dependendo do tamanho da mochila:
69. Quando questionado sobre o acesso ao departamento, a testemunha HH respondeu que não há qualquer controlo de entrada e saída e que qualquer pessoa lá pode entrar, especialmente naquela altura de recitais finais.
70. A testemunha HH explicou ainda que as salas costumam estar abertas e explicou que não é preciso ser família direta de algum aluno, para entrar nas salas do departamento.
71. À semelhança das testemunhas acima referidas, a testemunha OO não presenciou qualquer furto já que saiu do edifício assim que tocou o alarme de incêndio:
72. A testemunha não conseguiu identificar a referência do computador, nem conseguiu identificar quanto tempo demoraram a sair e a entrar novamente no edifício.
73. A testemunha OO também não soube indicar o valor do computador portátil propriedade da Universidade:
74. Quando questionada pelo mandatário da Demandante sobre se também teriam faltado os carregadores do computador, a testemunha OO negou.
75. A testemunha OO também não soube indicar o valor do computador portátil propriedade da Universidade:
76. A testemunha OO também não soube concretizar a hora a que o alarme tocou e, portanto, a hora a que alegadamente os factos teriam ocorrido.
77. Quando questionada sobre se é habitual o alarme disparar sem ser num simulacro, a testemunha OO normalizou o facto de o alarme ter disparado:
78. A testemunha OO explicou que no edifício existem outras saídas para além daquela por onde saiu:
79. A testemunha EE não presenciou os factos já que teria abandonado o local, nem se lembra de se ter cruzado com alguém:
80. A testemunha PP também não presenciou os factos, mencionou apenas que viu um homem a sair da casa de banho.
81. A testemunha PP admitiu que o percurso que o suspeito terá efetuado não passa de suposições.
82. Quando questionada pela ilustre procuradora sobre se teria falado com o suspeito, a testemunha PP negou.
83. Questionada pela defensora do Arguido, a testemunha explicou que não conseguia garantir por onde é que o suspeito teria saído, sendo que o tinha sentido perdido ali.
84. A testemunha QQ explicou que já tinha tentado fazer o reconhecimento do Arguido mas não tinha conseguido pois não se recorda das feições.
85. A testemunha QQ negou ainda ter visto para onde o Arguido se dirigiu, assim como não o abordou.
86. A testemunha QQ mencionou ainda as diferenças entre o homem que viu e o que depois lhe foi apresentado no reconhecimento:
87. O agente RR também não confirmou que o Arguido teria circulado na zona onde foi subtraído o saxofone:
88. Do mesmo modo, o agente RR não conseguiu precisar as imagens que recolheu:
89. O agente RR também não conseguiu assegurar o que estava dentro das mochilas visualizadas no sistema de videovigilância.
90. Os factos 13 a 17 também nunca poderiam ter sido considerados provados, porquanto, a testemunha BB não presenciou o furto do seu computador portátil, só tendo percebido que seu notebook não estava na sua secretária quando voltou do almoço.
Vejamos:
91. A testemunha BB confirmou que houve um período em que não estava na sala, mas não conseguiu precisar quanto tempo:
92. A testemunha BB disse ainda não se lembrar da fisionomia da pessoa porque foi algo muito rápido:
93. A testemunha BB esclareceu ainda que não conseguiu reconhecer na altura dos furtos a pessoa, nem posteriormente porque a viu apenas de relance:
94. Por fim, a testemunha BB explicou que apenas viu a tal pessoa nos corredores, negando tê-la visto a fazer algo em concreto:
95. Os factos números 18 a 20 nunca poderiam ter sido considerados provados porque não é verdade que o Arguido se apropriou de bens que sabiam não lhe pertencer e que percorreu tais locais sem qualquer autorização para o fazer.
96. A este respeito, a testemunha II confirmou que é possível a qualquer pessoa entrar na Universidade.
97. Quando questionado sobre se qualquer pessoa pode entrar nas instalações da Universidade ..., a testemunha NN respondeu afirmativamente.
98. A testemunha HH explicou que não é preciso ser família direta de algum aluno, para entrar nas salas do departamento.
99. O Tribunal a quo nunca poderia ter dado como provado os factos 21 a 23, nomeadamente que o Arguido se encontrava sem atividade profissional e sem auferir qualquer rendimento.
100. Tal circunstância não resulta das suas declarações e só ele é que poderia confirmar a sua situação pessoal e financeira.
101. Na falta de prova, o Tribunal a quo nunca poderia ter dado como provado que o Arguido não tinha emprego e fazia da prática de crimes de furto o seu modo de vida.
102. Nas declarações que prestou, o Arguido explicou quanto tempo esteve emigrado, onde é que dormia, o salário que auferia e como é que tinha acesso ao dinheiro depositado no Banco.
103. Quando questionado pela meritíssima Juiz, o Arguido explicou ainda o seu percurso profissional e quais os custos que teve para abrir a sua empresa.
104. Quanto ao facto 24, o Tribunal a quo deu como provado o Relatório Social do Arguido, contudo, não valorou devidamente o que consta do mesmo, nomeadamente que o Arguido “reconhece o impacto do presente processo tem provocado na sua vida, nomeadamente no plano laboral, uma vez que teve de interromper todo um percurso que considerava de sucesso, atividade e lugar que pretende retomar, logo que seja resolvido este processo”.
105. O facto 25 também não poderia ter sido dado como provado pois quando ouvida a testemunha SS em audiência de julgamento, a mesma explicou que um computador foi adquirido em 2021 e outro computador foi adquirido em 2019, mas não soube quantificar o valor de mercado dos computadores aos dias de hoje:
106. Nos termos do disposto na alínea b) do artigo 431.º do CPP, pode e deve a Relação modificar a decisão recorrida e julgar não provados os factos supra elencados.
107. Da leitura de todo o conteúdo do Acórdão, constata-se ainda que o Tribunal a quo, na fundamentação da matéria de facto, se baseou nos depoimentos das várias testemunhas, sendo que nenhuma presenciou os factos e todas chegaram já depois dos factos terem ocorrido.
108. Para existir a condenação do Arguido, seria necessário que se verificasse que a prova produzida, em audiência, se tivesse encaminhado no sentido que teria sido o Arguido o responsável pela ocorrência dos crimes.
109. Acresce ainda que, também é incerto que o botão do alarme de incêndio não tenha sido mexido e acionado por outras pessoas.
110. A este respeito, o agente TT explicou não saber se foi detetado algum vestígio no alarme de incêndio, já que, entretanto, também lá teria estado a mexer o professor e outros alunos:
111. O agente TT confirmou que as vendas na loja A... são todas anteriores aos factos em discussão no presente processo e que não correspondiam aos artigos ali em causa.
112. O agente TT concordou que o Arguido ao trazer artigos pessoais na mochila poderia simplesmente encontrar-se de férias, não significando que não tinha sítio fixo. Por fim, o agente TT negou poder afirmar que foi o Arguido quem acionou o alarme de incêndio:
113. Igualmente, o Tribunal deveria ter colocado a hipótese de qualquer outra pessoa poder ter acionado e mexido no alarme e em consequência furtado os computadores portáteis em questão, assim como o facto do Arguido ter comprado o portátil que pertencia a BB, sem saber que o mesmo era furtado.
114. Tais dúvidas deveriam ter imposto uma maior exigência nos depoimentos efetuados, e não se satisfazer apenas com meros indícios ou provas indiretas.
115. Para além dos fotogramas resultantes do sistema de videovigilância instalado no ... (que apenas confirmam que o Arguido circulou no edifício, tal como ele confirmou em audiência de julgamento), não existem elementos concretos, reforçados pelas regras da experiência comum, que provem que o Arguido foi o autor de tais crimes.
116. Assim sendo, a douta decisão recorrida, quanto à factualidade considerada provada, não se encontra devidamente fundamentada, com o que infringe o preceituado nos artigos 379º, nº1, al. a) e 374º, nº2 do CPP.
117. Por tudo o supra descrito, face a tantas incertezas, devemos atender ao princípio “in dubio pro reo”, segundo o qual, perante a incerteza dos factos, o Tribunal tem de absolver o Arguido por falta de provas e por conseguinte, rejeitar a posição da acusação.
118. Não há prova direta de que o Arguido foi o autor do furto, socorrendo-se o tribunal da prova indiciária.
119. As imagens de videovigilância só demonstram que o Arguido entrou no ..., um Departamento naturalmente acessível a qualquer pessoa que precise de ir à casa de banho, tal como ele admitiu ter feito, no decorrer da audiência de julgamento.
120. Porém, tais imagens não demonstram que foi o Arguido que partiu e acionou o alarme de incêndio e se deslocou à sala onde se encontrava o saxofone, nem que se deslocou aos restantes departamentos onde alegadamente foram furtados computadores portáteis, salientando-se que também aí não foram encontradas quaisquer impressões digitais.
121. A existência das imagens de videovigilância no ... é compatível com mais do que uma causa: o Arguido podia estar a circular naqueles corredores para ir à casa-de banho ou até estar perdido, desconhecendo a saída.
122. Outra, entre muitas outras hipóteses, seria ter sido algum aluno da Universidade a ter acionado o alarme de incêndio ou furtado o saxofone e os computadores portáteis que se encontravam nos outros Departamentos.
123. Assim, não havendo outros elementos probatórios que convirjam com as imagens de videovigilância, no sentido de atribuir de forma indubitável a autoria dos furtos ao Arguido, esta não pode ser dada como provada.
124. Na ausência do juízo de certeza, vale o princípio da presunção de inocência estabelecido no art. 125. 32º, nº2 da CRP, de que o princípio in dubio pro reo é corolário.
126. Olhando a globalidade da prova produzida e atentas as circunstâncias dos factos, nada autoriza a que se tenham por consumados os crimes por nunca se ter mostrado o Arguido numa posse pacífica dos computadores portáteis e do saxofone alegadamente furtados.
127. Só tal seria possível, se por um lado, o Arguido tivesse confessado o crime em declarações prestadas em audiência de julgamento ou existisse um auto de apreensão dos bens furtados que correspondessem literalmente aos bens que ele possuía no momento.
128. O Tribunal a quo condenou o Arguido a uma pena de cinco anos e dez meses de prisão.
129. Entende o Arguido que a medida da pena que lhe foi aplicada por cada um destes crimes de furto qualificado peca pelo excesso.
130. Por tal motivo, na medida da pena concreta a aplicar ao Arguido no que a estes crimes concerne, o Tribunal a quo deveria ter tido em conta aquela “desqualificação” jurídica
131. Tendo em conta o supra alegado, ao Arguido devem ser reduzidas as penas aplicadas pelos crimes alegadamente cometidos.
132. Os aludidos antecedentes criminais, consignados, ainda no CRC, não poderem ser considerados.
133. Um certificado do registo criminal que certifique decisões que, nos termos legais e devido ao tempo entretanto decorrido, dele já não deveriam constar, implica uma verdadeira proibição de valoração de prova, estando vedado ao Tribunal ter em conta tais decisões.
134. A estes factos, acresce que o Tribunal a quo não faz qualquer menção ao conteúdo do relatório social do Arguido que nos leva a um prognóstico favorável quanto às suas condutas futuras.
135. O arguido – conforme relatório social – continua a beneficiar do apoio da filha que, não obstante residir no estrangeiro, o tem visitado na prisão.
136. Perante as circunstâncias de vida do Arguido, deveria ter ponderado penas alternativas à pena de prisão efetiva.
137. O Arguido, enquanto Demandado foi condenado a pagar uma indemnização à Universidade ... no montante de €2.698,00 (dois mil, seiscentos e noventa e oito euros).
138. O Recorrente não partilha do entendimento do Tribunal a quo por entender que a Universidade ... não sofreu prejuízos no montante acima indicado e que o seu Pedido de Indemnização se afigurava exagerado e desproporcional, conforme explicado na contestação apresentada.
139. O Tribunal a quo não teve em consideração o degaste do material face ao tempo entretanto decorrido.
140. A testemunha NN explicou que o mesmo foi adquirido em 2020 ou 2021 por 1500,00€, não tendo tido em conta o valor do seu desgaste natural:
141. A testemunha NN respondeu que o carregador, os phones e o rato não foram furtados e não soube quantificar o valor dos trabalhos que tinha no computador:
142. A testemunha SS também não soube precisar, nem aferir o valor atual de mercado dos bens alegadamente furtados.
143. Face ao exposto, o Demandado nunca poderia ter sido condenado ao pagamento daquele valor que considera ser exorbitante e abusivo.
144. Termos em que, deverá o Arguido ser absolvido dos crimes de furto qualificado de que vem acusado, assim como da condenação no pagamento de €2.698,00 à Demandante, fazendo-se, assim, a tão costumada justiça.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, deve este Tribunal dar provimento ao presente recurso, revogando a decisão de 1.ª Instância, absolvendo o Arguido, aqui Recorrente, dos crimes de furto qualificado de que vem acusado, assim como da condenação no pagamento de €2.698,00 à Demandante.
Sem prescindir, deverá ser admitida a alteração da decisão sobre a matéria de facto considerando que não ficaram provados os factos referentes aos pontos 1 a 25 do Douto Acórdão.
Se assim não se entender, deverá considerar-se a não verificação dos crimes de furto qualificado e a absolvição do Arguido em prol do princípio do in dubio pro reo.»
*
O Ministério Público, nas suas alegações de resposta, pronunciou-se no sentido de não ser dado provimento ao recurso.
*
Nesta instância, o Ministério Público, no seu parecer, pronunciou-se pela improcedência do recurso.
*
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2 do CPP.
Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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2-FUNDAMENTAÇÃO
2.1-QUESTÕES A DECIDIR
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- Nulidade por falta de legitimidade do Ministério Público para o procedimento criminal.
- Nulidade por falta de fundamentação – artigo 379º, n.º 1, al. a) e 374º, n.º 2 do CPP.
- Impugnação da matéria de facto por erro de julgamento – ilegalidade da revista, violação do princípio in dubio pro reo.
- Preenchimento do tipo de ilícito, tentativa e pretensão absolvição. - Determinação da pena – desconsideração de inscrições no CRC, redução das penas e ponderação de penas alternativas.
2.2- A DECISÃO RECORRIDA:
Tendo em conta as questões objeto do recurso, da decisão recorrida importa evidenciar a fundamentação da matéria de facto, que é a seguinte (transcrição):
«2- Fundamentação
De relevante para a decisão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto:
Do Apenso n.º 717/23.1PBAVR
1.- No dia 23 de maio de 2023, pelas 14H00, o arguido, na posse de duas mochilas, deslocou-se à Universidade ..., sita no ..., ali entrou sem estar autorização, acedeu ao Departamento do Ambiente daquela Universidade, onde entrou e percorreu os seus corredores, subiu até ao 2º andar, entrou pela porta da sala n.º ..., com intenção de se apoderar, e fazer seus, quaisquer bens que lá encontrasse.
2.- Nessa sala, na qual não estava ninguém, percorreu o seu interior e daí retirou o seguinte objeto, que era propriedade de II:
- um disco externo, marca Toshiba, ..., no valor de €79,99.
3.- De seguida, o arguido saiu dessa sala, levou consigo tal objeto, fazendo-o seu.
Do Apenso n.º 705/23.8PBAVR
4.- Nesse mesmo dia (23 de maio de 2023), pelas 14H30, o arguido, dirigiu-se até à sala n.º ..., 2º andar, do Bloco ... da Universidade ..., entrou pela porta, e quis fazer seus quaisquer bens que lá encontrasse.
5.- Já no interior dessa sala, na qual não estava ninguém, percorreu o seu interior e daí retirou os seguintes objetos:
a) - da propriedade de CC:- um computador portátil, da marca LENOVO portátil gaming, avaliado em € 1.399,00.
b) - da propriedade de DD: - um computador portátil Lenovo ..., no valor de pelo menos €700
6.- De seguida, o arguido saiu do dito Departamento e da Universidade, de forma rápida, dirigiu-se para parte incerta, levou consigo tal objeto fazendo-o seu.
Do Apenso n.º 733/23.3PBAVR:
7.- Entre as 11H00 e as 11H40 do dia 29 de maio de 2023, o arguido, munido de duas mochilas, dirigiu-se aos laboratórios ... e ..., na Universidade ..., sito no ..., sem ter a devida autorização, e entrou para se apoderar, e fazer seus, quaisquer bens que lá encontrasse.
8.- Já interior do dito Departamento - e beneficiando do facto do alarme de incêndio ter começado a tocar e os alunos se ausentarem do local, deixando os seus pertences -, o arguido percorreu o seu interior, e daí retirou os seguintes objetos:
a) - um computador portátil de marca Lenovo, da propriedade de EE, no valor de, pelo menos €200,00, que estava pousado na mesa do laboratório 29.1.21;
b) - um computador portátil de marca Asus ..., com o numero de série ..., da propriedade da Universidade ... e que estava a ser utilizado por NN, no valor de €1.399,00, que estava pousado na mesa do laboratório 29.1.21 de química;
c) - um computador portátil de marca HP, modelo ..., da propriedade de FF no valor de, pelo menos, €250,00, que estava pousado na mesa do laboratório 29.2.15 de química;
d) - um computador portátil HUAWEI ..., com o numero de série ..., da propriedade de GG, no valor de, pelo menos €575,00, que estava pousado na mesa do laboratório 29.2.15 de química;
e) - um computador portátil de marca ASUS ..., com o numero de série ......, da propriedade da Universidade ... e que estava a ser utilizado por OO, no valor de €1.299,00, que estava pousado na mesa do laboratório 29.2.15;
9.- Após, o arguido saiu do dito Departamento da Universidade, dirigiu-se para parte incerta, levou consigo os objetos supra mencionados fazendo-os seus.
Do Apenso n.º 884/23.4PBAVR
10.- No dia 28 de junho de 2023, pelas 12H00, o arguido, na posse de duas mochilas, entrou sem autorização no Edifício da Universidade ..., deslocou-se à salade estudo de música - Sala Pentagonal - Piso 1, com a intenção de se apoderar de bens que ali encontrasse.
11.- Já interior dessa sala, na qual não estava ninguém, o arguido percorreu o seu interior e daí retirou o seguinte objeto, da propriedade de HH:
- um saxofone, no valor de € 4.479,00.
12.- De seguida, o arguido saiu do dito Departamento, dirigiu-se para parte incerta, levou consigo tal objeto fazendo-o seu.
Dos autos principais n.º 30/23.4PEAVR:
13.- Entre as 13H00 e as 13H30 do dia 21 de julho de 2023, o arguido, sem estar autorizado, na posse de duas mochilas, dirigiu-se ao interior do Departamento de Engenharia de Materiais e Cerâmica da Universidade ..., com intenção de se apoderar, e fazer seus, quaisquer bens que lá encontrasse.
14.- Aí chegado, e já no seu interior, o arguido percorreu o edifício, de onde retirou o objeto que pertencia a BB:
-um computador portátil de marca Lenovo, numero de série spf3j7Kxd, no valor de € 450,00.
15.- O arguido guardou-o numa das mochilas que levava consigo, saiu do dito departamento e dirigiu-se à Estação ....
*
16.- Pelas 13H50 desse dia, na dita estação da ..., o arguido foi intercetado pela P.S.P. ..., que o encontrou na posse das duas mochilas, uma de cor azul e outra de cor preta
17.- Do interior de uma das mochilas, o arguido tinha guardado um computador portátil, de cor cinzento de marca Lenovo, que veio a ser restituído à sua proprietária BB.
*
18.- O arguido, agiu com o propósito concretizado de se apropriar dos referidos bens, sabia que não lhes pertenciam, agiu sem autorização e contra a vontade dos seus legítimos proprietários, e lhes causou um prejuízo equivalente ao valor de tais bens.
19.- O arguido quis introduzir-se, como conseguiu, nos vários departamentos, salas e laboratórios da Universidade ..., percorreu tais locais, sem qualquer autorização para o fazer, pois o seu acesso e permanência apenas era autorizado aos docentes, aos alunos e aos funcionários afetos àquela Universidade.
20. O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal, e ainda assim não se coibiu de as praticar.
*
21.- O arguido encontrava-se sem atividade profissional conhecida, na situação de desempregado, sem auferir qualquer rendimento, sem residência fixa, nem apoio de terceiros.
22.- O arguido, com as atuações acima descritas, visou auferir rendimentos para o seu sustento e gastos do seu dia a dia, fez destas atuações o seu modo de vida
23.- O arguido tem averbados no seu certificado de registo criminal as seguintes condenações:
a) - Por decisão proferida no âmbito do processo 11/2000, que correu termos no Tribunal Judicial de Cantanhede, datada de 09.12.99, devidamente transitada em julgado a 10.01.2000 foi o arguido condenado pela prática, em 10.01.2000, de um crime de roubo, falsificação de matricula e detenção e arma proibida, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.
b) - Por decisão proferida no âmbito do processo 32/99, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Anadia, datada de 23.02.2000, devidamente transitada em julgado em 09.03.2000, foi o arguido condenado pela prática, em 05.08.1998, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 250$00, pena que se encontra extinta.
c) - Por decisão proferida no âmbito do processo 30/00, que correu termos no Tribunal Judicial de Baião, datada de 16.06.2000, devidamente transitada em julgado em 19.07.2000, foi o arguido condenado pela prática, em 15.06.1999, de um crime de burla para obtenção de serviços, na pena de 10.000$00 de multa.
d) - Por decisão proferida no âmbito do processo 83/00, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Anadia, datada de 11.07.2000, devidamente transitada em julgado em 26.07.2000 foi o arguido condenado pela prática, em 04.10.2000, de 3 crimes de furto qualificado, 1 crime de burla, 1 crime de furto simples e 1 crime de evasão, na pena de 4 anos de prisão.
e) - Por decisão proferida no âmbito do processo 115/00, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Aveiro, datada de 06.10.00, devidamente transitada em julgado a 14.11.2000, foi o arguido condenado pela prática, em 20.09.1999, de um crime de burla, na pena de 40 dias de multa à taxa diária de 500$00.
f) - Por decisão proferida no âmbito do processo 117/00, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ovar, datada de 06.12.2000, devidamente transitada em julgado, foi o arguido condenado pela prática, em 24.20.2000, de um crime de burla de transportes, na pena de 30 dias de multa à taxa diária de 200$00.
g) - Por decisão proferida no âmbito do processo 76/00, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Espinho, datada de 23.10.2000 devidamente transitada em julgado em 18.01.01, foi o arguido condenado pela prática, em 21.09.99, de um crime de burla, na pena de 40 dias de multa à taxa diária de 500$00.
h) - Por decisão proferida no âmbito do processo 52/00, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Anadia, datada de 19.02.01, devidamente transitada em julgado a 19.02.2000 foi o arguido condenado pela prática, em 14.09.1999, de um crime de burla, na pena de 50 dias de muta à taxa diária de 600$00.
i) - Por decisão proferida no âmbito do processo 90/00, que correu termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Águeda, datada de 31.01.2001, devidamente transitada em julgado em 19.02.2001, foi o arguido condenado pela prática, em 22.08.99, de um crime de receptação, na pena de 9 meses de prisão.
j) - Por decisão proferida no âmbito do processo 155/00, que correu termos no Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro, datada de 01.02.2001, devidamente transitada em julgado, foi o arguido condenado pela prática, em 20.08.2000, de um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão.
k) - Por decisão proferida no âmbito do processo 10/2001, que correu termos no Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro, datada de 10.07.2001, devidamente transitada em julgado, foi efectuado o cumulo jurídico das penas aplicadas ao arguido nos processos 10/01, 155/00, 83/00, 32/00, 11/00, 76/00, 30/00, e o mesmo condenado na pena única de 6 anos de prisão e 180 dias de multa à taxa diária de 300$00.
l) - Por decisão proferida no âmbito do processo 290/99.0GBOBR (anterior 10/2001), que correu termos no Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro, datada de 06.12.2001, devidamente transitada em julgado, foi efectuado o cumulo jurídico das penas aplicadas ao arguido nos processos 155/00, 83/00, 32/00, 11/00, 115/00, 30/00, 117/00 e 90/00 e o mesmo condenado na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão e 190 dias de multa à taxa diária de 300$00.
m) - Por decisão proferida no âmbito do mesmo processo 290/99.0GBOBR, que correu termos no Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro, datada de 06.03.2002, devidamente transitada em julgado a 21.04.2005, foi efectuado o cumulo jurídico das penas aplicadas ao arguido nos processos 155/00, 83/00, 11/00, 32/99, 115/00, 76/000, 30/00, 117/00, 90/00, 52/2000 e o mesmo condenado na pena única de 6 anos e 3 meses de prisão e 210 dias de multa à taxa diária de €2,00.
n) - Por decisão proferida no âmbito do processo 291/98.5GBAND, que correu termos no 1º Juizo, do Tribunal Judicial de Anadia, datada de 06.10.2004, devidamente transitada em julgado em 09.12.2004, foi o arguido condenado pela prática, em 01.07.1998, de um crime de furto qualificado, na pena de 4 meses de prisão.
o) - Por decisão proferida no âmbito do mesmo processo 291/98.5GBAND, que correu termos no 1º juízo do Tribunal Judicial de Anadia, datada de 11.10.2005, devidamente transitada em julgado a 26.10.2005, foi efectuado o cumulo jurídico das penas aplicadas ao arguido nos processos 291/98.5GBAND, 290/99.0GBOBR, 155/00, 83/00, 11/00, 32/99, 115/00, 76/000, 30/00, 117/00, 90/00, 52/2000 e o mesmo condenado na pena única de 6 anos e 5 meses de prisão e 210 dias de multa à taxa diária de €2,00.
p) - No âmbito do processo 2323/05.3TXPRT que correu termos no TEP do Porto, por decisão de 06.12.2007, foi concedida liberdade condicional ao arguido no processo 291/98.5GBAND.
q) - Por decisão proferida no âmbito do processo 16/2577/65906W, que correu termos no Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte, datada de 10.02.2016, devidamente transitada em julgado na mesma data, foi o arguido condenado pela prática, em 21.10.2015, de um crime contra o Estado, Ordem publica, realização da justiça ou pessoa que exerce cargo publico, numa pena de multa de valor não concretamente apurado.
r) - Por decisão proferida no âmbito do processo 16/2570/86634F, que correu termos no Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte, datada de 30.09.2016, devidamente transitada em julgado na mesma data, foi o arguido condenado pela prática, em 21.01.2016, de um crime de furto, numa pena de multa de valor não concretamente apurado.
s) - Por decisão proferida no âmbito do processo 17/2576/107547U, que correu termos no reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte, datada de 21.09.2017, devidamente transitada em julgado na mesma data, foi o arguido condenado pela prática, em 21.09.2017, de um crime contra o Estado, Ordem publica, realização da justiça ou pessoa que exerce cargo publico, numa pena não concretamente apurada.
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Das condições pessoais do arguido
24. Do relatório social do arguido consta:
«I - Dados relevantes do processo de socialização
1 – CONDIÇÕES PESSOAIS E SOCIAIS
AA, de 47 anos, divorciado, nasceu em ... – Chaves, tendo crescido num núcleo familiar, em que o progenitor era Major, em Angola, e que faleceu, era ainda criança.
A mãe, 2 irmãs, 1 irmão, o padrasto e os tios vivem todos fora /emigrantes nos Estados Unidos da América, pelo que o arguido não beneficia de vistas, neste EP. Esporadicamente, tem contactos com a filha (PP) - que exerce a profissão ligada à música e também é estudante na Universidade 1..., nos Países Baixos -, que quando se encontra de férias em Portugal, contacta presencialmente com o arguido, neste EP. Efetuou a última destas em 19 de dezembro de 2023, por altura do Natal, de 2023.
O mesmo habita, sozinho, a morada designada em epígrafe, sendo que perspetiva emigrar, logo que este processo judicial se encontre resolvido, em todos os seus tramites. A casa de morada, encontra-se desabitada, aparentemente devoluta, no entanto, o arguido refere que a mesma dispõe das necessárias condições de habitabilidade.
O arguido abandonou o sistema de ensino, no 12º ano de escolaridade, sendo que se encontrava a trabalhar no GRUPO B... – na área de recrutamento para a construção civil – referindo um vencimento correspondente a cerca de €5.000,00, como chefe de secção.
Na última detenção, segundo o arguido, ocorreu há mais de 20 anos, altura em que o mesmo cumpriu 6 anos de pena de prisão, por crimes de burla e furto qualificado.
Segundo refere, o arguido é também emigrante, na Bélgica, e, na altura dos presentes factos, tinha vindo a Portugal, alegadamente para abrir uma empresa de recrutamento
2 – REPERCUSSÕES DA SITUAÇÃO JURÍDICO-PENAL DO ARGUIDO
O arguido encontra-se atualmente preso no EP ..., onde mantém um comportamento isento de reparos. O mesmo aparenta ter capacidade para identificar as consequências, nomeadamente sobre as vítimas e, nessa medida, compreende a necessidade da Lei e da atuação das autoridades e da Justiça.
Reconhece o impacto do presente processo tem provocado na sua vida, nomeadamente no plano laboral, uma vez que teve de interromper todo um percurso que considerava de sucesso, atividade e lugar que pretende retomar, logo que seja resolvido este processo.
3 - CONCLUSÃO
AA provém de um núcleo familiar que apresentava, inicialmente, alguma instabilidade. Mas o arguido conseguiu estabilizar a sua situação escolar e laboral, que aparentemente seria satisfatória, dado o emprego que mantinha e o vencimento que dizia auferir.
Apresenta-se, agora, sem apoio de retaguarda familiar, com toda a família emigrada.
Nesse sentido, um eventual processo de reinserção social a cumprir pelo mesmo deverá, salvo melhor opinião, contemplar estratégias direcionadas para a adequada interiorização do desvalor da tipologia criminal, bem como a promoção e aquisição de comportamentos alternativos, com vista a prevenção de comportamentos criminais.»
*
Do pedido de indemnização civil
Para além do supra descrito resultou ainda provado que
25. Em consequência da conduta do arguido a demandante Universidade ... teve um prejuízo no valor de €2.698,00.
*
2.2. Matéria de facto não provada
Nenhum outro facto com relevância para a causa resultou como provado, nomeadamente:
A) Aquando do descrito em 3, o arguido percorreu outros departamentos daquela Universidade.
B) O computador descrito em 8 a) tinha um valor de €1.100,00.
C) O computador descrito em 8 b) tinha um valor de €1.500,00
D) O computador descrito em 8 d) tinha um valor de €700,00
E) O computador descrito em 8 e) tinha um valor de €1.500,00
*
***
Ao nível da fixação da matéria de facto, o tribunal não se pronunciou sobre as afirmações contidas na acusação, e pedido de indemnização civil que constituem alocuções conclusivas ou de direito, e que não são susceptíveis de resposta em termos de provado ou não provado ou por não terem qualquer relevância para a decisão da presente causa (sendo certo que a lei apenas exige que devam constar da sentença os factos com relevo para a decisão da causa e só estes, devendo proceder-se se necessário ao aparo do que porventura em contrário e com carácter supérfluo provenha das referidas peças processuais de que aquela não é nem pode ser mera serventuária – cfr: a este propósito Ac. do STJ de 2 de Junho de 2005, proc. 05P1441, in www.dgsi.pt). Nos termos do artigo 124º do CPP para a decisão de facto apenas relevam «os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência de crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis» - únicos levados à fundamentação de facto na decisão a proferir.
*
2.3- Fundamentação da matéria de facto
O tribunal fundou a sua convicção na totalidade da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente nas declarações do arguido, concatenadas com a documental e testemunhal junta aos autos, tudo analisado com base nas regras de experiência comum.
Assim, e antes de mais, importa salientar que o arguido optou por prestar declarações negando a pratica dos factos. De modo sempre assertivo e algo sobranceiro, o arguido afirmou que o computador que lhe foi apreendido havia sido por si comprado no “C...”, junto à Policia Judiciária umas horas antes da apreensão, por €100 euros. Mais referiu, de modo pouco credível pela entoação de voz, postura corporal e demais prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento (também analisada com base nas regras de experiência comum) que tinha trabalho na Bélgica, auferindo cerca de 4500 euros por mês, tendo chegado a Portugal em Abril de 2023 com vista a abrir um escritório para contratar pessoal da construção civil para trabalhar na Bélgica, andando, à data, à procura de um espaço para abrir a agência. Mais, estava a aproveitar o tempo passado aqui, dormindo em vários hotéis e residenciais em Portugal. De modo pouco credível refere que, à data, tinha cerca de 20 mil euros no banco, pelo que não carecia de dinheiro.
Quanto aos demais factos da acusação, o arguido refere que gostava de andar pela Universidade “a ver se alguma rapariga ou senhora gostava dele”, mas afiança que apenas uma vez entrou num edifício que seria o de musica (pelo som envolvente). Além do mais, refere que, quando entrou, pediu ao segurança para ir à casa de banho, o que aquele lhe permitiu. Importa aqui referir que esta é a situação que é visível nas imagens juntas aos autos e nas quais o arguido é visível e reconhecível, sendo claro que o mesmo sempre teria de admitir a sua entrada neste edifício (cfr. fls. 26-29 do apenso 884/23.4PBAVR). Porque relevante, a nível do conhecimento que o arguido tinha que não lhe era legitimo entrar e frequentar, pelo menos o interior, dos edifícios da universidade, importa salientar que o arguido referiu que só foi à casa de banho naquele local porque o segurança lhe disse que tinham câmaras, razão pela qual se sentiu seguro (“não seria acusado de nada no futuro”).
Com efeito, ao contrário do tentado perpassar pela defesa, não restaram dúvidas ao tribunal que o arguido sabia que não podia frequentar os edifícios da Universidade, uma vez que não era aluno, professor ou trabalhador nos mesmos, não se encontrando justificada a sua permanência naquele local, até porque, caso assim não fosse, não teria qualquer necessidade de pedir autorização ao segurança do edifício, para no mesmo entrar e ir à casa de banho (como referido pelo mesmo).
O arguido reconheceu que, habitualmente andava com duas mochilas como as que lhe foram apreendidas, aquando da sua detenção (o que se revelou relevante face ao descrito pelas testemunhas nos moldes que infra se analisará); e negou tudo o mais descrito na acusação, incluindo alguma vez ter entrado em qualquer outro edifício, incluindo laboratórios ou salas da Universidade ....
Confrontado com fls. 12 e ss e fls. 44 do Apenso 733/23.3PBAVR e fls. 26 e seguintes apenso 884/23.4PBAVR, deu os esclarecimentos que teve por convenientes.
Ainda com relevância para os autos, e denotador da pouca credibilidade que as declarações do arguido mereceram ao tribunal, é o facto de o mesmo não lograr esclarecer o teor dos talões juntos aos autos a fls. 86 e seguintes, referentes a vendas por si efectuadas na A..., em datas anteriores à sua vinda da Bélgica (que situou em Abril de 2023).
Aqui chegados importa referir que foram reproduzidas em sede de audiência de discussão e julgamento as declarações prestadas pelo arguido em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido, nas quais, descreveu, na globalidade, os factos nos mesmos moldes em que o fez em audiência de discussão e julgamento, reforçando-se apenas que, além do mais, confirmou e reiterou que nunca tinha entrado em qualquer edifício da Universidade ..., a não ser no de musica para ir a uma casa de banho.
Realce-se igualmente que o arguido, naquela sede, referiu que se encontrava em Portugal há cerca de 3 meses, permanecendo em casa de sua mãe, mas quando confrontado com a indicação constante dos autos de que ali não se encontraria há muito tempo, admitiu que não ia a casa da mãe há cerca de um ano e que ficava em residenciais e casa de familiares (tendo ficado uma vez na rua, mas porque adormeceu).
Analisando agora a demais prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, temos, antes de mais, o depoimento de TT, agente principal da PSP em ..., que prestou um depoimento claro, e objectivo, próprio do exercício das suas funções, logrando esclarecer o tribunal da matéria acerca da qual depôs. Deste modo, esclareceu como, no exercício das suas funções, tinha já conhecimento de uma serie de furtos na Universidade ..., com referência a um suspeito, pelas suas características físicas e sabendo que era habitual andar com uma mochila à frente e outra a trás (o que havia sido relatado por testemunhas e visualizado em imagens). Tendo detectado um individuo com estas características na estação, pediram-lhe para liga o computador, tendo inicialmente dito que não tinha bateria. Posteriormente perceberam que, ao ligar o computador, aparecia o nome da proprietária e o pedido de password (confirmando o constante dos autos – fls. 19-32 e 28-31).
Com grande relevância para os autos, esta testemunha assegurou que, entre o momento do furto e a abordagem ao arguido decorreram entre 30-40 minutos, - conforme resulta também do auto de noticia por detenção a fls 24- assim deitando por terra a versão do arguido de ter comprado o computador em causa num jardim, cerca de duas horas antes, ou seja, em momento em que o computador não havia ainda sido subtraído. Mais, esta testemunha confirmou que, as mochilas que o arguido transportava, estavam cheias com produtos pessoais, roupa e artigos higiene, como se fossem mochilas de alguém que não tinha sitio fixo para pernoitar, tipo nómada.
Para alem do mais, esta testemunha confirmou as pesquisas que efectuou junto da A..., por artigo e por pessoa, denotando objectividade ao referir que do resultado de tal pesquisa resultou que o arguido vendeu vários produtos, mas nenhum referente aos factos em discussão nos presentes autos.
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Prosseguindo com a demais prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, de acordo com os diferentes conspectos factuais em causa, no que concerne aos factos descritos de 1 a 6, o tribunal atendeu, em primeira instância, à prova testemunha produzida. Assim, II – investigadora na Universidade ..., de modo claro e objectivo, descreveu como, no dia 23 de maio de 2023, ficou sem disco externo, Toshiba, o qual valeria cerca de 80 euros. Mais, descreveu que o referido objeto se encontrava ligado ao portátil no gabinete onde estava a trabalhar, tendo-se ausentado e deixado a porta encostada, mas não trancada. Quando voltou, cerca das 14h15 - 14h30 havia alarido no corredor, a testemunha CC disse que tinham desaparecido 2 portáteis (identificou os dois alunos: CC e DD) e a colega (JJ) afirmava que teria visto o autor dos furtos – esta descrição releva no sentido de esclarecer o que lhe foi dito, de imediato, e condizente com o descrito por estas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, como infra se analisará, assim também lhes dando credibilidade. Denotando objectividade e clareza, esta testemunha refere que, quando soube dos furtos, foi de imediato ver se o seu computador se encontrava no local e, como estava, não deu, de imediato, pela falta do disco externo, tendo tal acontecido apenas cerca das 15h00 quando voltou para o trabalho e percebeu que este aquele ali não se encontrava.
JJ, docente universitária, na Universidade ..., prestou, igualmente um depoimento sério, calmo, e, como tal, credível, esclarecendo que foi a própria quem comunicou o furto aos serviços de segurança. Denotando clareza e objectividade, refere que viu uma pessoa a passar por ela, em momento muito próximo do furto, mas contra luz, não conseguindo ver a cara com clareza, descrevendo o modo como se cruzou com o mesmo, o local de onde provinha (coincidente com o local objecto de furto) e a estranheza que sentiu por não o conhecer naquele espaço. Conferindo credibilidade a este depoimento, esta testemunha afirmou que comentou a sua estranheza com a testemunha CC (ainda antes de terem dado conta do furto), o que foi confirmado por esta. Para alem do mais, e com relevância para os autos, confirmou que a pessoa que viu trazia, pelo menos, uma mochila, volumosa, às costas, sendo que, da parte da frente, lhe pareceu que tinha barriga, não logrando assegurar se assim era ou se se tratava de uma mochila (também aqui denotando objectividade). Esta testemunha, de forma clara e assertiva, confirmou os objectos furtados e o local onde os mesmos se encontravam, bem como a localização das salas no edifício daquele departamento de ambiente. Confrontada com fls. 34 -35 dos autos principais, refere que a mochila que vi nas costas do individuo era mais parecida com a de fls. 35 em baixo. Finalmente, de modo absolutamente claro e esclarecedor, refere que embora no local nada indique, de forma expressa que o acesso ao mesmo é condicionado, qualquer pessoa percebe que está num local no qual necessita de ter autorização para permanecer ou circular.
CC, estudante de doutoramento Universidade ..., ofendida nos presentes autos, não deixou que tal facto retirasse credibilidade ao seu depoimento. Assim, esclareceu que saiu da sala onde deixou o seu computador, deixando a porta fechada, mas não trancada e, quando voltou, cerca de 10 minutos depois, percebeu que não tinha o seu computador, nem ali se encontrava o do seu colega DD. Mais confirmou que a sua orientadora (testemunha II) também deu por falta do seu disco duro, que terá desparecido nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, embora numa sala distinta. Alem do mais, confirmou o valor do computador e a fatura junta a fls. 24 apenso 705/23.8PBAVR.
Também DD – estudante do doutoramento do curso de engenharia e ciência do ambiente na Universidade ..., desde 2021, e ofendido nos presentes autos, prestou depoimento claro, isento e, como tal, credível. Deste modo, mostrando-se desconhecedor do modo como terão ocorrido os factos, confirma o local onde tinha deixado o seu computador, a descrição e o valor de aquisição do mesmo, em 2019 – cfr fls. 190 dos autos-, e esclarecendo que havia feito melhorias naquele no valor de cerca de €200, mas que, face ao uso, entende que o mesmo valeria, pelos €700,00 (determinando o fixado supra em 5b) dos factos dados como provados).
Finalmente, no que concerne à prova testemunhal deste conspecto factual, importa salientar o depoimento, sério, isento e absolutamente credível de KK, auxiliar técnica na Universidade ..., departamento de ambiente que reconheceu o arguido, em sede de audiência de discussão e julgamento, sem qualquer dúvida e de forma absolutamente espontânea. Assim, de modo claro e assertivo descreve o modo como, no dia dos furtos ocorridos no departamento de ambiente (em discussão nos presentes autos), viu o arguido a descer as escadas (descrevendo de modo espontâneo a roupa que o mesmo trazia vestida) com uma mochila nas costas e um saco à frente carregado, tendo-se cumprimentado mutuamente. Seguindo o seu caminho, a testemunha dirigiu-se, de imediato, ao piso onde se situavam as salas de onde tinham retirado os computadores percebendo o ocorrido, bem como o facto de a pessoa que havia visto ser a mesma que a testemunha JJ tinha ali avistado (nos moldes supra descritos).
Confrontada com fls. 33-35 refere que não tem duvidas que se trata do arguido e da pessoa que viu nos moldes por si descritos em sede de audiência de discussão e julgamento. Uma vez mais com clareza e assertividade, afiançou não ter duvidas que a pessoa com a qual se cruzou era o arguido, presente em audiência de discussão e julgamento, embora, agora, com o cabelo mais rapado.
Na verdade, e no que concerne aos factos supra dados como provados sob os pontos 1-6, não restam dividas ao tribunal da autoria dos mesmos pelo arguido, nos moldes dados como provados. Com efeito, importa aqui realçar que o arguido nega ter praticado tais factos (tal como nega ter estado no interior do edifício deste departamento), mas a prova testemunhal supra analisada conduzem à convicção de os mesmos terem ocorrido como supra fixados. A proximidade temporal entre a ocorrência dos factos e a visualização do arguido pelas testemunhas nos moldes supra referidos, com a identificação clara efectuada pela testemunha KK, dissipam qualquer duvida do espirito do julgador.
A acrescer à prova testemunhal descrita, a convicção do tribunal no que a estes factos concerne (pontos 1-6 dos supra dados como provados) assentou igualmente na analise cuidada e ponderada da prova documental junta, nomeadamente:
- do Apenso 717/23.1PBAVR – fls. 4 auto de denuncia da situação 1-3
- do Apenso 705/23.8PBAVR – fls. 4 auto de denunciada situação 4-6; auto de noticia de fls. 11-12; fatura do portátil descrito em 5 a) de fls. 24;
- dos autos principais – fls. 190 fatura do portátil descrito em 5 b)
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Quanto à prova testemunhal referente aos factos fixados sob os números 7 a 9 dos supra dados como provados, temos, desde lgo o depoimento absolutamente claro, isento e, como tal, credível de LL, professor catedrático e director do departamento de ... da Universidade ... que confirmou que foi disparado o alarme de incêndio, explicando os procedimentos levados a cabo e qual a betoneira que, constatou, havido provocado tal activação. Com grande relevância para os autos, esta testemunha confirmou que, ao descer as escadas, viu o arguido a subir as mesmas, com chapéu e roupa escuros e duas mochilas (do tipo das visíveis a fls. 35 com que foi confrontado em audiência), uma para a frente e outra para trás, tendo-o interpelado dizendo que não podia subir, porque o sentido era o contrário, ao que o arguido anuiu. Mais confirmou que, no regresso das pessoas ao edifício e seus locais de trabalho, deram pela falta dos computadores. Com clareza e assertividade assegurou que a única pessoa que não reconheceu que andava por ali quando o alarme estava já accionado foi o arguido.
Esta testemunha, alem do mais, confirmou que desapareceram cinco computadores no total, sendo que dois deles eram propriedade da Universidade ..., utilizados pelas testemunhas OO e NN. Uma vez que é o responsável pelo equipamento, não tem qualquer duvida que os ASUS que despareceram, propriedade da Universidade ..., são os identificados em fls. 177-178 e 367-368.
Com relevância para os autos esta testemunha confirmou que o edifício é um espaço aberto apenas a funcionários, alunos, investigadores e professores.
Por seu turno, MM, vice reitor da Universidade ..., prestou igualmente um depoimento claro e objectivo esclarecendo que, nessa qualidade tomava conhecimento das informações que chegavam à reitoria sobre os eventos que ocorriam nos departamentos diferentes; explicando o inventario dos bens da universidade e o facto de não ter sido recuperado qualquer bem.
Prosseguindo agora com os testemunhos dos proprietários e possuidores dos computadores furtados, importa antes demais, reforçar que tal facto não retirou credibilidade aos mesmos, tendo prestado depoimentos claros, isentos e objectivos, logrando, por isso, convencer o tribunal dos factos sobre os quais versaram.
Assim, FF, que se encontrava a trabalhar no departamento de química, confirmou que o alarme tocou e efectuaram os procedimentos de segurança, deixando o computador no local e evacuando o edifício. Após a verificação de não haver qualquer anomalia, tiveram ordens para voltar para o trabalho e o computador não estava onde o tinha deixado, não o tendo conseguido recuperar até à actualidade. Confirmou o local onde se encontrava o computador e as características do mesmo (cfr. 8c)). Dando credibilidade aos demais depoimentos, confirmou que existiam outros computadores que também despareceram naquelas circunstâncias de tempo e lugar, nomeadamente o da testemunha GG e outros propriedade da própria Universidade ....
O descrito por esta testemunha foi confirmado, na sua globalidade, por GG que tinha o seu computador na mesma sala e, além do mais, confirmou as características e valor do seu computador, nos moldes fixados em 8d) dos factos supra dados como provados (cfr. factura de fls. 27 apenso 733/23.3PBAVR com a qual foi confrontada).
Também NN, esclareceu que saiu com o alarme, e, quando pôde voltar, deu pela falta do seu computador, que era propriedade da Universidade ..., um ASUS (cfr. 8b) dos factos supra dados como provados). Mais esclareceu o local onde o mesmo se encontrava que era o mesmo de onde desapareceu o computador da colega EE (também testemunha). Denotando objectividade, refere que levaram apenas o computador, ficando o rato, carregador e phones que também ali se encontravam.
OO, confirma que o computador que utilizava era o descrito em 8e) dos factos uspra dados como provados, esclarecendo que cumpriu os procedimentos quando há alarme de incêndio e, quando puderam voltar, se percebeu que não tinha o computador. Uma vez mais descreveu o local em que se encontrava o computador em causa.
Também EE, confirmou o descrito supra, desta feita referente ao computador descrito em 8a) confirmando que estava com a testemunha NN e o local onde estavam os seus computadores, bem como o facto de, em seu entender, o computador valer à data, cerca de €200,00.
Prosseguindo com a prova testemunhal referente a este conspecto fatual, nomeadamente referente à autoria dos factos ali descritos (cfr. 7-9) importa salientar o depoimento relevante, claro e objectivo de PP, bolseira de doutoramento da Universidade .... Assim, esta testemunha descreveu como estava, juntamente com a testemunha QQ, a fazer uma experiência quando tocou o alarme de incêndio, tendo ali demorado um pouco mais. Assim, uns minutos depois, saíram do local onde se encontravam e viram um homem a sair da WC das mulheres, no primeiro andar e que não foi atras delas, ou seja, não foi para a saída de emergência recomendada. Mais afiança que já tinha saído toda a gente. De modo claro refere que tal pessoa estava vestido todo de preto, tinha uma mochila atras, e tez morena. Denotando objectividade, refere que não tem a certeza se tinha ou não mochila à frente porque estava todo de escuro. Mostrando clareza refere que não teve duvida no reconhecimento que fez no órgão de policia criminal (onde confirmou que se tratava do arguido nos presentes autos), denotando cuidado e objectividade ao referir que até pediu para se porem de perfil para estar na mesma posição em que se haviam cruzado.
Finalmente, QQ, que acompanhava a anterior testemunha como supra referido. Assim, confirma a totalidade do descrito por aquela mas não logrando reconhecer o arguido como sendo a pessoa com a qual se cruzaram. Confrontada com a foto de fls. 35 refere que a mochila que a pessoa com quem se cruzaram (saída da casa de banho das senhoras) trazia era escura, do tipo militar, referindo de modo espontâneo “Recordo-me mesmo que era este tipo de mochila”.
A acrescer à prova testemunhal descrita, a convicção do tribunal no que a estes factos concerne (pontos 7-9 dos supra dados como provados) assentou igualmente na analise cuidada e ponderada da prova documental junta, nomeadamente:
- do apenso 733/23.3PBAVR: auto de noticia de fls. 4-5; aditamentos de fls. 6, 34, e 47; relatório de inspecção judiciária de fls. 8-10; reportagem fotográfica de fls. 11-18; fatura de fls. 27 (computador descrito em 8d)); auto de reconhecimento pessoal em que a testemunha LL reconhece o arguido de fls. 36; auto de reconhecimento pessoal em que a testemunha PP reconhece o arguido de fls. 40; auto de reconhecimento pessoal em que a testemunha QQ não reconhece o arguido de fls. 41; auto de apreensão de fls. 42 (chapéu / panamá com uma fita ) e suporte fotográfico de fls. 43.
- dos autos principais: identificação de bens moveis do Estado onde constam os computadores descritos em 8b) e 8e) de fls. 177 e 178 e facturas referentes aos mesmos juntas a fls. 368 e 367, respectivamente.
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Prosseguindo na análise da prova testemunhal desta feita referente aos factos fixados sob os números 10 a 12, temos desde logo o depoimento sério, isento e credível de HH, proprietário do saxofone descrito nos autos, mas que não deixou que tal facto retirasse credibilidade ao seu depoimento pelo modo claro, escorreito e objectivo com que depôs em sede de audiência de discussão e julgamento. Deste modo descreveu o local onde tinha deixado o seu instrumento, e como deu pela falta do mesmo. Com relevância para os autos descreveu o saxofone em causa (UU, serie 3 – saxofone alto), as suas característica (referindo que era o mais dourado e brilhante dos que ali se encontravam, sendo o mais chamativo e era desmontável, cabendo, com facilidade, em mochilas, já que, mesmo montado teria cerca de 50 cm) bem como o seu valor (comprou-o em 2018 por cerca de €4770, esclarecendo que este tipo de instrumentos valoriza com o tempo, mesmo quando usado).
Confrontado com as imagens de fls. 26-29 e 32-35 do apenso 884/23.4PBAVR esclarece o local das mesmas, os percursos efectuados e onde se situa a sala de onde foi retirado o saxofone, compatível com o percurso que terá sido efectuado pelo arguido, esclarecendo, por exemplo que, na imagem de fls. 29 o arguido provem do lado onde se situa a dita sala pentagonal (onde se encontrava o seu saxofone).
Por seu turno, RR, agente da PSP que efectuou o visionamento de fls. 32 e seguintes do apenso, esclareceu, de modo objectivo e claro, próprio do exercício das suas funções, as imagens que visionou, de modo corrido, confirmando e descrevendo as juntas aos autos. Ainda com relevância realçou o facto de ser visível em tais imagens que o arguido entrou com a mochila da frente vazia e saiu com a mesma cheia (cfr. fotos de fls. 33 vs 34 e 35).
A acrescer à prova testemunhal descrita, a convicção do tribunal no que a estes factos concerne (pontos 10-12 dos supra dados como provados) assentou igualmente na analise cuidada e ponderada da prova documental junta, nomeadamente:
- do apenso 884/23.4PBAVR: auto de denuncia de fls. 3; auto de noticia de fls. 10; fotogramas de imagens de vídeo vigilância de fls. 26-29 onde é perfeitamente visível o arguido; CD-R com imagens de CCTV de fls. 31; auto de visionamento e tratamento de imagens de fls. 32-36; auto de comparação de registo fotográfico de fls. 37-39; fatura do saxofone de fls. 41-42.
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No que concerne aos factos descritos de 13 a 17 dos supra dados como provados para alem do supra exposto, em especial do depoimento da testemunha TT, o tribunal atendeu ao depoimento sério isento e objectivo de BB, ofendida naquele conspecto factual. Deste modo, esclareceu o local onde havia deixado o seu computador, o facto de ter deixado o meso apenas por cerca de 15 minutos e cerca das 13h00. Mais esclareceu o valor do mesmo, nos moldes supra dados como provados.
Com relevância para os autos refere que no dia em causa viu uma pessoa no departamento que nunca tinha visto naquele local, que lhe chamou a atenção porque levava duas mochilas, uma à frente e outra atrás (do tipo das visíveis a fls. 35 com as quais foi confrontada). Realce-se que esta testemunha demonstrou objectividade ao referir que não conseguia reconhecer o arguido (tal como já havia sucedido em sede de reconhecimento pessoal efectuado nos autos), mas à data logrou esclarecer que o individuo que viu naquele período de tempo era careca, trajava calças de ganga e t-shirt branca (alem de trazer as duas mochilas como referido). Ora, sem prejuízo de se reconhecer que a roupa em causa é usual e pode ser usada por qualquer pessoa, não sendo, em si, distintiva, importa realçar que o arguido foi interceptado, trajando exactamente esta indumentaria e transportando as duas mochilas como descrito pela testemunha, muito pouco tempo após o furto do computador, e na posse do mesmo.
O tribunal também analisou e ponderou a demais prova documental junta, nomeadamente: - auto de denuncia de fls. 12, Auto de apreensão do computador Lenovo descrito em 14 de fls. 19; auto de exame e avaliação de fls. 20; termo de entrega de fls. 21; folha de suporte com fotos do computador de fls. 28-31; auto de noticia por detenção fls. 23-24; folha de suporte com fotos do arguido de fls. 32-35.
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Quanto ao descrito de 21 a 23 dos factos uspra dados como provados, resulta da analise concatenada de toda a prova produzida, de acordo com as regras de experiência comum. Na verdade, a versão trazida pelo arguido de que possuía muito dinheiro e vasta actividade profissional não logrou convencer o tribunal nos moldes do raciocínio supra explanado – nos moldes já supra explanados e analisados. Não é compatível com as regras de experiência comum, e o normal ser da vida, que uma pessoa com cerca e €5000 mensais de rendimento na Bélgica, e possuidor de €20.000 na conta, venha para Portugal procurar atrair trabalhadores para a construção civil no estrangeiro e tenha uma vida errante e nómada como a levada, à data, pelo arguido. Realce-se o descrito pela testemunha TT no que a este particular concerne, e no que respeita ao conteúdo das mochilas que o arguido consigo trazia no momento da detenção. Mais, importa aqui também realçar o constante do relatório de diligência externa de fls. 36 dos autos que comprova que o arguido não vivia com a mãe nem com a mesma se encontrava. O constante de fls. 82-116 referente a vendas efectuadas pelo arguido nas instalações da A... (compras a dinheiro) também reforça a convicção do tribunal, no que a esta matéria respeita, e denotando a pouca credibilidade que mereceram as declarações do arguido (já que da mesma constam vendas em datas que, de acordo com o por si descrito, nem se encontraria em Portugal, não logrando tão pouco esclarecer o tribal da razão de ser de tantas vendas naquela entidade).
Finalmente o teor do certificado de registo criminal do arguido (junto sob ref. 15428301 – 07.12.2023) também devidamente analisado e valorado para a determinação de tais factos supra dados como provados.
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No que se refere aos factos atinentes ao elemento subjectivo do tipo de crime em causa (cfr. pontos 18-20 dos supra dados como provados), resultam os mesmos da apreciação conjugada de todos os elementos de prova supra descritos, apreciados de acordo com as regras de experiência comum, sendo certo que a intenção com que o arguido agiu e as consequências da sua conduta emergem, também, da materialidade objectiva dos demais factos que se deram como provados, a acrescer à própria postura do arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, sendo claro e indubitável que o mesmo é pessoa capaz de distinguir o bem e o mal, tem plena consciência da gravidade dos factos em causa nos presentes autos, da ilicitude e punibilidade dos mesmos.
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A matéria ínsita em 24, resulta do teor do relatório social, junto aos autos sob ref. 15655944 (29.01.2024), oportunamente sujeito a contraditório.
O certificado de registo criminal do arguido junto aos autos sob ref. 15428301 (07.12.2023) determinou a fixação da matéria ínsita em 23 dos factos supra dados como provados referentes às condenações conhecidas ao mesmo.
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Quanto ao descrito em 25, resultou da analise da prova já supra descrita referente ao fixado em 7 a 9, em especial documentos de fls. 177-178 e 367-368 e do depoimento de SS, chefe da divisão da área da contabilidade e património do serviço de gestão recursos financeiros da Universidade ... – que de modo claro e objectivo e mostrando-se conhecedora da matéria acerca da qual prestou depoimento, esclareceu que foi quem averiguou no inventario e percebeu o custo de aquisição dos portáteis em causa, confirmando os documentos referidos.
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A total ausência de prova e o supra descrito, determinou que se desse como não provada a restante factualidade, em especial as testemunhas ouvidas quanto aos factos 1 a 6 que confirmaram que quer o disco externo, quer os computadores portateis foram retirados do interior do mesmo edifício da Universidade ..., embora de salas diferentes – cfr. ponto A) dos supra dados como não provados; e os proprietários e utilizadores dos computadores no que se refere aos valor dos computadores subtraídos – cfr. pontos B) a E) dos factos dados como não provados.
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2.3- APRECIAÇÃO DO RECURSO.
2.3.1-Nulidade por falta de legitimidade do Ministério Público para o procedimento criminal.
Invoca o recorrente a nulidade do processo por falta de legitimidade do Ministério Público para o procedimento criminal, argumentando em resumo que uma vez que o espaço onde foram cometidos os furtos não é um espaço público e encontra-se mal julgado o facto de o arguido fazer dos furtos modo de vida, os furtos cometidos são simples, de natureza semi-pública, não tendo o Ministério Público legitimidade para promover o processo por não haver queixa válida dos ofendidos.
O arguido foi acusado por factos suscetíveis de integrar o cometimento de quatro crimes de furto crimes de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º nº 1, artigo 204.º, n. º1, als. f) e h), do Código Penal, de natureza pública, tendo o Ministério Público legitimidade para promover o processo penal e não se verificando por isso a referida ilegitimidade ou qualquer nulidade processual.
Se a final, considerarmos que a matéria de facto que ficar assente integra o cometimento do crime de furto simples, então se ponderará da existência ou não de queixa válida e da consequência jurídica daí decorrente.
2.3.2-Nulidade por falta de fundamentação – artigo 379º, n.º 1, al. a) e 374º, n.º 2 do CPP.
Entende o recorrente que a decisão recorrida, quanto à factualidade considerada provada, não se encontra devidamente fundamentada, com o que infringe o preceituado nos artigos 379º, nº1, al. a) e 374º, nº2 do CPP.
Vejamos.
Começando pelo artigo 374º, n.º 2 do CPP, relativo ao dever de fundamentação da sentença, cuja omissão pode levar à nulidade da sentença, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. a) do CPP, o seu teor é o seguinte:
«Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.»
Resulta desta norma que o tribunal, para além de indicar as provas que serviram para formar a sua convicção do tribunal, tem também ainda de efetuar o exame crítico daquelas, explicitando o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação dessas provas.
Com a leitura da fundamentação da sentença, deve ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal, no sentido de considerar provados e não provados os factos objeto do processo.
O objetivo dessa fundamentação é o de permitir a sindicância da legalidade do ato, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, atuando, por isso como meio de autodisciplina.
Mas como é evidente, a lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o ato de decidir numa tarefa impossível
O que importa é que o exame crítico das provas, explicitado na sentença, permita avaliar racionalmente o fundamento da decisão e o processo lógico seguido.
Descendo ao caso dos autos, verificamos que o Tribunal recorrido, após enumerar os factos provados e não provados, passou a expor a motivação da decisão de facto, elencando e analisando criticamente as provas que serviram para formar a respetiva convicção, conjugando umas com as outras. E de seguida procedeu à apreciação jurídica da questão aplicando o direito aos factos, dizendo e explicando quais os crimes cometidos e a escolha e determinação das penas.
Da descrição, apreciação e crítica da prova produzida do modo como foi realizada conseguimos perceber como o tribunal decidiu e chegou à decisão a que chegou.
Aliás, se bem lemos a motivação de recurso, o que o recorrente pretende é criticar o modo como foi apreciada a prova e que esta é insuficiente para condenar o arguido, o que na da tem a ver com a nulidade por falta de fundamentação da sentença.
Assim e contrariamente ao pretendido pelo recorrente, não se verifica a invocada nulidade.
2.3.2- Impugnação da matéria de facto por erro de julgamento – ilegalidade da revista, violação do princípio in dubio pro reo.
O recorrente impugna a matéria de facto, especificando nas conclusões do seu recurso os pontos 1 a 3, 4 a 6, 7 a 9, 8, 10 a 12, 13 a 17, 18 a 20, 21 a 23 e 25, da matéria de facto que encontram incorretamente julgados como provados.
Argumenta que da análise do depoimento das testemunhas que indica resulta que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por incorreta avaliação e valoração da prova e ofensa irreparável das regras da experiência comum, afastando-se e violando os critérios da livre apreciação, tal como estão prescritos nos artigos 127.º do CPP e 32.º, n.º 2 da CRP. E que nos termos do disposto na alínea b) do artigo 431.º do CPP, pode e deve a Relação modificar a decisão recorrida e julgar não provados os factos supra elencados. Argumenta ainda com a violação do princípio in dubio pro reo, bem como da ilegalidade da revista a que foi sujeito na Estação ....
Vejamos.
Nos termos do artigo 428.º, n.º 1 do Código Processo Penal, as Relações conhecem de facto e de direito e de acordo com o artigo 431.º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Por outro lado, dispõe o artigo 412.º, n.º 3 que “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”.
E, no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
O recorrente cumpriu com minimamente estes ónus da impugnação da matéria de facto, designadamente indicando as passagens das gravações relativas às declarações do recorrente e das testemunhas que refere (II, CC, DD, JJ, KK -que deve ser desvalorizado-, LL, MM, FF, GG, NN, HH, OO, EE, PP, QQ, RR, BB, SS).
Posto isto, cabe referir que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efetuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso.
Assim, deve concluir-se que o recurso sobre a matéria de facto não pressupõe a reapreciação pelo tribunal de recurso de todos os elementos de prova que foram produzidos e que serviram de fundamento à sentença recorrida, mas apenas e tão-só a reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e com base nas provas indicadas pelo recorrente.
O nosso Código de Processo Penal consagra no artigo 127.º o princípio da livre apreciação da prova. De acordo com este princípio, o tribunal é livre na formação da sua convicção, mas encontra-se vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que estão subtraídas a essa livre convicção, sendo esta motivada, e estando ainda o tribunal sujeito aos princípios do processo penal, como o da legalidade das provas e in dubio pro reo.
O princípio in dubio pro reo, emanação da injunção constitucional da presunção da inocência do arguido, na vertente de prova (artigo 32.º, n.º 2 Constituição), constitui um limite do princípio da livre apreciação da prova na medida em que impõe nos casos de dúvida fundada sobre os factos que o Tribunal decida a favor do arguido.
Postas estas considerações, cabe concluir que assim e para além da violação das provas subtraídas à livre apreciação do julgador, ou da violação dos referidos princípios, o juízo decisório da matéria de facto só é suscetível de ser alterado, em sede de recurso, quando a de facto corresponda, de um modo objetivo, a um juízo desrazoável ou mesmo racionalidade do julgamento da matéria arbitrário da apreciação da prova produzida.
O recorrente argumenta em suma que o Tribunal recorrido fez uma incorreta apreciação da prova e indicou a sua visão de como as provas acima referidas impõem decisão diversa da recorrida.
Apreciemos.
O facto de o recorrente ter opinião diversa da do Tribunal sobre a credibilidade das testemunhas/declarantes não é decisivo, pois é ao julgador que compete tal tarefa de avaliação, a não ser que haja elementos objetivos que imponham um juízo diferente sobre a credibilidade dos depoimentos, e o que verdadeiramente interessa é saber se dos segmentos apontados no recurso e da sua audição, eventualmente completada pelas demais audições que se entenderam efetuar nesta sede, se impunha que o resultado probatório fosse outro.
Nesta sede, ouviram-se as declarações e depoimentos referidos no recurso – recorrente.
Como ponto primeiro, haveremos de referir que na parte relativa à pretensa ilegalidade da revista efetuada ao arguido na estação dos comboios e à apreensão do computador, contrariamente ao que o recorrente afirma, a sua abordagem na estação foi perfeitamente justificada conforme consta do relatório de tal ocorrência e do auto de notícia junto aos autos sobre a referida abordagem e detenção que tiveram lugar graças às características do arguido, correspondentes às denunciadas pelas vítimas de furto bem como ao computador que o arguido exibiu aos polícias aquando da abordagem. A cresce que a revista feita ao arguido como naqueles autos consta foi de segurança, não se vislumbrando qualquer ilegalidade na atuação do OPC.
Posto isto, avancemos para os factos impugnados pelo recorrente, considerando as provas indicadas bem como a motivação da matéria de facto da sentença.
Comecemos pelos factos de 1 a 6 relativos à subtração de um disco externo na parte da manhã (1 a 3) e dois computadores na parte da tarde (4 a 6).
Argumenta o recorrente que o Arguido negou a prática dos factos e que as testemunhas II, CC, DD, JJ e KK não presenciaram os factos, sendo que esta última viu o Arguido apenas a descer as escadas, sendo que o seu depoimento não deverá merecer qualquer credibilidade uma vez que a testemunha ora diz que talvez reconheça o Arguido como tendo sido a pessoa que passou por ela, ora mais adiante, se contradiz.
Nesta parte – pontos 1 a 6 -, o tribunal recorrido quanto à autoria dos factos conclui, após analisar os depoimentos das testemunhas referidas pelo recorrente, o seguinte: «Na verdade, e no que concerne aos factos supra dados como provados sob os pontos 1-6, não restam dividas ao tribunal da autoria dos mesmos pelo arguido, nos moldes dados como provados. Com efeito, importa aqui realçar que o arguido nega ter praticado tais factos (tal como nega ter estado no interior do edifício deste departamento), mas a prova testemunhal supra analisada conduzem à convicção de os mesmos terem ocorrido como supra fixados. A proximidade temporal entre a ocorrência dos factos e a visualização do arguido pelas testemunhas nos moldes supra referidos, com a identificação clara efectuada pela testemunha KK, dissipam qualquer duvida do espirito do julgador
Lida a motivação de facto relativamente ao modo como as testemunhas foram relevantes para imputar a autoria dos factos ao arguido, claro é que assume papel fundamental o depoimento da testemunha da testemunha KK que identificou o arguido como a pessoa que viu a descer as escadas no dia dos factos, pouco depois de destes ter havido notícia no local, com uma mochila às costas e um saco. Conjugando esta identificação com os restantes depoimentos, compreende-se a razão lógica por que o tribunal não teve dúvidas quanto à autoria dos factos. Por outro lado, compreende-se também que o recorrente pretenda retirar credibilidade à testemunha, dizendo que esta se contradisse quanto a ter sido o arguido a pessoa com quem se cruzou naquele dia. Dadas as transcrições efetuadas pelo recorrente, em que se assinalam algumas hesitações da testemunha KK, mas não se olvidando a resposta do Ministério Público assinalando os minutos relevantes[1] e que a testemunha não teve dúvidas em afirmar que viu o arguido, o que depois reiterou, nesta instância ouviu-se o depoimento em causa.
Ouvimos todo o depoimento da testemunha da KK e se é certo que pode ter demonstrado alguma hesitação por volta do minuto 6.50, a verdade é que logo na identificação disse ter visto o arguido no dia do furto, depois cerca dos 2m45, 3m40, 7m10, 10m32 a testemunha afirmou e confirmou explicitamente que era o arguido a pessoa que viu. Pena é que o recorrente tenha parado a transcrição e indicação aos 6m58 e aos 10m25 e não tenha continuado a transcrição por mais um pouco, pois que se o tivesse feito logo se veria que a testemunha identificou claramente o arguido como sendo a pessoa que viu. A partir daí, não vemos qualquer razão para retirar credibilidade à testemunha KK, sendo que ainda por cima não temos a imediação que o tribunal de primeira instância teve. E certo é que o tribunal recorrido na motivação explicou por que razão entendeu merecerem pouca credibilidade as declarações do arguido. Assim, quanto aos pontos em causa (1 a 6), as provas indicadas pelo recorrente não implicam solução diversa, devendo manter-se a matéria de facto inalterada nessa parte.
Relativamente aos pontos 7 a 9 da matéria de facto, o recorrente entende que não deveriam ter sido dados como provados uma vez que, da inquirição das testemunhas, nem sequer foi possível obter a marca e modelo dos computadores alegadamente furtados, nem o valor de cada o valor de cada computador portátil, ou que o Arguido entrou nos laboratórios ... e ..., na Universidade ... sem ter a devida autorização uma vez que a conforme as testemunhas afirmaram as portas dos espaços da Universidade estão abertas e que existem muitas pessoas por ali a circular. Quanto ao facto provado nº 8 entende o requerente que também não se pode considerar que foi o Arguido quem acionou o alarme de incêndio.
Começando pelo facto n.º 8, haverá de se considerar que aí não se afirma que foi o arguido que acionou o alarme de incêndio, mas apenas que beneficiou de tal facto, pelo que a argumentação do recorrente nesta parte não tem lógica e não procede.
Quanto à autoria dos factos, a motivação da sentença explica a sua convicção de modo suficiente, indicando as peças do puzzle, designadamente as testemunhas que viram o arguido no local dos factos, com as mochilas, que era a única pessoa que por ali circulava após ter tocado o alarme, ainda por cima remando contra a maré da fuga para a segurança, subindo as escadas em vez de as descer ou a sua saída do WC feminino ou circulação em sentido oposto ao da saída. Assim, quanto à autoria dos factos, não vemos que a prova indicada pelo recorrente imponha decisão diversa.
Também quanto aos objetos furtados, da leitura motivação da decisão torna-se evidente que as testemunhas relataram a sua subtração, pelo que não entendemos as dúvidas levantadas a tal respeito pelo recorrente, pois que uma coisa é as pessoas não saberem a marca e modelo do computador e outra é a sua existência e desaparecimento. Assim, neste ponto não tem qualquer razão o recorrente.
Quanto ao valor dos objetos furtados, entende o recorrente que não há prova dos valores dos computadores subtraídos, nomeadamente dos pertencentes à Universidade. Mas não tem razão, dado que não só as testemunhas referiram os respetivos valores quanto aos valores pessoais e quanto aos da Universidade, como ainda em relação a estes últimos há os documentos, fichas de inventário a fls. 177/178 e faturas de aquisição a fls. 367 e 368. E o recorrente não tem razão ao partir do pressuposto de que os dois referidos computadores estão sobrevalorizados pois que foram adquiridos cerca de dois anos antes dos factos. Com efeito, a universidade adquiriu os computadores por aqueles preços, cerca de 1.400€ cada um e os mesmos estavam funcionais e a uso dos investigadores. Sendo necessários como vai a universidade substitui-los? Claro que adquirindo uns novos, pelo que o valor dos computadores, sendo estes relativamente novos, não está inflacionado. Não se vê como normal e adequado às circunstâncias usuais das coisas da vida a Universidade a repor a situação em que se encontrava anteriormente à subtração indo ao mercado de computadores usados, ao ‘D...’, mercado do ‘...’ ou à ‘...’. A este respeito é esclarecedor e confirmatório do indicado raciocínio o depoimento da testemunha NN (a partir de 7m30), o qual referiu que tiveram de comprar outro computador igual e ficou pelo mesmo preço.
Assim, neste ponto não tem qualquer razão o recorrente, sendo que o que se disse aqui vale também opara o ponto 25 dos factos provados (prejuízo da Universidade ...) que se deve manter.
Quanto ao facto de o arguido ter entrado sem autorização, não tem razão o arguido, pois embora com alguma dificuldade na interpretação dos depoimentos, a verdade é que a testemunha LL, Vice-Reitor da Universidade ..., refere (21m57) na sequência de questões sobre a livre circulação na universidade e nos laboratórios que ‘autorizado não está’, ‘poder entrar pode’, e acabo por dar a entender que, embora não existam na Universidade ... espaços de trabalho fechados à chave, autorizados e legitimados a aceder aos mesmos apenas estão os professores, funcionários, alunos e investigadores da Universidade. O mesmo se retira dos depoimentos das testemunhas JJ, docente da Universidade ... e BB, aluna da Universidade ..., conforme refere o Ministério Público na sua resposta.
Tudo visto, as provas indicadas pelo Arguido não impõem solução diversa quanto aos factos 7 a 9, que se mantêm inalterados.
Vejamos agora os factos 10 a 12, relativos ao dia 28.06.2023 e ao furto de um saxofone.
Impugna o arguido estes factos argumentando que declarou que o saxofone não cabe dentro as mochilas que trazia na altura e que não sabia que o saxofone se podia desmontar. Procura o arguido dizer que embora tenha sido captado pelas imagens a circular com um percurso compatível com a entrada e saída da sala onde se encontrava o saxofone, bem como a entrar com a mochila da frente vazia e a sair cheia não quer dizer que tivesse sido ele a subtrair o saxofone. O recorrente não tem razão, a ponderação feita pelo tribunal da prova relativa a estes factos, designadamente das imagens colhidas pelo sistema de videovigilância, conjugadas com os depoimentos da testemunha RR, agente da PSP e HH, ofendido por tais factos e aluno da Universidade ..., tudo junto leva a que a conclusão que o tribunal retirou da prova se mostra adequada e racional, pelo que a matéria de facto se mantém.
Quanto à falta de autorização, não obstante o relatado pela testemunha HH, a verdade é que ninguém deu autorização ao arguido para entrar na dita sala, pelo que autorizado não estava e fazendo apelo aos elementos atrás referidos a propósito da autorização a verdade é que se esta testemunha também não é clara quanto à necessidade de autorização para entrar ou não, desviando mais o depoimento para não há controlo até às 21h e o segurança muitas vezes não está lá. Instada, a testemunha referiu (14m00) que ‘autorizada não está, … agora ninguém vai impedir’, supostamente só os alunos e os professores é que podiam frequentar as salas, que era o que lhe diziam no início do ano.
Tudo visto, também relativamente a estes pontos improcede a impugnação do recorrente.
Relativamente aos factos 13 a 17 entende o recorrente que também nunca poderiam ter sido considerados provados, porquanto, a testemunha BB não presenciou o furto do seu computador portátil, só tendo percebido que seu notebook não estava na sua secretária quando voltou do almoço. Mas a verdade é que esta testemunha viu uma pessoa nos corredores com duas mochilas, careca e reparou na roupa desta, indicações que deu à polícia. Depois a PSP abordou o arguido na Estação ... este estava na posse do computador subtraído à ofendida BB. Não vemos como pode proceder a impugnação do recorrente quanto a estes factos, pelo que se mantêm.
Quanto aos factos de 18 a 20, correspondentes ao elemento subjetivo dos crimes cometidos, cabe referir que também não assiste qualquer razão ao recorrente ao pretender que os mesmos não sejam dados como provados, pois que não só se retiram dos factos objetivos praticados, como também e ainda quanto à questão do conhecimento da falta de autorização para entrar nos espaços de onde foram subtraídos os bens é de assinalar que o próprio deu a entender que sabia que não podia circular por ali ao perguntar ao porteiro se podia entrar no edifício. Como bem se refere na decisão recorrida: «Com efeito, ao contrário do tentado perpassar pela defesa, não restaram dúvidas ao tribunal que o arguido sabia que não podia frequentar os edifícios da Universidade, uma vez que não era aluno, professor ou trabalhador nos mesmos, não se encontrando justificada a sua permanência naquele local, até porque, caso assim não fosse, não teria qualquer necessidade de pedir autorização ao segurança do edifício, para no mesmo entrar e ir à casa de banho (como referido pelo mesmo).»
Quanto aos factos de 21 a 23 entende o recorrente que o tribunal nunca os poderia ter dado como provados, designadamente que o Arguido se encontrava sem atividade profissional e sem auferir qualquer rendimento pois que, no seu entendimento, tal circunstância não resulta das suas declarações e só ele é que poderia confirmar a sua situação pessoal e financeira.
Também aqui, não tem o recorrente qualquer razão, como de forma racional o tribunal esclareceu na sua motivação, que a versão trazida pelo arguido de que possuía muito dinheiro e vasta atividade profissional não logrou convencer o tribunal, não sendo compatível com as regras de experiência comum que uma pessoa com cerca de €5000 mensais de rendimento na Bélgica, e possuidor de €20.000 na conta, venha para Portugal procurar atrair trabalhadores para a construção civil no estrangeiro e tenha uma vida errante e nómada como a levada, à data, pelo arguido, comprovada pelo conteúdo das mochilas que o arguido consigo trazia no momento da detenção, bem como as vendas efetuadas pelo arguido nas instalações da A... (já que da mesma constam vendas em datas que, de acordo com o por si descrito, nem se encontraria em Portugal, não logrando tão pouco esclarecer o tribal da razão de ser de tantas vendas naquela entidade).
Assim, também nestes pontos é de manter a matéria de facto provada.
Tudo analisado, incluindo obviamente a prova indicada pelo recorrente bem como os elementos de prova descritos na motivação da sentença, não vemos como chegar à conclusão de que o resultado da prova produzida devesse ter sido diferente daquele a que o tribunal de primeira instância chegou.
O Tribunal recorrido explicou na motivação da decisão de facto as razões por que deu credibilidade e na medida em que a deu ou retirou às declarações/depoimentos do arguido e testemunhas. E explicou a conjugação que fez da prova produzida e o modo como chegou aos factos provados.
Tudo visto, não vemos que a prova produzida, designadamente a indicada pelo recorrente, imponha as alterações à matéria de facto propugnadas pelo recorrente quanto aos factos que entende deverem ser dados como não provados.
Concluindo, percorrida a matéria de facto impugnada, o Tribunal, na fundamentação da matéria de facto explicou, de modo suficiente, o caminho lógico que percorreu para dar como provada aquela matéria, a qual, como já referimos, corresponde a uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, pelo que não se violou o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do Código Penal, sendo a decisão sobre a matéria de facto, por isso, inatacável.
Também em relação aos princípios da presunção da inocência e in dubio pro reo cabe dizer que os mesmos foram respeitados, uma vez que o tribunal, tal como resulta da decisão recorrida, não ficou na dúvida, nem se vislumbra que devesse ter ficado quanto à ocorrência dos factos que resultaram provados.
Não havendo alteração a fazer à matéria de facto, mostra-se a mesma fixada tal como na primeira instância.
2.3.3- Preenchimento do tipo de ilícito, tentativa e pretensão de absolvição.
Pretende o recorrente, com base na procedência da sua impugnação da matéria de facto, a absolvição dos quatro crimes de furto qualificado dos artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal pelos quais foi condenado.
Contudo, como vimos, a matéria de facto assente pela primeira instância é de manter inalterada.
Mantendo-se a matéria de facto assente na primeira instância inalterada, soçobra a pretensão de absolvição do arguido, pois os factos provados integram o cometimento pelo recorrente dos quatro crimes de furto qualificado dos artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal, tal como decidido na decisão recorrida.
Com efeito, dos factos provados resultam os elementos constitutivos do crime de furto previsto no artigo 203º do Código Penal - a coisa móvel alheia; a subtração dessa coisa; a ilegítima intenção de apropriação – e na sua forma perfeita em todas as quatro subtrações, não tendo ficado pela tentativa ao contrário do que pretende o recorrente, pois que em todos elas, incluindo o da interceção do arguido na Estação ... que se situa bem longe da Universidade ... como todos sabemos, a apropriação consumou-se ficando o arguido na posse pacífica dos objetos, embora depois se tivesse dado a recuperação nas circunstâncias ali descritas.
Para preencher a variante qualificada do artigo 204º, n.º 1, designadamente através das alíneas f) e h) do referido diploma legal torna-se ainda necessário que o agente pratique o furto: “f) introduzindo-se ilegitimamente em … ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar; “h) Fazendo da prática de furtos modo de vida;”.
O arguido, ao entrar sem autorização na sala n.º ... do Departamento do Ambiente, nos laboratórios ... e ..., na sala de estudo de música, no interior do Departamento de Engenharia de Materiais e Cerâmica, todos esses locais nos edifícios da Universidade ... e proceder às referidas subtrações, preencheu a qualificativa a alínea f), pois que todos esses locais integram o conceito de espaço vedado ao público, sendo por natureza destinados aos estudantes, professores, investigadores e convidados ou outras pessoas autorizadas, o que não sucede com o arguido que não tinha autorização para aí aceder como ficou provado.
Quanto à alínea h), cabe referir que integra esta qualificativa do furto como modo de vida quem pratica furtos de modo repetido e mais ou menos regular assim obtendo uma fonte de rendimentos relevante. Ora, face aos factos provados, com a repetição de quatro furtos em apenas dois meses e revelando especialização no local de cometimento - Universidade ... -, deles obtendo quantias consideráveis e mais não se lhe conhecendo outro modo de vida, sendo que o arguido encontrava-se sem atividade profissional conhecida, na situação de desempregado, sem auferir qualquer rendimento, sem residência fixa, nem apoio de terceiros, pode afirmar-se que o arguido fez dos furtos modo de vida e preencheu a qualificativa desta alínea.
Tudo visto, o arguido cometeu um crime de furto qualificado do artigo 204º, n.º 1, al. f) e h) do Código Penal.
Assim, improcede a pretensão de absolvição do arguido na parte criminal, bem como a de eventual alteração da qualificação jurídica.
E cai também a pretensão de absolvição ou de redução do pedido de indemnização civil, desde logo porque, não tendo alçada, é de rejeitar o recurso nessa parte pois, nos termos do disposto no artigo 400º, n.º 2 do CPP, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada, o que não sucede no caso dos autos em que a condenação indemnizatória não atingiu tais valores.
Deste modo, ambas as pretensões do recorrente nesta parte são improcedentes.
2.3.4-Determinação da pena – desconsideração de inscrições no CRC, redução das penas e ponderação de penas alternativas.
2.3.4.1-Desconsideração de inscrições no CRC e opção pela pena de prisão.
Passemos então para a fase de determinação da medida da pena, com a qual o recorrente não concorda, entendendo que devem ser desconsideradas inscrições constantes do CRC, reduzidas as penas e ponderadas penas alternativas.
Em resumo, argumenta o recorrente que a medida da pena que lhe foi aplicada por cada um dos crimes de furto qualificado peca pelo excesso, devendo ser reduzidas e que os antecedentes criminais, consignados ainda no CRC, não podem ser considerados, acrescendo que o arguido continua a beneficiar do apoio da filha que, não obstante residir no estrangeiro, o tem visitado na prisão. Perante as circunstâncias de vida do Arguido, deveria ter ponderado penas alternativas à pena de prisão efetiva.
Relembremos, na decisão recorrida foram aplicadas as seguintes penas:
I- 2 anos e 10 meses de por um crime de furto qualificado, artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal – (factos 1-6).
II- 3 anos e 4 meses de prisão por um crime de furto qualificado, 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal – (factos 7-9).
III- 3 anos e 4 meses de prisão por um crime de furto qualificado, artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal – (factos 10-12).
IV- 2 anos de prisão por um crime de furto qualificado, artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal – (factos 13-15).
- Em cúmulo jurídico na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão.
A determinação da pena (em sentido amplo) comporta três operações distintas: a determinação da moldura da pena (pena aplicável); a determinação concreta da pena (pena aplicada); e a escolha da pena, operação eventual que pode ocorrer logo na determinação da pena aplicável no caso de estar prevista no tipo legal de crime a pena de multa alternativa[2] ou posteriormente depois de fixada a pena principal, sendo que até pode ocorrer duas vezes, desde logo na escolha da pena principal (opção pela prisão) e depois na opção pela pena de substituição da principal (opção pela multa de substituição).
A cada um dos crimes do artigo 204º, nº 1do CP cometidos pelo arguido corresponde a moldura abstrata de pena de prisão de um mês até cinco anos ou pena de multa de 10 até 600 dias.
Tendo em conta a moldura penal com previsão em alternativa de prisão ou multa, cabe assinalar que, de acordo com o disposto nos artigos 40º e 70º do Código Penal, a escolha da pena a aplicar é determinada pelas necessidades de prevenção – geral positiva e especial de socialização -, sendo que no presente caso o Tribunal recorrido optou pela pena de prisão em detrimento da de multa, por, em resumo, entender «que os objetivos da punição e as circunstâncias do caso concreto exigem uma opção por pena de prisão face ao contexto em que os factos dados como provados foram praticados que demostram uma personalidade do arguido contrária ao dever ser jurídico social, bem como aos vastíssimos antecedentes criminais do arguido, que nos leva a concluir que a pena de multa não se mostra idónea a satisfazer de forma suficiente e adequada as finalidades da punição, designadamente na sua vertente de prevenção especial, ligada ao agente que pratica o facto, e na vertente de prevenção geral, ligada à função de advertência e reposição da confiança na ordem jurídica, razões por que decide pela aplicação ao arguido da pena de prisão.»
Como se vê da transcrição da motivação de direito do tribunal recorrido, o tribunal afastou a aplicação da pena de multa alternativa à pena de prisão, considerando além da personalidade do arguido bem como os vastíssimos antecedentes criminais.
Comecemos pela pretendida desconsideração dos antecedentes criminais constantes do certificado do registo criminal pois nele segundo o recorrente estão certificadas decisões que, nos termos legais, dele já não deveriam constar devido ao tempo entretanto decorrido.
A questão colocada pelo recorrente quanto à desconsideração dos antecedentes criminais por força do decurso do tempo diz respeito ao instituto da reabilitação jurídico-penal, tendo efeitos no cancelamento definitivo da decisão condenatória no registo criminal.
Com efeito, o cancelamento definitivo da decisão no registo criminal constitui uma das expressões práticas do princípio político-criminal da reintegração do agente na sociedade, manifestada através da sua reabilitação jurídico-penal, impondo que o ex-condenado, decorrido determinado período de tempo sem cometer crimes, seja recolocado na situação jurídica anterior à sentença. Esta reabilitação constitui um verdadeiro direito subjetivo de todo o ex-condenado já reintegrado socialmente[3].
Tal cancelamento definitivo da inscrição da decisão no registo criminal tem por efeito impedir a transmissão válida do seu conteúdo, independentemente da finalidade que presida ao seu pedido de informação, ficando o seu beneficiário, como refere Figueiredo Dias, não só reinvestido no exercício dos direitos de que se achava privado, mas ainda terá de ser tratado como delinquente primário no caso de tornar a figurar como arguido num novo processo[4]. Acrescendo que o cancelamento definitivo da inscrição da decisão no registo criminal constitui uma autêntica proibição de prova[5], relativamente à utilização do registo como meio de prova dos factos relativos às inscrições canceladas.
Vejamos a disciplina jurídica do registo criminal.
O artigo 11.º, da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio (Lei da Identificação Criminal), norma que rege o cancelamento definitivo do registo criminal, dispõe o seguinte na parte que ao caso dos autos interessa.
«1 - As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:
a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
(…)
2 - Quando a decisão tenha aplicado pena principal e pena acessória, os prazos previstos no número anterior contam-se a partir da extinção da pena de maior duração.
3 - Tratando-se de decisões que tenham aplicado pena de prisão suspensa na sua execução os prazos previstos na alínea e) do n.º 1 contam-se, uma vez ocorrida a respetiva extinção, do termo do período da suspensão.

6 - As decisões cuja vigência haja cessado são mantidas em ficheiro informático próprio durante um período máximo de 3 anos, o qual apenas pode ser acedido pelos serviços de identificação criminal para efeito de reposição de registo indevidamente cancelado ou retirado, e findo aquele prazo máximo são canceladas de forma irrevogável.»

Consultando os factos provados da sentença, a questão coloca-se desde logo relativamente às condenações sofridas em Portugal, todas extintas, sendo que a última e a mais elevada destas teve lugar no processo 291/98.5GBAND, do 1º juízo do Tribunal Judicial de Anadia, datada de 11.10.2005, devidamente transitada em julgado a 26.10.2005, sendo o arguido condenado em cúmulo jurídico na pena única de 6 anos e 5 meses de prisão e 210 dias de multa à taxa diária de €2,00, sendo por decisão de 06.12.2007 foi concedida liberdade condicional ao arguido no processo 291/98.5GBAND com termo em 05.10.2008, conforme consta dos autos.
Ora se desde 5.10.2008 até 10.02.2016, data da primeira condenação sofrida posteriormente à extinção da pena 6 anos e 5 meses de prisão aplicada no processo 291/98.5GBAND, não foram proferidas outras condenações, a conclusão é de que todas as condenações proferidas até 10.02.2016 se encontram canceladas definitivamente e por isso devem ser consideradas eliminadas do certificado de registo criminal.
Mas se assim é, tendo-se verificado o cancelamento definitivo da (s) condenação(ões) no registo criminal, não pode a mesma ser considerada em processo crime para nenhum efeito, em especial para a determinação da medida da pena, seja da escolha seja da medida concreta da pena, não obstante o disposto no artigo 71.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal[6].
Vejamos então da questão da escolha da pena principal – prisão ou multa.
Tendo em conta o disposto nos artigos 40º e 70º do Código Penal e mesmo desconsiderando os antecedentes criminais apagados pela reabilitação, não merece censura a opção tomada pelo afastamento da pena de multa e aplicação da pena de prisão, atento o número de furtos cometidos e o seu modo de execução, a afastar a escolha da pena de multa principal, dadas as exigências de prevenção especial e geral do caso.
2.3.4.2- Redução das penas.
Nos termos do art.º 40º, nº 1, do Código Penal as finalidades das sanções penais são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo nunca a pena ultrapassar a medida da culpa (art.º 40º, nº 2).
Dito de outro modo, a pena visa finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, sendo que, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva (necessidade de manutenção da confiança da comunidade na validade da norma posta em crise pelo cometimento do crime) devem atuar as exigências de prevenção especial (necessidade de preparação do agente para, no futuro, não cometer crimes).
Escolhida a pena a aplicar é altura de fixar, dentro dos limites das molduras aplicáveis a medida concreta da pena de prisão que se apura de acordo com o preceituado no artigo 71º, ou seja:
“... em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele”.
Resulta deste preceito que são as exigências de prevenção geral que hão de definir a chamada moldura da prevenção, em que o limite máximo da pena corresponderá à medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar, mas sem nunca ultrapassar a medida da culpa, e o limite inferior será aquele que define o limiar mínimo de defesa do ordenamento jurídico, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa aquela sua função tutelar. Dentro dessa moldura da prevenção geral, cabe à prevenção especial determinar a medida concreta.
Essa determinação em função da satisfação das exigências de prevenção obriga à valoração de circunstâncias atinentes ao facto (modo de execução, grau de ilicitude, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente, conduta do agente anterior e posterior ao facto, etc.) e alheias ao facto, mas relativas à personalidade do agente (manifestada no facto), nomeadamente as suas condições económicas e sociais, a sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado, etc.
Vejamos então, face aos factos que resultam da sentença recorrida, pois só estes, além dos factos do conhecimento geral, podem ser considerados.
Na decisão recorrida considerou-se o seguinte:
«Transpondo para o caso concreto, há que atender:
- à conduta levada a cabo pelo arguido que denota uma atitude anti-social acentuada;
- ao dolo directo do arguido, estando plenamente consciente da ilicitude da sua conduta e da sua proibição face às normas legais vigentes;
- ao facto de o arguido ter já vastíssimos antecedentes criminais, tendo já cumprido penas de longa duração pela prática de crimes contra o património, denotando que as anteriores condenações não foram suficientes para o afastar da prática deste tipo de ilícitos, sendo elevadíssimas as necessidades de prevenção especial que no caso se fazem sentir;
- às elevadíssimas necessidades de prevenção geral, exigindo a nossa sociedade, penas ditas exemplares para os agentes deste tipo legal de crime,
- às consequências da sua conduta que no caso se confundem com os prejuízos patrimoniais causados aos ofendidos, sendo que a valores diferentes corresponde um diferente desvalor de resultado, também por aqui se justificando a diferente dosimetria das penas a aplicar a cada uma das situações;
- ao facto de o arguido não ter modo de vida conhecido e pouco suporte familiar
- à postura do arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, negando a pratica dos factos que se tiveram como provados e apresentando uma versão dos mesmos que não logrou convencer o tribunal – o que não o prejudicando não permitiu ao tribunal avaliar de um eventual arrependimento pela prática dos mesmos;
- ao grau de ilicitude dos factos praticados, que se tem por mediano face aos concretos factos perpetrados, tendo a conduta do arguido se prolongado por um período relativamente curto de tempo (2 meses).
Assim, face a tudo o exposto, tem-se por proporcional, adequada e suficiente aplicar ao arguido as seguintes penas:
- 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal - factos 1-6, 18-20, 21-23 dos supra dados como provados
- 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal - factos 7-9, 18-20, 21-23 dos supra dados como provados
- 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal - factos 10-12, 18-20, 21-23 dos supra dados como provados
- 2 (dois) anos de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1 a.»

Em primeiro lugar, haverá de se considerar que a decisão recorrida, conforme nela se refere, entendeu, além do mais que considerou para a medida da pena, haver que atender: «(…)- à postura do arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, negando a pratica dos factos que se tiveram como provados e apresentando uma versão dos mesmos que não logrou convencer o tribunal – o que não o prejudicando não permitiu ao tribunal avaliar de um eventual arrependimento pela prática dos mesmos(…);».
Afigura-se algo enigmático o entender-se por um lado que tem de se considerar a postura do arguido, que negou os factos que resultaram provados, apresentando uma versão que não logrou convencer o tribunal, para logo de seguida afirmar-se que tal postura não o prejudicou, mas não permitiu ao tribunal avaliar de um eventual arrependimento.
Uma coisa é certa, se a «postura do arguido em sede de audiência de julgamento» ao negar os factos não teve qualquer relevância para a medida da pena, designadamente prejudicando-o, por que razão se haveria de a mencionar? O que não tem relevo para a medida da pena não tem de ir à sentença (acórdão) para fundamentação da pena. Enfim, seja como for, retira-se da lógica dessa parte da fundamentação, pelo menos à laia de advertência ou de conselho para o futuro, um apelo à confissão e ao arrependimento.
A postura do arguido em audiência, designadamente as declarações que presta ou não presta, constitui uma conduta posterior ao facto.
Ainda se vai vendo nalguma jurisprudência a consideração da negação dos factos, não confissão, falta de arrependimento, etc… como conduta posterior ao facto que deve ser valorada contra o arguido em sede de determinação de pena.

Em sentido diverso tem vindo a ser publicada neste Tribunal da Relação jurisprudência no sentido de que não existindo para o arguido um qualquer ‘dever de arrependimento’, o facto de não ter demonstrado arrependimento constitui circunstância inócua para a medida da pena.
Conforme se disse e sumariou no Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 29.05.2024[7]:
«I - A ausência de qualquer ato objetivo ou conduta do arguido demonstrativos de arrependimento é circunstância sem qualquer relevo para a medida da pena.
II - Considerar como circunstância agravante da pena a ausência de arrependimento, arrependimento esse que por via de regra só ocorrerá através da confissão dos factos, é impor ao arguido um peso que ele não deve suportar.
III - A regra do «ou confessas ou agravamos a pena» em que acaba por descambar tal consideração da ausência de arrependimento como circunstância agravante da pena é insuportável num Estado de Direito Democrático e Social fundado na dignidade da pessoa humana como o nosso.
IV - É e tem de ser inexigível dos arguidos o cumprimento dum qualquer dever de verdade, de confissão dos factos e/ou de arrependimento, dada a pressão a que estão sujeitos e a ameaça da pena e de estigma que sobre eles recai.
V - Na verdade, essa ideia do ‘dever de arrependimento’, cujo cumprimento só seria razoavelmente de esperar de um herói moral, de um santo ou do mártir, mais parece tratar-se de uma crença de natureza mística ou religiosa na necessidade de um ato de arrependimento, contrição ou confissão para se concretizar o ‘salvamento social’ da pessoa agente de um crime.
VI - Ora, o direito penal é feito para as pessoas comuns, com as suas forças e fraquezas de todos os dias, não para heróis, santos ou mártires.»
É e tem de ser inexigível dos arguidos o cumprimento dum qualquer dever de verdade, de confissão dos factos e/ou de arrependimento, dada a pressão a que estão sujeitos e a ameaça da pena e de estigma que sobre eles recai e, por isso, essa espécie de ‘apelo genérico à confissão’ com a argumentação de que quem nega os factos não pode beneficiar do arrependimento se afigura desnecessária e errada.
Desconsiderando então essa circunstância da «postura do arguido em sede de audiência de discussão e julgamento, negando a pratica dos factos» e não esquecendo que todas as condenações canceladas no registo criminal – as constantes das alíneas a) a p) da matéria de facto – não poderão ser consideradas em sede de medida de pena, atenta a reabilitação do condenado, vejamos da fixação da medida concreta da pena para cada um dos crimes cometidos.
A ilicitude de cada um dos factos, dentro do tipo de ilícito cometido afigura-se com alguma relevância atentos os objetos subtraídos e os montantes dos respetivos prejuízos, bem como o preenchimento de duas alíneas qualificativas do artigo 204º, nº1 do Código Penal, o que faz elevar a exigências de prevenção geral no sentido de confiança da generalidade dos cidadãos nas normas que proíbem crimes desta natureza.
O grau de culpa é mediano, visto o dolo direto.
As exigências de prevenção especial também se fazem sentir com alguma intensidade, visto o facto de o arguido se encontrar sem atividade profissional conhecida, na situação de desempregado, sem auferir qualquer rendimento, sem residência fixa, nem apoio de terceiros e sem retaguarda familiar.
Tudo visto, considerando os montantes relativos a cada um dos furtos cometidos, afigura-se ser de fixar as seguintes penas parcelares:
- um ano e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal - factos 1-6, 18-20, 21-23 dos supra dados como provados.
- um ano e oito meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal - factos 7-9, 18-20, 21-23 dos supra dados como provados.
- um ano e oito meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal - factos 10-12, 18-20, 21-23 dos supra dados como provados.
- nove meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal - a factos 13-15, 18-20, 21-23 dos supra dados como provados.
Face à redução das penas, importa passar à reformulação da pena única do concurso.
Para a determinação da pena única aplicável cabe considerar como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (cf. artigo 77º, n.º 2 do Código Penal). Para a fixação da medida concreta da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (cfr. artigo 77º, n.º 1, segunda parte). Sendo as penas aplicadas de prisão e de multa, a sua diferente natureza mantém-se na pena única (artigo 77º, n.º 3 do CPP).
Apurada a moldura penal do concurso, cabe ao tribunal proceder à determinação, dentro dos limites da mesma, da medida concreta da pena conjunta do concurso, o que fará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção (artigo 71º do Código Penal), bem como, nos termos do artigo 77º, n.º 1, segunda parte do Código Penal, tendo em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Assim, na fixação da pena única importa considerar o conjunto dos factos cometidos enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, como se de um ilícito global se tratasse, averiguando da ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza, a gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente demonstrada nos factos, com vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo sempre presentes as exigências de prevenção geral e especial, designadamente o reforço da confiança da comunidade na validade das normas violadas bem como o efeito ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele[8].
A moldura penal do cúmulo é de pena de prisão de 20 a 67 meses de prisão.
Os quatro crimes de furto qualificado do nº1 do artigo 204º do Código Penal que integram o concurso são numa visão global um ilícito com alguma gravidade, atento o modo de execução repetido.
Dada esta gravidade do conjunto dos factos, as necessidades de prevenção geral positiva, no sentido do reforço do sentimento da comunidade na validade das normas violadas, fazem-se sentir com algum relevo.
A personalidade revelada pelo arguido, visto o modo de execução repetido e a falta de integração social elevam um tanto as necessidades de prevenção especial.
Tudo visto, afigura-se suficiente e adequada a satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial do caso a fixação da pena única em 34 meses (2 anos e 10 meses) de prisão.
2.3.4.3- Da substituição da pena de prisão.
Face à medida da pena única fixada, importa averiguar da sua eventual substituição pela suspensão da execução da pena.
Resulta dos artigos 70º, 50º, n.º 1, 58º, n.º1, 60º, n.º 2 e, também, do artigo 45º, todos do Código Penal, que o legislador estabeleceu um critério geral de escolha da pena: o tribunal dá preferência à pena não privativa da liberdade, sempre que, verificados os respetivos pressupostos formais de aplicação, ela realize de forma adequada e suficientes as finalidades da punição – finalidades de prevenção geral positiva e especial de socialização[9].
Retira-se do artigo 50º do Código Penal que é pressuposto de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao momento da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
Face ao conjunto de factos dos autos, não se vislumbra como optar por uma pena de substituição, pois que não é possível, face ao conjunto das condenações, ao modo de execução repetido, a personalidade por elas demonstrada e à falta de integração social, formular um juízo favorável ao cumprimento da pena em liberdade, nem em termos de prevenção especial ressocialização nem mesmo em termos de prevenção geral.
Assim, não é de substituir a pena de prisão.
2.3.4.4- Da possibilidade do remanescente da prisão a cumprir, resultante do desconto do artigo 80º do Código Penal, poder ser executado pelo regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 43º do Código Penal.
Uma vez que o arguido se encontra detido em prisão preventiva à ordem dos presentes autos desde 22.07.2023, ou seja, há 1 ano 2 meses e 26 dias (contando a data da conferência de 16.10.2024 em que é proferido o presente acórdão), importa averiguar da possibilidade do remanescente da prisão a cumprir (1 ano 5 meses e 4 dias), resultante do desconto do artigo 80º do Código Penal aplicável, poder ser executado pelo regime de permanência na habitação, nos termos do artigo 43º do Código Penal.
Com efeito, nos termos do artigo 43º, n.º 1, al b) do Código Penal, sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, é executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância a pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º.
O regime de permanência na habitação é um meio de execução da pena de prisão (efetiva) não superior 2 anos[10], trata-se enfim de uma prisão domiciliária.
Uma vez que se trata de um mero meio ou forma de execução da pena de prisão, o pressuposto material da sua aplicação é o de que por meio deste regime se realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão (artigo 43º, n.º 1 do CP)[11]
As finalidades da execução da pena de prisão são, como resulta dos artigos 42º, nº1 do CP e do artigo 2º do CEPMPL, em primeiro lugar e essencialmente, a reintegração social do recluso na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, o que implica como objetivo primeiro da execução a não-dessocialização do recluso, e, em segundo lugar e acessoriamente, a satisfação das exigências de prevenção geral positiva, de defesa da sociedade[12].
Para prossecução desse objetivo primeiro de socialização do condenado deve a execução da pena de prisão seguir um sistema progressivo de preparação para a liberdade e ser o menos restritivo possível do direito à liberdade, estando previstas na lei de execução de penas medidas de flexibilização, a liberdade condicional, as licenças de saída e o regime de permanência na habitação.
Assim, o critério material fundamental para a opção entre a execução da pena de prisão no estabelecimento prisional ou na habitação é o de qual o melhor modo de proporcionar ao condenado as condições necessárias para conduzir no futuro a sua vida de modo socialmente responsável sem cometer crimes.
Caso nenhum dos modos de execução da pena de prisão se apresente como decisivamente melhor posicionado para a socialização do condenado, assumirá o papel primordial o regime de permanência na habitação, de acordo com os princípios vigentes no nosso sistema penal.
Com efeito, no sistema penal português, por imposição constitucional decorrente dos princípios da necessidade/subsidiariedade da intervenção penal e da proporcionalidade das sanções penais (artigo 18º, n.º 2 da CRP e, entre outros, artigos 70º e 98º do CP), a pena de prisão é a ultima ratio da política criminal[13].
Mas mesmo quando a pena de prisão tiver de ser aplicada, por insuficiência das penas alternativas ou de substituição, o regime de execução da privação da liberdade deve ser, também em obediência ao princípio constitucional da proporcionalidade da restrição dos direitos, o menos restritivo possível do direito à liberdade[14].
Como se referiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28-02-2024[15]
« I - Lendo o artigo 43º do Código Penal, podemos afirmar que o cumprimento da pena de prisão em estabelecimento prisional é a opção derradeira para a execução de penas de prisão (efetivas) até dois anos.
II - O advérbio sempre com que se inicia a norma legal, confirma perentoriamente como opção derradeira a execução da prisão intra muros.
III - Assim, a regra é a de que a execução das penas de prisão até dois anos tem lugar através do regime de permanência na habitação, constituindo o cumprimento em estabelecimento prisional a exceção.
IV - Só quando o tribunal chegar à conclusão de que a execução da pena privativa da liberdade na habitação se mostra desadequada, v.g. por falta de condições de exequibilidade, ou insuficiente para satisfazer as finalidades de prevenção é que pode optar pela execução dentro dos muros da cadeia.»
No caso dos autos, atualmente o arguido encontra-se no estabelecimento prisional sujeito à medida de coação prisão preventiva e à data dos factos encontrava-se sem atividade profissional conhecida, na situação de desempregado, sem auferir qualquer rendimento, sem residência fixa, nem apoio de terceiros, pelo que não há condições de exequibilidade para o regime de permanência na habitação, o qual é, por isso, de afastar.
Assim, no caso dos autos não será aplicado o regime de permanência na habitação ao remanescente da pena.
*
3- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em:
1- Conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, alteram parcialmente a sentença recorrida, fixando as seguintes penas:
- um ano e seis meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal - factos 1-6, 18-20, 21-23 dos supra dados como provados.
- um ano e oito meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal - factos 7-9, 18-20, 21-23 dos supra dados como provados.
- um ano e oito meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal - factos 10-12, 18-20, 21-23 dos supra dados como provados.
- nove meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, p.p. pelos artigos 203º e 204º, nº 1 alíneas f) e h) do Código Penal - a factos 13-15, 18-20, 21-23 dos supra dados como provados.
-Em cúmulo jurídico, a pena única de dois anos e dez meses de prisão.
2-Rejeitar o recurso na parte civil.
3- No mais, confirmar a decisão recorrida.
4- Em sede de liquidação de pena será tido em conta o disposto no artigo 80º do Código Penal.
Sem custas.
*
Notifique.

Porto, 16 de outubro de 2024
William Themudo Gilman
Maria Deolinda Dionísio
Jorge Langweg
______________
[1] Não podemos deixar de realçar que, contrariamente ao que sucedeu (e bem !) nestes autos, não é comum o Ministério Público, nas respostas de recurso em que se discute a impugnação da matéria de facto, assinalar e indicar concretamente as passagens em que se funda o seu contraditório à impugnação.
[2] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2022, 2ª edição, p.49.
[3] Cfr. sobre a reabilitação jurídico-penal e o cancelamento da inscrição no registo criminal, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993, p.653-654.
[4] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993, p.656.
[5] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 1993, p.645-646 e 656.
[6] Cfr. neste sentido entre muitos outros os seguintes acórdãos: STJ de 14.07.2022, proc. 490/17.2GAPTL-A.S1 (António Gama), in https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/cfa856e3373b4cde80258893003bd159?OpenDocument; TRP de 11.10.2017, proc. 1-15.4GAOAZ.P1 (Jorge Langweg), in http://www.gde.mj.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/bcec351354ec4487802581cc003f00f2?OpenDocument ; TRP de 08.03.2017, proc. 141/16.2GAVLC.P1 (Maria Luísa Arantes), in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/4c44606eb680c85f802580f0004e1465?OpenDocument ; TRP de22.09.2021, proc. 96/21.1GAMCN.P1 (Paulo Costa), in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/97e7c8e61f76014580258781003d10a2; TRP de 22.03.2023, proc. 753/22.5GALSD.P1 (Lígia Trovão), in https://www.dgsi.pt/JTRP.NSF/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/058441345968fd8580258980003cb944?OpenDocument .
[7] Proferido no processo 274/15.2T9SJM.P, in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/ccbb7f1d1912633b80258b4900481a60?OpenDcument .
[8] Cfr. neste sentido Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 291.
[9] Cfr. neste sentido: Jorge de Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, p. 331; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Coimbra, 2022, p. 92.
[10] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., 2022, p.106 e 114
[11] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., 2022, p. 112.
[12] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., 2022, p. 104-106; Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 110.
[13] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, p. 52-53; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., 2022, p. 18, 20-21.
[14] Cfr. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2ª ed., 2022, p. 106.
[15] Proferido no processo 2161/21.6T9VFR.P1, in https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/18db1a6aa6421bc380258afb003a36a2?OpenDocument .