I - É conforme com a Constituição a interpretação do art.14.º, do RGIT, que não condiciona obrigatoriamente a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento integral das quantias em dívida,
II - Viola os princípios da proporcionalidade e da culpa. (art.2º e art.18º, nº2, ambos da C.R.P.), a imposição ao arguido de um dever que, à data da sentença, se sabe de cumprimento impossível.
III - É claro que sempre pode haver regresso de melhor fortuna, mas também de pior azar, pressupondo a revogação da suspensão uma avaliação a posteriori da culpa no incumprimento da condição.
IV - Contudo, nada disto importa. Relevante é apenas a situação pessoal conhecida do arguido, à data da sentença, para aferir da circunstanciada e atual possibilidade razoável daquele pagar o montante da condição de suspensão imposta.
(Sumário da responsabilidade do Relator)
Relator:
João Pedro Pereira Cardoso
Adjuntos:
1º - Raúl Cordeiro
2º - Maria Deolinda Dionísio
Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
SUMÁRIO
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1. Relatório
No Processo nº 2623/100TAMAI do Juízo Central Criminal do Porto - Juiz 10, por acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 29.11.2023 foi julgado parcialmente procedente o recurso do arguido e em consequência:
a) anulado o anterior Acórdão recorrido no segmento que condicionou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao pagamento da quantia de 259.310,15€, com a consequente baixa do processo à 1.ª instância para que se proceda à elaboração de novo Acórdão, onde deverá ser formulado juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição legal por parte do arguido/recorrente, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente;
b) no mais, foi confirmada integralmente a decisão recorrida.
Quanto à instância criminal:
Condenar AA, pela prática em autoria material de um crime de burla tributária, previsto e punido pelo art. 87.º, n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), numa pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução se suspende, ao abrigo do disposto nos artigos 50º, 51º, nº1, alínea a), 53º, nº1 e nº2 e 54, todos do C.Penal e artigo 14º, do RGIT, pelo período de 5 (cinco) anos, sob a condição de, dentro do referido período de suspensão, proceder ao pagamento ao Instituto de Segurança Social, da quantia de 259.310,15 € (duzentos e cinquenta e nove mil, trezentos e dez euros e quinze cêntimos), no valor mínimo anual nos primeiros 4 anos de 10.000,00€ e o remanescente no último ano de suspensão, com a devida comprovação de pagamento nos autos e subordinada a cumprimento de regime de prova, este a fixar pela DGRSP.
Absolver AA, pela prática em autoria material de um crime de burla tributária, na forma tentada (arts. 22.º e 23.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Penal), previsto e punido pelo art. 87.º, n.ºs 1, 3 e 5 da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT).
Julgar parcialmente procedente o pedido de perda de vantagens formulado pelo Ministério Público, condenando-se o arguido a pagar ao Estado, a quantia de 259.310,15€ (duzentos e cinquenta e nove mil, trezentos e dez euros e quinze cêntimos), correspondente ao montante da vantagem ilicitamente obtida, nos termos do art. 110º, nº1, alínea b), nº4 e nº6, do CP.
Julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo Instituto de Segurança Social IP, procedente por provado e em consequência condenam AA a pagar-lhe a quantia de 259.310,15 € (duzentos e cinquenta e nove mil, trezentos e dez euros e quinze cêntimos).
A. Vem o Arguido interpor recurso da douta decisão proferida pelo Tribunal a quo que decidiu manter os exactos termos do primitivo Acórdão no que respeita à imposição da condição de, dentro do período de suspensão de 5 (cinco) anos, o Arguido proceder ao pagamento ao Instituto de Segurança Social, da quantia de 259.310,15 € (duzentos e cinquenta e nove mil, trezentos e dez euros e quinze cêntimos), no valor mínimo anual nos primeiros 4 anos de 10.000,00€ e o remanescente no último ano de suspensão, pela prática em autoria material de um crime de burla tributária, previsto e punido pelo art. 87.º, n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), numa pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução se suspende, ao abrigo do disposto nos artigos 50º, 51º, nº1, alínea a), 53º, nº1 e nº2 e 54, todos do C.Penal e artigo 14º, do RGIT, pelo período de 5 (cinco) anos.
B. O Tribunal a quo motivou da seguinte forma a sua decisão: “Analisando o relatório complementar ora junto, constacta-se que o mesmo, na sua essencialidade, pouco difere do relatório social anterior, salvo a perspectiva de o mesmo vir a beneficiar de uma pensão de reforma no final do corrente ano e a circunstância de alegadamente ter passado a contribuir com a quantia de 300,00€ mensais para a alimentação da casa.”. Cfr. pág. 45 do douto Acórdão Recorrido.
C. No entanto, presumiu a decisão recorrida que pelo facto de o recorrente ter “por rendimentos a quantia de 500,00€ a título de rendas de dois quartos, o que significa que será proprietário desse apartamento, a que ora se junta a proximidade de vir a beneficiar de uma pensão de reforma”. Cfr. pág. 45 do douto Acórdão Recorrido.
D. Motivo pelo qual a decisão recorrida concluiu que “(…) apesar de se afigurar ao Tribunal que o arguido, com os rendimentos que aufere e declara actualmente, não conseguiria pagar, na íntegra, os benefícios que já usufruiu indevidamente da Segurança Social, atenta a norma legal, entende que é de sujeitar o arguido a tal condição, sem prejuízo de verificado o esforço do arguido do cumprimento que estiver ao seu alcance no período determinado, ainda que fique aquém do valor que já usufruiu, considerar que a condição não se mostra cumprida por causa não imputável ao arguido, com as inerentes consequências. Efectuado o supra mencionado juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do arguido, ponderando o montante a pagar, o valor dos rendimentos auferidos e o montante dos seus encargos fixos, por um lado, e, a circunstância de se desconhecer se é titular de mais qualquer outro bem de fortuna, por outro, não se mostra que a exigência de que pague a quantia fixada no prazo estabelecido resulte, por ora, de impossível cumprimento, até porque tem um apartamento onde arrenda dois quartos, sendo certo que as repercussões de uma eventual falta de pagamento sobre a suspensão da execução da pena sempre dependerão de um juízo futuro a respeito do carácter culposo, ou não, dessa falta de pagamento.”. Cfr. pág. 46 do douto Acórdão Recorrido.
E. Impõe-se assim trazer à colação a factualidade provada apurada pelo Tribunal a quo que está subjacente ao conteúdo de ambos os relatórios sociais juntos aos autos, assim como a prova documental considerada e concatená-la com o juízo decisório expendido pelo Tribunal a quo para sustentar a motivação de manter inalterada a afixação da quantia de 259.310,15€, a reembolsar no prazo de 5 anos, como condição da suspensão da pena de prisão aplicada ao recorrente.
F. Em sede de factualidade provada respeitante às condições sócio económicas actuais do recorrente, indispensáveis para a formulação do juízo de prognose, tendo por fundamento o descrito nos relatórios sociais, o Tribunal a quo enunciou, como matéria de facto provada, os pontos 70.º a 93.º que se ampararam no relatório social elaborado em 17/06/2022, referência 32582998 aquando do primitivo Acórdão e os pontos 94.º a 96.º e ainda os quatro primeiro parágrafos da página 19 da douta decisão recorrida, factualidade que teve como suporte de prova o relatório social complementar elaborado em 12 de março de 2024 e junto aos autos com a referência CITIUS 38443983.
G. A verdade é que não obstante o descrito em ambos os relatórios sociais onde é refletida a condição precária do recorrente no que respeita aos seus rendimentos e aos rendimentos do seu agregado familiar, o Tribunal a quo decidiu manter integralmente a primitiva decisão proferida de suspender a pena de prisão aplicada ao recorrente, de 4 anos e 6 meses de prisão, pelo período de 5 anos, sob a condição de, dentro do referido prazo de suspensão, o recorrente proceder ao pagamento ao Instituto da Segurança Social, IP, da quantia de 259.319,15€ e subordinada a regime de prova a fixar pela DGRSP.
H. No entanto, a formulação do juízo de prognose acerca da razoabilidade da imposição da condição de pagamento da quantia de 259.310,15€ ao recorre incorre no vício de insuficiência para a matéria de facto, de erro de julgamento (cfr. artigo 410.º, n.º 2 al. a) e c) do CPP) e padece igualmente de nulidade por excesso de pronúncia (cfr. artigo 379.º, n.º 1 al. c) do CPP).
I. Posto que os factos provados sob os números 70.º, 81.º, 82.º, 96.º e 1.º parágrafo da factualidade provada da pág. 19 da douta decisão recorrida (facto não numerado pelo Tribunal a quo) e o elementos documentais apurados para a elaboração dos relatórios sociais (cópia do modelo 3 do IRS, relativos aos anos de 2021 e 2022, do arguido; cópia do modelo 3 IRS, relativo ao ano de 2022, de BB (separada de facto do arguido); cópia de modelo 3 do IRS, relativo ao ano de 2022, de CC (progenitora de BB); cópia de declaração de inscrição no Centro de Emprego e Formação Profissional do Porto, com data de 22/05/2018; cópia de nota de liquidação com o nº ..., relativa ao período de rendimentos do ano de 2022; cópia de fatura nº..., emitida em fevereiro de 2024, referente ao serviço de fornecimento de eletricidade da habitação do Porto; cópia de fatura nº ... emitida em janeiro de 2024, referente ao serviço de fornecimento de telecomunicações da habitação do Porto; cópia de fatura nº ..., emitida em fevereiro de 2024, referente ao serviço de fornecimento de água da habitação do Porto; cópia de fatura nº ..., emitida em fevereiro de 2024, relativa ao serviço de fornecimento de água da habitação de Valongo; cópia de fatura nº ..., com data de 19/02/2024, referente ao serviço de fornecimento de telecomunicações da habitação de Valongo; cópia de fatura emitida em fevereiro de 2024, relativa ao serviço de fornecimento de energia elétrica da habitação de Valongo. Cfr. relatório complementar junto aos autos, datado de 12/03/2024) não permitirem ao Tribunal a quo concluir que o Recorrente seja titular do direito de propriedade do apartamento sito na Rua ..., n.º ..., 2.º Direito, ..., Porto.
J. O Tribunal a quo presume, erradamente, que o recorrente é proprietário do mencionado apartamento tendo por base apenas a alusão feita no relatório social segundo a qual o recorrente declarou ter como rendimentos a quantia de €500,00 de renda de dois quartos no apartamento sito na Rua ... n.º ..., 2.º Direito, ..., ..., Porto, sem que, todavia, tivesse procedido à necessária análise da prova documental que serviu de base à elaboração dos relatórios sociais, designadamente, da nota de liquidação do IRS do recorrente e dos elementos documentais referentes as dados matriciais e registais do imóvel em apreço.
K. Por um lado, refira-se que, para que o Tribunal a quo pudesse afirmar/concluir que o recorrente fosse efectivamente titular do direito de propriedade do imóvel em crise, e, na medida em que esta qualidade de proprietário não consta sequer referida da factualidade provada, o Tribunal a quo, no uso dos seus poderes de investigação, ao abrigo do princípio da descoberta da verdade material (bem como o do inquisitório), deveria ter ordenado oficiosamente as diligências de prova que se mostrassem necessárias à comprovação da titularidade do direito de propriedade do recorrente sobre o bem imóvel, para a qual são indispensáveis os elementos matriciais e cadastrais do imóvel.
L. Apenas com base na certidão de registo predial poderia o Tribunal a quo presumir que o direito de propriedade existisse e pertencesse ao recorrente enquanto titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, tal como o determina o disposto pelo artigo 7.º do Código do Registo Predial.
M. Posto que nem o recorrente nem o Técnico da Segurança Social que elaborou o relatório social são juristas, pelo que não dominam os conceitos jurídicos nem os efeitos que encerram determinadas expressões jurídicas como “valor de 500 € (quinhentos euros) mensais, que o arguido recebe a título de renda da habitação onde este viveu com a sua família de origem, situada na freguesia ...” ou “habitação que se encontra arrendada pelo arguido a terceiros.”.
N. Percorridos os elementos documentais que alicerçaram os relatórios sociais, nenhum documento se encontra junto aos autos que se refira à situação cadastral do imóvel sito em ... ou que comprove a alegada relação de arredamento entre o recorrente e terceiros, que permitam inferir ser o recorrente proprietário do imóvel.
O. Prova que se revela imprescindível para a verificação do direito de propriedade.
P. Por outro lado, a factualidade provada sob os artigos 70.º a 96.º bem como os quatro primeiros parágrafos da página 46 decisão recorrida, afigura-se-nos que, tal factualidade não permite sequer atingir-se a decisão de direito, a que se chegou no Acórdão recorrido, de que o recorrente seja proprietário de um imóvel sito em ....
Q. Da leitura cuidada da factualidade provada sob os pontos 70, 81, 82, 96 e 1.º parágrafo da página 46 acima enunciada, resulta que a habitação da qual o recorrente retira a quantia de € 500,00 de rendimento corresponde à casa onde o recorrente residiu até aos 26 anos de idade com o seu agregado familiar de origem (composto pelos pais do recorrente e duas irmãs mais novas) – “que o arguido recebe a título de renda da habitação onde este viveu com a sua família de origem, situada na freguesia ...”,
R. Porquanto, a referida habitação foi arrendada, durante a infância do recorrente, pelos seus progenitores, na qualidade de arrendatários “AA cresceu junto do agregado familiar composto pelos progenitores e pelas suas duas irmãs mais novas e até aos seus 26 anos de idade residiu junto deste agregado em habitação arrendada, na freguesia ..., no concelho do Porto”,
S. Habitação essa que, pelo facto de o recorrente ser arrendatário e não proprietário, o recorrente pagar a referida renda no valor mensal de 46,00€ “Como despesas mensais, o arguido indica o valor de 46 € (quarenta e seis euros) a título de renda e 150 € (cinquenta euros) referentes aos serviços de fornecimento de água, electricidade e de telecomunicações, da habitação acima referida, que se encontra arrendada pelo arguido a terceiros.”.
T. Percorrida assim a factualidade provada, em nenhum momento se refere que o recorrente é proprietário da habitação sita na Rua ..., nº ..., 2º dto., ..., ... Porto, freguesia ..., concelho do Porto.
U. Assim como a referida factualidade não permite sequer presumir que o recorrente seja proprietário do bem imóvel aí mencionado, pois da factualidade transcrita é mais do que uma vez mencionado que o bem imóvel em apreço refere-se à casa da qual os seus progenitores eram arrendatários e pela qual o recorrente paga atualmente uma renda de 46,00€ assim como as demais despesas que elenca.
V. Com efeito, ainda que assim não se entenda, embora sem conceder uma vez que entendemos ser suficiente a inexistência de elementos documentais nos autos que impossibilitam a presunção do direito de propriedade, mas por cautela de patrocínio, uma vez que o douto Acórdão recorrido incorre em erro de julgamento relativamente à qualidade que o recorrente ocupa no imóvel sito na Rua ..., nº ..., 2º dto., ..., ... Porto, freguesia ..., concelho do Porto,
W. E considerando que foi com base no mencionado erro de julgamento, traduzido na presunção de que o recorrente é proprietário de um bem imóvel, que o Tribunal a quo determinou que é proporcional, adequado e razoável impor ao recorrente a condição de pagamento da quantia de 259.310,15€, no prazo de 5 anos, requer-se a este Venerando Tribunal da Relação se digne a admitir a junção de 5 (cinco) documentos, os quais comprovam a posição de arrendatário do recorrente relativamente ao mencionado imóvel e não a de proprietário.
X. Incorre assim em erro de julgamento, por vício de insuficiência para a matéria de facto, erro notório na apreciação da prova e excesso de pronuncia o segmento decisório onde o Tribunal a quo sentencia que “Efectuado o supra mencionado juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do arguido, ponderando o montante a pagar, o valor dos rendimentos auferidos e o montante dos seus encargos fixos, por um lado, e, a circunstância de se desconhecer se é titular de mais qualquer outro bem de fortuna, por outro, não se mostra que a exigência de que pague a quantia fixada no prazo estabelecido resulte, por ora, de impossível cumprimento, até porque tem um apartamento onde arrenda dois quartos,
Y. O Tribunal a quo considera, ainda, ser de sujeitar o recorrente ao pagamento da quantia total dos valores indevidamente recebidos da Segurança Social, a título de condição da suspensão da pena de prisão, com base no facto de se desconhecer se o recorrente é proprietário de outro bem de fortuna o que não foi sequer apurado/indagado/investigado pela decisão recorrida como o deveria ter sido ainda que oficiosamente, por força do princípio do inquisitório e da investigação.
Z. Verifica-se que as duas presunções sobre as quais assenta o juízo de prognose do Tribunal a quo e sobre as quais se decide aferir da viabilidade de o recorrente cumprir a condição de pagamento para a suspensão da pena de prisão, para além de estarem inquinadas dos vícios do artigo 410.º, n.º 2 alíneas a) e c) do Código de Processo Penal e configurarem igualmente nulidade do Acórdão por excesso de pronúncia, violam também o princípio da proporcionalidade, da razoabilidade e da adequação constitucionalmente consagrados por força do disposto no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.
AA. Fazem incorrer o Acórdão recorrido em inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade, plasmado no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, a qual desde já se argui expressamente para os devidos efeitos.
BB. o Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 18/02/2016, processo n.º 949/14.3, Relator: Calheiros Gama, disponível em dgsi.pt, o qual refere que: “Art. 14.º do RGIT que constitui uma especialidade face às condições de suspensão decorrentes dos arts. 51.º e 52.º do CP. Porém, não é exato que tal condição de pagamento para o benefício da suspensão da pena seja de aplicação automática, como já, nesse sentido, se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça”
CC. Para que se cumpra tal desiderato deve o Recorrente encontrar-se em condições de poder cumprir a obrigação pecuniária, na quantidade e no tempo determinados na sentença.
DD. Para tanto, é imperioso que o Juiz, após averiguar as possibilidades do cumprimento, fixar o dever de um modo quantitativa e temporalmente compatível com as condições do condenado, só assim se prosseguindo o direito deste a uma pena justa.
EE. A esta compatibilização se refere o art. 51º do Código Penal, cujo nº 2 estipula que “os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”, prevendo-se no nº 3 a modificação dos deveres por ocorrência de circunstâncias relevantes supervenientes.
FF. O Tribunal a quo não realizou de forma adequada e proporcional o juízo de prognose para fundamentar, adequadamente, a exequibilidade do dever imposto como condição de suspensão bem como para proceder à fixação do quantum fixado.
GG. O que equivale a dizer que os artigos 51.° n.º2, 71.° n.º2 do CP, assim como o artigo 18.° da Constituição da República Portuguesa não foram correctamente interpretados e valorados, em sede de aplicação da medida concreta da pena, na medida em que não foram tidos em conta os princípios da proporcionalidade, exigibilidade e razoabilidade na imposição de deveres para a suspensão da execução da pena de prisão.
HH. Avaliando-se objetivamente o atual contexto financeiro do Recorrente só poderia o Acórdão recorrido ter dado como admitido a inverosimilhança no cumprimento da medida de suspensão e, por conseguinte, só se poderá ter como violado o princípio da proporcionalidade, em qualquer das suas vertentes de adequação, necessidade ou justa medida ao ter decidido que o quantum da condição deverá corresponder ao montante de 259.310,15€, a pagar no prazo de 5 anos.
II. Tanto mais porque, atendendo ao teor dos relatórios sociais, o recorrente conta apenas com a quantia de € 500,00 mensais para fazer face à sua subsistência e mesmo os rendimentos anuais das pessoas que com o recorrente vivem em economia comum, são consideravelmente baixos, um de 5.284,39€ e outro de 5.679,89€, para permitirem um juízo de prognose acerca da razoabilidade do cumprimento do quantum fixado.
JJ. Assim, o disposto pelo artigo 14.º do RGIT impõe a articulação com o artigo 51º, nº 2 do Código Penal, o qual estatui que os deveres impostos “(…) não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”.
KK. Temos pois que a fixação do quantum da condição de suspensão determinada pelo Tribunal a quo é desproporcional às condições do recorrente para o seu cumprimento.
LL. Em face do que o referido montante de € 259.310,15, como condicionante da suspensão da prisão, deve ser substituído por uma indemnização parcial, calculada em função da real situação sócio económica do Recorrente, a pagar até ao termo do período de suspensão da prisão.
MM. Assim se harmoniza a condição imposta com as capacidades económicas do Recorrente, de forma a tornar possível o cumprimento do dever e, como tal, legal e constitucionalmente compatível com os fins e os princípios que justificam e norteiam a pena, o que se reclama.
Nestes termos e nos melhores de direito que v/exas. doutamente suprirão, deverão:
I) as presentes nulidades serem julgadas procedentes por provadas, com as legais consequências; e
II) as referidas inconstitucionalidades serem apreciadas, com as respectivas cominações legais”.
Cumpre apreciar e decidir.
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal [1]), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente,
as questões submetidas ao conhecimento deste tribunal são as seguintes:
1. Da admissibilidade dos documentos juntos com a interposição de recurso
2. Da nulidade da sentença, por excesso de pronúncia
3. Da impugnação restrita da matéria de facto: insuficiência para a decisão e erro notório na apreciação da prova (art. 410°, nº2).
4. Da impugnação ampla da matéria de facto (art. 412°, nº3)
5. Da adequação do montante da condição de pagamento para suspensão da execução da pena de prisão e sua inconstitucionalidade
Da acusação e do pedido de indemnização civil:
1.º- A sociedade “A..., Lda.”, com o NIF ......, com sede na Rua ..., ..., na Maia, tinha por objecto a “indústria e comércio de máquinas e utensílios para a agricultura e afins” e constam como seus gerentes DD e EE;
2.º - A sociedade “B..., Lda.”, com o NIF ......, com sede no Lugar ..., em V.N. de Famalicão, tinha como objecto social “o comércio e indústria de produtos à base de carnes” e como gerente FF;
3.º- A sociedade “C..., Lda.”, com o NIF ......, com sede no Lugar ..., Trofa, tinha como objecto a “indústria e comércio de produtos alimentares, sua importação e exploração; exploração de matadouro, comércio e importação de animais vivos e abatidos” e como gerentes de direito GG, HH e II;
4.º - A sociedade “D..., SA”, com o NIF ......, com sede no Lugar ..., na Trofa, tinha como objecto a “produção e comercialização de produtos alimentares” e como administrador de direito JJ;
5.º - A sociedade “E..., Lda.”, com o NIF ......, com sede na Rua ..., n.º ..., 1.º, Porto, tinha como objecto a actividade de “fabrico e comércio, importação e exportação de produtos à base de carne; comércio, importação e exportação de carne fresca e derivados” e teve, no período de 24/05/2006 a 30/05/2008, como gerente de direito, KK, o qual não exercia de facto tais funções;
6.º - A sociedade “F..., Lda.”, com o NIF ......, com sede no Edifício ..., ..., Matosinhos, tinha como objecto a actividade de “comércio a retalho, assistência e representação de equipamento de frio e equipamento para supermercados; escritório de comissões e consignações; importação e exportação de equipamentos frigoríficos; móveis de frio e refrigeração” e como gerente de direito e de facto KK;
7.º - A sociedade “G..., Lda.”, com o NIF ......, com sede na Rua ..., ..., ..., tinha como objecto a actividade de “fabricação, comércio de bolachas, biscoitos, drops, rebuçados, guloseimas, confeitaria; comércio por grosso de outras máquinas e equipamentos para a indústria, comércio e navegação ” e como gerente de direito, no período de 20/04/2006 a 04/02/2009, KK e a partir de 04/02/2009 e até à data da sua dissolução, LL. Porém, o gerente de facto da sociedade foi sempre KK;
8.º - A sociedade “H..., SA”, com o NIF ......, com sede no Lugar ..., Vila Nova de Famalicão, tinha como objecto a actividade de “compra e venda, administração e construção de prédios e compra e venda de imóveis com destino a revenda; detenção e administração de participações sociais” e como administradores de direito, FF e a partir de 05/05/2008, até 31/10/2018, MM;
9.º - A sociedade “I..., SA”, com o NIF ......, com sede na Rua ..., n.º ..., 5.º esq., Porto, tinha como objecto a actividade de “prestação de serviços no âmbito da higiene, segurança e saúde no trabalho”, administrada por NN;
10.º - O arguido AA conhecedor das normas e do funcionamento do sistema para atribuição pela Segurança Social de subsídios de doença e de desemprego, delineou, no ano de 2002, um plano para obter do Instituto da Segurança Social I.P., a título de prestações por subsídio de doença e por subsídio de desemprego, todas as quantias monetárias que conseguisse e às quais sabia não ter direito e, nesta medida;
11.º - Em data não concretamente apurada, mas situada entre os anos de 2002 e 2010, conseguiu, através de meios que igualmente em concreto não foi possível determinar, inscrever-se na Segurança Social, como TCO – Trabalhador por Conta de Outrem das sociedades acima indicadas;
12.º - O arguido aproveitou a circunstância de ser filho de DD e EE, gerentes da “A..., Lda.”, para, através de meios não apurados, conseguir inscrever-se como trabalhador por conta desta sociedade, bem como, entregar as respectivas declarações de remunerações, apesar de nunca ter sido trabalhador por conta de tal sociedade;
13.º - O arguido, entre o dia 15 de Abril do ano 2002 e o dia 15 de Setembro do ano 2002, conseguiu que fossem entregues na Segurança Social, “folhas de remunerações” em suporte papel, que não correspondiam à realidade, com o seu nome e declarações de remunerações relativas ao período de 03/2002 a 10/2002, pelo valor mensal de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros);
14.º - Paralelamente, em 14/11/2002, o arguido também conseguiu que fossem entregues na Segurança Social, “folhas de remunerações” em suporte papel, que igualmente não correspondiam à verdade, reportadas ao período de 03/2002 a 08/2002, mas agora pelo valor mensal de 1.700,00€ (mil e setecentos euros);
15.º - Com a entrega das referidas folhas de remunerações, o arguido ficou com “prazo de garantia” de seis meses civis com registo de remunerações de 05/2002 a 10/2002, pelo valor mensal de 4.200,00€ (2.500,00€ + 1.700,00€);
16.º - Por sua vez, em 26/11/2002, o arguido deu entrada no Conselho Distrital ... da Segurança Social, de Certificado de Incapacidade Temporária inicial, relativo ao período de 26/11/2002 a 07/12/2002 (12 dias). Depois dessa data, foram registados vários Certificados de Incapacidade Temporária de prorrogação, sendo que a situação de alegada incapacidade temporária para o trabalho se prolongou até 05/07/2003;
17.º - O Subsidio de Doença a atribuir ao arguido AA foi calculado com base nas remunerações declaradas pela “A...,” relativas aos meses 03/2002 a 08/2002;
18.º - A quantia recebida pelo arguido, para o período de 26/11/2002 a 05/07/2003, perfez o montante de 19.929,00€ (dezanove mil novecentos e vinte e nove euros), tendo sido paga através de carta-cheque entre 10/02/2003 e 02/07/2003;
19.º -Do mesmo modo, o arguido AA, em data não concretamente apurada, mas situada em Agosto de 2003, através de meios não concretamente apurados, por si ou por terceiro, conseguiu ser declarado, no dia 01/09/2003, como trabalhador por conta da sociedade C..., Lda. o que não correspondia à realidade;
20.º- Na prossecução e concretização do seu único propósito, o arguido conseguiu também que fossem entregues, no dia 18/05/2004, declarações de remunerações da sociedade C..., emitidas em seu nome, relativas aos meses de 09/2003 a 04/2004, pelo valor remuneratório de 4.500,00€ (quatro mil quinhentos euros);
21.º - Paralelamente, no dia 15/10/2003, foi entregue, em suporte papel, a declaração de remunerações da sociedade A..., com referência aos meses de 06/2003 e 09/2003;
22.º - Em 26/05/2004, o arguido deu entrada no Centro Distrital ... da Segurança Social, de Certificado de Incapacidade Temporária inicial relativo ao período de 26/05/2004 a 06/06/2004 (12 dias). Depois dessa data, foram registados vários Certificados de Incapacidade Temporária de prorrogação, sendo que a situação de alegada incapacidade temporária para o trabalho se prolongou até 02/01/2005;
23.º - O respectivo prazo de garantia foi confirmado pelas remunerações registadas nos meses 11/2003 a 04/2004, ou seja, pelas remunerações registadas por referência à entidade empregadora C...;
24.º- Para cálculo da prestação de doença a atribuir foram consideradas as remunerações declaradas pelas entidades empregadoras A... e C..., relativamente aos meses de 09/2003 a 02/2004;
25.º - Ao arguido AA foi processado e pago, a título de subsídio de doença, por referência ao período de 26/05/2004 a 02/01/2005, a quantia global de 39.403,83€ (trinta e nove mil quatrocentos e três euros e oitenta e três cêntimos), correspondente a 216 dias subsidiados;
26.º - O correspondente pagamento foi efectuado por carta-cheque entre os dias 23/06/2004 e 21/12/2004;
27.º - Por sua vez, no dia 04/01/2008, o arguido requereu junto da Segurança Social prestações compensatórias de subsídios de férias e de Natal relativos ao ano de 2007 e por referência à entidade empregadora C..., Lda., tendo sido atribuído o valor de 6.000,12€ (seis mil euros e doze cêntimos), a título de compensação pelo subsídio de férias, pago, no dia 30/09/2008, por transferência bancária, para a conta com o NIB ..., domiciliada na Banco 1..., titulada pela testemunha OO e pelo arguido e o valor de 6.000,12€ (seis mil euros e doze cêntimos), a título de compensação pelo subsídio de Natal, pago por transferência bancária, no dia 28/09/2008, também para a conta com o NIB ...;
28.º - Em 11/03/2009, o arguido requereu igualmente junto da Segurança Social prestações compensatórias de subsídios de férias e de Natal relativas ao ano de 2008 e por referência à entidade empregadora C..., Lda., tendo sido atribuído o valor de 5.999,98€ (cinco mil novecentos e noventa e nove euros e noventa e oito cêntimos),, a título de compensação pelo subsídio de férias e pago por transferência bancária, no dia 20/03/2009, para a conta com o NIB ..., domiciliada no Banco 2... e titulada por BB, cônjuge do arguido e o valor de 5.999,98€ (cinco mil novecentos e noventa e nove euros e noventa e oito cêntimos), também pago por transferência bancária, em 24/03/2009, para a conta com o NIB ..., a título de compensação pelo subsídio de Natal;
29.º - Igualmente o arguido AA no dia 01 de Março de 2005, conseguiu, por meios não concretamente apurados, a sua inscrição como trabalhador por conta da sociedade D..., SA, qualificação que manteve até 31 de Maio de 2008, apesar de nunca ter sido trabalhador por conta da D..., para quem terá prestado ocasionais serviços relacionados com contabilidade;
30.º - Para além disso, foram também apresentadas, em suporte papel, as respectivas declarações de remuneração relativas a Janeiro de 2005 a Maio de 2006, no valor mensal de 9.500,00€ e que não tinham qualquer correspondência com a realidade;
31.º- Com as remunerações registadas como trabalhador por conta de outrem da D..., nos meses de 11/2005 a 04/2006, ficou cumprido o prazo de garantia para acesso à prestação de doença;
32.º - Em 31/10/2007 foram declaradas, em nome da C..., as remunerações de 02/2005 a 05/2006, pelo valor mensal de 10.000,00€;
33.º - Por seu turno, no dia 26/05/2006, o arguido deu entrada no Centro Distrital ... do Instituto da Segurança Social, de Certificado de Incapacidade Temporária relativo ao período de 26/05/2006 a 06/06/2006 (12 dias);
34.º - Depois dessa data, foram registados vários Certificados de Incapacidade Temporária de prorrogação, sendo que a situação de alegada incapacidade temporária para o trabalho se prolongou até 25/06/2008;
35.º - Na concessão inicial, o subsídio de doença a atribuir ao arguido AA foi calculado com base nas remunerações declaradas no período de 09/2005 a 02/2006, pela entidade empregadora D.... Considerando as remunerações declaradas (9.500,00€ mensais) foi atribuído ao arguido subsídio diário de doença no montante de 205,84€ (duzentos e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos);
36.º - Em 13/12/2007, na sequência do registo de remunerações da C..., pelo valor mensal de 10.000€ (dez mil euros), o processo foi reanalisado e a prestação recalculada, daí tendo resultado a alteração do subsídio diário de doença (inicial) para 422,50€ (quatro centos e vinte e dois euros e cinquenta cêntimos);
37.º - Desta forma, relativamente ao período de 29/05/2006 a 25/06/2008, o arguido AA recebeu a quantia global, a título de subsídio de doença, de 353.053,53€ (trezentos e cinquenta e três mil cinquenta e três euros e cinquenta e três cêntimos);
38.º- Destes montantes, cerca de 58.500,00€ foram pagos por transferência bancária, no dia 12/07/2008, para a conta com o NIB ..., domiciliada na Banco 1... titulada pelo arguido, juntamente com a testemunha OO.
Em 14/12/2017 foram pagos 135.515,17€ por carta cheque e o restante foi pago por carta cheque entre Agosto de 2006 e Julho de 2008;
39.º - No dia 01/03/2007, o arguido também requereu junto da Segurança Social prestações compensatórias de subsídios de férias e de Natal relativos ao ano de 2006 e por referência à entidade empregadora D..., foi-lhe atribuído o valor de 3.467,52€ (três mil quatrocentos e sessenta e sete euros e cinquenta e dois cêntimos), a título de compensação pelo subsídio de férias, pago por carta-cheque em 06/04/2007 e o valor de 5.700,06€ (cinco mil setecentos euros e seis cêntimos), a título de compensação pelo subsídio de Natal pago por carta-cheque em 11/03/2007;
40.º- O arguido requereu igualmente, junto da Segurança Social, prestações compensatórias de subsídios de férias e de Natal relativas ao ano de 2007 e por referência à entidade empregadora D..., foi-lhe atribuído o valor de 5.699,96€ (cinco mil seiscentos e noventa e nove euros e noventa e seis cêntimos), a título de compensação pelo subsídio de férias e o valor de 5.699,96€ (cinco mil seiscentos e noventa e nove euros e noventa e seis cêntimos), a título de compensação pelo subsídio de Natal. O que perfaz a quantia de 11.399.92€ (onze mil trezentos e noventa e nove euros e noventa e dois cêntimos) paga por carta-cheque em 22/12/2007;
41.º - O arguido também requereu junto da Segurança Social prestações compensatórias de subsídios de férias e de Natal relativas ao ano 2008 e por referência à entidade empregadora
D..., foi-lhe atribuído o valor de 5.699.96€ (cinco mil seiscentos e noventa e nove euros e noventa e seis cêntimos), a título de compensação pelo subsídio de férias, pago por transferência bancária, no dia 23/04/2009, para a conta com o ..., domiciliada no Banco 2... e titulada por BB, cônjuge do arguido e o valor de 5.699.96€ (cinco mil seiscentos e noventa e nove euros e noventa e seis cêntimos), a título de compensação pelo subsídio de Natal, pago por transferência bancária também para a conta com o NIB ...), em 24/03/2009;
42.º - Novamente o arguido AA, no dia 11 de Setembro de 2008, conseguiu, através de meios não concretamente apurados, inscrever-se como trabalhador por conta da sociedade E..., Lda., com efeitos retroagidos a 06/06/2008 e mantendo tal qualificação até 31/12/2008;
43.º - Mais conseguiu o arguido, que fossem declaradas remunerações referentes aos meses de
07/2008 a 12/2008, pelo valor mensal de 19.500,00€ (dezanove mil e quinhentos euros), como se tivessem sido por si auferidas, o que não corresponde à verdade;
44.º - Tais Declarações de Remunerações foram entregues, em suporte papel, nas seguintes datas:
- 07/2008, em 12/08/2008;
- 09/2008, em 14/10/2008;
- 08/2008, 11/2008 e 12/2008, em 07/01/2009;
45.º - Por seu turno, no dia 03/03/2009, o arguido deu entrada no Centro Distrital ... da Segurança Social, com um Certificado de Incapacidade Temporária inicial, relativo ao período de 03/03/2009 a 14/03/2009 (12 dias);
46.º - Depois dessa data de 14/03/2009, foram registados vários Certificados de Incapacidade Temporária de prorrogação, sendo que a situação de alegada incapacidade temporária para o trabalho se prolongou até 12/07/2009;
47.º - O prazo de garantia foi dado pelas remunerações registadas nos meses de Setembro 2008 a Fevereiro de 2009, ou seja, considerando as remunerações registadas por referência à sociedade E...;
48.º - Na concessão inicial, o Subsídio de Doença a atribuir ao arguido AA foi calculado com base nas remunerações declaradas no período de 07/2008 a 12/2008, pela entidade empregadora E...;
49.º - Apesar de terem sido entregues Certificados de Incapacidade Temporária de prorrogação, que prologaram a incapacidade temporária até 12/07/2009, ao arguido foram processadas as prestações referentes ao período de 03/03/2009 a 13/05/2009, sendo que apenas foram efectivamente pagos os valores correspondentes ao período de 03/03/2009 a 13/04/2009, no montante de 14.322,75€ (catorze mil trezentos e vinte e dois euros e setenta e cinco cêntimos);
50.º - Com a conduta acima descrita, totaliza o pagamento pela Segurança Social ao arguido da quantia de 482.649,73€ (subsídio de doença 426.709,11€ + prestações compensatórias 55.940,62€ = 482.649,73€);
51.º - Igualmente o arguido AA, em data não concretamente apurada, mas situada em 2009, conseguiu ser declarado como trabalhador por conta da sociedade B..., Lda., tendo sido requerido em 19/01/2009 e 04/06/2009, a integração na carreira contributiva dos rendimentos de 2004, correspondentes aos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e Maio, pelo valor mensal de 11.000,00€ (onze mil euros) e proporcionais do subsídio de férias e de Natal, no valor de 9.400,00€ (nove mil e quatrocentos euros), apesar de nunca ter exercido qualquer actividade para a B..., Lda.;
52.º - Na concretização da sua decisão, o arguido AA, em data não concretamente apurada, mas situada em Setembro de 2009, também aproveitou a sua relação de confiança com o administrador da F..., Lda., PP e conseguiu ser declarado como trabalhador por conta desta sociedade, no dia 16/09/2009, com efeitos retroagidos a 01/01/2009 e mantendo tal qualificação até 22/07/2010;
53.º - A isto acresce, que o arguido AA foi incluído nas Declarações de Remunerações da F... referentes aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2009 e Julho a Dezembro de 2009. As Declarações de Remunerações respeitantes aos meses 01/2009, 02/2009, 07/2009, 08/2009, 09/2009 e 10/2009, foram todas entregues via DRI, na mesma data, concretamente em 16/11/2009. As remunerações referentes aos meses 11/2009 e 12/2009 foram entregues no prazo legal, ou seja, até 15/12/2009 e 15/01/2010;
54.º - Todavia, o arguido só exerceu para a F..., Lda., em regime de prestação de serviços e desde 2009, a actividade de recuperação dos créditos desta e obtenção de financiamento bancário, para o que foi acordado uma avença mensal de 150,00€;
55.º - Para além disso, o arguido requereu, no dia 23 de Julho de 2010, a atribuição de subsídio de desemprego, alegando extinção do posto de trabalho por iniciativa do empregador, pelo período que falsamente declarou como tendo trabalhado para a F..., Lda.”, o que lhe foi indeferido, por nessa data já estar anulada a qualificação da entidade empregadora F..., bem como, já terem sido anuladas as remunerações falsamente declaradas e assim, consequentemente, o prazo de garantia já não se encontrava preenchido;
56.º- Novamente aproveitando a relação que mantinha com PP, o arguido AA, em data não concretamente apurada, mas situada em 2009, conseguiu, por meios não apurados, ser declarado em 18/09/2009, com efeitos retroagidos a 01/09/2009 e mantendo essa qualificação até 31/05/2010 - data em que aparece registada a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador - como trabalhador por conta da sociedade G..., Lda.;
57.º - Com referência à sociedade G..., o arguido AA foi incluído nas Declarações de Remunerações de Setembro de 2009 a Janeiro de 2010;
58.º - Todavia, o arguido foi somente contratado, em regime de prestação de serviços, para supervisionar a contabilidade da sociedade G..., Lda., auferindo unicamente uma avença de 150,00€;
59.º - O arguido conseguiu, através de meios não concretamente apurados, registar-se como trabalhador por conta de outrem da sociedade I..., SA., e entregar, em suporte papel, uma declaração de remuneração, respeitante ao período de Setembro de 2009, Outubro de 2009, Novembro de 2009 e Dezembro de 2009, pelo valor de 15.000,00€, as quais, porém, não correspondiam a qualquer prestação efectiva de trabalho;
60.º - O arguido AA, solicitou o registo das remunerações alegadamente auferidas como trabalhador por conta de outrem da sociedade H..., pelo valor mensal de 5.000,00€ (cinco mil euros), referentes ao período de Setembro a Dezembro de 2009, o que não veio a ser deferido pelo ISS.;
61.º- Em 06/01/2010, o arguido deu entrada no Centro Distrital ... da Segurança Social, de Certificado de Incapacidade Temporária inicial, referente ao período de 06/01/2010 a 17/01/2010 (12 dias). Depois dessa data, foram registados vários Certificados de Incapacidade Temporária de prorrogação, sendo que a situação de alegada incapacidade temporária para o trabalho se prolongou até 16/06/2010;
62.º - Apesar de inicialmente deferido, o processo foi suspenso para averiguação, tendo mais tarde sido indeferido e, nesta medida, nada foi pago ao arguido relativamente a este processo de doença;
63.º - Do montante recebido pelo arguido, referido no ponto 50º, a quantia de 272.693,65€ (duzentos e setenta e dois mil e seiscentos e noventa e três euros e sessenta e cinco cêntimos), foi indevidamente paga, na medida em que não trabalhou por conta das sociedades pelo período mínimo de seis meses civis, seguidos ou interpolados, nem cumpriu o índice de profissionalidade de 20 dias e a partir de 2005 de 12 dias, com registo de remunerações por trabalho efectivamente prestado no decurso dos quatro meses imediatamente anteriores ao mês que antecede o da data do início da incapacidade temporária para o trabalho;
64.º - O arguido sabia que não lhe era permitido declarar ao Instituto da Segurança Social, que era trabalhador dependente das sociedades A..., Lda., B..., Lda., C..., Lda., D..., SA, E..., Lda., F..., Lda., G..., Lda., H..., SA e I..., SA, porquanto nunca trabalhou nessa qualidade para tais sociedades,facto que não o inibiu de o fazer;
65.º - O arguido actuou sempre na concretização da decisão por si tomada e recebeu da Segurança Social, a título de subsídio de doença, a quantia total de 272.693,65€ (duzentos e setenta e dois mil e seiscentos e noventa e três euros e sessenta e cinco cêntimos), enriquecendo o seu património naquele montante, ao qual não tinha qualquer direito;
66.º - O arguido por si, ou através de outrem não concretamente apurado, declarou na Segurança Social que era trabalhador dependente das sociedades A..., Lda., B..., Lda., C..., Lda., D..., SA, E..., Lda., F..., Lda., G..., Lda., H..., SA e I..., SA e que recebia a respectiva retribuição, ciente que iria determinar, posteriormente, este Instituto, a conceder-lhe um subsídio ou uma qualquer atribuição decorrente da prestação de trabalho, o que aconteceu, sendo que a Segurança Social ficou empobrecida no montante de 272.693,65€ (duzentos e setenta e dois mil e seiscentos e noventa e três euros e sessenta e cinco cêntimos):
67.º - O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
68.º - Em virtude de deduções e devoluções efectuadas, no valor total de 13.383,50€ (treze mil trezentos e oitenta e três euros e cinquenta cêntimos), correspondente à soma de 11.017,50€ e de 2.366,00€, o montante em que o arguido se encontra indevidamente enriquecido e a Segurança Social empobrecida, reportado ao período decorrente entre os anos de 2002 a 2010, ascende a 259.310,15€ (duzentos e cinquenta e nove mil e trezentos e dez euros e quinze cêntimos);
69.º - O arguido tem antecedentes criminais conhecidos, tendo sido julgado e condenado pela prática em 01/09/2009, de um crime de fraude fiscal qualificada, em coautoria, na pena de 6 (seis) meses de prisão, substituída por 180 dias de pena de multa, perfazendo um valor total de 1080,00€ (mil e oitenta euros), por sentença proferida em 21/01/2015, transitada em 11/07/2016, no âmbito do processo comum singular nº 469/10.5TAAMT, do Juízo Local Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia;
70.º - AA cresceu junto do agregado familiar composto pelos progenitores e pelas suas duas irmãs mais novas e até aos seus 26 anos de idade residiu junto deste agregado em habitação arrendada, na freguesia ..., no concelho do Porto;
71.º - A sua mãe era doméstica e o seu pai foi empresário, exercendo funções como sócio gerente das empresas “A..., Lda.” e “J..., Lda” desenvolvendo as suas actividades na área da comercialização de equipamentos agrícolas e tractores;
72.º - Ao longo do seu percurso desenvolvimental o arguido não identificou aspectos que pudessem condicionar o mesmo, cujo ambiente familiar retracta como normativo e securizante;
73.º - Iniciou escolarização em idade regular, apresentando como habilitações literárias a licenciatura em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade ..., sendo o seu percurso escolar, caracterizado pelo mesmo, como investido;
74.º - Com 26 anos de idade (1984) iniciou actividade laboral na “Banco 3...”, no departamento de contencioso, de seguida, em 1988 exerceu funções como director administrativo e financeiro no “Grupo K..., Lda”, até 1992, momento em que iniciou actividade como responsável financeiro na empresa “L..., AA”, na ..., em Angola;
75.º - Em 1995, após falência da empresa atrás referida, desempenhou funções como director financeiro da empresa “M... S.A.” do grupo Cash and Carry, até 1998, tenho nesta data encetado actividade na área da consultoria, como economista;
76.º- De acordo com o referido pelo arguido, em 2003 iniciou funções como director administrativo e financeiro nas empresas “B..., Lda” e “C..., Lda”, posteriormente, em 2008, encetou atividade como diretor financeiro da empresa “F..., Lda”;
77.º - Segundo o arguido, no ano 2010, cessou o exercício de qualquer actividade profissional, devido a um problema de saúde do foro mental, com diagnóstico clínico de depressão major recorrente, sem sintomas psicóticos, com ideação suicida, tendo estado sujeito a acompanhamento psiquiátrico, mencionando que este problema de saúde veio agravar o seu diagnóstico de pancreatite, em consequência do tratamento medicamentoso;
78.º - Em 1984, casou com BB, tendo então o casal, residido em apartamento arrendado, na freguesia ..., até 1989, momento em que foram residir para uma moradia na freguesia ..., propriedade dos sogros do arguido;
79.º - Em 1997, nasceu a única filha do arguido, tendo então a família constituída, no ano de 2001, mudado a sua residência para uma moradia, propriedade dos sogros, na freguesia de Valongo, onde atualmente residem juntos, apesar do casal se ter separado em 2016;
80.º - AA deteve o contexto familiar conforme referido anteriormente até à data da separação, tendo, no entanto, mantido a residência com o ex-cônjuge e filha de ambos, com dinâmica económica partilhada;
81.º - A subsistência do agregado é assegurada pelo valor de 500 € (quinhentos euros) mensais, que o arguido recebe a título de renda da habitação onde este viveu com a sua família de origem, situada na freguesia .... Acresce ainda o valor de 350 € (trezentos e cinquenta euros), que a sogra do arguido aufere a título de pensão de reforma, 320 € (trezentos e vinte euros) que o ex-cônjuge aufere a título de pensão de invalidez e 200 € (duzentos euros) como contributo mensal da sua filha, para a economia comum;
82.º - Como despesas mensais, o arguido indica o valor de 46 € (quarenta e seis euros) a título de renda e 150 € (cinquenta euros) referentes aos serviços de fornecimento de água, electricidade e de telecomunicações, da habitação acima referida, que se encontra arrendada pelo arguido a terceiros;
83.º - Acresce ainda, o valor de 150 € (cento e cinquenta euros) relativos aos serviços de fornecimento de água, electricidade e de telecomunicações, da habitação onde reside e ainda 50 € (cinquenta euros) relativos a medicação;
84.º - Caracteriza a sua situação económica como razoável, verbalizando que a sua inactividade o condiciona a uma gestão apertada dos seus recursos;
85.º - AA refere passar os seus dias por casa, ressalvando o facto de se encontrar na maior parte do tempo deitado na sua cama, em consequência de uma pancreatite crónica, pela qual foi submetido a intervenção cirúrgica em 2016, para retirar a vesícula, de forma a controlar a pancreatite, realizando actualmente tratamento terapêutico medicamentoso, saindo apenas para se deslocar a consultas ao centro de saúde e ao hospital em caso de situações agudas de pancreatite;
86.º - Na comunidade vicinal, o arguido dispõe de uma imagem discreta e respeitosa, não havendo referência a grandes interações por parte deste e do seu agregado para com a restante comunidade;
87.º - AA refere preocupação pelas eventuais repercussões que o presente confronto jurídico-penal possa acarretar na esfera pessoal e familiar, evidenciando capacidade crítica na análise dos acontecimentos descritos nos autos, augurando que o desenvolvimento processual determine e esclareça o seu envolvimento no processo, não prevendo ser condenado;
88.º - A nível familiar, apesar da sua separação ter ocorrido em 2016, continua a residir na mesma habitação do ex-cônjuge, beneficiando de apoio afectivo por parte deste e da sua filha;
89.º - A nível profissional, afirma que este processo não lhe provocou qualquer tipo de dano, pois deixou de trabalhar por questões de saúde;
90.º - Abstractamente, na confrontação com a natureza dos factos subjacentes ao presente processo, o arguido formula juízo de censura, identifica a sua ilicitude, bem como a existência de eventuais danos que podem ser causados a eventuais vítimas;
91.º - O arguido tem evidenciado uma postura colaborante com o sistema de justiça penal, tendo correspondido positivamente no passado, a uma medida de prestação de trabalho em substituição de pena de multa, denotando uma postura de receptividade das obrigações impostas pelo tribunal na eventualidade de ser condenado;
92.º - Parece ter, actualmente, noção da importância da valorização/adopção da norma social e aparenta fazer crítica face aos comportamentos desviantes;
93.º - Em caso de condenação e de compatibilidade da moldura penal em concreto aplicada, com uma medida de execução na comunidade, perspectiva-se a necessidade de considerar a focalização das actividades de reinserção no reconhecimento do desvalor da conduta criminal e ajustamento dos padrões de conduta à legalidade penal;
94.º - AA refere que mantém residência em habitação propriedade da ex-sogra, localizada na Rua ..., ... Valongo, juntamente com esta e com BB, de quem se encontra separado de facto. A filha de ambos, que anteriormente residia com estes, autonomizou-se em Agosto de 2023;
95.º - O arguido fundamenta este enquadramento residencial por motivos de doença prolongada de que padece, dispondo de apoio em caso de crises e internamento hospitalar;
96.º -AA menciona deter como rendimentos, o valor de 500€ mensais, decorrente do arrendamento de dois quartos do apartamento com morada na Rua ..., nº ..., 2º dto., ..., ... Porto;
Como despesas, relativamente à habitação atrás referida são identificados os gastos de 46€ mensais com a renda e 159€ em gastos com o serviço de fornecimento de energia eléctrica, de água e de telecomunicações. Relativamente à habitação de Valongo, local onde o arguido diz residir, são descritos os gastos no valor 192€ mensais, com o serviço de fornecimento de energia eléctrica, de água e de telecomunicações, despesas estas asseguradas por BB e pela progenitora desta;
O arguido refere ainda o gasto de 50€ mensais com medicação e menciona contribuir com 300€ mensais, em alimentação, para o agregado onde se insere;
De acordo com os documentos facultados, BB e a progenitora desta obtiveram como rendimentos, no ano de 2022, respectivamente, os valores de 5284.39€ e 5679.89€;
O arguido descreve a sua situação económica como difícil, perspectivando obter a pensão de reforma no final do presente ano de 2024.
Com interesse para a decisão da causa não existem.
Da acusação, do pedido de indemnização civil e da contestação não se consideram provados todos os factos que estão em contradição com a factualidade assente, designadamente não se provou que a relação do arguido com as sociedades A..., Lda.; B..., Lda.; D..., S.A.; C..., Lda; E..., Lda.; H..., S.A, F..., Lda e G..., Lda., era laboral, marcada pela subordinação e pelo poder de direcção das entidades empregadoras com a existência de contratos de trabalho sem termo, com meios por estas disponibilizados, no horário por estas e imposto.
O artº 374º do C.P.P., no seu nº2, determina, além do mais, que a fundamentação da sentença contenha a enumeração dos factos provados e não provados, que serão, como resulta do artº 368º nº2 do mesmo código, apenas os que, sendo relevantes para a decisão, estejam descritos na acusação, ou na pronúncia, tenham sido alegados na contestação, ou que resultem da discussão da causa.
A convicção é formada, não em obediência a regras preestabelecidas, a quadros, critérios ou ditames impostos por lei, mas sim através da influência que as provas produzidas exerceram no espírito do julgador, após as ter apreciado e avaliado, segundo critérios de valoração racional e lógica, e com apelo à sua experiência, sendo que, neste aspecto particular, não pode deixar de se dar relevância à percepção directa que a imediação e oralidade conferem ao julgador.
Na verdade, o juízo acerca da verificação ou não de um determinado facto não assenta, como é lógico, num acto de fé, mas sim num procedimento baseado em juízos racionais, onde se procura reconstituir o facto histórico, sem que se deixe cair na fácil consideração da veracidade dos depoimentos em função da concordância dos mesmos usando a razão como instrumento e não podendo deixar de lançar mão das mais elementares regras de experiência de vida e de senso comum, que não podem deixar de nortear quem julga.
Assim tendo em mente o sobredito, de forma relevante e consistente, a factualidade dada por assente atinente à identificação das pessoas colectivas referidas na acusação, teve suporte o teor da certidão junta aos autos de fls. 65 a 70 e de fls. 132 a 133 (quanto à A..., Lda.); de fls. 2284 a 2287 (quanto à sociedade B..., Lda.); de fls. 1576 a 1578 (quanto à sociedade C..., Lda.); de fls.1579 a 1582 e 1841 e 1842 (quanto à D..., S.A.); de fls. 185 a 195 e de fls. 623 a 625, para além do depoimento da testemunha PP (quanto à sociedade E..., Lda.); de fls. 1590 a 1591 (quanto à sociedade F... Lda.); de fls. 1604 a 1612 (quanto à sociedade G..., Lda.); de fls. 1566 a 1574 (quanto à sociedade H..., S.A); de fls. 3020 a 3022 (quanto à sociedade I..., S.A).
Foram analisados e considerados os documentos de fls. 2293 a 2310 (declarações de remunerações correspondentes aos períodos de 03/2002 a 10/2002, nas quais consta o nome do arguido enquanto funcionário da A... Lda. – pontos 13º a 14); documentos de fls. 1309 a 1313 (cópias dos certificados de incapacidade para o trabalho em nome do arguido referente ao período de 26/11/2002 a 05/07/2003) ponto 16; documentos de fls. 1493 e 1494 (comprovativo dos pagamentos efectuados entre 10/02/2003 a 02/07/2003, através de carta cheque) - ponto 18º; documento de fls. 54 referente às declarações de remunerações quanto à sociedade C... (ponto 20) e de fls. 2374/76 e de fls. 51/2, quanto às declarações de remunerações do arguido enquanto trabalhador da sociedade A... (ponto 21º); documentos de fls. 1314 a 1321 (referentes aos certificados de incapacidade para o trabalho no período de 26 de Maio de 2004 a 2 de Janeiro de 2005 (ponto 22); documento de fls. 1323, 1457 a 1464, de fls. 2943 e de fls. 1491/2, relativamente aos factos dados por assentes sob os pontos 23 a 26, para além do depoimento prestado pela testemunha QQ, Inspectora da Segurança Social, que acompanhou de perto a investigação que conduziu aos presentes autos, revelando efectivo conhecimento dos factos relativamente aos quais se pronunciou, o que fez com segurança, isenção, e, como tal, merecedores de toda a credibilidade, na medida em que explicou o modo como foram alcançados os montantes em questão.
Os valores pagos a título de prestações compensatórias referidos nos pontos 27º e 28, basearam-se no teor do documento junto a fls. 2943, e de fls. 3057 e 3118, igualmente confirmados pelo teor do depoimento da testemunha QQ.
Assim e relativamente à A... Lda., para além dos documentos acima referidos, considera o tribunal não se ter feito prova cabal de que o arguido, no período descrito na acusação, entre 15 de Abril a 15 de Setembro de 2002, fosse trabalhador por conta da referida sociedade e isto porque a testemunha QQ, afirmou que esta sociedade deixou de laborar em 1997 (afirmação não infirmada por qualquer outra testemunha nem pelo arguido); a testemunha RR, única testemunha indicada pela acusação que trabalhou na A... e que embora revelasse estar esquecido das datas, acabou por assegurar que a A... deixou de laborar durante o primeiro semestre de 2002, pelo que e considerando as datas das últimas declarações de remunerações entregues com o nome do arguido, que vão até Setembro de 2002 e a circunstância de o valor atribuído a título de subsídio de doença ter considerado as declarações de remunerações referentes ao período de Março a Agosto de 2002, para se concluir que o arguido não podia prestar serviço para uma entidade que não laborasse. O depoimento da testemunha AA não teve a virtualidade de provar que o arguido era trabalhador por conta desta sociedade no período em questão, na medida em que não soube precisar qualquer data, afirmou que o arguido era escriturário, mas sem localizar no tempo, afirmando não ter presente o nome da empresa para a qual trabalhou, como também não teve o depoimento da testemunha SS, pois na verdade esta testemunha sabia apenas que o arguido era filho dos proprietários de empresas para as quais trabalhou, incluindo a A... afirmando em tribunal que aceitou figurar como accionista numa empresa chamada “D...”, ignorando a que se dedicava, porque o arguido lho pediu, o que aceitou por ter confiança no mesmo, confiança que a levava a assinar as actas que este lhe exibia, revelando que a sua razão de ciência para afirmar que o arguido era director financeiro desta empresa, reside apenas na circunstância de lhe levar e pedir para assinar as actas, testemunha com quem o arguido teria uma especial relação de confiança, tendo em 2007, aberto uma conta conjunta no Banco 1..., como resulta dos documentos juntos aos autos de fls. 3037. Acresce ainda a curiosidade de o arguido ter declarado junto da Segurança Social auferir nesta sociedade, no período compreendido entre Março a Agosto de 2002, simultaneamente dois salários de 2.500,00€ e 1.700,00€, como se retira concretamente de fls. 2291 a 2300 e de fls. 2302 a 2310.
No que diz respeito ao vertido no ponto 29º, relativamente à sociedade “D...”, o tribunal teve em consideração o teor dos documentos – extractos de declarações de remunerações da sociedade “D...”, referente aos meses de Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2005 e Fevereiro de 2006, nas quais não consta o nome do arguido enquanto funcionário da referida sociedade, o que resulta dos documentos juntos aos autos de fls. 2543, 2551, 2557, 2559, 2565, 2571, 2575, 2583, 2587, 2593, 2599 e 2607. Foi igualmente considerado o depoimento das testemunhas QQ e TT. A primeira, na medida em que confirmou os períodos em que o arguido declarou o seu início de actividade, em Março de 2005, mas por reporte ao dia 1 de Janeiro de 2005, circunstância que se realça, pois o arguido por um lado, declara ter iniciado o seu vínculo laboral à sociedade D... em 1 de Janeiro de 2005, quando junta um certificado de incapacidade para o trabalho que termina no dia 2 de Janeiro de 2005 (como resulta do documento junto aos autos de fls. 1314 a 1321) e a segunda na medida em que afirmou que pese embora esta sociedade laborasse, apresentasse facturação a mesma não procedeu à entrega do Anexo J, modelo 10 e a declaração de rendimentos entregue pelo arguido não tem correspondência com o valor da remuneração constante das declarações de remunerações entregues. A tudo acresce que um rendimento mensal na ordem dos 9.500,00 €, não pode deixar de ser considerada como uma remuneração absolutamente majestosa para exercer as funções de economista ou de TOC, manifesta e claramente desajustada com os salários médios auferidos na época e actualmente, para o exercício de tais funções em Portugal, tendo-se assim considerado que o mesmo prestou ocasionais serviços de contabilidade para esta empresa em virtude dos depoimentos da testemunha HH, cujo depoimento se analisará na parte relativa á sociedade C... Lda. Os documentos juntos aos autos de fls. 1265 a 1280, comprovam o pedido efectuado pelo arguido para pagamento de prestações compensatórias enquanto trabalhador desta sociedade e da C.... Mais se atendeu ao depoimento da testemunha UU, funcionária da “D...” durante dois anos, até Maio de 2006, exercendo funções de gestão administrativa e facturação, na medida em que do mesmo se retira que o arguido, indo apenas duas vezes por semana ao escritório da sociedade, não fazendo parte do mapa de trabalhadores não poderia estar relacionado com esta sociedade como trabalhador dependente, para além da dimensão do salário declarado como auferido não ter qualquer equiparação com o salário que a testemunha indicou como o médio. A tudo acresce que ficou o tribunal convicto de que o arguido logrou inscrever-se como trabalhador por conta desta sociedade, com a intervenção da testemunha OO, a quem o arguido pediu para ser accionista desta sociedade, uma accionista de fachada que assinava, como a própria o afirmou, toda a documentação que o arguido lhe apresentava, ignorando o seu conteúdo.
A factualidade assente e constante do pontos 30º e 31º, decorreu do teor dos documentos de fls. 749 e 750, de fls. 1848 a 1859 e de fls. 2534 a 2613 e ainda de fls. 1465 a 1469.
Relativamente ao que veio a ser dado como provado no ponto 32º, declaração de remunerações auferidas pelo arguido enquanto trabalhador da sociedade C..., foram considerados os documentos constantes de fls. 1784 a 1786, 2799 a 2809. Da análise dos documentos de fls. 2408 a 2485, retira-se claramente que o arguido no período em que declarou ter sido trabalhador por conta desta empresa, não constava na lista de trabalhadores identificados na Segurança Social. Foi igualmente ponderado e particularmente considerado o depoimento prestado pela Inspectora TT, a qual revelou conhecimento investigatório no que a esta sociedade diz respeito. Assim, e como expressamente referido pela Sra. Inspectora, cuja fiabilidade e exactidão do dito, não foi posto em causa nem contraditado por qualquer outra prova exibida, trata-se de uma empresa que laborou até 2006 (a última declaração de IVA, reporta-se ao 3º trimestre de 2006), a última declaração de IRC reporta-se ao ano de 2005, não tendo sido apresentada declaração respeitante ao ano de 2004, esta sociedade não teria, desde logo, capacidade económica e financeira para pagar mensalmente ao arguido, enquanto TOC, a quantia mensal de 4.500,00€ de Setembro de 2003 a Abril de 2004 e a quantia de 10.000,00€ respeitante ao período de Fevereiro de 2005 a Maio de 2006. Por outro lado, apesar de o arguido ter entregue em papel, as declarações de remunerações supra referidas, o mesmo não declarou auferir tais rendimento em sede de declaração de IRS, rendimentos que nem os próprios gerentes de então declaravam. A tudo acresce a generosidade das remunerações declaradas auferidas e o modo como as referidas declarações foram feitas chegar ao Instituto de Segurança Social, por duas vezes, ou seja, em 18 de Maio de 2004, respeitante ao período de Setembro de 2003 a Abril de 2004, declarando-se um vencimento mensal de 4.500,00€ e em 31 de Outubro de 2007, respeitante ao período compreendido entre Janeiro de 2005 a 28 de Maio de 2006, onde consta um rendimento mensal de 10.000,00€. Foi igualmente relevante o depoimento prestado pela testemunha VV, funcionária da C... entre, sensivelmente, 1996 e 2009 (datas obtidas fazendo a operação dos anos em que a testemunha disse ter trabalhado e os anos que deixou de trabalhar), na medida em que afirmou desconhecer o arguido, o que se afigura estranho dado coincidir com o período de tempo em que foram apresentadas as folhas de remunerações do arguido enquanto trabalhador da referida sociedade (Setembro de 2003 a Abril de 2004 e Fevereiro de 2005 a Maio de 2006) e não se tratando de uma sociedade, como se disse, de grandes dimensões, cerca de 6 trabalhadores, natural seria que todos os trabalhadores se conhecessem. O depoimento da testemunha HH, então gerente da C..., contribuiu igualmente para a factualidade dada por assente porquanto afirmou que a C... não tinha escritório próprio, partilhando o espeço com a “D...”, sendo ambas as sociedades geridas pela sua irmã, FF e nessa medida, tendo o arguido, como o próprio o não negou, declarado que, simultaneamente, trabalhou para estas duas sociedades, pertencentes à mesma pessoa, com actividades que se complementam (a C... abatia porcos e a D... procedia ao desmanche e fazia fumeiro), entre Fevereiro de 2005 e Maio de 2006, auferindo 10.000,00€ e 9.500,00€ em cada uma delas, valores que só por si não podem deixar de causar estranheza e levar a concluir que empresas com o capital social e dimensão em questão (como apurado através da prova produzida e expressamente referida) nunca poderiam pagar a um economista, a um contabilista tais montantes mensais, quando, como afirmou a aludida testemunha, o próprio saiu da C... porque os salários não lhe eram pagos e mesmo a gerente, não ostentava quaisquer sinais exteriores de riqueza. Assim e a circunstância de a referida testemunha ter dito conhecer o arguido porque fazia a contabilidade da D... e via, por vezes, o carro deste estacionado junto do escritório, quando ali se deslocava uma vez por semana a fim de entregar papelada, acrescido dos motivos que se referiram, não faz de todo o arguido trabalhador dependente desta sociedade.
Quanto aos certificados de incapacidade para o trabalho entregues pelo arguido e s cálculos das remunerações a considerar na atribuição do subsídio de doença, constantes dos pontos 33º a 36º, têm respaldo nos documentos de fls. 1332 a 1357; de fls. 1369 a 1475.
Os valores referidos nos pontos 37º a 41º, estão suportados pelo teor dos documentos de fls. 3053 (informações bancárias do Banco 1...) e documentos de fls. 1489 a 1491 e de fls. 2943, cujos montantes foram confirmados pela testemunha QQ, a qual teve o cuidado de explicar que os dados constantes em todos os quadros que elaborou foram retirados das informações constantes do sistema informático e informações fornecidas pela área financeira.
A factualidade dada como provada e constante dos pontos 42º a 44º, respeitante à E... Lda. decorreu, designadamente do teor dos documentos de fls. 2620 a 2632, relativamente aos meses de Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2008; do depoimento da Inspectora QQ, na medida em que informou o tribunal que o arguido entregou a sua inscrição enquanto trabalhador desta sociedade em Setembro de 2008, mas com efeitos retroagidos a Junho de 2008, altura em que esta sociedade já não gerava actividade, depoimento complementado com o da Inspectora TT, que concretizou que o término da actividade ocorreu em Dezembro de 2007, as instalações estavam fechadas, o gás cortado. No ano de 2008 não há notícia de declarações de IVA, não há trabalhadores inscritos e apesar de todas estas circunstâncias, chega ao Instituto de Segurança Social declarações de remunerações em suporte de papel nas quais consta que o arguido auferia o vencimento mensal no montante de 19.500,00€, circunstância que, julgamos, sem necessidade de grande esforço interpretativo, leva à conclusão de que o arguido não podia auferir tal quantia mensal, durante um período que totaliza curiosamente 6 meses. Diz-se curiosamente porque analisando todas as declarações de remunerações constantes na factualidade assente respeitante às várias empresas, têm um traço em comum, remunerações objectivamente elevadas e por períodos de alegado trabalho que rondam sempre os 6 meses. Verifica-se ainda, da análise dos documentos também juntos aos autos de fls. 1835 a 1836 e de fls. 1849 a 1859, correspondente a cópias de declarações de rendimentos dos demais trabalhadores, que os demais salários declarados não têm qualquer semelhança com o salário que o arguido declarou auferir, por este ser manifestamente superior. A inscrição como trabalhador por conta da sociedade “E...”, poderá respaldar-se na curta passagem da testemunha PP, pela gerência desta sociedade, durante a qual, como o próprio afirmou, assinou vários documentos, como cheques, a pedido da D. FF, letras e outros documentos que lhe eram exibidos pelo arguido, os quais pela relação de confiança que tinha com o mesmo, não lia atentamente confiando, o que aconteceu designadamente com os documentos juntos aos autos a fls. 3379; com o designado contrato de trabalho junto aos autos a fls. 3382 (verso) e 3383, assinado em 19 de Maio de 2008 (data em que esta sociedade já não laborava).
Os documentos de fls. 1358 a 1362, comprovam os certificados de incapacidade temporária para o trabalho do arguido entre 03/03/2009 e 14/03/2009 (pontos 45 a 47) e o montante constante e referido no ponto 49º, atendeu ao teor do documento de fls. 1226 a 1233, montante confirmado pelo depoimento da testemunha QQ. Relativamente ao cálculo do valor a atribuir a título de subsídio de doença foram considerados os documentos de fls. 1476 a 1484.
Relativamente aos factos considerados por provados no ponto 51º e 52º, ou seja relativamente à sociedade B... Lda., teve-se em consideração o teor dos documentos de fls.1948 a 1950, correspondentes a declarações de remunerações de funcionários em nome da sociedade “B...”, relativos a Janeiro de 2004, nas quais não consta o nome do arguido e de fls. 2509 a 2512, 2516 a 2519, correspondentes a uma pesquisa efectuada pelo ISS quanto aos trabalhadores declarados pela referida sociedade. Foi igualmente considerado o depoimento da testemunha QQ a qual salientou a circunstância. que não pode passar desapercebida e deixar de ser valorada pelo tribunal, de o arguido em 2009 dar entrada de um requerimento na Segurança Social, a solicitar a sua qualificação como trabalhador desta sociedade reportada ao ano de 2004, com o rendimento de 11.000,00€. Tal afirmação foi corroborada e pormenorizada pelo depoimento da testemunha TT, acrescentando que o mesmo apresentou ter tido um ganho de 55.000,00€ (correspondente a 5 meses, Janeiro a Maio de 2004), o que objectivamente não permite crer que o arguido tivesse efectivamente auferido, enquanto trabalhador pela conta de outrem, a quantia mensal de 11.000,00€, remuneração paga por uma sociedade que cessou a actividade no ano de 2004, por uma sociedade cuja última declaração de IRC remonta a 2003 e o último trabalhador inscrito reporta a Janeiro de 2004 (que não o arguido). A tudo acresce o facto de no processo de insolvência desta sociedade, ter ficado assente que o arguido efectivamente colaborou com esta sociedade, não enquanto trabalhador com um vínculo laboral, mas como prestador de serviços auferindo uma avença no valor de 150,00€ (afirmação suportado no teor dos documentos juntos aos autos de fls. 1874 a 1881).
Os factos constantes dos pontos 52º a 55º, referentes à sociedade F... Lda., para além do que se irá referir, teve em consideração o teor dos documentos de fls. 2633, 2646 a 2661 e de fls. 1101 (correspondente a um, recibo de vencimento respeitante ao mês de Dezembro de 2009). Especificamente apurou-se, também, mas não só, suportado no depoimento das Inspectoras ouvidas, que o arguido em Setembro de 2009 solicitou, por reporte, ao mês de Janeiro de 2009, a sua inscrição, consideração enquanto trabalhador da sociedade em referência, com a curiosidade de na folha de remunerações entregue, constar o nome do arguido como o único trabalhador. Uma vez mais se considerou o depoimento da testemunha TT, porquanto afirmou que esta sociedade não tinha qualquer actividade desde o final do ano de 2007 (o que disse ter constatado através de uma ida ao local que figurava como sede). Assim e se esta sociedade não tinha actividade desde o final do ano de 2007, não teria rendimentos para pagar a um trabalhador a quantia mensal de 5.000,00€, não deixando de servir de base de comparação o rendimento que os então gerentes desta sociedade declararam auferir. Importou o depoimento prestado pela testemunha PP, sócio desta sociedade e da sociedade G... Lda., o qual de forma clara e peremptória e considerada absolutamente credível, afirmou que o arguido nunca trabalhou com vínculo laboral para qualquer umas das empresas referidas na factualidade assente e das quais era sócio e gerente, afirmando todavia que o conhecia através de uma empresa de WW a quem fornecia equipamentos e que lhe prestava esporadicamente auxílio de consultor fiscal, pagando-lhe, com carácter não regular, 150,00€ por mês. Aliás referiu que a F... Lda., tinha uma empresa de contabilidade. Também e no que toca à solicitação de atribuição de subsídio de desemprego, que não veio a ser atribuído, atesta o documento junto aos autos a fls. 1101 (verso). Foi igualmente atendido o depoimento da testemunha XX, a qual, entre 2001 a Fevereiro, ou Março de 2012, trabalhou nas sociedades F... e G... e cujo depoimento, considerado absolutamente isento e credível, igualmente contribuiu para a conclusão de que o arguido não auferia, nem nunca foi trabalhador subordinado da F..., na medida em que afirmou que o arguido se encontrava com o Sr. PP para o ajudar, o que fazia habitualmente da parte da manhã e que foi incluído nas folhas de remunerações apenas para efeitos de “descontos”, pois o mesmo trabalharia em regime de avença por 150,00€ mensais.
No que diz respeito aos factos dados por provados e vertidos nos pontos 56º a 58º, respeitante à sociedade G..., Lda., fundaram-se, designadamente no teor dos documentos de fls. 2662, 2682, 2684, 2686, 2688, 2690 e fls.2694, a par do depoimento prestado pela testemunha acima referida PP; documentos de fls. 62, 151 a 156, do Anexo C, relativamente ao ponto 58º, a par da matéria de facto fixada e transitada no âmbito do processo de insolvência que correu termos no então 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, processo nº 573/11.2TYVNG, junta aos autos de fls. 630 a 637. Foi igualmente relevante o depoimento prestado pela testemunha YY, porquanto, de forma julgada isenta e como tal, credível, afirmou ter exercido as funções de técnico oficial de contas desta sociedade entre 2009 a 2011 e nessa qualidade disse que a sociedade tinha dificuldades financeiras, que não tinha capacidade para pagar uma remuneração mensal de 2.500,00€, para além de nunca ter visto qualquer documento que comprovasse tal pagamento mensal ao aqui arguido, afirmando todavia que o arguido prestava serviços para o sócio gerente, deslocando-se à empresa alguns dias à semana, sendo pago por tais serviços a recibos verdes, no montante entre 200,00€ a 150,00€, afirmações que estão de acordo com as prestadas pela testemunha PP.
Quanto à intervenção do arguido na sociedade I..., S.A., teve-se em consideração o teor de fls. 2697 a 2700, correspondente a uma pesquisa de trabalhadores inscritos entre 1997 a Setembro de 2008, onde não consta o nome do arguido enquanto trabalhador da referida sociedade a par da pesquisa efectuada quanto à declaração de remunerações desde Junho de 2003 a Dezembro de 2009, na qual é absolutamente notória a discrepância entre o valor da remuneração alegadamente recebida pelo arguido relativamente às demais (fls. 2706 a 2719).
Foram igualmente considerados os depoimentos das Inspectoras QQ e TT, na medida em que afirmaram que apenas foi encontrada uma declaração de remuneração relativa ao mês de Setembro de 2009, entregue em papel (fls. 2720) onde constava a remuneração do arguido no valor de 15.000,00€, respeitante aos meses de Setembro a Dezembro de 2009, sendo certo que esta sociedade não tinha registo de actividade desde Setembro de 2008.
Quanto à sociedade H... S.A., como se retira de fls.2695, o nome do arguido não consta na pesquisa de trabalhadores desta sociedade. Mais se atendeu ao teor dos documentos de fls. 1931 a 1932 (frente e verso) e fls. 1933, a par do depoimento prestado pela Inspectora QQ.
Os documentos de fls. 1363 a 1368, atestam os certificados de incapacidade temporária apresentados pelo arguido, entre 06/01/2010 e 16/06/2010, referidos no ponto 61º. Pelos motivos que se vêm de expor, o tribunal ficou convictamente convencido de que o arguido nunca teve qualquer vínculo laboral com qualquer uma das sociedades identificadas na factualidade assente, não auferia as quantias que declarou auferir (repare-se que a crer nas declarações de remunerações apresentadas pelo arguido este, era simultâneamente trabalhador nas sociedades C... e D..., nos meses de Fevereiro de 2005 a Maio de 2006, recebendo nesses meses, das duas sociedades, uma remuneração mensal que ascende a 19.500,00€, montante manifestamente inverosímil face à dimensão das aludidas sociedades e aos salários médios pagos em Portugal, para além de não indicados na declaração de rendimentos do arguido, aliado à circunstância de sempre ter cuidado de declarar laborar nas sociedades em questão, pelo período mínimo e necessário para poder vir a beneficiar do subsídio de doença, calculado naturalmente em função dos valores remuneratórios declarados. A circunstância de o arguido ter logrado incluir-se das declarações remuneratórias enviadas à Segurança Social, explica-se não só pelo facto de muitas de tais declarações serem manuscritas, pelo facto de todas as sociedades relativamente às quais afirmou estar relacionado com um vínculo contratual de trabalho, terem os mesmos sócios, FF, NN (ao que se apurou companheiro da primeira) e PP, o qual testemunhou nos termos acima aludidos. Na verdade, as testemunhas indicadas pelo arguido, ZZ e mulher AAA, tiveram a virtualidade de atestar que o arguido lhes pediu, a fim de alegadamente salvaguardar o próprio salário, para participarem num negócio de compra e venda simulado, nada afirmando em concreto que permita atestar que o arguido foi trabalhador dependente quer da D... quer da H..., sociedades a que os mesmos se referiram. Aliás tais depoimentos a par do depoimento da testemunha SS, supra mencionado, fizeram crer ao tribunal que o arguido foi lançando mão de vários expedientes a fim de alcançar os seus objectivos, perfil que se encaixa perfeitamente na sua conduta dada como provada.
As demais testemunhas indicadas pelo arguido, BBB, CCC e DDD, para além da já acima referida testemunha AA, não revelaram ter razão de ciência susceptível de corroborar as afirmações efetuadas pelo arguido na sua contestação, não infirmando a factualidade imputada ao arguido e dada por assente.
Relativamente ao montante considerado como indevidamente recebido pelo arguido e indevidamente pago pelo ISS, o mesmo teve em consideração o depoimento da testemunha EEE, directora financeira do ISS do Porto, na medida em que explicitou o montante que, no cômputo dos valores pagos ao arguido que afirmou ascender a 482.086,40 €, foi indevidamente pago ao arguido e que ainda não foi restituído.
Quanto à consciência da ilicitude levada à matéria de facto, a mesma consiste numa consciência (numa percepção) ainda que genérica e difusa, de que a conduta é ilícita, por contrária à Ordem Jurídica, não sendo exigível – o que é unânime na Jurisprudência e na Doutrina – que o agente tenha um conhecimento exacto e preciso das normas incriminadoras. Trata-se, assim, de um facto não susceptível de prova directa (é um facto imaterial, respeitante à mente ou ao intelecto), o que se aplica ao arguido. In casu, não vislumbramos que tenha sequer sido alegado na acusação deduzida, ou resultado da prova efetuada pela defesa (uma vez que o arguido optou pelo direito ao silêncio, otando por calar a sua verdade), factos dos quais se retire aquele “quadro de uma solicitação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”, a invocar o crime continuado (suscitado pela defesa em alegações) ou que a cada facto presidiu um outro desígnio distinto, do inicial, atento o tempo que se interpôs entre os atos que concretizam o plano do arguido. De resto, o crime continuado pressupõe várias resoluções criminosas ou, pelo menos, a renovação da resolução inicial, logo mais do que uma, perante as solicitações externas exercidas sobre o agente. Com efeito, haverá unidade de resolução quando se puder concluir que os vários actos são o resultado de um só processo de deliberação, sem serem determinados por nova motivação. Ora, dos factos provados não resulta qualquer renovação do provado dolo inicial pelo arguido, nem resulta a existência de quaisquer circunstâncias exteriores que tenham facilitado a repetição dos actos criminosos, por forma a diminuir a culpa do agente. Pelo contrário, provou-se por parte do arguido um só desígnio criminoso e, portanto, o crime há-de ser único, cujos actos foram a concretização daquele desígnio, resolução ou plano inicial.
Os factos atinentes à sua situação pessoal fundaram-se no relatório social acima referido e os seus antecedentes criminais no teor do certificado do registo criminal junto aos autos sob a referência nº 32406525, em 30/05/2022.
Quanto à factualidade dada como não provada constante da contestação, para além do exposto, os argumentos invocados pelo arguido em sede de contestação, designadamente a circunstância de ter reclamado créditos laborais em processos de insolvência da E..., no processo nº 641/09.0TYVNG que correu os seus termos pelo Tribunal de Vila Nova de Gaia, tendo depois sido transferido para o Tribunal de Vila Nova de Famalicão; da D..., S.A., no processo n.º 2813/06.0TJVNF que correu os seus termos pelo Tribunal de Santo Tirso e da B..., Lda., no processo n.º 2917/04.4TJVNF que correu os seus termos pelo Tribunal de Vila Nova de Famalicão e bem assim ter intentado uma acção declarativa para cobrança de créditos laborais contra o Dr. NN, acção essa correspondente ao Processo nº 63/09.3TBVNC que correu os seus termos pelo Tribunal Judicial de Vila Nova de Cerveira, não constituem, nem têm a virtualidade de constituir, qualquer prova cabal de que foi funcionário dessas sociedades, auferindo o valor mensal que indicou, não sendo susceptível de infirmar a prova produzida. Os factos constantes da acusação não especificamente mencionados não foram considerados relevantes para a decisão da causa”.
Com o requerimento de interposição de recurso o arguido recorrente veio juntar cinco documentos relativos ao arrendamento a cuja renda de 500 euros se reporta, um deles datado de 23.12.2011 (doc1) e os demais de maio e junho de 2004.
Ora, estes documentos não podem ser atendidos porquanto a função do recurso é apenas e tão-só a de permitir uma reação dos interessados contra decisões que tenham efetuado uma errada apreciação da prova, que padeçam de erro de direito ou que por qualquer outra forma lesem os direitos do recorrente.
Nessa medida, o objecto do recurso tem como limite inultrapassável o próprio objecto da decisão recorrida e os elementos de prova em que aquela se baseou, não podendo ser admitidos em recurso meios de prova não submetidos à apreciação do tribunal a quo.
Ora, a Constituição (maxime, artigo 32º n.º 1), se assegura o direito ao recurso, deixa, no entanto, ao legislador ordinário uma margem de livre conformação na regulação do recurso, não impondo, de modo algum, que esta se traduza na permissão de um segundo julgamento da questão decidida em 1ª instância.
Nesta lógica se compreende, sem vício de inconstitucionalidade (Ac. n.º 392/2003 do TC), a proibição de junção de documentos supervenientes com vista a alterar a matéria de facto dada como provada em 1ª instância.»
Como se escreveu no Ac. TC n.º 90/2013, «o direito ao recurso constitucionalmente garantido não exige que o controlo efetuado pelo tribunal superior se traduza num julgamento ex-novo da matéria de facto, com direito à produção de novos meios de prova, designadamente os supervenientes, podendo esse controlo limitar-se a aferir se a instância recorrida não cometeu um error in judicando, face às provas produzidas na l.ª instância.
Isto não quer dizer que a existência de novas provas não deva ser passível de utilização pelo arguido, de forma a que sejam assegurados, na plenitude, os seus direitos de defesa. Mas o mecanismo processual que possibilite essa utilização não passa necessariamente pela consagração do direito de solicitar a um tribunal de segunda instância, que está a decidir sobre a procedência de um recurso ordinário, que analise e pondere, em primeira mão, essas provas supervenientes ao julgamento em primeira instância.
O nosso sistema processual penal prevê desde logo um expediente, no artigo 449.º do Código de Processo Penal (recurso extraordinário), que no seu n.º 1, d), admite a revisão da sentença transitada em julgado quando “se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si, ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.»
No mesmo sentido, o ac ACÓRDÃO TC Nº 289/2020, julgou não “inconstitucional o n.º 1 do artigo 165.º do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que, em sede de recurso para a relação que abrange a matéria de facto, é extemporânea e como tal inadmissível a junção de documentos considerados pela defesa como essenciais e imprescindíveis para aferir da justeza da condenação que tenham sido produzidos e conhecidos pelo recorrente somente depois da decisão da primeira instância ou após a interposição do recurso, quando tais documentos, objetivamente considerados, comportam apenas uma outra valoração de situações já objeto de perícias ordenadas pelo tribunal de primeira instância”.
No caso concreto, não só os documentos em causa não são supervenientes ao encerramento da produção da prova na audiência de julgamento do acórdão recorrido, como a matéria relevante a que respeitam, recebimento da renda pelo arguido, não constituía ao tempo facto novo relevante, posto que conhecido no anterior acórdão recorrido.
Não se admite, pois, a requerida junção de documentos.
O arguido veio invocar, nos termos do art.379.º, n.º1, alínea c), do Código Processo Penal, a nulidade da sentença, por excesso de pronúncia.
Concretamente, o arguido recorrente concluiu o seguinte:
“ X. Incorre assim em (…) excesso de pronuncia o segmento decisório onde o Tribunal a quo sentencia que “Efectuado o supra mencionado juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do arguido, ponderando o montante a pagar, o valor dos rendimentos auferidos e o montante dos seus encargos fixos, por um lado, e, a circunstância de se desconhecer se é titular de mais qualquer outro bem de fortuna, por outro, não se mostra que a exigência de que pague a quantia fixada no prazo estabelecido resulte, por ora, de impossível cumprimento, até porque tem um apartamento onde arrenda dois quartos”.
1 - É nula a sentença:
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
A nulidade por excesso de pronúncia verifica-se quando o tribunal conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento.
O excesso de pronúncia, que determina a nulidade da sentença, incidem sobre as questões e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelos sujeitos processuais em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal.
Por questão entende-se o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão.
A determinação do montante razoável a pagar como condição da suspensão da execução da pena de prisão era precisamente a questão a conhecer pelo novo acórdão recorrido da primeira instância.
O argumento da propriedade ou não do prédio pelo arguido e os (não) rendimentos a ele associados são os motivos que o recorrente invoca para censurar o conhecimento daquela questão, que o tribunal a quo podia e devia conhecer, sobre o juízo de prognose sobre a razoabilidade do quantum a pagar para satisfação daquela condição.
Pelo exposto, improcede nesta parte o recurso relativo à arguição de nulidade por excesso de pronuncia.
O recorrente veio invocar a existência de vício de insuficiência para a matéria de facto e erro notório na apreciação da prova do artigo 410.º, n.º 2 alíneas a) e c) do Código de Processo Penal.
Da insuficiência da matéria de facto para a decisão
Invoca o arguido que os factos dados como provados não são bastantes para alicerçar o juízo de prognose sobre a razoabilidade do montante a pagar, que entende desproporcionado, como condição de suspensão da execução da pena de prisão.
O vício previsto no art.410º, nº 2, al. a), ocorre quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito alcançada na decisão e sempre que o tribunal, podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto contida no objeto do processo e com relevo para a decisão final.
O conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa pois que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena.
Deste modo, a insuficiência em causa neste vício decisório reporta-se aos factos indispensáveis para a decisão de direito, daí que o vício se considere demonstrado quando a sentença, por si só considerada evidencie que os factos dados como provados não permitiam atingir a decisão de direito a que se chegou. Ou seja, o vício ocorre quando a matéria de facto provada se mostra exígua para fundamentar a decisão de direito, em resultado de o tribunal ter omitido o dever de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão.
Portanto a insuficiência diz respeito aos factos e não à prova, por isso, o que importa indagar é se a sentença contém falha, hiato ou omissão ao nível dos factos e não se a decisão da matéria de facto tem apoio na prova ou se era exigível ao tribunal produzir ou valorar de forma diversa as provas, como vem invocado pelo aqui recorrente.
Ora a ocorrência do nomeado vício é justificada pelo recorrente arguido porque, em seu entender, o Tribunal a quo não foi rigoroso na sustentação e prova da matéria de facto que considerou provada sob pontos por si impugnados, não havendo, na interpretação que faz daquela, prova que o sustentasse.
No fundo, apela à sua convicção quanto à prova que foi produzida em audiência e que, em seu entender, impunha decisão diversa, o que nada tem a ver com a insuficiência enquanto vicio decisório, tal como acabou de se expor.
A verificação do vício em causa implicaria a deteção, na própria decisão, de uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a imputação do crime em causa, o que não se vislumbra no texto da sentença, nem a recorrente a especifica na motivação e conclusões do recurso.
Deste modo, resta concluir que a decisão recorrida não padece do supra apontado vício, mostrando-se a sua arguição infundada.
O erro notório na apreciação da prova verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
O vício existe quando se dão por provados ou não provados factos que, face à prova produzida, conjugada com as regras de experiência comum e a lógica corrente, do homem médio, impunham notoriamente decisão diversa.
Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial.
Tal vício, como os demais elencados no artigo 410.º, n.º 2 não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questão do âmbito da livre apreciação da prova, princípio ínsito no citado normativo.
O que releva, neste aspeto, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.
Ora, do texto da decisão sob escrutínio, por si só ou conjugado com os ditames da experiência comum, não resulta a verificação do mencionado erro notório na apreciação da prova, porquanto não se deteta ostensivamente que o Tribunal tenha violado as regras da experiência comum ou feito uma apreciação da prova manifestamente incorreta, desadequada, ilógica, arbitrária ou contraditória, o que afasta a existência de qualquer vício de raciocínio nessa apreciação, que se evidencie aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão.
Na perspetiva da lógica interna da decisão e perante o respetivo texto, os factos dados como provados e não provados e que a sustentaram têm perfeito suporte na prova elencada na motivação da decisão de facto e na valoração que dela foi feita, pese embora a recorrente arguida não se reveja nela.
Por conseguinte, improcede nesta parte o recurso.
Nos termos do art. 428º, nº 1, as Relações conhecem de facto e de direito e de acordo com o artigo 431º “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do nº 3, do artigo 412º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Por outro lado, dispõe o art. 412º, nº 3 que “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.”.
O arguido recorrente veio impugnar a decisão sobre a matéria de facto no segmento que considerou que o Recorrente é titular do direito de propriedade do apartamento sito na Rua ..., n.º ..., 2.º Direito, ..., Porto.
Argumenta que o Tribunal a quo presume, erradamente, que o recorrente é proprietário do mencionado apartamento, tendo por base apenas a alusão feita no relatório social segundo a qual o recorrente declarou ter como rendimentos a quantia de €500,00 de renda de dois quartos desse apartamento, sem que, todavia, tivesse procedido à necessária análise da prova documental que serviu de base à elaboração dos relatórios sociais.
Contudo, o arguido recorrente logo adianta que a qualidade de proprietário não consta sequer da factualidade provada.
Ora, como bem refere o arguido, em parte alguma da factualidade dada como provada se refere que o arguido é titular do direito de propriedade do mencionado apartamento, designadamente nos pontos 81º e 96º dos factos provados.
Daí que esse facto seja insuscetível de impugnação especificada nos termos do art.412º, nº3, do Código Processo Penal, por falta de indicação do ponto de facto (inexistente) onde consta.
Exige-se ao recorrente, além do mais, a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, o que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que considera indevidamente julgado [2].
Ora, no caso dos autos, o recorrente não cumpriu esse ónus de impugnação especificada, com base nos quais fundamentam a sua discordância em relação ao facto particularizado da titularidade do direito de propriedade do apartamento.
Por conseguinte, o incumprimento das formalidades impostas pelo artigo 412º, nº3 e 4, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto por esta via ampla.
Assim, mostrando-se, pela via mais ampla, inviável a modificabilidade da decisão proferida sobre a decisão da matéria de facto, aquela ter-se-á como definitivamente consolidada.
Mantém-se, por isso, inalterada a matéria de facto da decisão recorrida, improcedendo o recurso nesta parte.
Defende o arguido que a imposição do dever de pagar a quantia monetária de € 259.310,15, no prazo de cinco anos nos termos fixados pelo douto acórdão recorrido, como condição para a suspensão da pena de prisão, é desproporcional e desadequada em relação às suas condições sócio-económicas.
A questão objeto deste recurso já não é a da interpretação do art.º 14.º do RGIT, saber se condiciona ou não obrigatoriamente a suspensão da execução da pena ao pagamento das quantias em dívida.
Essa questão foi decidida, com voto de vencido – é certo – no anterior acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 29.11.2023, que anulou esse segmento do Acórdão então recorrido e determinou que os autos baixem à 1.ª instância para que se proceda à elaboração de novo Acórdão, para formulação do juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição legal por parte do arguido/recorrente, tendo em conta a sua concreta situação económica presente.
A questão objeto deste recurso é – agora - saber se é desproporcional e desadequado em relação às suas condições sócio-económicas presentes do arguido o montante da condição fixada no acórdão recorrido, nos termos ali definidos.
Ora, neste particular, o recebimento pelo arguido da renda de 500 € (quinhentos euros) mensais, da casa de habitação onde este viveu com a sua família de origem, situada na freguesia ..., nada tem de novo e mantém-se agora inalterado.
É irrelevante a titularidade do direito de propriedade do prédio, aliás, não provada, do qual provem essa renda.
Independentemente do título a que aufere essa renda, trata-se de um rendimento presentemente obtido pelo arguido, o qual pode e deve ser atendido na determinação do montante adequado e proporcional a pagar como condição de suspensão da execução da pena de prisão.
O recebimento dessa renda pelo arguido já constava dos factos antes provados, por via do relatório social então conhecido, e manteve-se agora, por força no relatório social complementar, elementos que estiveram na base da formação da convicção do tribunal a esse respeito – pontos 81º e 96º dos factos provados.
Como é irrelevante o arguido perspetivar obter a pensão de reforma, no final do presente ano de 2024, pois o que aqui releva é a situação pessoal existente à data da sentença.
O arguido censura o novo acórdão recorrido por, segundo ele, desta feita, não ter sido feito um juízo de prognose correto relativamente à possibilidade de cumprir a condição de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta.
Recorda-se que no acórdão recorrido se manteve a condenação do arguido, pela prática em autoria material de um crime de burla tributária, previsto e punido pelo art. 87.º, n.ºs 1 e 3 da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (RGIT), numa pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução se suspende, ao abrigo do disposto nos artigos 50º, 51º, nº1, alínea a), 53º, nº1 e nº2 e 54, todos do C.Penal e artigo 14º, do RGIT, pelo período de 5 (cinco) anos, sob a condição de, dentro do referido período de suspensão, proceder ao pagamento ao Instituto de Segurança Social, da quantia de 259.310,15 € (duzentos e cinquenta e nove mil, trezentos e dez euros e quinze cêntimos), no valor mínimo anual nos primeiros 4 anos de 10.000,00€ e o remanescente no último ano de suspensão, com a devida comprovação de pagamento nos autos e subordinada a cumprimento de regime de prova, este a fixar pela DGRSP.
Cumpre apreciar,
atentando nos factos provados a respeito da situação económica presente do arguido, temos que:
“89.º - A nível profissional, afirma que este processo não lhe provocou qualquer tipo de dano, pois deixou de trabalhar por questões de saúde; (…)
94.º - AA refere que mantém residência em habitação propriedade da ex-sogra, localizada na Rua ..., ... Valongo, juntamente com esta e com BB, de quem se encontra separado de facto. A filha de ambos, que anteriormente residia com estes, autonomizou-se em Agosto de 2023;
95.º - O arguido fundamenta este enquadramento residencial por motivos de doença prolongada de que padece, dispondo de apoio em caso de crises e internamento hospitalar;
96.º -AA menciona deter como rendimentos, o valor de 500€ mensais, decorrente do arrendamento de dois quartos do apartamento com morada na Rua ..., nº ..., 2º dto., ..., ... Porto;
Como despesas, relativamente à habitação atrás referida são identificados os gastos de 46€ mensais com a renda e 159€ em gastos com o serviço de fornecimento de energia eléctrica, de água e de telecomunicações. Relativamente à habitação de Valongo, local onde o arguido diz residir, são descritos os gastos no valor 192€ mensais, com o serviço de fornecimento de energia eléctrica, de água e de telecomunicações, despesas estas asseguradas por BB e pela progenitora desta;
O arguido refere ainda o gasto de 50€ mensais com medicação e menciona contribuir com 300€ mensais, em alimentação, para o agregado onde se insere;
De acordo com os documentos facultados, BB e a progenitora desta obtiveram como rendimentos, no ano de 2022, respectivamente, os valores de 5284.39€ e 5679.89€.”
Dito isto, contas feitas, o arguido tem 500 euros de rendimentos mensais, montante inferiores às despesas mensais que os geram (46€ + 159€) e aquelas necessárias à sua alimentação, saúde e habitação (192€ + 50€ + 300€).
O Recorrente tem 66 anos de idade e, portanto, sem condições viáveis de vir a integrar o mercado de trabalho.
O mínimo absoluto de subsistência humana condigno é o valor da pensão social do regime não contributivo fixado em 2024 em 245,79 euros – Portaria nº424/2023, de 11 de dezembro, por força do art.738º, nº4, do Código Processo Civil.
Nestes termos, fácil se torna concluir que é totalmente desproporcionado, violador dos art.s 2º e art.18º, nº2, da C.R.P., ofensivo o pagamento de 259.310,15 € (duzentos e cinquenta e nove mil, trezentos e dez euros e quinze cêntimos), no valor mínimo anual nos primeiros 4 anos de 10.000,00€ e o remanescente no último ano de suspensão.
O que o acórdão recorrido faz, ressalvado o devido respeito, é impor ao arguido um dever que hoje se sabe de cumprimento impossível e, com isso, viola os princípios da proporcionalidade e da culpa.
É claro que sempre pode haver regresso de melhor fortuna, mas também de pior azar.
É verdade que a revogação da suspensão não é automática, dependendo de uma avaliação judicial da culpa no incumprimento da condição. A revogação é sempre uma possibilidade e não dispensa a culpa do condenado; o não cumprimento não culposo da obrigação não determina a revogação da suspensão da execução da pena.
Contudo, nada disto importa.
Relevante é apenas a situação pessoal conhecida do arguido, à data da sentença, para aferir da circunstanciada e atual possibilidade razoável daquele pagar o montante da condição de suspensão imposta.
Por contas retas, tal pressuporia um rendimento mensal liquido médio de 4.321,83 €, que ressalvado aquele mínimo de subsistência o arguido não dispõe à data do acórdão recorrido.
Nesta conformidade, em face da circunstanciada e atual situação económico-financeira do arguido, afigura-se adequado o montante total de 15.000€, a pagar em cinco prestações anuais, sucessivas e iguais de 3.000€, durante os cinco anos do período da suspensão, ao Instituto de Segurança Social, com a devida comprovação de pagamento nos autos.
Nesta conformidade, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento parcial ao recurso do arguido e em consequência:
a) não admitir, por extemporaneidade, a junção dos documentos juntos com o requerimento de interposição de recurso;
b) revogar o Acórdão recorrido no segmento que condicionou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao pagamento da quantia de 259.310,15€, nos termos ali definidos, substituindo esta pelo valor total de 15.000€ (quinze mil euros), a pagar em cinco prestações anuais, sucessivas e iguais de 3.000€, durante os cinco anos do período da suspensão, ao Instituto de Segurança Social, com a devida comprovação de pagamento nos autos;
c) no mais, confirmar integralmente a decisão recorrida, inclusivamente a subordinação (parta não impugnada neste recurso) da suspensão ao cumprimento de regime de prova, este a fixar pela DGRSP
Notifique.