TRANSAÇÃO
PRESSUPOSTOS
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
DOCUMENTO ESCRITO
FORMA LEGAL
CONTRATO DE FORNECIMENTO
DEFEITOS
ERRO DE CÁLCULO
Sumário


Considera-se suficiente para respeitar a exigência de forma escrita para a transacção, alcançada pelas partes de um contrato de fornecimento de painéis solares que apresentavam defeitos, a emissão, pela autora, de uma nota de crédito a favor da ré, na sequência do acordo alcançado, que traduz (art. 1250.º do CC).

Texto Integral

Cival - Comércio Internacional de Materiais de Construção, SA”, com sede em ..., ..., ..., apresentou pedido de injunção contra o “VIG – Metalização e Decapagem, Ldª”, com sede na ..., ..., ....

Invocou a requerente, em súmula, no requerimento de injunção, que, no exercício da actividade de compra e venda de materiais de construção, vendeu à requerida os produtos identificados nas facturas que indica, no valor global de € 47 730,00.

Afirma que a requerida assumiu a obrigação de proceder ao pagamento dos valores facturados no prazo de 30 dias a contar da data da emissão da respectiva factura.

Conclui pedindo a condenação da requerida no pagamento de € 47 730,00 a título de capital, juros de mora vencidos e vincendos, cujo valor, à data da apresentação do requerimento de injunção, computa em € 1 071,16, taxa de justiça no valor de € 153,00, e € 40,00 a título de despesas com a cobrança.

Citada, a requerida apresentou oposição, na qual, em súmula, começa por invocar a ineptidão do requerimento de injunção por ininteligibilidade da causa de pedir.

Reconhece ter em Agosto de 2020 encomendado à requerente painéis isotérmicos, cumes e perfis, pelo preço global de € 69 212,69.

Afirma que o material fornecido pela requerente apresenta diversos defeitos [designadamente, cores diferentes, amolgadelas e marcas], motivo pelo qual apresentou reclamação junto da requerente, e com esse fundamento invoca a excepção de não cumprimento. Entende não serem devidos juros moratórios.

Em sede de reconvenção, reafirma os vícios apresentados pelos produtos fornecidos pela requerente, e declara pretender a sua eliminação, bem como a condenação da ré no pagamento das despesas que terá de suportar com a substituição do material.

Afirma que os materiais fornecidos pela requerente destinam-se à construção de pavilhões segundo as especificações do cliente da requerida, que, dado os vícios que aqueles apresentam, recusa celebrar o negócio, podendo mesmo nele perder o interesse.

Conclui pedindo:

a) a procedência das excepções invocadas;

b) a improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido;

c) a procedência da reconvenção, com a condenação da reconvinda: a. a substituir todas as peças, colocando novas peças, uniformes em cor, sem manchas ou amolgadelas, ou, quando assim se não entenda, a substituir as peças com diferentes tonalidades de cor, machas e amolgadelas, garantindo a uniformização de todas as peças, sempre num prazo de 20 dias após prolação de sentença;

b. a pagar à requerida as despesas ocasionadas com tal substituição, quantificáveis, no momento, em 9.850,00€ (trabalhadores e grua), bem como aquelas que se venham a liquidar em execução de sentença;

c. a pagar à requerida os lucros cessantes decorrentes do fornecimento de material com defeito, no montante que se venha a liquidar em execução de sentença;

ou, quando assim se não entenda

d. ser a requerente condenada a reduzir o preço global de € 69 212,69 ao montante de € 30 000,00 (o que, deduzido do valor já pago de € 19 795,47 e do valor da nota de crédito de € 1 686,34, resulta num montante a pagar pela requerida de € 8 518,18).

O processo foi remetido ao juízo local de ... da comarca de Aveiro, para tramitação como acção declarativa sob a forma de processo comum.

A autora apresentou réplica, na qual, em súmula, defende não ocorrer a ineptidão apontada pela ré.

Reafirma que o crédito por si invocado decorre de diversos fornecimentos feitos a pedido da ré, não pagos por esta.

Reconhece a existência de vícios em alguns dos materiais fornecidos pela autora, mas afirma terem autora e ré acordado no não pagamento por esta da factura nº 2020.....72, no valor de € 1 686,34, como única forma de compensação por tal facto, na sequência do que a autora emitiu uma nota de crédito naquele valor a favor da ré, o que esta jamais contestou.

Invoca a caducidade do direito da ré a exigir a reparação, nos termos dos artigos 916º e 917º do Código Civil.

Impugna, por desconhecimento, a verificação e extensão dos lucros cessantes invocados pela autora.

Ao abrigo do artigo 321º do Código de Processo Civil requer a intervenção acessória provocada da sociedade que vendeu à autora os materiais alegadamente defeituosos, denominada “O..., Lda”, com sede na Avª. ..., ....

Conclui como na petição inicial, pedindo ainda a improcedência do pedido reconvencional.

Foi proferida decisão que, face à dedução da reconvenção, e conhecendo da incompetência em razão do valor do juízo local de ... da comarca de Aveiro, determinou a remessa do processo ao juízo central cível de ..., onde foi distribuído ao J3, onde a intervenção acessória foi admitida.

Citada a interveniente, por esta foi apresentado articulado próprio, no qual, em súmula, começa por invocar a caducidade dos direitos que justificaram a sua intervenção, por aplicação dos regimes previstos no artigo 471º do Código

Comercial e no artigo 917º do Código Civil.

Impugna a existência dos vícios invocados pela ré, afirmando ter entregue à autora exactamente os materiais que aquela solicitou.

Ainda que assim se não entenda, defende que os prejuízos invocados pela ré não podem ser imputados à interveniente, na medida em que, sendo os alegados vícios dos materiais detectáveis à vista desarmada, cabia à autora exigir da interveniente a sua imediata substituição e não proceder à sua colocação, com o que contribuiu de forma determinante para o agravamento do custo de substituição dos materiais em causa.

Impugna a verificação e extensão dos prejuízos invocados pela ré. Impugna, por desconhecimento, todas as vicissitudes do relacionamento

negocial entre autora e ré.

Conclui pedindo a improcedência da acção quanto a si.

A convite do tribunal, autora e ré apresentaram articulado de resposta às excepções invocadas pela interveniente.

A autora, em súmula, defende que, atento os concretos termos da intervenção admitida, mostra-se excluída do objecto dos presentes autos a matéria que extravase a defesa da autora quanto ao pedido reconvencional, designadamente não cabendo aqui discutir as eventuais excepções de direito material que a interveniente possa opor a um suposto direito de regresso da autora.

Invoca estar em causa a aquisição de coisa genérica pela autora à interveniente, e defende que os vícios apresentados pelos materiais foram denunciados à interveniente nos prazos legais.

Conclui pedindo a não apreciação das excepções invocadas pela chamada, por extravasarem o objecto do processo, ou, se assim se não entender, a sua improcedência.

A ré, em súmula, igualmente defende que, atenta a natureza da intervenção admitida, a matéria excepcional invocada pela interveniente não se mostra abrangida pelo objecto do processo.

Reafirma a existência e relevância dos vícios dos materiais fornecidos pela autora, e impugna, por desconhecimento, a matéria relativa ao relacionamento comercial entre autora e interveniente.

A convite do tribunal, a ré/reconvinte apresentou articulado de resposta às excepções opostas pela reconvinda ao pedido reconvencional, no qual, em súmula, invoca a aplicabilidade das regras relativas à prorrogação dos prazos de caducidade introduzidas pela legislação aprovada no âmbito da pandemia.

Defende a inaplicabilidade ao caso do regime fixado no artigo 917º do Código Civil, por nos autos a reconvinte apenas pretender exercer o direito à substituição dos materiais viciados.

Conclui pedindo a improcedência da excepção.

A audiência prévia foi dispensada.

A reconvenção foi liminarmente admitida.

O valor da causa foi fixado em € 58 692,04.

Foi proferido despacho saneador, que julgou não verificada a nulidade decorrente da ineptidão do requerimento de injunção por ininteligibilidade da causa de pedir, e relegou para final o conhecimento das demais excepções suscitadas.

Procedeu-se à identificação do objecto do processo e à enunciação dos temas da prova, não tendo sido apresentada qualquer reclamação.

Instruída a causa, realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que decidiu julgar a reconvenção improcedente e acção procedente, condenando a ré a pagar à autora:

a) a quantia de € 3 119,67, acrescida de juros de mora, às taxas legais de juros comerciais aplicáveis aos atrasos de pagamento nas transacções comerciais entre empresas, desde 08/10/2020 até efectivo e integral pagamento;

b) a quantia de € 43 636,78, acrescida de juros de mora, às taxas legais de juros comerciais aplicáveis aos atrasos de pagamento nas transacções comerciais entre empresas, desde 17/10/2020 até efectivo e integral pagamento;

c) a quantia de € 974,43, acrescida de juros de mora, às taxas legais de juros comerciais aplicáveis aos atrasos de pagamento nas transacções comerciais entre empresas, desde 26/10/2020 até efectivo e integral pagamento;

d) a quantia de € 40,00 euros, a título de indemnização decorrente dos custos de cobrança extrajudicial da dívida;

APELAÇÃO

Inconformada com esta decisão, dela veio a Ré apelar, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1- O presente recurso versa a impugnação da decisão e facto e de direito; 2- O Tribunal, como supra se procurou evidenciar, não levou a cabo uma verdadeira apreciação da prova produzida -não as relacionou entre si, não avaliou a prova num quadro de normalidade e de racionalidade de acordo com regras de lógica e de experiência comum, nem fundamentou convenientemente a decisão, designadamente, as conclusões fáticas a que chegou para tomar as decisões quanto à matéria de facto; 3 - Limitou-se apontar que a testemunha AA não mereceu credibilidade - desconsiderando o que resultou do seu depoimento, designadamente que aquele tem 35 anos de experiência no ramo e esteve no local duas vezes (cfr. mins. 3:28 a 8:15, cuja audição se requer) - e que do depoimento de BB não resultou provado que a Ré encomendou material certificado, - o que não é verdade como supra se referiu a respeito da impugnação da decisão de facto; 4 - Tal configura vicio da decisão, por violação da disciplina do art. 607º nº 4 CPC, que deve ser declarado; Por outro lado, sem prescindir: 5 - O Tribunal errou a apreciação e valoração da prova e, bem assim, errou nas conclusões que verteu na decisão de facto provada e não provada;6- Encontram-se erradamente julgados como provados os factos 11 e 16 e erradamente julgados não provados os factos d) e x) da sentença, que merecem, em cada um dos casos, decisão inversa; 7 - A prova produzida não permitia (por dela não ter resultado), que o facto 11 fosse julgado provado; 8 - Do depoimento das testemunhas CC (comercial da Cival há cerca de 17 anos) e DD (escriturária da A.), não resultou o vertido na convicção, e o Tribunal não cuidou, sequer, de apreciar o desfecho que tinham na resolução da causa; 9 - A verdade é que, o depoimento da testemunha BB, escriturária da Ré., (supra transcrito) não permitia que se tivesse julgado tal como provado, antes impondo que aquele fosse levado aos não provados. Porém, o Tribunal desconsiderou o depoimento, sem qualquer motivo ou justificação, sendo certo que nele se ancorou para o julgar provado o facto 9 e não colocou em causa a sua credibilidade; 10 -Por outro lado, ao indeferir a audição do Legal Representante da R. ao tempo (cujo depoimento de parte estava ordenado), EE, na qualidade de testemunha, o Tribunal impossibilitou o exercício do direito fundamental à prova da ré, em violação do art. 20.º da CRP, na exata medida em que, a testemunha CC referiu que a reunião referida em 11 dos provados ocorreu apenas com aquele EE, e, assim, apenas este podia revelar o conteúdo dessa reunião – confirmando que não acordaram nos termos que constam de 11 dos provados (A isto acresce que, o depoimento da testemunha BB, neste particular, não terá convencido o Tribunal…); 11 - Aquela audição, perante a contrariedade das versões, configurava diligência indispensável e imprescindível para estabelecer a realidade do facto carecido de prova, pelo que, devia o Tribunal, no limite por apelo ao princípio do inquisitório (artigo 411º do CPC) ter ordenado a inquirição; 12 - O Tribunal violou, assim, o poder-dever de indagação oficiosa e o princípio do inquisitório, bem com desrespeitou a disciplina do art. 342º n.º 1 Cód. Civil; 13 -Não podia, assim, julgar provado o facto 11, que deve ser levado aos não provados e, em face da alteração requerida, e atento o vertido no facto 10, ser proferida diferente decisão de direito; 14 -Por outro lado, não se vislumbra - pois que de nenhuma prova resultou – como concluiu o Tribunal (na fundamentação da decisão) que a nota de crédito não foi restituída; 15 -Acresce que, desconsiderou também, sem qualquer fundamentação e análise critica (em desrespeito da disciplina do artigo 607º n.º 5 do CPC) o documento 19 da oposição, cujo teor deve sido levado aos provados e impõe que o facto 11 fosse julgado não provado; 16 -Por outro lado, o facto provado n.º 16 não podia ter sido julgado provado nos termos em que foi, pelo que se impõe que se complete, no sentido de que a ré o desconhecia; 17 -Ou que se julgue provado o facto x) dos não provados; 18 -Tal alteração é imposta pelo depoimento da testemunha BB, cfr. mins. 38:00 a 39:20 e 44:00 a 50:00, ata de 08/11/2023; acresce que, 19 -Também os factos d) e s) foram erradamente julgados não provados. O depoimento da testemunha AA, Eng. com mais de 35 anos de experiência e que se afigurou coerente e credível, confirmou, nos trechos supra indicados, que as desconformidades referidas em 8 dos provados se verificam em mais de 50% das peças da fachada, e que são visíveis à vista desarmada. O que,naturalmente, impõe diferente decisão de direito, como infra se procurará evidenciar; 20 -Deve, assim, o facto d) e s) dos não provados ser julgado provado, com as legais consequências; Por outro lado ainda, sem prescindir: 21 -Atentas as alterações à matéria de facto requeridas, em conjugação com os demais factos provados (designadamente o provado em 1, 3, 7, 8, 9, e 10), sempre se impunha diferente decisão de Direito.22-Concretamente que o Tribunal, perante os defeitos demonstrados e provados, julgasse parcialmente procedente, por provada, a reconvenção apresentada pelo ora recorrente. 23 -Fez, assim, como supra se referiu e para onde, por brevidade se remete, errada aplicação dos arts. 799º, nºs 1 e 2 e 798º, 884º, 1222º do CC, que devem ser interpretados e aplicados no sentido supra evidenciado. 24 -Decidiu contra as regras da experiência da vida, da normalidade, dos conhecimentos das várias disciplinas científicas, ou da lógica, pois que, comprovados os defeitos tinha o Recorrente direito à redução do preço acordado, - que sempre o Tribunal devia ter fixado por recurso à equidade (art. 566º, nº 3 do CC) - julgando a reconvenção procedente, por provada, com as legais consequências.

:::”

A autora apresentou contra-alegações, nas quais, em súmula, defende não ocorrer nulidade da sentença recorrida, entendendo que as considerações a este propósito adiantadas pela recorrente assentam apenas na sua discordância quanto à decisão sobre a matéria de facto, não se verificando qualquer das situações elencadas no artigo 615º do Código de Processo Civil como geradoras de nulidade do julgado.

Recorda que a decisão que a 06 de Novembro de 2023 indeferiu a inquirição pretendida pela recorrente, sendo susceptível de recurso autónomo, transitou em julgado.

Considera no caso inexistir qualquer fundamento para a aplicação da norma consagrada no artigo 411º do Código de Processo Civil.

Recorda que a matéria dos pontos 16 - dos factos provados e x) dos factos não provados reporta-se exclusivamente à relação comercial estabelecida entre a autora e a interveniente, não tendo a ré atempadamente apresentado qualquer reclamação a esse propósito.

Entende não terem sido produzidos meios de prova que imponham as alterações à decisão sobre a matéria de facto pretendidas pela recorrente.

Reafirma a aplicação do direito feita pela decisão recorrida.

Conclui pedindo a improcedência do recurso.

A interveniente acessória apresentou contra-alegações, nas quais, em súmula, entende não ocorrer a nulidade da sentença invocada pela recorrente, traduzindo a alegação desta mera discordância quanto à decisão sobre a matéria de facto e não a indicação de vícios reconduzíveis ao elenco consagrado no artigo 615º do Código de Processo Civil.

Entende que a recorrente pretende substituir a apreciação dos meios de prova feita pelo tribunal a quo pela sua própria, o que, defende, contraria a natureza do recurso enquanto remédio processual.

Considera não terem sido produzidos meios de prova que imponham decisão diversa da proferida.

Defende que, tendo a autora e a ré acordado em ultrapassar a questão dos vícios apresentados pelos painéis fornecidos nos termos vertidos na matéria de facto provada, deve concluir-se, conforme decidido em primeira instância, ter a recorrente renunciado ao exercício de qualquer dos direitos consagrados nos artigos

913º e ss do Código Civil.

Conclui pedindo a improcedência do recurso.

A apelação foi admitida, desde logo tomando o tribunal a quo posição expressa quanto à nulidade invocada pela recorrente, considerando-a não verificada.

No exame preliminar entendeu o relator ser de conceder às partes a possibilidade de se pronunciarem quanto ao enquadramento jurídico da causa no âmbito do tipo contratual de transacção, com aplicação das normas consagradas nos artigos 1248º a 1250º, ambos do Código Civil, com especial enfase na exigência de forma estabelecida pelo artigo 1250º do Código Civil.

A autora e a interveniente acessória pronunciaram-se expressamente sobre a matéria, defendendo que, no caso, o acordo vertido no ponto 11- da matéria de facto provada deve ser, tal como decidido em 1ª instância, juridicamente classificado como remissão, daí decorrendo a renúncia da ré aos direitos que esta alegadamente seria titular por força do defeituoso cumprimento da prestação pela autora.

E, defendem, assim se não entendendo, sempre actuaria a ré em abuso de direito, ao celebrar acordo pelo qual renunciou aos direitos que a prestação alegadamente defeituosa da ré lhe conferiria, acordo que agora de forma injustificada repudia.

Concluem pedindo a improcedência do recurso.

A recorrente igualmente apresentou resposta, defendendo ter o tribunal de 1ª instância procedido à errada aplicação do Direito.

Foi proferido Acórdão que teve o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto em:

I. conceder parcial provimento ao recurso, nos seguintes termos:

a) condena-se a ré “VIG – Metalização e Decapagem, Ldª”, a pagar à autora “Cival - Comércio Internacional de Materiais de Construção, SA”, a quantia de € 34 305,06, acrescida de juros de mora contados, à taxa supletiva dos juros comerciais

a. sobre o capital de € 3 119,67, desde 08 de Outubro de 2020 e até integral reembolso;

b. sobre o capital de € 30 170,96, desde 17 de Outubro de 2020 e até integral reembolso;

c. sobre o capital de € 974,43, desde 26 de Outubro de 2020 e até integral reembolso;

b) condena-se a reconvinda “Cival - Comércio Internacional de Materiais de Construção, SA”, a entregar à reconvinte “VIG – Metalização e Decapagem, Ldª”, em substituição dos painéis referidos no ponto 8 - da matéria de facto provada, painéis isotérmicos de fachada que não apresentem variações de tonalidade em relação aos demais, e não possuam amolgadelas nem marcas; II - Na parte restante negar provimento ao recurso.

Inconformada novamente, veio a Ré interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, oferecendo alegações, que culminam com as seguintes conclusões:

1 - O douto acórdão recorrido padece de um erro de cálculo no seu segmento referente à operabilidade da excepção de não cumprimento do contrato, no que se refere ao valor dos painéis de fachada especificados na factura referida na al. d) do item 3 dos factos provados, pois contabilizou o seu facturado valor de venda como “[(7.386,85 + 2.971,39) x 1,23 (iva) =] € 13.465,71, sendo que esta operação dá o resultado arredondado de € 12.740,64 e não o considerado de € 13.465,71.

2 - Este erro material reflectiu-se na parte injuntiva do acórdão, pois, condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 34.305,06 quando deveria ter condenada a R. a pagar à A. a quantia de € 35.153,24 (= € 3.119,67 + 31.019,14 + 974,43 + € 40,00) e, no que aos juros de mora a incidir sobre a quantia referente à dita factura da al. d) do item 3 dos factos provados se reporta, em vez de incidirem sobre o capital de € 30.170,96 deveriam incidir sobre o capital de € 31.019,14. Porém,

3 - Como segunda questão a abordar no presente recurso, põe-se agora à consideração de Vª Exªs a questão de saber se o vertido no item 11 dos factos elencados como provados configura um acordo de remissão previsto no art. 863º do CC, como decidido em 1ª instância, ou um contrato de transacção previsto no art. 1248º do CC, como julgado em 2ª instância.

4 - Ora, a remissão prevista no art. 863º do CC traduz-se, na sua essência, numa declaração de vontade do credor, não sujeita a forma, aceite expressa ou tacitamente pelo devedor, no sentido de renunciar ao seu crédito, declaração esta que pode ser emitida pelo credor tendo por fonte um contrato com o devedor gratuito ou oneroso.

5 - Por sua vez, o contrato de transacção, como resulta do art. 1248º do CC, tem por finalidade prevenir ou terminar um litígio.

6 - Ora, da matéria de facto provada resulta que foi constatada pela R. a existência de defeitos em alguns dos painéis de fachada que lhe foram vendidos pela A. (v. item 8 dos factos provados), que esses defeitos foram denunciados pela R. em Setembro e início de Outubro de 2020, com solicitação da R. para sua “substituição ou outra solução razoável” (v. item 10 dos factos provados), que ainda durante o mês de Outubro de 2020 foi realizada a reunião entre a A. e a R. referida no item 11 dos factos provados, na qual a A. e a R. acordaram que a R. aceitaria aqueles painéis com desconformidades e a R. não pagaria à A. o valor da factura n.º 2020.....72, no montante de € 1 686,34, e que nesse mesmo mês de Outubro foi emitida a respectiva nota de crédito (v. item 12 dos factos provados).

7 - Decorre dessa factualidade que, confrontada a A. com a existência de defeitos em “alguns” dos painéis de fachada, sem contestar a sua existência, logo sem litígio com a R., pendente ou futuro a prevenir, na sequência do pedido da R. para substituição dos painéis defeituosos ou para se arranjar “outra solução razoável” (v. item 10 dos factos provados), a A. e a R. ajustaram, no âmbito de normais relações comerciais e de boa fé, o vertido em 11 dos factos provados, o que concretizaram com a emissão da nota de crédito referida no item 12 dos factos provados, operando-se assim a extinção do crédito da R. sobre a A. correspondente ao valor por A. e R. ajustados dos painéis de fachada defeituosos, bem como, também, o crédito da A. sobre a R. correspondente ao valor da factura referida no item 12 dos factos provados (€ 1.686,34).

8 – Essa factualidade, interpretada de acordo com o estatuído no art. 236º do CC, traduz, sem margem para dúvidas, a extinção do crédito da A. de obter a substituição dos painéis de fachada defeituosos referidos no item 8 dos factos provados “ou outra solução”.

9 - Assim sendo, deve ser repristinada a douta sentença de 1ª instância.

10 - Mas mesmo que assim não seja entendido, a verdade é que o douto acórdão recorrido fez uma incorrecta aplicação do regime da excepção de não cumprimento do contrato.

11 - É que, para que a excepção de não cumprimento do contrato possa ser invocada por aquele que recusa o cumprimento, impõe-se que haja proporcionalidade entre a infracção contratual do credor (no caso a A.) e a recusa de pagamento do devedor que invoca a excepção (no caso a R.).

12 - Ora, o Tribunal recorrido, com base na prefalada excepção, paralisou o direito da A. a receber o valor de venda da totalidade dos painéis de fachada que vendeu referidos na al. d) do item 3 dos factos provados, no valor de € 12.740,64 (€ 7.386,85 + 2.971,39 + IVA a 23% = € 12.740,64) e não de € 13.465,71, como, por erro de cálculo, se refere no acórdão recorrido.

13 - Porém, como ressalta do item 8 dos factos provados, só se verificaram defeitos em “alguns” dos painéis de fachada (não havendo qualquer defeito nos restantes painéis fornecidos).

14 - E resulta da matéria de facto vertida no item 11 dos factos provados que a A. e a R. atribuíram aos painéis de fachada com defeitos o valor de € 1.686,34.

15 - O mesmo é dizer que o douto acórdão recorrido paralisou o recebimento pela A. de € 12.740,64 com o crédito da R. de € 1.686,34.

16 - Isto contraria, de forma gritante, o princípio da boa fé contratual no cumprimento dos contratos, plasmado no nº 2 do artº 762º do CC, que enforma a excepção de não cumprimento do contrato.

17 - Assim, tendo em conta o dito princípio da boa fé que molda a excepção de não cumprimento e o inerente equilíbrio das prestações contratuais, dado o diminuto valor de tal quantia (€ 1.686,34) perante o crédito da A. de € 12.740,64 emergente da venda dos painéis de fachada referidos na al. d) do item 3 dos factos provados, deveria esse diminuto valor de € 1.686,34 ser julgado insignificante (corresponde a cerca de 13%) e, como tal, ser totalmente paralisada a excepção de não cumprimento do contrato quanto ao valor dos painéis de fachada referidos na al. d) do item 3 dos factos provados ou, quando muito, operar-se apenas a excepção de não cumprimento em relação à quantia de € 1.686,34 do crédito da A..

18 - Mas, a ser entendido que, no caso, não se justifica paralisar a excepção de não cumprimento do contrato, a A. não deveria ser absolvida do pedido quanto ao montante sobre o qual se julgue funcionar a excepção de não cumprimento do contrato, seja o de € 12.740,64 seja o de € 1.686,34, antes deveria a R., por aplicação analógica do disposto no nº 2 do art. 610º do CPC, ser condenada no pagamento à A. da totalidade do pedido, com excepção dos juros de mora a calcular sobre a quantia que dessas ditas fosse considerada, sendo que, no que se refere a tais quantias, a que fosse considerada apenas seria devida pela R. em simultâneo com a substituição dos painéis com os defeitos referidos no item 8 dos factos provados.

19 - Contudo, no caso que nos ocupa, a substituição dos painéis pela A. é inexequível.

20 - Com efeito, como resulta do item 2 dos factos provados, os painéis destinaram-se ao revestimento de dois pavilhões a construir pela R. “para um cliente”.

21 - Esta circunstância de a R. não ser a dona dos pavilhões onde foram aplicados os painéis de fachada com os defeitos referidos em 8 dos factos provados implica, como é bom de ver, que a substituição dos painéis só é exequível com o assentimento do “cliente” da R. e não desta R. ou da A.; Daí que a própria R. tenha admitido como soluções para a existência dos defeitos nos “alguns” painéis referidos no item 8 dos factos provados a sua substituição ou uma “solução razoável” – v. item 10 dos factos provados.

22 - Ora, tendo em conta a impossibilidade de substituição dos painéis de fachada defeituosos referidos no item 8 dos factos provados, pois essa substituição não depende da vontade das partes mas de terceiro, sendo certo que os pavilhões estão a ser utilizados (v. item 17 dos factos provados), o direito da R. não pode exercitar-se através da excepção de não cumprimento do contrato ou da conexa procedência do pedido reconvencional quanto à substituição dos painéis defeituosos referidos em 8 dos factos provados, só podendo materializar-se através da redução do preço, nos termos dos art. 913º e 911º do CC, o que foi pedido em reconvenção, em valor correspondente ao mencionado de € 1.686,34, aceite pelas partes, no âmbito do acordo referido no item 11 dos factos provados, e já operado nos termos referidos no item 12 dos factos provados.

23 - Do exposto resulta que, pela referida via de redução do preço, deve também ser totalmente repristinada a parte dispositiva da douta sentença de 1ª instância.

24 – O douto acórdão recorrido, para além de padecer de erro de cálculo, violou o disposto nos art. 236º, 428º, 762º, 863º, 911º, 913º e 1248º do CC e no art. 610º do CPC.

A Autora não contra-alegou.

Corridos os vistos, cumpre decidir, tendo presente que são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o objeto do recurso, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, com excepção daquelas que são de conhecimento oficioso (cfr. art. 635º nº 4, 639º nº 1, 608º nº 2, ex vi art. 679º, todos do CPC).

Objecto do recurso:

1 – Como primeira questão a dirimir suscita a recorrente ter o acórdão recorrido cometido o erro de cálculo que aquele expõe nas conclusões 1 e 2.

2. Seguidamente a recorrente coloca em questão a qualificação jurídica que a Relação deu à factualidade vertida no ponto 11 dos factos provados.

3. Saber se tem aplicação o instituto do enriquecimento sem causa, se deverá haver lugar à substituição pela Autora dos painéis avariados que forneceu à Ré, ou se haverá lugar à redução do preço.

Antes do mais, para integral compreensão, reproduzamos aqui a factualidade que as instâncias julgaram provada:

1. No início de Agosto de 2020, a Autora acordou com a Ré o fornecimento de painéis isotérmicos, cumes e perfis, todos da mesma cor e tonalidade, ajustando, ainda, o respectivo preço por m2, mediante pagamento por cheque a 30 dias contra entrega do material;

2. Tais materiais destinavam-se ao revestimento de dois pavilhões a construir para um cliente, sito em .... –....;

3. Assim, em conformidade com tal acordo, a Autora, no exercício da sua actividade de compra e revenda de materiais de construção, vendeu e entregou à Ré os artigos do seu comércio especificados nas seguintes facturas, aqui dadas por reproduzidas:

Factura Data de emissão Data de vencimento Valor

a) 2020.....44 31/08/2020 30/09/2020 12 145,36 € - cheque

b) 2020.....45 03/09/2020 03/10/2020 7 650,11 € - cheque

c) 2020.....47 07/09/2020 07/10/2020 3 119,67 € -

d) 2020.....59 16/09/2020 16/10/2020 43 636,78 € - parte painéis fachada

e) 2020.....64 25/09/2020 25/10/2020 974,43 €

f) 2020.....72 30/09/2020 30/10/2020 1 686,34 € - painéis fachada

4. A entrega dos materiais correu por conta da Autora, em 31/08/2020, 03/09/2020, 14/09/2020, 15/09/2020 e 29/09/2020;

5. As facturas 2020.....44 e 2020.....45 foram pagas pela Ré por meio dos cheques nº ........31 e ........32, datados de 01/10/2020 e 03/10/2020, nos valores de 12.145,36€ e 7.650,11€;

6. As peças vinham cortadas à medida necessária para colocação;

7. Dos fornecimentos efectuados, apenas se referem à venda de painéis de fachada a factura aludida em f) e parte da factura aludida em d) (segmentos com os valores (sem Iva) de € 7.386,85 e € 2.971,39);

8. Relativamente aos painéis de fachada fornecidos, verificou-se que:

- alguns dos painéis apresentavam diferenças de tonalidade de cor;

- alguns dos painéis encontravam-se amolgados;

- algumas peças tinham marcas do plástico onde se encontravam embaladas aquando da entrega;

9. Tais desconformidades apenas puderam ser verificadas aquando da colocação;

10. A Ré reclamou junto da Autora dessas desconformidades, desde o início da aplicação das peças em Setembro e inícios de Outubro de 2020, solicitando a sua substituição ou outra solução razoável;

11. Nessa sequência, por sugestão da Autora, em finais de Outubro de 2020 foi realizada uma reunião entre Autora e Ré, na qual acordaram que a Ré aceitaria os painéis com as desconformidades referidas em 8. e, em contrapartida, a Ré não pagaria à Autora o valor da factura n.º 2020.....72, no montante de € 1.686,34, emitindo a A. à R. a respectiva nota de crédito;

12. Nessa sequência, a factura 2020.....72, no valor de 1.686,34€, veio a ser “anulada” pela Autora através da emissão da nota de crédito nº 2020.....09, de 30/10/2020, com o motivo “material danificado”;

13. Os materiais em questão foram comprados pela Autora à Interveniente acessória e foram fabricados, embalados e transportados pela última, limitando-se a Autora a revendê-los à Ré, no exercício das suas actividades comerciais;

14. Os materiais em questão foram entregues nas obras pela Interveniente acessória;

15. Em 28/09/2020, a Autora comunicou à Interveniente acessória a existência de desconformidades nos painéis, que foram entregues em 03/09/2020 e 15/0972020, reclamar desconformidades nos painéis, designadamente em virtude de marcas provocadas pelo filme de protecção e de um painel apresentar duas tonalidades diferentes no mesmo fabrico;

16. O tipo de painel de fachada encomendado pela Autora à Interveniente não é do tipo certificado;

17. A obra em causa está a ser utilizada.

Vejamos:

Sustenta a recorrente que, aquando da apreciação da excepção de não cumprimento do contrato relacionada com o valor dos painéis de fachada especificados na factura referida na al. d) do item 3 dos factos provados, no Acórdão recorrido foi contabilizado o facturado valor de venda como “(7.386,85 + 2.971,39) x 1,23 (iva) =] € 13.465,71, sendo que esta operação dá o resultado arredondado de € 12.740,64 e não o considerado de € 13.465,71.

Mais referindo que esse erro material se reflectiu na parte injuntiva do acórdão, pois, condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 34.305,06 quando deveria ter condenada a R. a pagar à A. a quantia de € 35.153,24 (= € 3.119,67 + 31.019,14 + 974,43 + € 40,00).

E, no que aos juros de mora a incidir sobre a quantia referente à dita factura da al. d) do item 3 dos factos provados se reporta, em vez de incidirem sobre o capital de € 30.170,96 deveriam incidir sobre o capital de € 31.019,14.

Ponderando a questão, entendemos que a mesma deveria ter sido suscitada pela recorrente mediante requerimento de rectificação do Acórdão, nos termos do art. 614º nº 1 ex vi do art. 666º do CPC, que deveria ter dirigido ao processo assim que fora notificada da decisão recorrida, no lugar de submeter a questão no âmbito da presente revista, embora o possa fazer..

A questão será apreciada, depois de chegarmos a conclusões definitivas, estas respeitantes aos valores que efectivamente se encontram em dívida, pelo que se nos afigura mais adequado, para o efeito, relegarmos a sua apreciação para momento final, passando desde já à apreciação da segunda questão.

2. Neste segundo segmento da revista, a recorrente coloca em causa a qualificação jurídica que a Relação deu à factualidade vertida no ponto 11 dos factos provados, como transacção (art. 1248º do CC), sustentando que a “solução razoável” ali acordada, “interpretada de acordo com o estatuído no art. 236º do CC, traduz, sem margem para dúvidas, a extinção do crédito da A. de obter a substituição dos painéis de fachada defeituosos”, assim pugnando no sentido da repristinação da sentença da 1ª instância, onde foi entendido ter -se verificado, com aquela factualidade, uma situação de “remissão”, a que se reporta o art. 863º do CPC.

Renovemos aqui a factualidade em causa (factos 7 a 12)

7. - Dos fornecimentos efectuados, apenas se referem à venda de painéis de fachada a factura aludida em f) e parte da factura aludida em d) (segmentos com os valores (sem Iva) de € 7.386,85 e € 2.971,39);

8. - Relativamente aos painéis de fachada fornecidos, verificou-se que:

- alguns dos painéis apresentavam diferenças de tonalidade de cor;

- alguns dos painéis encontravam-se amolgados;

- algumas peças tinham marcas do plástico onde se encontravam embaladas aquando da entrega;

9. Tais desconformidades apenas puderam ser verificadas aquando da colocação;

10. A Ré reclamou junto da Autora dessas desconformidades, desde o início da aplicação das peças em Setembro e inícios de Outubro de 2020, solicitando a sua substituição ou outra solução razoável;

11. Nessa sequência, por sugestão da Autora, em finais de Outubro de 2020 foi realizada uma reunião entre Autora e Ré, na qual acordaram que a Ré aceitaria os painéis com as desconformidades referidas em 8. e, em contrapartida, a Ré não pagaria à Autora o valor da factura n.º 2020.....72, no montante de € 1.686,34, emitindo a A. à R. a respectiva nota de crédito;

12. Nessa sequência, a factura 2020.....72, no valor de 1.686,34€, veio a ser “anulada” pela Autora através da emissão da nota de crédito nº 2020.....09, de 30/10/2020, com o motivo “material danificado”.

Analisando toda a factualidade provada, numa análise da globalidade dos negócios havidos entre a autora (como fornecedora vendedora) e Ré (como fornecida compradora) foram celebrados diversos contratos de fornecimento/compra e venda de materiais de construção, todos eles descritos nas facturas consignadas no ponto 3. da matéria de facto provada, onde constam também as respectivas datas de emissão e valores, cujo pagamento a Autora reclama estar em falta por parte da Ré.

Sendo que dois desses fornecimentos (3 a) e b) já foram pagos pela Ré à Autora, mediante cheques, não estando aqui em discussão.

De todas estas facturas em causa, como ficou apurado, apenas 2 se reportavam a painéis sandwich, material onde surgiram problemas, nestes residindo, verdadeiramente, a motivação da presente acção e, obviamente, da defesa da Ré.

Sustentando esta que parte do material (dos tais painéis sandwich) que lhe fora fornecido apresenta diversos defeitos, tais como cores diferentes, amolgadelas e marcas de plástico, o que a levou a mesma a fazer as correspondentes reclamações à autora, invocando a excepção de não cumprimento para o não pagamento reclamado, mais pretendendo, em sede reconvencional que a autora proceda á eliminação dos defeitos invocados, bem como a condenação da Autora no pagamento das despesas que terá de suportar com a substituição do dito material defeituoso.

Corrido o processo e realizada a audiência de julgamento, o certo é que apenas se provaram os factos acima descritos, e, no concernente aos painéis defeituosos, a factualidade supra e renovadamente transcrita.

Aí residindo o busílis da questão.

Ora, dessa factualidade (7 a 12), outra leitura e conclusão não podemos retirar se não a de que, identificado o dissídio entre as partes, restringido à questão dos painéis de fachada e a mais nada (!), as partes, tendo realizado uma reunião que ocorreu em finais de Outubro de 2020, para discutirem a questão sobre a qual se encontravam divididas, e para a mesma encontrarem uma solução, naturalmente amigável – porque a reunião se destinava a isso mesmo, a resolver consensualmente a questão do fornecimento dos painéis com defeitos e reclamados -, chegaram a um entendimento, lograram tal objectivo, conseguiram “fumo branco”, que se resumiu a que, para compensação dos diversos defeitos naqueles painéis, a Ré aceitaria os painéis no estado em que os recebeu da Autora, com os ditos defeitos, ficando com os mesmos e integrando-os (como já tinha integrado) no seu negócio e, obviamente, nada mais exigindo da Autora, designadamente a sua substituição, em contrapartida disso não pagando à Autora o valor da factura n.º 2020.....72, no montante de € 1.686,34, emitindo a A. à R. a respectiva nota de crédito, o que veio a ocorrer através da emissão da nota de crédito nº 2020.....09, de 30/10/2020, ficando aquela factura “anulada” pela Autora, com o motivo “material danificado”.

Ora, tal entendimento alcançado pelas partes, tudo indica que de forma transparente, com lisura e de boa fé, consistiu, em nossos entender, e como também entendeu o Acórdão recorrido, num contrato de transacção (art. 1248º do CC), tanto quanto é certo que, tendo as mesmas identificado o cerne do litígio, puseram termo a este, ou ultrapassaram-no, ou resolveram-no, como se queira, com cedências recíprocas, a Ré não mais reclamando os painéis defeituosos, ficando com os que tinham defeitos e que a Autora lhe fornecera nas condições sobreditas, e a Autora não recebendo o montante acordado, correspondente a uma das facturas emitidas que ainda se encontrava em dívida, no valor de € 1.686,34, emitindo a A. à R. a respectiva nota de crédito, o que veio a ocorrer através da emissão da nota de crédito nº 2020.....09, de 30/10/2020, ficando aquela factura “anulada” pela Autora, com o motivo “material danificado”.

No termos do art. 1248º, nº 1 do CC, transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões.

Diz o nº 2 que “as concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido

No tocante à forma, prescreve o art. 1250º que “a transacção preventiva ou extrajudicial constará de escritura pública quando dela possa derivar algum efeito para o qual a escritura seja exigida, e constará de documento escrito nos casos restantes.”

A finalidade do contrato de transação consiste, como do preceito consta, em prevenir ou terminar um litígio.

No caso vertente, encontra-se bem evidenciado o litígio que existia entre a partes, delimitado pelos painéis de fachada (com os identificados defeitos) fornecidos pela Autora à Ré, desconformidades estas que não foram percepcionadas pela Ré no momento da sua recepção, mas apenas aquando da colocação, sendo que esta colocação não deixou de ser levada a cabo.

Ora, identificado o problema sob litígio, bem, a Ré fez a correspondente reclamação à autora, solicitando a sua substituição ou “outra solução razoável”.

E surgiu então a solução, ou o desenlace do conflito, que não passou pela substituição, mas sim pelo entendimento constante da transacção, que acima analisámos, que em si constituiu a desejada “solução razoável”, no entender dos litigantes, que os mesmos buscavam encontrar.

Como é dito no Acórdão do STJ de 13/11/2018 (processo 97/15.9T8MGR.C1.S1), A existência de concessões recíprocas constitui requisito constitutivo do contrato de transação, deixados os termos da exigida reciprocidade à liberdade das partes e à avaliação pelas mesmas da distribuição do risco do resultado do litígio.

A transação «substitui a incerteza sobre a questão controvertida pela segurança que para cada uma das partes resulta do reconhecimento dos seus direitos pela parte contrária, tal como ficam configurados depois da transação» (Rodrigues Bastos, Dos Contratos em Especial, vol. III, 1974, pág. 221).”

No caso vertente, face à factualidade apurada e concernente a este aspecto, torna-se claro, vamos dizê-lo mais uma vez, que as partes, na dita reunião de 20 de outubro de 2020, encontravam a tal “solução razoável”, mediante contrapartidas recíprocas que estabeleceram, a Ré precindindo do seu direito a reclamar a eliminação dos defeitos ou a substituição dos materiais defeituosos (art. do CC) e a autora deixando de receber da Ré o valor que entre as mesmas foi acordado, emitindo a autora a correspondente nota de crédito, correspondente ao valor da factura 2020.....72, no valor de 1.686,34€, emitindo a A. à R. a respectiva nota de crédito, o que veio a ocorrer através da emissão da nota de crédito nº 2020.....09, de 30/10/2020, ficando aquela factura “anulada” pela Autora, com o motivo “material danificado”.

É esta a melhor interpretação que pode ser feita das declarações negociais que ficaram apuradas, fazendo apelo à teoria da impressão do destinatário (art. 236º do CC), de cujo nº 1 resulta que a declaração valerá com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

Da referida teoria da impressão do destinatário, de cariz objetivista, resulta que a declaração vale com o sentido que, como ficou dito, um declaratário normal, medianamente instruído, sagaz e diligente, colocado na posição do concreto declaratário, a entenderia.

Acerca da interpretação do art. 236.º do CC, vejam-se os ensinamentos da doutrina, colhidos no Acórdão do STJ de 20/11/2012, proferido no processo 176/06.3TBMTJ.L1.S2:

Os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. 1º, pág. 233, em nota ao art. 236º do Código Civil ensinam

“[...] A regra estabelecida no n.º 1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2).

(...) O objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.

(...) A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.”

O declaratário normal deve ser uma pessoa com – “Razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas fixando-a na posição do real destinatário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este conheceu concretamente e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo” – Paulo Mota Pinto, in “Declaração Tácita”, 1995, 208.

Ensina MENEZES CORDEIRO (in “Tratado de Direito Civil Português l, Parte Geral”, Tomo l, 1999, págs. 478 e 479), que“A doutrina actual encara a interpretação do negócio jurídico como algo de essencialmente objectivo; o seu ponto de incidência não é a vontade interior: ela recai antes sobre um comportamento significativo”...“tem de ser temperada com o princípio da tutela da confiança…” […] “entendemos que a interpretação do negócio deve ser assumida como uma operação concreta, integrada em diversas coordenadas. Embora virada para as declarações concretas, ela deve ter em conta o conjunto do negócio, a ambiência em que ele foi celebrado e vai ser executado, as regras supletivas que ele veio afastar e o regime que dele decorra”»

Já o artigo 237.º do Código Civil estabelece que, para os casos duvidosos, prevalece, nos negócios onerosos, o sentido da declaração que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.

E, relativamente aos negócios formais, quer seja legal ou voluntária a forma adotada, estabelece o artigo 238.º do mesmo Código que:

“1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade”.

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.11.92, in BMJ-421/364 (citado naquele mesmo acórdão de 20/11/2012), sentenciou:

“O Código Civil acolheu no artigo 236º, n.º1, a chamada “teoria da impressão do destinatário”. Segundo essa teoria, a declaração negocial deve ser interpretada com o sentido que um declaratário normal possa deduzir do comportamento do declarante. Mas, segundo o n.º 2 daquele artigo, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é esta que prevalece ainda que haja divergência entre ela e a declarada, resultante da aplicação da teoria da impressão do destinatário”.

Ou seja, justificando a Relação a sua interpretação da vontade real das partes, considerou que “em Outubro de 2020 crescia óbvio potencial litígio entre a autora e a ré - quanto à existência dos vícios invocados e às consequências daí a retirar para a obrigação de pagamento do material fornecido, litígio que veio mesmo a desaguar no confronto judicial a que estes autos dão forma.

E as concessões mútuas feitas pelo acordo que o ponto 11 - da matéria de facto descreve [a autora aceitando receber menos cerca de € 1 600,00; a ré aceitando sem mais os painéis que entendia defeituosos], sempre salvo melhor opinião, não permitem outra leitura que não estarmos perante a pacificação desse litígio [potencial em Outubro de 2020; real no dia de hoje] – pelo menos assim se entende que sem qualquer dúvida consideraria, tanto o fornecedor como o adquirente, normalmente diligentes, competentes, capazes, sagazes e inteligentes, colocados na posição de qualquer das partes, no momento da reunião a que se refere o ponto 11 da matéria de facto provada.

Ou seja, não estamos perante mero perdão ou renúncia da parte da adquirente, mas antes face a um acordo verbal [quanto a nós não meramente verbal], com concessões mútuas, destinado a ultrapassar as diferenças quanto à existência de vícios no produto fornecido e às consequências a daí retirar – o acordo em questão manifestamente não se centra no repúdio pela aqui recorrente dos direitos que lhe assistiriam enquanto adquirente de coisa defeituosa, mas antes reformula, recompondo-os, os direitos e obrigações reciprocamente assumidos pelas duas partes no âmbito do contrato de fornecimento anteriormente celebrado.

Notoriamente, e salvo sempre melhor opinião, trata-se de uma transacção extra-judicial [nº 1 do artigo 1248º do Código Civil].

Afigura-se-nos inteiramente razoável tal interpretação do negócio jurídico celebrado entre as partes, em ordem à busca da vontade real das partes, segundo os critérios fixados nos artigos 236.º a 238.º do Código Civil.

O acórdão recorrido, partindo da factualidade apurada entendeu que o negócio alcançado entre as partes na reunião entre ambas aprazada para resolver o problema assinalado pela Ré na sua reclamação, no dia reunião do dia 20 de Outubro, não admite outra interpretação que não seja a de que as partes celebraram entre si um contrato de transação, dizendo que o fizeram “notoriamente”.

É total a nossa concordância com tal entendimento, não tendo encontrando também qualquer sentido na interpretação que a 1ª instância fez a respeito de tais negociações, pois que a Autora não prescindiu de qualquer valor que lhe fosse devido pela Ré, o que sucedeu foi haver cedências de parte a parte, nos termos sobreditos e muito claramente resultantes da factualidade apurada, para resolver pacífica e amigavelmente o problema.

Aqui chegados, temos que o Acórdão recorrido, concluindo ter sido celebrado entre as partes um contrato de transacção, entendeu, porém, que o mesmo não foi reduzido a escrito, pelo que o considerou nulo, nos termos do art. 220º do Código Civil.

E seguidamente enveredou pela análise jurídica da causa, por outras vias, em função de tal nulidade.

Ora, é aqui que não concordamos com o Acórdão recorrido, pois que, quanto a nós, a formalidade exigida pelo art. 1250º do CC (de o acordo constar de documento escrito) foi respeitada no caso que nos ocupa, porquanto o acordo, tal como acima assinalámos, não foi meramente verbal, tendo sido refletido em documento escrito.

O “documento escrito” exigido no art. 1250º do CC tem de ser interpretado ante as condições em que o negócio foi concretizado.

No caso sabemos que as partes se reuniram com o propósito de discutirem a questão do fornecimento dos painéis com defeito, tendo chegado a acordo, que se resumiu a que a Ré não mais reclamasse da autora os painéis defeituosos que esta lhe fornecera, do passo que a Autora concedera também em não mais exigir o pagamento da factura 2020.....72, no valor de 1.686,34€, emitindo a A. à R. a respectiva nota de crédito, o que veio a ocorrer através da emissão da nota de crédito nº 2020.....09, de 30/10/2020, ficando aquela factura “anulada” pela Autora, com o motivo “material danificado”.

Ora, torna-se por demais evidente que, não tendo o negócio sido reduzido a escrito, com a clássica identificação das partes, inscrição de diversas cláusulas, prazos, valores, etc., e finalmente com a assinatura das partes, não deixou o negócio sob escrutínio de ser balizado, confirmado, no fundo outorgado entre as partes, por um documento escrito, exactamente a nota de crédito nº 2020.....09, de 30/10/2020, que a Autora emitiu a favor da Ré, 3 dias após aquela reunião, aí espelhando por escrito o desiderato de tal encontro, a transação entre as partes celebrada, sendo que, para além do valor creditado, consideraram as partes como “anulada” a factura correspondente, exarando a Autora no texto da nota de crédito a expressão “material danificado”, desse modo consignando o motivo da nota de crédito, que mais não pode traduzir do que o acordo a que as partes chegaram a respeito daquele material defeituoso.

Diremos até que a mais “documento escrito” não eram as partes obrigadas, cada uma dela ficando titulada com o resultado da transacção entre si negociada, sendo respeitado o mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, exigido pelo art. 238º nº 1 do CC.

No caso presente, a “expressão imperfeição” poderia resultar da circunstância de apenas a Autora ter emitido uma declaração escrita, a dita nota de crédito com a menção de “material danificado”, e a ré não ter participado, pelo menos activamente, na feitura de tal documento.

Contudo, como dissemos, também a Ré participou no processo decisório de plasmar naqueles termos documentais o “acordo” alcançado, acrescendo que a declaração escrita em causa, tendo natureza receptícia ou recipienda, cuja validade carece do conhecimento do destinatário, foi indubitavelmente validada pela Ré, que a recebeu e a ela anuiu, assim participando no resultado autocompositivo ínsito na mesma, aceitando-a como boa e assim assumindo a sua própria intervenção negocial, como tal tornando perfeita a declaração negocial nela expressa (art. 224º nº 1 2ª parte do CC).

Com efeito, nos dias que correm, em que são tão diversos os negócios que os agentes económicos realizam entre si, procurando reagir e adaptar-se ao dinamismo crescente e cada vez mais concorrencial da sociedade em que se movem, num tempo em que a rapidez é imperiosa na resolução dos “problemas” e para a obtenção de ganhos, e que cada vez mais devem ser compreendidos procedimentos no sentido de os formalismos serem simplificados, sem prejuízo do respeito pelos mesmos quando a lei os exige, não se revela crível que se possa exigir que num negócio desta natureza, com contornos de manifesta simplicidade, que podemos considerar quase mínimos, se possa exigir que, para que se considere o negócio como válido, seja necessário que as partes, no final da reunião havia, outorgassem um contrato redigido nas suas diversas cláusulas, assinado no seu final, e aí fizessem constar o entendimento a que chegaram (muito embora o pudessem ter feito), quando tal procedimento, para além de moroso e por inerência dispendioso, acabaria por se revelar inútil, já que o objectivo com o mesmo pretendido poderia ser alcançado de uma forma muito mais simples, como foi, através da nota de crédito, onde se fez constar que a mesma correspondia a “material danificado”, assim constituindo esta mesma nota de crédito o “título” da transacção alcançada pelas partes a respeito daquele mesmo material, que constituiu motivo para a convocatória à reunião de onde brotou o acordo que fora exarado por escrito naqueles termos, assim ficando observado o disposto no art. 1250º do CC, precisamente a nota de crédito, que tem natureza receptícia, que mais do que um documento meramente contabilístico, espelha a vontade de ambas as partes porem fim, e me que termos, ao dissídio que viria a constituir o fulcro de ulterior litígio entre as mesmas, que assim ficou prevenido e resolvido, logrando os objectivos que a lei prevê no art. 1248º do CC.

Aqui chegados, válido o acordo de transacção celebrado entre as partes nos termos deste preceito, ficou esclarecido em que termos se impõe a resolução do presente litígio, ficando prejudicadas as demais suscitadas na revista (enriquecimento sem causa, substituição dos painéis e redução do preço).

Assim improcedendo todo o argumentário jurídico aduzido pela recorrente, o que impõe a revogação do Acórdão, também na parte inscrita no ponto I b) do respectivo dispositivo (em que condenou a Autora reconvinda a “entregar à reconvinte, em substituição dos painéis referidos no ponto 8 - da matéria de facto provada, painéis isotérmicos de fachada que não apresentem variações de tonalidade em relação aos demais, e não possuam amolgadelas nem marcas”).

Cumpre, agora, porém e ainda, regressar à 1ª questão suscitada pela recorrente, ou seja, o erro de cálculo imputado ao Acórdão recorrido, o qual, por uma questão de justiça material não deixaremos de apreciar, embora tal questão devesse ter sido colocada pela rè perante o tribunal recorrido, como ficou dito.

Entendemos, porém, que agora clarificado que a Autora não deverá receber da Ré o quantitativo que creditou à Ré (através da nota de crédito nº 2020.....09, de 30/10/2020), no âmbito da transação que com esta celebrou, correspondente ao valor da factura 2020.....72, no valor de 1.686,34€, temos já todas as condições para fixar o valor ou valores em dívida que a Ré deverá pagar à Autora.

Neste âmbito, mal compreendemos que o Acórdão tenha considerado que “os vícios acima indicados abrangem apenas os painéis destinados às fachadas, incluídos na factura não exigida nos autos [referida em 3-f)] e em parte da factura referida no ponto 3-d) da matéria de facto provada, concretamente nos segmentos com os valores de € 7 386,85 e € 2 971,39, a que acresce IVA [ponto 7- da matéria de facto provada].

Portanto, à parte da mercadoria que inclui os painéis viciados, cujo pagamento é exigido nestes autos, corresponde o valor global de [(7 386,85 + 2 971,39) x 1,23 (IVA) =] € 13 465,71.

E, consequentemente, respeita a mercadoria sem a mínima dúvida isenta de qualquer vício a quantia global de [47 730,77 – 13 465,71 =] € 34 265,06.

Quanto a este valor inexiste qualquer fundamento para a ré recusar o pagamento – e nele a ré/recorrente deve ser condenada.”

Ora, face à transacção celebrada entre as partes, não se compreende que o tribunal recorrido tenha deduzido aos valores em dívida o valor global das facturas alusivas a painéis, porquanto apenas se apurou que “dos fornecimentos efectuados, apenas se referem à venda de painéis de fachada a factura aludida em f) e parte da factura aludida em d) (segmentos com os valores (sem Iva) de € 7.386,85 e € 2.971,39. (facto 7)

Não significando isto que todos os painéis de fachada fornecidos estivessem avariados, com defeitos, mas apenas “alguns” deles, como vem referido no facto provado sob o ponto 8.

Não tendo sentido, que a Relação, mercê de tal lapso interpretativo dos factos provados, tenha deduzido aos valores em dívida os valores totais das facturas referentes a painéis de fachada, tendo sentido sim e apenas, considerar o valor da nota de crédito 2020.900009 que a Autora emitiu a favor da Ré na sequência do acordo de transação entre as mesmas celebrado, por causa de alguns painéis de fachada avariados, no valor de 1.686,34€, correspondente à factura 2020.....72, a qual passou a considerar-se liquidada.

E aqui chegados, feito este esclarecimento, encontramo-nos em condições de fixar os valores que a Ré deverá pagar à Autora, por deles ser ainda devedora.

Assim, em face da factualidade apurada, a Ré deverá pagar à Autora, os montantes constantes do ponto 3, c), d) e e) dos factos provados, acrescidos dos respectivos juros moratórios (à taxa supletiva dos juros comerciais, como decidiu o Acórdão recorrido) desde vencimento das respectivas facturas (art. 805º nº 2 al. a) do CC), ou seja:

- A quantia de 3.119,67 €, correspondente à factura 2020.....47, datada de 07/09/2020 e vencida em 07/10/2020, o que impõe o pagamento de juros moratórios desde esta data até integral pagamento;

- A quantia de 43.636,78 €, correspondente à factura 2020.....59, datada de 16/09/2020 e vencida em 16/10/2020, o que impõe o pagamento de juros moratórios desde esta data até integral pagamento;

- A quantia de 974,43 €, correspondente à factura 2020.....64, datada de 25/09/2020 e vencida em 25/10/2020, o que impõe o pagamento dos respectivos juros moratórios desde esta data até integral pagamento.

Assim, e neste aspecto, procedendo parcialmente a revista.

DECISÃO

Por todo o exposto, Acordam os Juízes que integram esta 7ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça em julgar a presente revista parcialmente procedente, revogando-se o acórdão recorrido e em sua substituição se condenando a Ré a pagar á Autora os seguintes valores:

- A quantia de 3.119,67€, acrescida de juros moratórios, à taxa supletiva dos juros comerciais, desde 8/10/2020 e vincendos até integral pagamento;

- A quantia de 43.636,78€, acrescida de juros moratórios, à taxa supletiva dos juros comerciais, desde 17/10/2020 e vincendos até integral pagamento;

- A quantia de 974,43 €, acrescida de juros moratórios, à taxa supletiva dos juros comerciais, desde 27/10/2020 e vincendos até integral pagamento.

Custas pela recorrente e recorrida, na proporção do respectivo decaimento.


Lisboa, 17 de Outubro de 2024

Relator: Nuno Ataíde das Neves

1ª Adjunta – Senhora Conselheira Fátima Gomes

2º Adjunto – Senhor Juiz Conselheiro Barateiro Martins