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REGISTO CRIMINAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
NÃO TRANSCRIÇÃO
Sumário
1- O registo criminal assume uma função de prevenção especial negativa, no sentido de conferir proteção à sociedade, quanto a condenados em sede Criminal. 2 – Não há uma correspondência direta entre o juízo favorável feito quanto à suspensão e o feito quanto à não transcrição da condenação no registo, para efeitos profissionais. 3 – De outra forma, bastaria a suspensão da execução da pena de prisão, para que fosse automaticamente determinada a não transcrição. 4 – As consequências da não suspensão da execução da pena são mais graves que as da não transcrição no registo criminal, tal como diferentes os respetivos regimes, pelo que se deve ser mais exigente e rigoroso, nos casos de não transcrição.”
Texto Integral
1 – Relatório
Por despacho proferido nestes autos em 8 de Novembro de 2 023, foi proferida a seguinte decisão,nestes autos em que é arguido AA:
- “Pelo exposto, defere-se o requerido pelo arguido, determinando-se a não transcrição da sentença condenatória proferida nos certificados do registo criminal a si respeitantes e a emitir no âmbito do disposto no art.º 10º, ns.º 5) e 6), da Lei n.º 37/2015.”
Discordando desta decisão, das mesmas interpôs recurso o M.P., peça que sintetizou nas seguintes conclusões e pedidos:
1) “Tendo o arguido sido condenado pela prática de um crime de violência doméstica requereu a não transcrição da mesma no seu certificado de registo criminal nos termos do disposto no art.º 13º, nº1, da Lei nº 37/2015, de 05.05. 2) O Tribunal deferiu o requerido aplicando mutatis mutandis o juízo realizado no âmbito da suspensão da execução de uma pena de prisão ao abrigo do disposto no art.º 50.º do Código Penal. 3) Nos termos do disposto no art.º 13º, nº1, da Lei nº 37/2015, de 05.05, “a não transcrição da condenação nos certificados de registo criminal para fins de emprego ou para o exercício de profissão ou atividade depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: «- um pressuposto formal: consistente na condenação do arguido em pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade. Para este efeito, como foi decidido no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 13/2016, de 07.07.2016, publicado no Diário da República nº 193/2016, Série I, de 07.10.2016, «A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redação dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro», sendo que tal jurisprudência mantém validade face à redação do art. 13º, nº1 da Lei nº 37/2015, de 05.05, que revogou aqueloutro diploma legal. - dois pressupostos materiais (ou substantivos): exige-se que o condenado não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e que das circunstâncias que acompanharam o crime não se possa induzir o perigo de prática de novos crimes.» acórdão da Relação de Guimarães de 05 de julho de 2021, processo 33/19.3GAMGD.G1, disponível em wwww.dgsi.pt. 4) A lei indica ao julgador como critério a utilizar para aquilatar da verificação ou não deste último requisito a valoração das circunstâncias que acompanharam o cometimento do crime e não as verificadas posteriormente a este. 5) Tal juízo é distinto daquele que é efetuado no âmbito da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do disposto no art.º 50º, nºs 1 e 2, do Código Penal. 6) Com efeito, no âmbito de tal normativo, é necessário a existência de juízo de prognose positivo favorável à realização das finalidades da punição, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça de prisão dela adveniente, ainda que subordinada ao cumprimento de deveres, à observância de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova, realizam de forma adequada as finalidades de prevenção geral e especial. 7) Como bem se refere no Acórdão da Relação do Porto de 13.01.2021, processo 316/16.4T9AVR-D.P1, disponível em www.dgsi.pt, que passamos a transcrever, a norma do art.º 13º, nº 1, da Lei nº 37/2015, «é ainda mais exigente do que a do nº 1 do art.º 50º do CP, no âmbito da suspensão da execução da pena de prisão (…). Ou seja, esta última, além de exigir a formulação de um juízo de prognose positivo, relativamente à futura reintegração social do arguido e a um comportamento futuro sem cometer crimes (finalidades de prevenção especial), fá-lo por apelo a uma pluralidade de circunstâncias, como seja a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, e tendo ainda em conta os efeitos que a ameaça da pena de prisão concretamente aplicada terão no comportamento futuro do agente, aceitando-se até uma certa margem de risco na realização desse juízo de prognose, enquanto que a norma do art.º 13º, nº 1, da Lei nº 37/2015, exigindo a verificação da inexistência de perigo da prática de novos factos, impõe que tal exigência seja satisfeita apenas com base nas “circunstâncias que acompanharam a prática do crime”. Ou seja, a tónica é posta na gravidade do crime, na ilicitude típica, bem como no tipo de culpa concretamente manifestados na conduta adotada e penalmente punida, nomeadamente, e por referência analógica às circunstâncias relativas ao facto punível, previstas no art.º 71º, nº 2, do CP, para a determinação da pena, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, o que permitirá também aferir da personalidade do arguido documentada nesses mesmos factos (e não já nas demais circunstâncias referidas na norma do nº 1 do art.º 50º do CP, previstas para a suspensão da execução da pena de prisão), bem como se face a tais circunstâncias se pode objetivamente afirmar que não há perigo da prática de novos crimes, ou que a partir delas se não pode induzir perigo dessa prática. A maior exigência acabada de referir resulta ainda do facto de a inexistência de antecedentes criminais por crimes da mesma natureza ser um pressuposto negativo de funcionamento automático, assim como resulta ser automática a revogação do cancelamento que haja sido determinado, prevista no nº 3 do art.º 13º da Lei nº 37/2015, a sua não produção de efeitos, com fundamento no facto de o interessado incorrer, ou já houver incorrido, em nova condenação por crime doloso posterior à condenação onde haja sido proferida a decisão. Automaticidade essa que já não existe no âmbito da suspensão da execução da pena de prisão, precisamente por entrarem em linha de conta muitas mais circunstâncias, e entre elas os efeitos no condenado da ameaça da pena de prisão aplicada. A formulação da norma, a sua hipótese, está definida, portanto, para a decisão de deferimento da não transcrição, exigindo para tal, como pressuposto material, poder-se fundadamente concluir que das circunstâncias que acompanham o crime não decorre perigo da prática de novos crimes.» 8) Ora, revertendo à situação dos autos, tendo em consideração a matéria de facto dada como provada, a motivação da decisão de facto e a fundamentação de direito da sentença, não podemos de modo algum concluir pela inexistência de perigo da prática de novos crimes por parte do arguido, tendo em conta as circunstâncias em que o crime foi praticado. 9) Atente-se às circunstâncias tidas em conta na sentença constante dos autos para determinar a pena aplicada ao arguido: «- a intensidade do dolo, que reveste a modalidade de dolo direto, que corresponde ao nível mais elevado de intencionalidade criminosa, uma vez que representou os factos e agiu com a intenção de os realizar; - o grau de ilicitude, refletido no facto e no desvio de valores impostos pela ordem jurídica, é médio, considerando a circunstância de a sua atuação se ter traduzido não apenas em maus tratos psíquicos, mas também em episódios de comportamentos agressivos para o corpo da ofendida (dois episódios de agarrões nos braços e relações sexuais que magoavam a ofendida), se bem que de baixa intensidade. - as consequências que advieram para a ofendida do comportamento do arguido: não se revestiram de especial gravidade do ponto de vista físico, mas o mesmo já não sucede com as sequelas psicológicas que tal comportamento terá deixado na pessoa da ofendida; - Os motivos que estiveram na origem do seu comportamento: provou-se que costumava insultar, rebaixar, agredir e ameaçar a ofendida sobretudo quando ingeria bebidas alcoólicas;» 10) Tenha-se em consideração, também, o facto da suspensão ter ficado sujeita a regime de prova, constando da sentença proferida que «a suspensão de execução da pena deverá ficar condicionada a regime de prova, que não só proteja adequadamente a vítima, como permita ao tribunal vir a concluir que existe da parte do arguido a interiorização da gravidade do seu comportamento e a intenção de se reinserir de forma plena na sociedade. E o regime de prova é tanto mais premente quanto o arguido AA tem problemas de alcoolismo e alguns dos factos constantes da acusação que foram objeto de apreciação são ainda relativamente recentes.» 11) Na verdade, os maus tratos infligidos pelo arguido à ofendida, essencialmente psicológicos, mas ainda com alguns episódios de violência física e sexual, ocorreram de forma reiterada ao longo de vários anos, tendo sido agravados pela ingestão por parte do arguido de bebidas alcoólicas em excesso. 12) Tudo isto evidencia uma atitude de fácil descontrolo emocional por parte do arguido, que tem enorme dificuldade em dominar os seus impulsos violentos, não se controlando; descontrolo esse que é mais patente quando ingere bebidas alcoólicas em demasia. 13) Acresce que nem a presença das filhas foi dissuasora o suficiente para que o arguido adotasse uma atitude conforme ao direito e se abstivesse de maltratar e ameaçar a ofendida como resulta do episódio descrito nos factos provados e ocorrido em 7 de julho de 2022. 14) Tais fatores são reveladores da efetiva existência de níveis de perigosidade latentes e, como tal, impedem a formulação de um juízo de prognose favorável ao não cometimento futuro de novos crimes por parte do arguido ao abrigo do normativo em análise. 15) Desta forma, tudo visto e ponderado, andou mal o Tribunal ao não indeferir o requerimento do arguido de não transcrição da decisão condenatória para efeito dos certificados mencionados nos nºs 5 e 6 do art. 10º da Lei nº 37/2015, de 05.05, e ao fazê-lo, violou o disposto no art.º 13º, nº1, da Lei nº 37/2015, de 05.05. Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, determinar-se a revogação da decisão recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra que que indeferira o requerimento do arguido de não transcrição da decisão condenatória. Vª Exªs farão justiça”
O arguido não respondeu, ao recurso apresentado pelo M.P.
O Dignm.º Procurador Geral Adjunto, já neste Tribunal da Relação, teve vista nos autos. Sufragou as contra-alegações do M.P., proferidas em 1ª instância. Mais referiu que entende estarem presentes, no caso concreto, os dois requisitos formais da não transcrição da condenação, no registo criminal – ter o arguido sido condenado em pena de prisão até 1 (um) ano ou não privativa da liberdade e não ter condenações anteriores, pelo mesmo tipo de crime. Quanto ao requisito substantivo da não transcrição, o de não decorrer das circunstâncias que acompanharam o crime, o perigo da prática de novos ilícitos, considerou que este não estava preenchido. Com efeito, considera que este juízo deve ser diferente do juízo de prognose social favorável que baseia a suspensão da execução da pena de prisão, não bastando esta para que a decisão não seja transcrita. Entende ainda que, no caso dos autos, o crime cometido não foi de reduzida gravidade e que o arguido sofre de alcoolismo, o que aumenta os seus níveis de perigosidade latente – do que decorre risco da prática de novos crimes. Assim e na falta deste requisito substantivo para a não transcrição da sentença no registo criminal, considera que a condenação deve ser transcrita. Sustenta assim e também, que o recurso interposto pelo M.P., deva ser julgado procedente. Notificada o recorrido nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., o mesmo também nada disse.
Vai ser proferida decisão em conferência, como dispõe o art.º 419º/3, b), C.P.P.
2 – Fundamentação
A fim de melhor se percecionar a questão em análise, transcrever-se-á de seguida e na íntegra, o despacho recorrido: “ Do requerimento de não transcrição da sentença no CRC: O Arguido AA foi condenado, por sentença proferida em 30/10/2023, pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, nº 1 al. a) e nº 2 al. a) do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos, suspensão sujeita a regime de prova, o qual deverá incidir sobre os problemas de alcoolismo do arguido. Finda a leitura da referida sentença, veio o arguido requerer ao abrigo do art. 13.º da Lei de identificação Criminal a não transcrição da sentença no certificado para o registo criminal. O Ministério Público opôs-se ao requerido através da promoção que antecede. Importa decidir. O art. 10.º, n.º 1, da Lei 37/2015, de 5 de maio - Lei da Identificação Criminal, dispõe que "O certificado do registo criminal identifica a pessoa a quem se refere e certifica os antecedentes criminais vigentes no registo dessa pessoa, ou a sua ausência, de acordo com a finalidade a que se destina o certificado, a qual também é expressamente mencionada". Por sua vez, o n.º 1 do art. 2.º da citada Lei, estabelece que "A identificação criminal tem por objeto a recolha, o tratamento e a conservação de extratos de decisões judiciais e dos demais elementos a elas respeitantes sujeitos a inscrição no registo criminal e no registo de contumazes, promovendo a identificação dos titulares dessa informação, a fim de permitir o conhecimento dos antecedentes criminais das pessoas condenadas e das decisões de contumácia vigentes". A inscrição de uma condenação penal no registo criminal é uma consequência da prática de um crime, refletindo a conjugação entre uma ordem jurídica que concebe a socialização dos delinquentes como desígnio do sancionamento penal, e as exigências de proteção da comunidade, à luz dos perigos de uma sempre possível recidiva. Isto significa, portanto, que o registo criminal visa, desde logo, defender a sociedade dos perigos que estão associados a determinado tipo de delinquência e de delinquentes. Nesta decorrência, o registo criminal contém os antecedentes criminais de todos os cidadãos, por forma a permitir o respetivo conhecimento, nos termos legais, ou a atestar a ausência de antecedentes criminais, e daí que o seu acesso permita às autoridades judiciárias conhecer um concreto passado criminal, dele extraindo as devidas e legais ilações, do mesmo modo que permite aos particulares conhecer esse estado das pessoas com quem têm de conviver. Ao conhecer-se o passado criminal, naturalmente que se acautelam ou, no mínimo, podem minimizar-se os referidos perigos. Todavia, como é sabido, as penas visam também, e principalmente, a ressocialização do delinquente, pelo que o registo criminal tendo embora aquele efeito preventivo, não deve e não pode promover a estigmatização do condenado e não deve ser meio de evitar a sua socialização, contrariando as finalidades das penas. (acompanhamos aqui a explanação constante do Acórdão do TRP de 12-02-2020, rel. Paula Moreira Rocha, publicado em Coletânea de Jurisprudência) Assim, a regra é a transcrição das condenações no registo criminal, mesmo nos casos de delinquência primária (cfr. art. 5.º, n.º 1 e 6.º, a), da mesma Lei), como é a situação do arguido. As exceções à aludida regra estão consagradas no art. 13.º e, uma vez verificados os seus pressupostos, nada obsta a que se defira o ora requerido pelo arguido. Estabelece o artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015 o seguinte: “Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º” Trata-se, por conseguinte, de não permitir a produção de um entrave adicional à inserção social do condenado, nomeadamente tornando mais difícil o acesso ao mercado de trabalho. Porque o funcionamento do registo criminal se fundamenta, neste âmbito de acesso, em razões de prevenção especial negativa, deduzidas de uma ideia de defesa social contra o perigo de futuras repetições criminosas, serão princípios de necessidade, subsidiariedade e proporcionalidade a decidir da possibilidade de determinar a não transcrição. Os pressupostos exigidos na referida norma são os seguintes: a) o condenado seja pessoa singular condenada em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade, b) O condenado não tenha sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza; e c) Sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes. No caso em apreço, o arguido foi condenado na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos (pena não privativa da liberdade, seguindo a doutrina expressa no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 13/2016), pelo que se mostra verificado o primeiro dos pressupostos. Depois, o arguido não tem quaisquer antecedentes criminais, estando igualmente verificado o segundo dos requisitos. Posto isto, resta apreciar a situação de reporte à exigência de cariz material de que das circunstâncias que acompanharam o crime não se possa induzir perigo de prática de novos crimes. Este terceiro requisito faz depender a não transcrição da condenação no registo criminal de um juízo negativo sobre o perigo de prática de novos crimes. A este propósito, diz-nos o Ac. do TRE de 22-02-2022 que “o juízo de prognose acerca do comportamento futuro do (arguido/condenado), relativamente ao aludido requisito material, não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada, como espécie do mesmo género que se exige para a suspensão da execução da pena de prisão.” Ora, no artigo 50.º, do CP, faz-se depender a suspensão da execução da prisão de um juízo de realização “de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, tal significando um juízo de prognose favorável acerca da ressocialização do arguido em liberdade, nomeadamente, de não praticar outros crimes durante o período da suspensão. A aplicação deste instituto assenta, pois, num risco prudencial sobre a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior à prática do crime e as circunstâncias deste, as quais, mutatis mutandis, se deverão igualmente atender para aferir da existência de juízo de prognose negativo sobre o perigo de prática de novos crimes. Neste caso, o arguido encontra-se inserido familiar, social e profissionalmente e não tem antecedentes criminais. Acresce que, o arguido mostrou-se arrependido pelas expressões que proferiu à ofendida, demonstrando que, pelo menos nessa parte, interiorizou o desvalor, a gravidade e censurabilidade da sua conduta. De resto, a própria suspensão da execução da pena, como pena de substituição ou pena não privativa de liberdade, já se encarregou de afirmar que as circunstâncias que envolveram o crime não induzem perigo da prática de novos crimes, ou pelo menos que há um juízo de prognose favorável, onde a ameaça de prisão é suficiente para que o arguido não volte a infringir e paute a sua vida em conformidade com o ordenamento jurídico. Perante este quadro parece que não existe perigo de reiteração da atividade criminosa. Tudo isto sugere, pois, um juízo de prognose favorável acerca da sensibilidade do arguido à aplicação da pena em que foi condenado e suscetibilidade de por ela se deixar influenciar, com inevitáveis consequências mitigadoras em sede de prevenção especial positiva. Finalmente, a não transcrição da condenação pode ser decisiva em termos profissionais, sendo que o arguido está empregado, há pouco tempo (cerca de um ano), e a sua entidade patronal pode ter exigências internas rigorosas em matéria de CRC, sendo importante a continuação da atividade laboral por parte do arguido sobre todos os aspetos, incluindo a que decorre das suas obrigações parentais (prestação de alimentos e ajuda nas atividades extracurriculares). Assim, estão integralmente preenchidos os requisitos para que a sua pretensão possa ser atendida. A não transcrição da condenação no registo criminal pode ser determinada na própria sentença ou em despacho posterior. Pelo exposto, defere-se o requerido pelo arguido, determinando-se a não transcrição da sentença condenatória proferida nos certificados do registo criminal a si respeitantes e a emitir no âmbito do disposto no artigo 10.º, n.ºs 5 e 6, da Lei n.º 37/2015. Comunique, após trânsito em julgado, aos Serviços de Identificação Criminal, nos termos e para os efeitos do disposto art. 6.º, g), da Lei n.º 37/2015. Notifique.” 2.1. – Questão a Resolver 2.1.1. – Da Não Transcrição da Condenação no Registo Criminal, para Efeitos Civis
2.1.1. – Da Não Transcrição da Condenação no Registo Criminal, para Efeitos Civis
O arguido AA foi nestes autos condenado pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelos arts.º 152º/1, a) e n.º 2), a), C.P., na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão, com a execução suspensa pelo período de 2 (dois) anos.
Posteriormente à sentença, veio requerer a não transcrição desta condenação para efeitos civis.
A regra é constarem dos certificados de registo criminal todas as condenações de um condenado (art.º 10º/1, Lei n.º 37/15, 5/5, também denominada de “Lei de Identificação Criminal), com exceção das que cancelaram definitivamente (respetivo art.º 11º) e, para alguns efeitos civis, daquelas em que o Juiz determinou a respetiva não transcrição, nos termos do disposto no art.º 13º/1, do mesmo diploma normativo.
Quanto ao crime em causa e como decorre dos arts.º 13º/1, início, L. n.º 37/15, 5/5 e 2º/4, a), Lei n.º 113/09, 17/9, revista pela L. n.º 103/15, 24/8, porque está em causa um crime de violência doméstica, desde logo a lei determina que seja sempre transcrita a condenação, quando esteja em causa o acesso a profissões, empregos, funções ao atividades públicas ou privadas, que envolvam contactos com menores.
Com efeito, o registo criminal assume uma função de prevenção especial negativa, no sentido de conferir proteção à sociedade quanto a condenados em sede criminal.
É esta a regra, alargada até e como se referiu, nos condenados por violência doméstica ou maus tratos, quando podem estar em causa a crianças – em que a decisão de não transcrição, nunca poderá abranger estes casos.
Exceção é a possibilidade de o Juiz, caso a caso e no sentido da não estigmatização do condenado e de favorecer a sua reinserção, designadamente laboral, poder determinar a não transcrição da condenação, exatamente para esses fins laborais – arts.º 13º/1 e 10º/5 e 6), L. n.º 37/15, 5/5.
Ora, o primeiro destes referidos normativos faz depender esta possibilidade de dois requisitos formais e de um material –art.º 13º/1 cit.
Os formais consistem na ausência de antecedentes criminais pelo tipo de crime em causa e no facto de a condenação ser em pena de prisão até 1 (um) ano ou em pena não privativa da liberdade.
Ora, estabeleceu-se já no “A.U.J.” n.º 13/16, de 7/7/16 e publicado na 1ª Série do “D.R.”, de 7/10/16, que a condenação em pena de prisão com a execução suspensa constitui uma pena não privativa da liberdade.
O arguido nos autos não tinha também, anteriormente, qualquer condenação por este tipo de crime.
Pelo que, no caso dos autos estão sem dúvida preenchidos estes dois requisitos formais da não transcrição da condenação para efeitos civis, nomeadamente de emprego.
O material tem a ver com o risco da prática de novos crimes, decorrente das circunstâncias que acompanharam o crime.
Questão que se tem posto jurisprudencialmente é se, este risco é sobreponível ao juízo de prognose social favorável, que permita a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do disposto no art.º 50º/1 C.P. De facto, tal juízo de prognose favorável também se funda de que a simples ameaça de pena é suficiente para que o arguido não pratique mais crimes ou seja, num juízo favorável quanto ao não cometimento no futuro, de mais crimes pelo arguido.
O próprio regime legal dos dois institutos aponta porém, para diferenças.
Assim, na não transcrição da condenação para efeitos civis exige-se a ausência de antecedentes criminais quanto ao tipo de crime em causa, enquanto isso não acontece na suspensão da execução da pena de prisão – cfr. os citados arts.º 13º/1, L. n.º 37/15 e 50º C.P.
Do mesmo modo, a condenação por crime doloso gera a revogação da decisão de não transcrição (art.º 13º/3, L. n.º 37/15), enquanto no que se refere à suspensão isso não é automático, só ocorrendo se o Tribunal entender que as finalidades que determinaram a suspensão não foram atingidas (art.º 56º/1 C.P.).
Daí, que não haja uma correspondência direta entre o juízo favorável feito quanto à suspensão e o feito quanto à não transcrição, até porque se fosse assim, bastaria a suspensão para que fosse determinada a não transcrição – cfr. os recentes Acórdãos da Relação de Guimarães, de 5/7/21 (com situação semelhante à dos autos), Paulo Serafim e de 22/3/21, Armando Azevedo, da Relação de Lisboa, de 12/9/19, Abrunhosa de Carvalho e da Relação do Porto, de 13/1/21, Mota Ribeiro, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
É, com efeito, fácil de entender que na suspensão da execução da pena de prisão a alternativa é a própria prisão, enquanto na não transcrição é a própria transcrição, também para fins de emprego.
É evidente que a prisão põe mais em causa os direitos, liberdades e garantias do condenado, do que a não transcrição. Daí que a lei seja mais exigente com a aplicação de uma pena de prisão efetiva, do que com uma não transcrição no registo, o que decorre do próprio princípio da proibição do excesso, quando está em causa a restrição de direitos por colisão com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos – art.º 18º/2 C.R.P.
Daí, que não se deva fazer, como na decisão recorrida, um juízo de paridade entre a razoabilidade da suspensão e a da não transcrição.
Com efeito, neste campo deve-se ser mais exigente, porque a decorrência para o condenado é muito menos grave e ainda porque, a não transcrição da condenação para efeitos civis constitui uma exceção à regra.
No caso dos autos, é certo que não ocorreu qualquer ato de agressão física, mas também o é que ocorreram durante anos atos de injúrias e de ameaças, inclusive perante as suas duas filhas menores, sendo que o comportamento do condenado se foi agravando com o consumo excessivo de álcool.
Estamos perante comportamentos lesivos da integridade psíquica de outrem, reiterados ao longo de anos, na frente de filhas menores e agravados pelo alcoolismo. Está em causa doença psicológica que pode ser mitigante da culpa do arguido, mas que em muito aumenta a sua perigosidade, isto é a possibilidade de que venha a cometer novos ilícitos.
Tudo conjugado e não obstante se ter feito do arguido um juízo de prognose social favorável em termos de suspensão da execução da pena de prisão, considera-se que para efeitos do art.º 13º/1, L. n.º 37/15, se deve entender que existe algum risco da prática de novos crimes - o que obsta à não transcrição da condenação, para efeitos civis e de obtenção de trabalho.
Termos em que, deve proceder o recurso interposto pelo M.P., substituindo-se a decisão recorrida por outra, em que indefira a pretensão do condenado de não transcrição da sua condenação, para efeitos civis, mesmo além dos casos em que não esteja em causa o contacto com menores. Procede pois na íntegra, o recurso interposto pelo M.P.
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Razões por que, 3 - Decisão
a) se julga totalmente procedente o recurso apresentado pelo M.P., por via disso se substituindo o despacho recorrido por outro que indefere o requerimento do condenado AA, para que a sua condenação não conste do seu C.R.C. nos certificados para efeitos meramente civis.
b) Sem custas, porquanto o condenado não decaiu em qualquer recurso que haja interposto – art.º 513º/1, C.P.P., “a contrario”.
c) Notifique.
Guimarães, 8 de outubro de 2 024
(Pedro Cunha Lopes) (Pedro Freitas Pinto) (Fátima Furtado)