SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
NÃO REVOGAÇÃO
LEGITIMIDADE DO ASSISTENTE PARA RECORRER
Sumário


I .Nos termos do assento n.º ...9, de 10 de agosto “o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.”.

II. Quando relativamente aos delitos cometidos pelo arguido na pessoa do assistente, é imposto àquele, como condição da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, o cumprimento de obrigações que visam proteger precisamente o assistente, requerendo este a revogação da suspensão da execução da referida pena - em virtude de reiterada conduta do arguido de violação das obrigações impostas, que o coloca em sobressalto contínuo, por temer que o arguido atente contra a sua vida e integridade física como ameaça fazer, perturbando o seu sentimento de paz e segurança -, e não alcançado tal desiderato, possui legitimidade para recorrer, mesmo que esteja desacompanhado do Ministério Público, pois o apontado circunstancialismo demonstra um concreto e próprio interesse em agir.

Texto Integral


Acordaram, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

I.1 No âmbito do processo comum coletivo n.º 213/20.... que corre termos pelo Juízo Central Criminal de Braga - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a 1 de abril de 2022, foi proferido acórdão condenatório, com o seguinte dispositivo [transcrição]:
“(…)
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo em:
1) Condenar o arguido AA:
a) pela prática, em 27.04.2020, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143º, nº 1, do CP, na pessoa do assistente BB, na pena de 1 (um) ano de prisão;
b) pela prática, em 27.04.2020, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artº 153º, nº 1, e 155º, nº 1, al. a), do CP, na pessoa do assistente BB, na pena 6 (seis) meses de prisão;
c) pela prática, em 4.11.2020, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143º, nº 1, do CP, na pessoa do assistente BB, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
d) pela prática de quatro crimes de injúrias, p. e p. pelo artº 181º, nº 1, do CP, na pessoa do assistente BB, na pena de 1 (um) mês de prisão por cada um dos crimes;
e) pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 22º, 23º e 223º, nº 1, do CP, na pessoa do assistente BB, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
f) pela prática de um crime de perseguição, p. e p. pelo artº 154º- A, nº 1, do C.P., na pessoa do assistente BB, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;
g) pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo art.º 153º, nº 1, do CP, na pessoa do assistente CC, na pena de 3 (três) meses de prisão;
h) pela prática de um crime de injúrias, p. e p. pelo art.º 181º, nº 1, do CP, na pessoa do assistente CC, na pena de 1 (um) mês de prisão:
i) pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143º, nº 1, do CP, na pessoa do assistente CC, na pena de 8 meses de prisão;
2) Em cúmulo jurídico das penas parcelares atrás referidas, condenar o arguido AA na pena única de dois anos e dez meses de prisão, que se suspende na sua execução por igual período de tempo, sujeita à obrigação de o arguido não contactar, por qualquer forma, com os assistentes BB e CC, e à obrigação de o arguido não se aproximar do assistente BB, nem da residência ou local de trabalho deste, num raio inferior a 300 metros.
(…)”. [sublinhado e negrito nossos].

Do referido acórdão não foi interposto recurso, tendo o mesmo transitado em julgado a 10-05-2022.

Mediante requerimento enviado aos autos a 08-12-2023, vieram os assistentes BB e DD requerer a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido e a sujeição do mesmo ao cumprimento da pena de prisão, com as legais consequências, tendo, para o efeito, invocado a violação por parte do arguido, com dolo e de modo grosseiro, os deveres de conduta que lhe foram impostos através da obrigação de não contactar, por qualquer forma, com ambos os assistentes e da obrigação de não se aproximar do assistente BB, nem da residência, nem do local de trabalho deste, num raio inferior a 300 metros, terminando tal requerimento com a indicação dos respetivos meios de prova que entenderam por pertinentes.
Vieram, ainda, em reforço de tal pretensão, juntar posteriores requerimentos aos autos, dando conta de novas situações, no seu entendimento, violadoras dos referidos deveres [cfr. requerimentos juntos aos autos a fls. 960 e ss., 964, 968 e ss., 1081 e ss., 1099 e ss.].

Realizadas as diligências de prova requeridas pelos assistentes [audição dos mesmos e da testemunha por estes indicada], e antes da sua própria inquirição, veio o arguido mediante requerimento junto aos autos a 08-03-2024, juntar documentos e requerer o seguinte:
“(…) Mais, tendo em vista a demonstração da falsidade das declarações dos assistentes e da referida testemunha quanto aos supostos episódios dos telefonemas e da alegada perseguição, requer a Vª Exª se digne ordenar se proceda á notificação das respectivas operadoras de telecomunicações para virem juntar aos autos a facturação detalhada, com «trace-back» e localização celular, relativa aos telemóveis dos assistentes nos seguintes dias e horas:
1) 30 de Outubro de 2023, entre 12h00 e as 13h30m;
2) 29 de Novembro de 2023, entre as 16h00 e as 18h00;
3) 16 de Dezembro de 2023, entre as 14h00 e as 15h00;
4) 20 de Dezembro de 2023, entre 13h45m e as 14h30m;
5) 18 de Janeiro de 2024, entre as 19h45 e as 21h00;
Sendo certo que, conforme consta do teor dos seus requerimentos, o telemóvel do assistente BB tem o seguinte número: ...14....
Contudo, ignora-se o número (do telemóvel) do assistente CC.
Razão pela qual, requer-se ainda a Vª Exª se digne ordenar se proceda á notificação do assistente CC para vir ao autos informar qual era o número do seu telemóvel á data dos factos e de ambos os assistentes para virem aos autos informar quais são as operadoras que lhes fornecem o respectivo serviço de telecomunicações.”
 
Sobre tal requerimento incidiu despacho proferido pela Mm.ª Juíza a quo, a 12-03-2024, na ata de audição de condenado, que admitiu a junção dos documentos apresentados pelo arguido e indeferiu a requerida notificação das operadoras de telecomunicações por considerar tal diligência inútil e dilatória, uma vez que nestes autos apenas estava em causa aferir do cumprimento ou não por parte do arguido das condições da suspensão da execução da pena e a obtenção das informações das operadoras apenas permitiria concluir pela sua ocorrência mas não pela sua autoria, já que, segundo os assistentes, as chamadas foram realizadas a partir de cabines telefónicas públicas e também não seria possível obter a localização do arguido em tais datas.

De seguida, o tribunal a quo ouviu presencialmente o arguido, após o que, a 10-04-2024, veio a proferir decisão, nos seguintes termos:
“Nos presentes autos, o arguido AA foi condenado, por decisão transitada em julgado em 10/05/2022, na pena única dois anos e dez meses de prisão, que se suspendeu na sua execução por igual período de tempo, sujeita à obrigação de o arguido não contactar, por qualquer forma, com os assistentes BB e CC, e à obrigação de o arguido não se aproximar do assistente BB, nem da residência ou local de trabalho deste, num raio inferior a 300 metros.

*
Por requerimento de 08/12/2023, 22/12/2023 e 22/01/2024, foram juntos aos autos pelos assistentes diversos requerimentos dando nota, em síntese, do reiterado incumprimento das condições da suspensão da execução da pena por parte do arguido.
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Foram juntas aos autos certidões dos inquéritos 25/24...., 5/24.... e 44/24...., nas quais foram apresentadas pelos assistentes queixas contra o ora arguido AA pelos factos praticados por este.
Os referidos inquéritos encontram-se atualmente em fase de investigação.
*
Nessa sequência, foi ainda designada data para tomada de declarações aos assistentes, inquirição das testemunhas arroladas e audição do arguido.
*
Ponderada a prova produzida, entende o Tribunal que resultaram apurados os seguintes factos:

1. A 30 de Outubro de 2023, por volta da hora de almoço, o assistente BB foi contactado telefonicamente pelo arguido AA, que lhe dirigiu as seguintes expressões: “Não me esqueci de ti, isto não vai ficar assim.”
2. A 29 de Novembro de 2023, cerca das 16h00m, o arguido AA dirigiu-se à garagem do escritório da empresa “EMP01...”, onde os assistentes BB e CC trabalham, em busca daquele primeiro.
3. Nesse local, o arguido percorreu os diversos pisos da garagem e, quando se apercebeu que fora avistado pelo assistente CC, levantou a gola e pôs a mão na cintura.
4. O referido escritório trata-se de um local fechado, com câmaras de vigilância, e cujo acesso só é permitido com chave ou comando.
5. A 16 de Dezembro de 2023, ao início da tarde, na localidade de ..., o arguido AA passou pelo assistente CC ao aceder à ponte de ....
6. Após ter avistado este último, o arguido AA, que circulava de carro, colou a frente da sua viatura à traseira da viatura onde circulava o assistente CC. Quando se encontrava em frente ao Tribunal de Esposende, ultrapassou o veículo do assistente e fez uma travagem brusca quando se encontrava já à frente deste.
7. A 20 de Dezembro de 2023, por volta da hora do almoço, o assistente BB foi contactado telefonicamente pelo arguido AA, que lhe dirigiu as seguintes expressões: “Vou-te matar, seu filho da puta, vais pagar caro. Isto não vai ficar assim. Se não fosse o teu sócio ia-te por a mijar todo.”
8. A 18 de Janeiro de 2024, cerca das 20h00m, quando o assistente CC se encontrava no seu carro com os seus cães, sentado na mala, o arguido AA passou por si e dirigiu-lhe as seguintes expressões: “seu filho da puta, seu banana, vou-te partir os cornos.”
*
Para prova dos factos referidos, o Tribunal teve em atenção, desde logo, as declarações dos assistentes BB e CC, que elucidaram o mesmo acerca do comportamento do arguido.
Foi ainda tido em conta o teor do depoimento da testemunha EE, esposa do assistente BB, que corroborou o depoimento deste de forma isenta e objetiva.
Por fim, ouvido em declarações, o arguido negou ter feito as chamadas telefónicas para os assistentes, bem como os demais atos.
Não obstante, confessou mesmo ter ido “descido à garagem, para confirmar qual era o carro do BB”, no dia relatado pelos assistentes.
Ora, não obstante o conflito já de longa data existente entre os assistentes e o arguido, o Tribunal não teve dúvidas em atribuir inteira credibilidade às declarações prestadas por aqueles, posto que depuseram de forma objetiva, coerente e rigorosa, sendo ainda as mesmas corroboradas pela prova documental junta aos autos pelos mesmos intervenientes.
De todo o modo, as declarações do arguido AA não só não se mostraram credíveis como o mesmo também não apresentou qualquer justificação minimamente plausível para ter acedido à garagem do escritório dos assistentes, mostrando uma postura de indiferença perante a gravidade dos factos por si praticados.
*
O Digno MP pronunciou-se dizendo que: “considerando a gravidade da violação, entendemos que o período da suspensão da execução da pena deverá ser prorrogado por um ano, a acrescer à suspensão que foi determinada no acórdão proferido nestes autos, nos termos do artigo 55º, alínea d) do Código Penal.
*
Foi concedido prazo aos assistentes e ao arguido para se pronunciarem.
Os assistentes vieram pronunciar-se, defendendo a revogação da suspensão da pena aplicada ao arguido AA.
O arguido AA não se pronunciou.
*
Cumpre apreciar e decidir.

A este propósito, dispõe o artigo 55.º do CP que:
“Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º”.
*
No caso dos autos, mostra-se cabalmente demonstrado o incumprimento culposo do arguido, tendo em conta o teor dos factos apurados e relatados supra.
Com efeito, confrontadas as obrigações impostas ao arguido: de não contactar, por qualquer forma, com os assistentes BB e CC, e à obrigação de não se aproximar do assistente BB, nem da residência ou local de trabalho deste, num raio inferior a 300 metros, resulta à saciedade que as mesmas foram violadas pelo arguido AA.
De facto, este não só se aproximou, por diversas vezes, dos assistentes, como intencionalmente se dirigiu ao respetivo local de trabalho em busca destes, demonstrando uma clara indiferença pelas condições que lhe foram aplicadas no acórdão proferido nos autos.
Contudo, não obstante o incumprimento dos deveres impostos, afigura-se, no caso em apreço, que o incumprimento por banda do arguido não exige ainda - pelo menos por ora - que se conclua irremediavelmente pela necessidade da revogação pura e simples da suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada.
Com efeito, considera-se que ainda não se mostrarão irremediavelmente prejudicadas as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão e, decorrentemente, infirmado de forma definitiva o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão da execução da pena fixada.
Assim, no nosso entender justifica-se, por ora, lançar mão do disposto nas als. a) e d) do art. 55.º do C. Penal, prorrogando-se o período de suspensão da pena aplicada ao arguido por um ano (a contar do termo do prazo inicial, ocorrido em 10/05/2022).
Mais se determina proceder a uma solene advertência ao arguido no sentido de a manutenção do incumprimento dos deveres impostos acarretar a revogação da suspensão da execução da pena aplicada.
Sem prejuízo do atrás referido, a eventual condenação do arguido nos processos acima referidos - no qual lhe são imputados ilícitos cometidos no decurso da suspensão - aliado à manutenção do incumprimento dos deveres impostos, é suscetível de determinar a revogação da suspensão da execução da pena aqui decretada.
*
Pelo exposto, nos termos do disposto als. a) e d) do art. 55.º do C. Penal, decide-se:
- prorrogar o período de suspensão da execução da pena aplicada em um ano (a contar do termo do prazo inicial de suspensão, ocorrido em 10/05/2022);
- fazer uma solene advertência ao arguido AA de que a manutenção do incumprimento dos deveres impostos acarretará a revogação da suspensão da execução da pena aplicada.
Notifique, sendo o arguido pessoalmente via OPC competente a fim de ficar bem ciente da ora determinada prorrogação da suspensão e da solene advertência, e ainda na pessoa do seu Exmo. Defensor.
DN
*
Aguarde por 3 meses e, após, solicite aos inquéritos 25/24...., 5/24.... e 44/24.... cópia da decisão final que aí venha a ser proferida.
Mais dê conhecimento aos mesmos inquéritos do teor do presente despacho.
*
E-mail que antecede: Tomei conhecimento.
(…)”.

I.2 Recursos

Recurso do arguido:

Inconformado com a decisão datada de 12-03-2024 que indeferiu o seu requerimento de 08-03-2024, no sentido de se notificar as operadoras de telecomunicações para juntar aos autos a faturação detalhada, com «trace-back» e localização celular, relativa aos telemóveis dos assistentes nos dias e horas aí discriminados, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:

“A- Salvo o devido respeito por opinião contrária, ao ter indeferido o nosso requerimento de 08/03/2024 (com a refª de entrada citius 15867937), o douto despacho ora recorrido não procedeu a uma correcta interpretação do direito processual aplicável à situação sub judice;
B- Com efeito, no seu referido requerimento o arguido ora recorrente indicou os factos concretos dos quais pretendia fazer contraprova e argumentou que com tais provas pretendia demonstrar a falsidade das declarações dos assistentes e da referida testemunha quanto aos supostos episódios dos telefonemas e da alegada perseguição;
C- Contudo, a Meritíssima juiz a quo não foi sensível a tais argumentos e entendeu que tal meio de prova era desnecessário e dilatório e, não obstante, acabou por dar tais factos como integralmente provados no seu despacho de 10/04/2024;
D- Ora, como está bom de ver, com tais provas o ora recorrente pretendia demonstrar que os telefonemas supostamente existentes entre os assistentes (e que foram referidos nas suas próprias declarações) nem sequer terão ocorrido;
E- E cremos que, demonstrado que fosse tal facto, o depoimento dos assistentes ora recorridos ficaria irremediavelmente descredibilizado;
F- Acresce que, o artº 125º do CPP prescreve expressamente que «são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei», que os meios de prova requeridos pelo arguido ora recorrente não cabem na previsão do artº 126º do mesmo código e que a prova por documentos é admissível nos termos do artº 169º do CPP;
G- Por outro lado, as provas requeridas não são impertinentes, nem meramente dilatórios e, ao invés, são a única forma do arguido ora recorrente poder abalar o depoimento dos assistentes e da própria testemunha;
H- Pelo que, ao decidir como decidiu, o douto despacho recorrido violou as normas contidas nos artºs 125º, 126º ( a contrario) e 164º do CPP.
I- Ademais que, a ser correcta a interpretação que delas é feita nadecisão recorrida, então as referidas normas seriam materialmente inconstitucionais por violação do direito ás garantias de defesaconsagrada no artº 32º, nº1 da CRP e do próprio direito a um processo equitativo e justo consagrado no artºs 20º, nº3 do mesmo diploma;
J- Inconstitucionalidade essa que, por isso e desde já, se deixa aqui expressamente invocada para todos efeitos legais;
Termos em que, no integral provimento do presente recurso, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra em que sejam integralmente deferidas as pretensões deduzida pelo arguido ora recorrente no seu requerimento de FF com todas as legais consequências.
(…)!”.

Recurso do assistente BB:
Inconformado com a decisão datada de 10-04-2024 que decretou a prorrogação do período de suspensão da execução da pena aplicada ao arguido em um ano e ordenou uma solene advertência ao mesmo, não deferindo, portanto, o requerimento formulado pelos assistentes de revogação da suspensão da execução da pena aplicada ao arguido com a inerente reclusão, dela interpôs recurso o assistente BB, para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:
“(…)
A. O recurso de apelação versa sobre o douto despacho, de fls , sob ref. ...70, que decidiu, após violação repetida e dolosa pelo arguido das obrigações que lhe foram impostas por douta decisão condenatória, prorrogar o período de suspensão da execução da pena aplicada em um ano e ordenar uma solene advertência ao arguido no sentido de a manutenção do incumprimento dos deveres impostos lhe acarretar a revogação da suspensão da execução da pena aplicada.
B. A factualidade dada por provada na douta decisão recorrida evidencia a violação dolosa, grosseira e repetida das obrigações impostas ao arguido e a ineficácia das medidas constantes do artigo 55º do Código Penal, devendo ser decretada a revogação da suspensão da pena aplicada e ordenado o cumprimento da pena de prisão.
C. Como é expresso de modo exemplar na douta decisão em crise “as declarações do arguido AA não só não se mostraram credíveis como o mesmo também não apresentou qualquer justificação minimamente plausível para ter acedido à garagem do escritório dos assistentes, mostrando uma postura de indiferença perante a gravidade dos factos por si praticado”.
D. Como é igualmente expresso de modo exemplar na douta decisão dá-se por “cabalmente demonstrado o incumprimento culposo do arguido, tendo em conta o teor dos factos apurados e relatados supra”, cujo entendimento decorre do facto: i) de o arguido se ter aproximado, por diversas vezes, dos assistentes de modo intencional; ii) de o arguido ter ido ao local de trabalho em busca do assistente; iii) do arguido demonstrar uma clara indiferença pelas condições que lhe foram aplicadas no acórdão proferido nos autos”.
E. Em declarações prestadas o arguido continua a revelar manifesta animosidade e conflituosidade em relação ao assistente ora recorrente, apesar da severa pena que lhe foi aplicada num processo que se iniciou há vários anos e que contou com a sua detenção e sujeição a medidas cautelares com expressão, demonstrando agir imbuído por tais sentimentos que não se inibiu de os demonstrar em audiência. (gravação digital constante da plataforma citius, em sede de declarações prestadas pelo arguido na audiência de 12/03/2024, com início pelas 09:48:27h e termo pelas 10:07:25 horas, ao minuto 00:13:27): “Mandatário: O Sr. disse que do Sr. GG não tem nada contra. E do BB tem alguma coisa contra? Arguido: Tenho sim. Mandatário: “O quê é que o Sr. tem contra? Arguido: “Tenho por assédio.”
F. No caso em apreço verifica-se a frustração absoluta das finalidades de punição da pena que lhe foi aplicada, a total indiferença do arguido em relação à tutela penal, à gravidade da sua conduta e ao respeito por bens jurídicos fundamentais da esfera dos assistentes.
G. A aplicação das medidas previstas no artigo 55º revela-se totalmente ineficaz pois arguido invalidou de forma definitiva a prognose favorável que fundou a suspensão, demonstrando total alheamento e insensibilidade perante a sua conduta.
H. O douto Tribunal recorrido procedeu, assim, a uma errónea interpretação e aplicação dos artigos 55º e 56º do Código Penal, que foram violados.
I. Deverá a douta decisão em crise ser revogada e substituída pela revogação da suspensão da pena aplicada, ordenando-se o cumprimento da pena de prisão.

Termos em que, nos melhores de Direito, deverá o presente recurso ser julgado totalmente procedente, revogando-se a douta decisão em crise e substituindo-se pela revogação da suspensão da pena, ordenando-se o cumprimento pelo arguido da pena de prisão,
Assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!”.

I.3 Resposta aos recursos
Efetuada a legal notificação, apenas a Ex.mª Sr.ª Procuradora da República junto da 1.ª instância respondeu aos recursos interpostos pelo arguido e pelo assistente BB, pugnando pela improcedência de ambos.

I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância a Exma. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido e da rejeição do recurso interposto pelo assistente BB, por falta de legitimidade para o efeito ou, caso assim não se entenda, sufragando a posição assumida na resposta ao recurso da Ex.ma Sr.ª Procuradora da República, junto da 1.ª instância.

I.5. Resposta
Dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foi apresentada resposta ao sobredito parecer pelo assistente BB, que se pronunciou no sentido da sua legitimidade e interesse em agir quanto ao recurso que interpôs.

I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir:

II- FUNDAMENTAÇÃO

II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ[1]], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal[2].

Assim, face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação do respetivo recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
Quanto ao recurso interposto pelo arguido:
® Saber se ao ter indeferido o requerimento do arguido datado de 08-03-2024 a decisão recorrida violou as normas contidas nos artigos 125.º, 126.º a contrario e 164.º do Código de Processo Penal;

Caso se entenda que se fez correta interpretação de tais normas na decisão recorrida;
® Saber se tais normas são materialmente inconstitucionais, por violação do direito às garantias de defesa consagrada no artigo 32.º, n.º 1 da CRP e do próprio direito a um processo equitativo e justo consagrado no artigo 20.º, n.º 3 do mesmo diploma.

Quanto ao recurso interposto pelo assistente BB:
® Saber se a solene advertência e a prorrogação do período da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado é de manter ou, ao invés, é de decretar a revogação da suspensão, com a subsequente reclusão do arguido.  

II.1- Apreciação do recurso do arguido

Insurge-se o arguido/recorrente contra a decisão proferida, a 12-03-2024, pelo tribunal a quo, que indeferiu parte do seu requerimento de prova datado de 08-03-2024, arguindo, em suma, para o efeito, que ao assim decidir, o tribunal a quo violou as normas contidas nos artigos 125.º, 126.º a contrario e 164.º, todos do Código de Processo Penal e, caso se entenda que o tribunal a quo fez correta interpretação das referidas normas na decisão recorrida, então terá de se reconhecer que as mesmas são materialmente inconstitucionais, por violação do direito às garantias de defesa consagrada no artigo 32.º, n.º1 da CRP e do próprio direito a um processo equitativo e justo consagrado no artigo 20.º, n.º3 do mesmo diploma.

Vejamos:

Antes do mais, cumpre relembrar que com o requerimento dirigido aos autos a 08-03-2024, além da junção de prova documental, o arguido/recorrente requereu o seguinte:
“(…) Mais, tendo em vista a demonstração da falsidade das declarações dos assistentes e da referida testemunha quanto aos supostos episódios dos telefonemas e da alegada perseguição, requer a Vª Exª se digne ordenar se proceda á notificação das respectivas operadoras de telecomunicações para virem juntar aos autos a facturação detalhada, com «trace-back» e localização celular, relativa aos telemóveis dos assistentes nos seguintes dias e horas:
1) 30 de Outubro de 2023, entre 12h00 e as 13h30m;
2) 29 de Novembro de 2023, entre as 16h00 e as 18h00;
3) 16 de Dezembro de 2023, entre as 14h00 e as 15h00;
4) 20 de Dezembro de 2023, entre 13h45m e as 14h30m;
5) 18 de Janeiro de 2024, entre as 19h45 e as 21h00;
Sendo certo que, conforme consta do teor dos seus requerimentos, o telemóvel do assistente BB tem o seguinte número: ...14....
Contudo, ignora-se o número (do telemóvel) do assistente CC.
Razão pela qual, requer-se ainda a Vª Exª se digne ordenar se proceda á notificação do assistente CC para vir ao autos informar qual era o número do seu telemóvel á data dos factos e de ambos os assistentes para virem aos autos informar quais são as operadoras que lhes fornecem o respectivo serviço de telecomunicações.”

E sobre tal requerimento incidiu a decisão ora recorrida, proferida pela Mm.ª Juíza a quo, a 12-03-2024, na ata de audição de condenado, que admitiu a junção dos documentos apresentados pelo arguido e indeferiu a requerida notificação das operadoras de telecomunicações por considerar tal diligência inútil e dilatória, uma vez que nestes autos apenas estava em causa aferir do cumprimento ou não por parte do arguido das condições da suspensão da execução da pena e a obtenção das informações das operadoras apenas permitiria concluir pela sua ocorrência mas não pela sua autoria, já que, segundo os assistentes, as chamadas foram realizadas a partir de cabines telefónicas públicas e também não seria possível obter a localização do arguido em tais datas.
Alega o recorrente que com tais provas pretendia demonstrar a falsidade das declarações dos assistentes e da referida testemunha quanto aos supostos episódios dos telefonemas e da alegada perseguição e pretendia demonstrar que os telefonemas supostamente existentes entre os assistentes (e que foram referidos nas suas próprias declarações) nem sequer terão ocorrido e demonstrado que fosse tal facto, o depoimento dos assistentes ficaria irremediavelmente descredibilizado, tendo, por isso, ao indeferir o por si requerido, o tribunal a quo violado o disposto nos artigos 125.º, 126.º a contrario e 164.º, todos do Código de Processo Penal e, caso se entenda que o tribunal a quo fez correta interpretação das referidas normas na decisão recorrida, então terá de se reconhecer que tais normas são materialmente inconstitucionais, por violação do direito às garantias de defesa consagrada no artigo 32.º, n.º1 da CRP e do próprio direito a um processo equitativo e justo consagrado no artigo 20.º, n.º3 do mesmo diploma.
Porém, não lhe assiste qualquer razão:
Na verdade, as normas legais que o arguido/recorrente diz terem sido violadas reportam-se à legalidade da prova [artigo 125.º do Código de Processo Penal]; aos métodos proibidos de prova [artigo 126.º do Código de Processo Penal] e à admissibilidade da prova documental [artigo 164.º do Código de Processo Penal] e, basta atentar nos fundamentos da decisão recorrida para, desde logo, se apreender, como bem o refere a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, que “o Tribunal a quo não indeferiu a diligência requerida por ser ilegal ou inadmissível, mas tão somente por a considerar, justificadamente, desnecessária e inútil.” [negrito nosso], o que, por si só, faz soçobrar o recurso, que se fundamenta na violação por parte do tribunal a quo das invocadas normas do Código de Processo Penal.
E porque o Tribunal a quo não sustentou a sua decisão em qualquer uma das normas do Código de Processo Penal trazidas à liça como fundamento do recurso, igualmente se mostra destituído de fundamento a alegação do recorrente no sentido de ver reconhecida a inconstitucionalidade material das mesmas.
De qualquer forma, tal questão sempre dependeria da apreciação da existência, ou não, dos requisitos legais para admitir a transmissão de dados de tráfego conservados e de localização celular por parte de operadoras de telecomunicações móveis.
E, como é sabido, nos termos do n.º 2, do artigo 189.º do Código de Processo Penal, a obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no artigo 1.º do artigo 187.º do Código de Processo Penal e em relação a pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo. Acresce que, cfr. extrai do recente Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 17-10-2023, proferido no âmbito do Proc. nº 308/19.1JAVRL.G1, relatado pelo Exmo. Desembargador Paulo Almeida Cunha[3],  “(…) os operadores de comunicações móveis só podem tratar e transmitir estes dados durante o prazo de seis meses após a prestação do serviço e devem responder aos pedidos de acesso a dados pessoais dos utilizadores apresentados pelas autoridades judiciárias competentes, nomeadamente ao abrigo do referido art. 189.º, n.º 2, do CPP, e da Lei n.º 41/2004.”.
O mesmo será dizer que “(…) relativamente aos crimes previstos no nº 1 do artigo 187.º, do CPP, é possível a obtenção e junção aos processos de natureza criminal de dados de tráfego e de localização celular, com fundamento no artigo 189.º, n.º 2, do CPP, e no âmbito dos dados conservados ao abrigo da Lei nº 41/2004, de 18.08, com o limite quanto ao prazo de conservação, que é de 6 meses, cfr. artigo 6º, nºs 2 e 7 e artigo 10º da Lei nº 23/96, de 26.07.” .[4]
Ora, in casu, a faturação detalhada, com «trace-back» e localização celular, que o arguido pretendia ver junta aos autos por parte das operadoras de telecomunicações, reporta-se aos seguintes dias:
® 30 de outubro de 2023;
® 29 de novembro de 2023;
® 16 de dezembro de 2023;
® 20 de dezembro de 2023; e
® 18 de janeiro de 2024.
circunstancialismo que sempre nos impediria, por impossibilidade superveniente, de ordenar às operadoras de telecomunicações em causa a transmissão dos dados pretendidos pelo recorrente, uma vez que já decorreu o aludido prazo dos 6 meses sobre cada uma das referidas datas.

Sempre se dirá, por fim, que da factualidade que o tribunal a quo acabou por considerar provada apenas duas situações terão ocorrido através de telefonemas [a saber: o episódio datado de 30-10-2023 e 20-12-2023] e mesmo que se viesse a apurar que tais chamadas telefónicas não existiram, tal facto, por si só, não era fator suficiente para se concluir que os assistentes e a testemunha mentiram quanto às demais situações que se consideraram provadas, designadamente quanto à ocorrida a 29-11-2023, na garagem do escritório da empresa onde os assistentes trabalhavam, relativamente à qual foram juntos vídeos/imagens captadas pelas câmaras de vigilância do edifício, que corroboraram as declarações dos assistentes, factualidade que só por si bastava para suportar a conclusão do incumprimento do arguido da obrigação que sobre si impendia de não se aproximar do assistente BB, designadamente do local de trabalho deste, num raio inferior a 300 metros.
Ou seja, o requerimento de prova do arguido que foi indeferido sempre seria inadequado para o fim último visado - descredibilizar o depoimento dos assistentes e da testemunha – e, como tal, sempre se afiguraria inútil e, consequentemente, dilatório, tal como foi considerado pelo tribunal a quo, ainda que por razões diversas das que serviram de fundamento ao despacho recorrido.  
Aqui chegados, só nos resta concluir, portanto, que a decisão recorrida não merece qualquer reparo, pelo que o recurso interposto pelo arguido terá de improceder.    

II.2- Apreciação do recurso do assistente BB

Questão prévia:
Recorre o assistente BB da decisão proferida pelo tribunal a quo que não revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido nestes autos, como havia por si sido requerido, tendo, antes, prorrogado o período da suspensão da execução da mesma, por um ano, a contar do termo do prazo inicial ocorrido a 10-05-2022 e ordenado uma solene advertência ao arguido. 
E a questão que, desde já, se equaciona em relação ao recurso interposto pelo assistente, pertinentemente levantada pela Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta no seu douto parecer, é a de saber se lhe assiste legitimidade para, desacompanhado do Ministério Público [que não recorreu do despacho], por em causa tal decisão.
No seu entendimento, o assistente carece de legitimidade para o efeito, uma vez que não pode dizer-se que a decisão recorrida foi proferida contra o interesse do assistente/recorrente, ou seja, que as medidas foram decretadas contra si, já que, ao prorrogar o período de suspensão da pena de prisão aplicada nos termos decididos, o Tribunal a quo manteve a obrigação, pré-existente ( determinada na sentença), de o arguido não contactar, por qualquer forma, os assistentes e de não se aproximar do assistente BB, nem da sua residência, nem do seu local do trabalho, num raio inferior a 300 metros, pelo que os direitos do recorrente, decorrentes destas medidas, não foram atingidos.
Acresce que, prossegue a Ex.ª Procuradora-Geral Adjunta, ao apreciar a conduta do arguido e aferir do eventual incumprimento dos deveres ou regras de conduta que lhe foram impostas durante o período de suspensão, o Tribunal avalia se essa conduta é reveladora de que a suspensão da execução não foi de molde a cumprir as finalidades da punição e não, propriamente, se os direitos do assistente foram afectados.
Assim, conclui, a pretensão recursiva de se revogar a suspensão e ordenar o cumprimento efectivo da pena não frusta qualquer expectativa legítima do assistente, mantendo-se, como referido, os direitos deste salvaguardados pelas condições a que o arguido continuará sujeito.
Defende, portanto, que o recurso interposto pelo assistente deve ser rejeitado, ao abrigo do disposto no artigo 420.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal.

Vejamos:
Sob a epígrafe “legitimidade e interesse em agir”, dispõe o artigo 401.º do Código de Processo Penal, no que ora releva, o seguinte:
“1 - Têm legitimidade para recorrer:
(…)
b) (…) o assistente, de decisões contra eles proferidas;
(…)
2 - Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.” [sublinhado e negrito nossos].

Por sua vez, sob a epígrafe “posição processual e atribuições dos assistentes”, dispõe o artigo 69.º do Código de Processo Penal, no que aqui releva, o seguinte:
1 - Os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei.
2 - Compete em especial aos assistentes:
(…)
c) Interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito (…)”.
A questão da legitimidade do assistente para recorrer, no exercício de uma faculdade que a lei diretamente lhe confere [artigo 69.º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Penal], desacompanhado do Ministério Público, há muito que vem sendo discutida na doutrina e na jurisprudência.
E desta última ressaltam os seguintes arestos, no âmbito dos quais se decidiu o seguinte:
No assento n.º ...9, de 10 de agosto[5], que “o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.”.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de fixação de jurisprudência, n.º 5/2011, de 11 de março[6], que “em processo por crime público ou semipúblico, o assistente que não deduziu acusação autónoma nem aderiu à acusação pública pode recorrer da decisão de não pronúncia, em instrução requerida pelo arguido, e da sentença absolutória, mesmo não havendo recurso do Ministério Público.”.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de fixação de jurisprudência, n.º 2/2020, de 26 de março[7], que “o assistente, ainda que desacompanhado do Ministério Público, pode recorrer para que a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado fique condicionada ao pagamento, dentro de certo prazo, da indemnização que lhe foi arbitrada.”.
A situação dos autos não se encontra diretamente tratada em nenhum dos dois últimos acórdãos de fixação de jurisprudência acabados de elencar, pelo que a teremos de a apreciar à luz do mencionado assento n.º ...9, de 10 de agosto, pois consideramos estarmos em face de recurso de decisão proferida em matéria de espécie e medida da pena, uma vez que o assistente vem impugnar o despacho judicial que prorrogou o período de suspensão de execução da pena de prisão aplicada ao arguido, enquanto pena de substituição, apesar de ter requerido a sua revogação.
Ora, como já o referimos supra, decidiu-se no mencionado assento n.º ...9 de 10 de agosto que “o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.”.
E é nosso entendimento que, in casu, o assistente demonstrou um concreto e próprio interesse em agir.
Na verdade, em termos de recurso em processo penal, tem interesse em agir quem tiver necessidade deste meio de impugnação para defender o seu direito.
Trata-se, portanto, de “uma posição objectiva perante o processo, que é ajuizada a posteriori” (cfr. Ac. do S.TJ de 18-10-2000, procº nº 2116/2000-3ª), sendo certo que o interesse em agir “não é um interesse meramente abstracto, interesse na correcção das decisões judiciais, mas um interesse em concreto pelo efeito que se busca sobre a decisão em beneficio do recorrente, salvo no que respeita ao Ministério Público” (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. lII, 2ª ed., Lisboa/S.Paulo, págs. 330).”. [sublinhado e negrito nossos].
No caso, o arguido foi condenado numa pena de prisão que foi suspensa na sua execução, sujeita à obrigação de não contactar, por qualquer forma, com os assistentes, designadamente com o assistente recorrente, e à obrigação de não se aproximar do assistente recorrente, nem da residência ou local de trabalho deste, num raio inferior a 300 metros, obrigações estas impostas ao arguido na sequência da sua condenação por delitos cujas vítimas foram os próprios assistentes, designadamente, o ora recorrente que foi vítima de dois crimes de ofensa à integridade física simples; um crime de ameaça agravada; quatro crimes de injúrias; um crime de extorsão e um crime de perseguição.
E, na decisão recorrida, que foi proferida no âmbito de incidente despoletado pelos próprios assistentes, designadamente pelo ora recorrente, que vieram dar conta de reiterado incumprimento das condições da suspensão da execução da pena por parte do arguido, pugnando pela revogação da suspensão da execução da mesma, o tribunal a quo considerou “mostrar-se cabalmente demonstrado o incumprimento culposo do arguido”, que as obrigações impostas ao arguido como condição da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta “foram violadas” por este, concluindo que o arguido não só se aproximou, por diversas vezes, dos assistentes, como intencionalmente se dirigiu ao respetivo local de trabalho em busca destes, demonstrando uma clara indiferença pelas condições que lhe foram aplicadas no acórdão proferido nos autos.
 E, assim sendo, tendo em conta que os delitos pelos quais o arguido foi aqui condenado foram cometidos precisamente na pessoa dos assistentes, designadamente e na sua maioria na pessoa do assistente ora recorrente e que as obrigações impostas ao arguido como condição da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada visaram proteger as vítimas, entre as quais se inclui precisamente o ora recorrente [que aqui pugna pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, em virtude da reiterada conduta do arguido de violação das obrigações impostas que o coloca em sobressalto contínuo, por temer que o arguido atente contra a sua vida e integridade física como ameaça fazer, perturbando o seu sentimento de paz e segurança], do nosso ponto de vista, tal circunstancialismo demonstra um concreto e próprio interesse em agir.
A conformação do assistente/recorrente relativamente à decisão proferida pelo tribunal a quo, que decidiu pela solene advertência e prorrogação do período de suspensão da execução da pena para o seu agressor, em vez da sua revogação como propugnava, em virtude de reiterada violação das obrigações que o visavam proteger, haverá de ser obtida mediante a apreciação e discussão dos seus pontos de vista e nunca pela negação do seu acesso ao recurso, pois somente assim a justiça será compreendida e constituirá um fator de pacificação social.
Aliás, note-se, que como bem se refere no acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 19/12/2023, proferido no Processo n.º 247/21.6JAVRL.G1, relatado pela Ex.ma Desembargadora Cristina Xavier da Fonseca[8], “a própria tendência legal dos últimos anos é, nunca perdendo de vista os direitos do arguido, também proteger a vítima, como são exemplo:
- desde a entrada em vigor da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, os casos especiais de reparação oficiosa dos danos sofridos pela vítima (art. 82.º-A);
- com a introdução do conceito de vítima – bem como de vítima especialmente vulnerável[11], familiares e criança ou jovem – em processo penal (art. 67.º-A), pela Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro (Estatuto da Vítima), reforçada pela Lei n.º 57/2021, de 16 de Agosto (alargamento da protecção das vítimas de violência doméstica) e pela Lei n.º 2/2023, de 16 de Janeiro (relativa ao combate ao terrorismo);
- com a consagração em Lei do referido Estatuto de Vítima, transpondo para a ordem jurídica interna uma directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, datada de 2012, que confere uma vasta gama de direitos às vítimas de crime; e
- com a Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, aplicável (além da prevenção) à protecção e assistência de vítimas de violência doméstica, cuja última (e 11.ª) alteração data de 2021, todas no sentido da maior protecção daquelas.
A tal tendência legislativa não é certamente alheio o sentimento da comunidade de que a quem sofre os efeitos de um crime deve ser reconhecido pelo Estado um conjunto de direitos; não o fazendo, correr-se-ia um sério risco de aquela mesma comunidade ter a percepção de uma falha grave no sistema penal, prejudicando novamente as pessoas que já sofreram as consequências negativas dos actos do agente.”.[9]
Acresce que, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 22-01-2013, proferido no âmbito do Processo n.º 2166/08.2TDLSB.E1, relatado pelo Ex.mo Desembargador António João Latas, publicado em www.dgsi.pt, “(…) cabendo igualmente ao MP promover os termos da execução das penas, nomeadamente das penas não privativas da liberdade (cfr art. 469º do CPP), não se vê motivo para que, face ao disposto genericamente no art. 69º do mesmo Diploma Legal, os assistentes não possam assumir o papel de colaboradores do MP nesta fase do processo, sendo certo que as finalidades preventivas que presidem à escolha e determinação da pena relevam igualmente na fase de execução da pena não privativa da liberdade, conforme decorre claramente do respetivo regime substantivo (cfr arts 43º a 60º, do C. Penal), justificando, assim, perspetivas diversas sobre a forma adequada de prosseguir tais finalidades em tal fase.
Vale igualmente neste momento do processo a defesa pelo assistente dos interesses que legitimam a sua constituição como tal, sendo certo que o art. 68º nº3 do CPP atribui ao assistente direito a intervir em qualquer fase do processo.”.
À semelhança do que se conclui nesse aresto, também aqui o interesse próprio que se exija e reconheça ao assistente para impugnar a sentença em matéria de escolha e determinação concreta da pena está igualmente presente na fase de execução da pena aplicada, pelo menos quando a sua espécie e conteúdo concretos relevam desse mesmo interesse, conforme sucede no caso sub judice, em que a decisão recorrida - à luz do aludido critério material em matéria de legitimidade - o contraria objetivamente, ao determinar uma solene advertência e a prorrogação do prazo de suspensão da execução da pena substitutiva de prisão aplicada ao arguido, apesar de ter sido reconhecido pelo tribunal a quo que reiteradamente vem a violar as obrigações impostas como condição dessa suspensão, condição imposta essa a favor dos assistentes, designadamente do recorrente.
A decisão aqui em causa frustra manifestamente as expectativas e o interesse legítimo do assistente, de salvaguarda da sua tranquilidade, da sua integridade física e mesmo da sua vida, razões que o assistente/recorrente invocou relacionadas com a prevenção especial positiva, nomeadamente, com a sua própria segurança, factos demonstrativos do invocado interesse em agir, não havendo, além disso, o mínimo indício de que se esteja perante um mero desejo de vindicta privada.
E a legitimidade de recurso autónomo do assistente é, de resto, a que melhor se coaduna com a outra realidade do crime, a dos interesses da vítima, cuja importância, como vimos supra, tem vindo a ser reconhecida em crescendo, sendo que, embora a figura da vítima se não confunda com a do assistente (este, enquanto sujeito processual), ambas as figuras coexistem, as mais das vezes, na mesma pessoa, como sucede no presente caso.
E desde que o assistente se tenha por afectado pela decisão penal por ela não corresponder, segundo o seu juízo de valor, à justiça do caso concreto, em que ele, como ofendido, é interessado directo, então também não pode colocar-se em dúvida o seu “interesse em agir”, o seu “interesse processual”, no caso, visando, através do recurso, a reapreciação da decisão que, segundo ele, não fez a aplicação mais ajustada do direito ao caso, assim dando a sua contribuição ao mesmo tempo para a realização do interesse público na melhor administração da justiça.
Aqui chegados concluímos, portanto, quanto a questão prévia suscitada, que o assistente BB tem legitimidade para interpor o presente recurso, à luz do preceituado nos artigos 401º, n.º 1, alínea b) e 69.º, n.º 2, alínea c), ambos do Código de Processo Penal e de acordo com a jurisprudência fixada no citado assento n.º ...9 de 10 de agosto do Supremo Tribunal de Justiça, sem que se verifique igualmente falta de interesse em agir, nos termos do n.º 2, do citado artigo 401º, do Código de Processo Penal, pelo que o recurso do assistente é admissível.[10]

Passemos, então, agora a apreciar do mérito do recurso do assistente.

Como vimos supra, o arguido AA foi condenado nestes autos, por decisão transitada em julgado, na pena única de dois anos e dez meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita à obrigação de o arguido não contactar, por qualquer forma, com os assistentes BB e CC, e à obrigação de o arguido não se aproximar do assistente BB, nem da residência ou local de trabalho deste, num raio inferior a 300 metros, pela prática:
a) em 27.04.2020, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143º, nº 1, do CP, na pessoa do assistente BB;
b) em 27.04.2020, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo artº 153º, nº 1, e 155º, nº 1, al. a), do CP, na pessoa do assistente BB;
c) em 4.11.2020, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143º, nº 1, do CP, na pessoa do assistente BB;
d) de quatro crimes de injúrias, p. e p. pelo artº 181º, nº 1, do CP, na pessoa do assistente BB;
e) de um crime de extorsão, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 22º, 23º e 223º, nº 1, do CP, na pessoa do assistente BB;
f) de um crime de perseguição, p. e p. pelo artº 154º- A, nº 1, do C.P., na pessoa do assistente BB;
g) de um crime de ameaça, p. e p. pelo art.º 153º, nº 1, do CP, na pessoa do assistente CC;
h) de um crime de injúrias, p. e p. pelo art.º 181º, nº 1, do CP, na pessoa do assistente CC:
i) de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143º, nº 1, do CP, na pessoa do assistente CC.
Mediante requerimento enviado aos autos a 08-12-2023, vieram os assistentes BB e DD requerer a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido e a sujeição do mesmo cumprimento da pena de prisão, com as legais consequências, tendo, para o efeito, invocado a violação por parte do arguido, com dolo e de modo grosseiro, os deveres de conduta que lhe foram impostos através da obrigação de não contactar, por qualquer forma, com ambos os assistentes e da obrigação de não se aproximar do assistente BB, nem da residência, nem do local de trabalho deste, num raio inferior a 300 metros.

Vieram, ainda, em reforço de tal pretensão, juntar posteriores requerimentos aos autos dando conta de novas situações, no seu entendimento, violadoras dos referidos deveres [cfr. requerimentos juntos aos autos a fls. 960 e ss., 964, 968 e ss., 1081 e ss., 1099 e ss.].
Efetuadas as diligências de prova tidas por pertinentes e ouvido presencialmente o arguido, o tribunal a quo veio a proferir o despacho recorrido, que, no que ora releva, aqui se recorda:
 “Por requerimento de 08/12/2023, 22/12/2023 e 22/01/2024, foram juntos aos autos pelos assistentes diversos requerimentos dando nota, em síntese, do reiterado incumprimento das condições da suspensão da execução da pena por parte do arguido.
(…)
*
Ponderada a prova produzida, entende o Tribunal que resultaram apurados os seguintes factos:
1. A 30 de Outubro de 2023, por volta da hora de almoço, o assistente BB foi contactado telefonicamente pelo arguido AA, que lhe dirigiu as seguintes expressões: “Não me esqueci de ti, isto não vai ficar assim.”
2. A 29 de Novembro de 2023, cerca das 16h00m, o arguido AA dirigiu-se à garagem do escritório da empresa “EMP01...”, onde os assistentes BB e CC trabalham, em busca daquele primeiro.
3. Nesse local, o arguido percorreu os diversos pisos da garagem e, quando se apercebeu que fora avistado pelo assistente CC, levantou a gola e pôs a mão na cintura.
4. O referido escritório trata-se de um local fechado, com câmaras de vigilância, e cujo acesso só é permitido com chave ou comando.
5. A 16 de Dezembro de 2023, ao início da tarde, na localidade de ..., o arguido AA passou pelo assistente CC ao aceder à ponte de ....
6. Após ter avistado este último, o arguido AA, que circulava de carro, colou a frente da sua viatura à traseira da viatura onde circulava o assistente CC. Quando se encontrava em frente ao Tribunal de Esposende, ultrapassou o veículo do assistente e fez uma travagem brusca quando se encontrava já à frente deste.
7. A 20 de Dezembro de 2023, por volta da hora do almoço, o assistente BB foi contactado telefonicamente pelo arguido AA, que lhe dirigiu as seguintes expressões: “Vou-te matar, seu filho da puta, vais pagar caro. Isto não vai ficar assim. Se não fosse o teu sócio ia-te por a mijar todo.”
8. A 18 de Janeiro de 2024, cerca das 20h00m, quando o assistente CC se encontrava no seu carro com os seus cães, sentado na mala, o arguido AA passou por si e dirigiu-lhe as seguintes expressões: “seu filho da puta, seu banana, vou-te partir os cornos.”
*
(…)
Ora, não obstante o conflito já de longa data existente entre os assistentes e o arguido, o Tribunal não teve dúvidas em atribuir inteira credibilidade às declarações prestadas por aqueles, posto que depuseram de forma objetiva, coerente e rigorosa, sendo ainda as mesmas corroboradas pela prova documental junta aos autos pelos mesmos intervenientes.
De todo o modo, as declarações do arguido AA não só não se mostraram credíveis como o mesmo também não apresentou qualquer justificação minimamente plausível para ter acedido à garagem do escritório dos assistentes, mostrando uma postura de indiferença perante a gravidade dos factos por si praticados.
*
O Digno MP pronunciou-se dizendo que: “considerando a gravidade da violação, entendemos que o período da suspensão da execução da pena deverá ser prorrogado por um ano, a acrescer à suspensão que foi determinada no acórdão proferido nestes autos, nos termos do artigo 55º, alínea d) do Código Penal.
*
Foi concedido prazo aos assistentes e ao arguido para se pronunciarem.
Os assistentes vieram pronunciar-se, defendendo a revogação da suspensão da pena aplicada ao arguido AA.
O arguido AA não se pronunciou.
*
Cumpre apreciar e decidir.

A este propósito, dispõe o artigo 55.º do CP que:
“Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º”.
*
No caso dos autos, mostra-se cabalmente demonstrado o incumprimento culposo do arguido, tendo em conta o teor dos factos apurados e relatados supra.
Com efeito, confrontadas as obrigações impostas ao arguido: de não contactar, por qualquer forma, com os assistentes BB e CC, e à obrigação de não se aproximar do assistente BB, nem da residência ou local de trabalho deste, num raio inferior a 300 metros, resulta à saciedade que as mesmas foram violadas pelo arguido AA.
De facto, este não só se aproximou, por diversas vezes, dos assistentes, como intencionalmente se dirigiu ao respetivo local de trabalho em busca destes, demonstrando uma clara indiferença pelas condições que lhe foram aplicadas no acórdão proferido nos autos.
Contudo, não obstante o incumprimento dos deveres impostos, afigura-se, no caso em apreço, que o incumprimento por banda do arguido não exige ainda - pelo menos por ora - que se conclua irremediavelmente pela necessidade da revogação pura e simples da suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada.
Com efeito, considera-se que ainda não se mostrarão irremediavelmente prejudicadas as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão e, decorrentemente, infirmado de forma definitiva o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão da execução da pena fixada.
Assim, no nosso entender justifica-se, por ora, lançar mão do disposto nas als. a) e d) do art. 55.º do C. Penal, prorrogando-se o período de suspensão da pena aplicada ao arguido por um ano (a contar do termo do prazo inicial, ocorrido em 10/05/2022).
Mais se determina proceder a uma solene advertência ao arguido no sentido de a manutenção do incumprimento dos deveres impostos acarretar a revogação da suspensão da execução da pena aplicada.
Sem prejuízo do atrás referido, a eventual condenação do arguido nos processos acima referidos - no qual lhe são imputados ilícitos cometidos no decurso da suspensão - aliado à manutenção do incumprimento dos deveres impostos, é suscetível de determinar a revogação da suspensão da execução da pena aqui decretada.
(…)”.
Ora, ao analisar-se de forma cuidada tal despacho com vista a poder-se apreciar o recurso interposto pelo assistente BB, deparamo-nos com a falta de fundamentação da decisão a que chegou o tribunal a quo, falta de fundamentação essa que não nos permite conhecer as razões da decisão recorrida e, como tal, apreciar o seu acerto ou falta dele.
Com efeito, o tribunal a quo decidiu fazer uma solene advertência ao arguido e prorrogar o período da suspensão da execução da pena de prisão a que se encontra sujeito, porque, diz o tribunal a quo, não obstante o incumprimento dos deveres impostos, afigura-se, no caso em apreço, que o incumprimento por banda do arguido não exige ainda - pelo menos por ora - que se conclua irremediavelmente pela necessidade da revogação pura e simples da suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada”. Com efeito, considera-se que ainda não se mostrarão irremediavelmente prejudicadas as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão e, decorrentemente, infirmado de forma definitiva o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão da execução da pena fixada.
E conclui, então, que “justifica-se, por ora, lançar mão do disposto nas als. a) e d) do art. 55.º do C. Penal, prorrogando-se o período de suspensão da pena aplicada ao arguido por um ano (…)”.
Ora, lendo e relendo a decisão recorrida, fica-se sem perceber o raciocínio seguido pelo tribunal a quo para tomar a decisão que tomou e, consequentemente, é de todo impossível controlar a razoabilidade da decisão tomada.

Questiona-se:
- em que factos/razões se apoia a Mm.ª Juíza a quo para concluir que o incumprimento por banda do arguido não exija ainda - pelo menos por ora - que se conclua irremediavelmente pela necessidade da revogação pura e simples da suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada?
- em que factos/razões se apoia a Mm.ª Juíza a quo para concluir que ainda não se mostrarão irremediavelmente prejudicadas as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão e, decorrentemente, infirmado de forma definitiva o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão da execução da pena fixada?
- em que factualidade se baseia a Mm.ª Juíza a quo para concluir que se justifica lançar mão do período de prorrogação da suspensão da execução da pena?
Não sabemos, pois a Mm.ª Juíza a quo não o diz.
Isto tudo quando a Mm.ª Juíza a quo refere que “resulta à saciedade que as mesmas [leia-se obrigações impostas] foram violadas pelo arguido”; que este o fez demonstrando uma clara indiferença pelas condições que lhe foram aplicadas no acórdão proferido nos autos e que mostrou uma postura de indiferença perante a gravidade dos factos por si praticados”.
Aliás, no artigo 56.º do Código Penal, prevê o legislador as situações que importam a revogação da suspensão, determinando, no seu n.º 1, al. a), que:
 “A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social;”.
Porém, pese embora o incidente que deu origem à decisão recorrida tenha sido suscitado pelos assistentes, designadamente pelo ora recorrente, que requereram que o tribunal a quo revogasse a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido [em virtude de reiterada violação por parte deste das obrigações/regras de conduta que lhe foram impostas], em momento algum a Mm.ª Juíza a quo se debruça sobre tal disposição legal, em momento algum indica qualquer razão para a afastar e, muito menos, como acabamos de ver, sequer explica em que se baseia para sustentar que uma solene advertência e a prorrogação do período de suspensão da execução da pena de prisão imposta ao arguido ainda permite salvaguardar as finalidades da punição. No fundo, não indica qualquer facto, não indica qualquer razão, nem explica o seu raciocínio para chegar à conclusão que o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão da execução da pena fixada ainda se encontra patente nos autos.
Em boa verdade, não ponderou, no circunstancialismo concreto, as questões suscitadas pelos assistentes, designadamente pelo ora recorrente, tendo, portanto, o despacho recorrido omitido por completo o dever de fundamentação quanto a essa matéria.
Bastará uma simples leitura da motivação da decisão recorrida para facilmente se perceber que dela não consta, ainda que de forma sucinta, qualquer explicação dos motivos que determinaram tal decisão.

Ora, como é sabido, sob a epígrafe, actos decisórios, dispõe o também invocado artigo 97.º do Código de Processo Penal, no que ora releva, o seguinte:
“1 - Os actos decisórios dos juízes tomam a forma de:
(…)
b) Despachos, quando conhecerem de qualquer questão interlocutória (…).
(…)
5 - Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.”.

E do artigo 205.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa, decorre, no que aqui releva, o seguinte:
Artigo 205.º
(Decisões dos tribunais)
“1. As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
(…)”.
Da conjugação de tais preceitos legais decorre que o apontado artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, traduz a consagração legal da imposição constante do artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, que, como vimos, estabelece que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são, sempre, fundamentadas.
O que, como vimos, não ocorre no caso dos autos.
Não se mostra, pois, cumprido, sob esta perspetiva, o dever de fundamentação previsto no artigo 97.º n.ºs 1 e 5, do Código de Processo Penal e 205.º da Constituição da República Portuguesa.
A falta de fundamentação do despacho recorrido não consta do elenco das nulidades insanáveis nem das nulidades sanáveis dependentes de arguição, a que se reportam, respetivamente, os artigos 119.º e 120.º do Código de Processo Penal, nem vem cominada como nulidade em qualquer outra disposição legal.
Trata-se, portanto, de uma irregularidade [artigo 118.º, n.º 2 do Código de Processo Penal], que limita o direito de recurso dos ofendidos/assistentes, designadamente do ora recorrente, direito fundamental constitucionalmente consagrado, o que, naturalmente, afeta o valor do ato praticado, e, como tal, deverá ser enquadrada no n.º 2, do art.º 123º, do Código de Processo Penal, com a inerente reparação a ser efetuada pela Mm.ª Juíza a quo.
Conforme se refere no acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 21-01-2013,  relatado pelo saudoso Ex.mo Desembargador Cruz Bucho[11] “Como bem esclarece o Cons.º Maia Gonçalves, em anotação ao citado preceito legal, apesar de as irregularidades serem consideradas em geral vícios de menor gravidade do que as nulidades, a grande variedade de casos que na vida real se podem deparar impõe que se não exclua a priori a possibilidade de ao julgador se apresentarem irregularidades de muita gravidade mesmo susceptíveis de afectar direitos fundamentais dos sujeitos processuais. Daí a grande margem de apreciação que se dá ao julgador, nos n.ºs 1 e 2, que vai desde o considerar a irregularidade inócua e inoperante até à invalidade do acto inquinado pela irregularidade e dos subsequentes que possa afectar, passando-se pela reparação oficiosa (Código de Processo Penal, 15ª ed., Coimbra, 2005, pág. 306).
No caso em apreço a irregularidade cometida reveste grande gravidade, na medida em que, em termos práticos, o despacho recorrido não só privou o assistente de exercer cabalmente o seu direito ao recurso na medida em que ficou privado de conhecer o raciocínio feito pelo tribunal recorrido, como ignorou por completo o pedido de revogação da suspensão da execução da pena aplicada ao arguido, e, nessa medida afectando o valor do acto praticado.
Por outro lado, impõe-se, ainda, repor a legalidade processual, por forma a que não fiquem a pairar dúvidas sobre o dever de fundamentação das decisões dos tribunais, especialmente numa matéria tão relevante como é a respeitante à privação da liberdade dos cidadãos.”.
Desta feita, o despacho recorrido padece da citada irregularidade, que carece de reparação a ser efetuada pela Mm.ª Juíza a quo, devendo, por conseguinte, o processo baixar à 1.ª instância para que seja suprida a irregularidade detetada, com o subsequente prosseguimento processual que for devido.
Fica, assim, prejudicado o conhecimento da questão suscitada no recurso interposto pelo assistente BB.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da Secção Penal deste Tribunal da Relação de Guimarães em:

a) Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirma-se o despacho do qual recorreu proferido pelo tribunal a quo a 12-03-2024.
b) Declarar a irregularidade do despacho proferido pelo tribunal a quo a 10-04-2024, do qual o assistente BB interpôs recurso, ordenando-se, consequentemente, a devolução dos autos ao tribunal a quo, com vista à sua reparação e subsequente tramitação processual legalmente prevista.

Custas pelo arguido/recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UCS [artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III], no que respeita ao recurso interposto por si.

Sem custas, no que respeita ao recurso interposto pelo assistente BB.
Notifique.
Guimarães, 08 de outubro de 2024
[Elaborado e revisto pela relatora - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal]

Os Juízes Desembargadores
Isilda Maria Correia de Pinho [Relatora]
Pedro Freitas Pinto [1.º Adjunto]
António Bráulio Alves Martins [2.º Adjunto]


[1] Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.
[2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 7/95, de 28 de dezembro, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95.
[3] Publicado in www.dgsi.pt
[4] Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 02-05-2023, proferido no âmbito do Proc. nº 12/23.6 PBGMR-A.G1, relatado pelo Exmo. Desembargador Armando da Rocha Azevedo, publicado in www.dgsi.pt.
[5] Publicado em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/diario-republica/185-1999-111071
[6] Publicado em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/diario-republica/50-2011-133145
[7] Publicado em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/diario-republica/61-2020-130603062
[8] Publicado em: https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRG:2023:247.21.6JAVRL.G1.6D/
[9] Mouraz Lopes e Caiado Milheiro, Crimes Sexuais, Almedina, 4.ª ed., pág. 407.
[10] Neste sentido, Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, relatado pelo saudoso Ex.mo Desembargador Cruz Bucho, acessível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRG:2023:212.22.6GBBCL.G1.34/
[11] https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRG:2013:13.11.7GAGMR.A.G1.0C/