MAIOR ACOMPANHADO
ACOMPANHANTE
DEVERES
INCIDENTE DE REMOÇÃO
Sumário


- Facto jurídico é o evento histórico ao qual a norma jurídica atribui efeitos de direito e, neste caso, os factos relevantes a atender são aqueles que a decisão e o Apelante citam como tendo tido existência histórica e não as conclusões absolutas que se podem extrair apenas de parte daqueles.
- O art. 662º, nº 2, al. c), do C.P.C., estabelece que a modificação da decisão da matéria de facto produzida em primeira instância pode consistir na sua ampliação, caso se considere que essa é indispensável.
- Essa essencialidade, importa que os pretensos factos fundamentais à boa decisão da causa que se pretendam aditar têm necessariamente que assegurar um enquadramento jurídico diverso do suposto pelo Tribunal a quo, sem o que não é admissível essa ampliação.
- As imperfeições notadas no cumprimento, por parte da Acompanhante de pessoa incapacitada, do dever de informação e de acesso regular dos restantes familiares à acompanhada, não coloca em causa o exercício das suas funções de acompanhante ao ponto de determinar a sua remoção, por razões de proporcionalidade e/ou igualdade.

Texto Integral


Rel. – Des. José Manuel Flores
1º Adj. - Des. Luís Miguel Martins
2º - Adj. - Des. Elisabete Coelho de Moura Alves

Recorrente(s): AA;

Recorrido(s):
- MINISTÉRIO PÚBLICO;
- BB.  

*
Acordam os Juízes na 3ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. RELATÓRIO

AA, deduziu o presente incidente de remoção de Acompanhante por apenso aos autos de processo especial de maior acompanhado, peticionando, a final, que a Acompanhante BB seja removida do respectivo cargo e, sejam designadas Acompanhantes, a Requerente, CC e DD, com a especificação das atribuições acometidas às mesmas. 
Alega, em síntese, que a Acompanhante tem vindo a dificultar e, até mesmo, impedir, o “acesso” da Interessada e da outra filha CC, à sua mãe e a informações relevantes sobre a mesma, designadamente informações sobre a saúde da mãe e cuidados médicos prestados, informações financeiras, designadamente extractos bancários, despesas, recibos de pagamento. 
Mais, alega que a Acompanhante tenta, sistematicamente, impedir ou dificultar as visitas das filhas à mãe. 
 
Notificada a Acompanhante, respondeu, refutando os factos alegados, alegando, em síntese, que a Requerente, muitas vezes, não avisa previamente que vai visitar a sua mãe, e durante as visitas aproveita para insultar a Acompanhante e incomodar a sua mãe, insistindo que ela desfaça o testamento a favor da Acompanhante. 
Mais, alega que a Requerente vive permanentemente nos Estados Unidos da América, a irmã DD não mantém, há vários anos, qualquer contacto com a Acompanhada, e a filha CC está, há vários, anos de relações cortadas com a mãe. Por outro lado, tem sido a Acompanhante que tem vindo a prestar todos os cuidados à Acompanhada. 
Mais, alega que a Requerente tem movido à Acompanhante uma perseguição, enviando dezenas de emails, e infernizando a vida da Acompanhante, estratégia que tem por finalidade a sua remoção do cargo. 
 
Notificado o Ministério Público, nada disse.
Notificada a Defensora da Acompanhada, sugeriu a realização de diligências probatórias.  
Foi designada audição pessoal e directa da beneficiária e tomada de declarações ao Acompanhante. 
Procedeu-se à realização das diligências instrutórias consideradas pertinentes.  

A final foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, decide-se:
4.1. Julgar totalmente improcedente o presente incidente de remoção da
Acompanhante;
4.2. Aditar as seguintes medidas de Acompanhamento: 
-Estabelecer um regime de visitas à Acompanhada pelos seus familiares próximos (filhos), no local da sua residência, sempre que a sua condição de saúde desaconselhem a sua saída residencial, duas vezes por semana, entre as 14h00 e as 18h00, em dia a combinar previamente, e com respeito pelos seus períodos de descanso e prestação de cuidados pessoais, incluindo nos períodos de férias da Acompanhante.  
-Mais, se determina que a Acompanhante fique sujeita à obrigação de prestar contas ao tribunal, com periodicidade semestral, para o futuro, nos termos do disposto no art.º 151º, nº 2 do Cód. Civil.
-Mantém-se a Acompanhante BB e a composição do Conselho de Família. 
Custas do incidente pela Requerente.”

Inconformada com esta decisão, a Requerente recorreu, formulando as seguintes
Conclusões

I. O presente recurso tem como objecto a matéria de facto (com reapreciação da prova gravada) e de Direito da decisão proferida nos presentes autos que julgou pela fixação de uma medida adicional ao regime de acompanhamento já estabelecido, concretamente um regime de visitas que privilegie os convívios e momentos de afecto entre a Acompanhada e os seus familiares próximos, devendo a Acompanhante assegurar que essas visitas ocorram com a dignidade que esses momentos requerem, disponibilizando um espaço no interior da sua habitação para o efeito, sempre que não seja aconselhável, em razão da condição de saúde, que essas visitas sejam concretizadas noutro local, designadamente na casa dos seus familiares (filhos) e julgando-se totalmente improcedente os pedidos deduzidos pela Recorrente.
 II. Quanto à matéria de facto, a impugnação da Recorrente versa a que foi vazada na primeira e segunda alíneas dos factos não provados.
 III. Acresce ainda que, a discordância da Recorrente prende-se com a circunstância do Tribunal a quo ter desconsiderado factos reputados como essenciais para a decisão da causa, concretamente o facto da Acompanhante BB invocar a falta de condições de habitabilidade na casa de ... mas, na verdade, não se coíbe de impor à Acompanhada uma mudança de rotinas e residência, única e exclusivamente para a Acompanhante beneficiar do arrendamento, em plena época alta, da sua própria habitação e na qual realizou obras de melhoramento com a justificação de atender às necessidades da Acompanhada.
 IV. Por outro lado, a discordância da Recorrente prende-se com a circunstância do Tribunal a quo ter desconsiderado factos reputados como essenciais para a decisão da causa, concretamente o facto da Acompanhante BB se recusar a prestar informações quanto à administração dos bens do maior.
 V. Relativamente à primeira alínea  dos factos dados como não provados, constam do processo meios probatórios bastantes para que este mesmo facto conste da matéria dada por provada, nos precisos termos em que se encontra redigido, pese embora na factualidade não assente,
 VI. tanto mais que, nas alíneas d); cc); dd); ff); hh); ccc); ddd); eee); kkk) e ppp) da factualidade dada como provada, o Tribunal recorrido dá por assente diversos momentos, espaçados no tempo entre si, em que a acompanhante privou, injustificadamente, a acompanhada de estabelecer contacto com os seus familiares, concretamente com a aqui Recorrente, pelo que estamos perante um erro ou vício da decisão de facto, situações que encontram acolhimento na previsão do art.º 662.º do C.P.C. relativamente à modificabilidade da decisão de facto, à luz do qual devem ser avaliadas.
 VII. Destarte, deve ser eliminada a primeira alínea da factualidade não assente por se encontrar em directa contradição com os factos provados sob os pontos d); cc); dd); ff); hh); ccc); ddd); eee); kkk) da factualidade dada como provada e, em substituição deve ser aditado um facto aos factos provados, com a seguinte redação: «A acompanhante priva a acompanhada de estabelecer contacto com os seus familiares, designadamente com as demais filhas.».
 VIII.E, por outro lado, a testemunha CC (cf. depoimento prestado em Audiência de Julgamento, em 05/06/2024, entre as 00:19:15 e as 00:28:20) afirmou que a Acompanhante não cumpre, devidamente, os seus deveres de acompanhante, exemplificando que esta apenas permite ao Conselho de Família permanecer com a Acompanhada quando é da conveniência da Acompanhante e, quando solicitado pelo Conselho de Família, não é possível.
 IX. Apesar de o Tribunal a quo se ter, também, baseado no clima de crispação familiar para concluir pela desconsideração da testemunha e não se ignorando as limitações do Tribunal de segunda instância quanto à apreciação de aspectos não verbais do depoimento, deverá, contudo, ter-se em consideração que esses sinais são, isoladamente, inidóneos para atribuir ou não credibilidade a determinado depoimento e devem ser concatenados com uma apreciação global, racional e lógica, fundada nas regras da experiência.
X. O depoimento da testemunha CC revela que a mesma procurou, relativamente a todas as questões, esclarecer o Tribunal da melhor forma e de modo coerente, não se lobrigando quaisquer imprecisões ou sinais que, em conjugação com a linguagem não verbal a que o Tribunal a quo alude, sejam susceptíveis de retirar credibilidade ao seu depoimento.
 XI. De acordo com o que consta da motivação da sentença, o Tribunal a quo fundou essencialmente a sua convicção quanto à não credibilidade do depoimento da testemunha CC na circunstância de resultar das comunicações havidas entre o Conselho de Família e a Acompanhante um extremar de posições, um forte mal-estar e muita falta de compreensão e tolerância, em que é patente o clima de crispação, tensão e conflito permanentes, extraindo, o Tribunal a quo, de cada uma destas premissas a conclusão de que o Conselho de Família desvaloriza a necessidade da Acompanhada viver em clima de tranquilidade e serenidade, insistindo em retirar a Acompanhada do seu lar, mesmo quando a sua condição de saúde está mais frágil e desaconselha alterações nas suas rotinas, impõe os dias e horas das visitas, ignorando quaisquer datas que lhe sejam propostas pela Acompanhante, sem sequer justificar a inconveniência das mesmas, não se empenhando ou esforçando em consensualizar datas com a Acompanhante.
XII. Acontece que o argumento dedutivo do Tribunal a quo mostra-se patentemente errado, de acordo com as regras da lógica, e concretamente com as normas silogísticas, uma vez que das referidas circunstâncias que constituem as premissas do raciocínio do Tribunal a quo não é de todo razoável que se extraia essa conclusão – i. e., o facto do Conselho de Família pretender privar com a Acompanhada nada tem a ver com o clima de crispação existente e nada demonstra ou sequer indicia no sentido de que o Conselho de Família desvaloriza o estado de saúde da Acompanhada.
 XIII.E constatando-se, em face do exposto, não subsistirem quaisquer motivos para não atribuir credibilidade ao depoimento da testemunha CC, e tendo a mesma confirmado que a Acompanhante impede a Acompanhada de privar com o Conselho de Família, deverá tal circunstância ter-se por demonstrada.
 XIV.Acresce que, a testemunha DD (cf. depoimento prestado em Audiência de Julgamento, em 05/06/2024, entre as 00:10:15 e as 00:13:30) afirmou que, aquando do seu último regresso a Portugal, não lhe foi permitido visitar a Acompanhada.
 XV. Acresce que, a Recorrente (cf. depoimento prestado em Audiência de Julgamento, em 05/06/2024, entre as 00:05:20 e as 00:11:42) afirmou que a Acompanhante impede que aquela possa ver a mãe de ambas, olvidando-se o Tribunal recorrido de percepcionar que o clima de crispação existente apenas prejudica a Acompanhada e quem com ela pretenda privar, porquanto a Acompanhante controla todas as suas visitas, motivo pelo qual a animosidade existente não causa qualquer inconveniente à Acompanhante.
 XVI.Acresce que, a testemunha EE (cf. depoimento prestado em Audiência de Julgamento, em 02/07/2024, entre as 00:02:30 e as 00:13:55) afirmou que a Acompanhante impede que aquele possa ver a acompanhada, sua madrinha, mais concluindo que, da sua experiência, quanto maior é a privação de uma pessoa, mais propício a esquecimentos será.
 XVII.Acresce que, a testemunha FF (cf. depoimento prestado em Audiência de Julgamento, em 02/07/2024, entre as 00:03:20 e as 00:05:11), quando questionada acerca dos motivos que levaram a Acompanhada a abandonar o Centro de Dia onde estava inscrita, não deixou de referir que a Acompanhante impediu que a Acompanhada pudesse contactar com os demais filhos.
 XVIII.Acresce que, o animus da Acompanhante (cf. depoimento prestado em Audiência de Julgamento, em 02/07/2024, entre as 00:06:00 e as 01:10:10) é tal que não deixou de destilar todo o acosso aos seus familiares e membros do Conselho de Família que a levam a impedir que os mesmos possam, livremente, privar com a Acompanhada.
 XIX.Venerandos Desembargadores, a documentação junta com o articulado inicial, concatenada com as declarações prestadas pela Acompanhante, evidenciam a predisposição e o aproveitamento do exercício do cargo por parte da Acompanhante para impedir que a Recorrente possa conviver, livremente com a sua mãe, aqui acompanhada.
 XX. Acresce que, a testemunha GG (cf. depoimento prestado em Audiência de Julgamento, em 03/07/2024, entre as 00:14:00 e as 00:47:28), não deixou de referir que a Acompanhante impede que a Recorrente entre no interior da sua habitação, apenas permitindo o convívio com a acompanhada no exterior da habitação.
 XXI.Por outro lado, apesar de o Tribunal a quo se ter, também, baseado nas declarações prestadas pela testemunha para afirmar que a requerente aproveitava as visitas à mãe para abordar a questão do testamento e não se ignorando as limitações do Tribunal de segunda instância quanto à apreciação de aspectos não verbais do depoimento, deverá, contudo, ter-se em consideração que esses sinais são idóneos para atribuir ou não credibilidade a determinado depoimento e devem ser concatenados com uma apreciação global, racional e lógica, fundada nas regras da experiência.
 XXII.Sucede que, a opção do Tribunal recorrido carece de razoabilidade e viola as regras da experiência comum, uma vez que a testemunha sempre respondeu prontamente a todas as questões colocadas pelo Ilustre Mandatário da Acompanhante, ora não se eximindo de asseverar que a Acompanhante nunca impediu a Recorrente de privar com a acompanhada, ora não se eximindo de asseverar que a Recorrente nunca lhe relatou as dificuldades impostas pela Acompanhante e, logo a instâncias da Meritíssima Juiz, o constrangimento por não saber o que poderia responder foi evidente, nem sequer conseguindo concretizar os motivos que levaram a que houvesse necessidade de chamar a polícia ao local, não evitando a testemunha o esboçar de um sorriso nervoso, de quem sabia que estava comprometida com uma versão premeditada.
 XXIII.O depoimento da testemunha CC revela que a mesma procurou, relativamente a todas as questões, esclarecer o Tribunal da melhor forma e de modo coerente, não se lobrigando quaisquer imprecisões ou sinais que, em conjugação com a linguagem não verbal a que o Tribunal a quo alude, sejam susceptíveis de retirar credibilidade ao seu depoimento.
 XXIV.Por outro lado, resultou evidente o comprometimento e coordenação de depoimento da testemunha GG com os interesses da Acompanhante e que culminou com o grotesco olhar de aflição com que a testemunha visou o Ilustre Mandatário da Acompanhante quando, a instância do mandatário da Recorrente, foi questionada acerca dos locais onde presta serviços à Acompanhante / Acompanhada.
 XXV.E constatando-se, em face do exposto, não subsistirem quaisquer motivos para atribuir maior credibilidade ao depoimento da testemunha GG, deverá tal circunstância ter-se por não demonstrada.
 XXVI.Em face do exposto, deveria o Tribunal a quo ter dado a primeira alínea dos factos não provados, ao invés, como um facto provado.
 XXVII.Relativamente à segunda alínea  dos factos dados como não provados, constam do processo meios probatórios bastantes para que este mesmo facto conste da matéria dada por provada, nos precisos termos em que se encontra redigido, pese embora na factualidade não assente,
 XXVIII.tanto mais que, nas alíneas g); h); i); j); k); l); m); n); o); p); q); r); s); t); y); z); aa); bb); cc); dd); ee); ff); gg); hh); ii); jj); kk); ll); mm); nn) da factualidade dada como provada, o Tribunal recorrido dá por assente diversos momentos, espaçados no tempo entre si, em que a acompanhante não prestou as informações devidas relativas ao esta-do de saúde da acompanhada, pelo que podemos estar perante um erro ou vício da decisão de facto, situações que encontram acolhimento na previsão do art.º 662.º do C.P.C. relativamente à modificabilidade da decisão de facto, à luz do qual devem ser avaliadas.
 XXIX.Destarte, deve ser eliminada a primeira alínea da factualidade não assente por se encontrar em directa contradição com os factos provados sob os pontos g); h); i); j); k); l); m); n; o); p); q); r); s); t); y); z); aa); bb); cc); dd); ee); ff); gg); hh); ii); jj); kk); ll); mm); nn) da factualidade dada como provada e, em substituição deve ser aditado um facto aos factos provados, com a seguinte redação: « A Acompanhante recusa prestar informações sobre o estado de saúde da mãe às irmãs.».
 XXX.Isto porque, a factualidade assente, concatenada com a constatação do clima de crispação entre a Acompanhante e os membros do Conselho de Família e a prova produzida em audiência de julgamento é evidenciadora da essencialidade de serem disponibilizados os documentos clínicos da Acompanhada.
 XXXI.E, por outro lado, a testemunha CC (cf. depoimento prestado em Audiência de Julgamento, em 05/06/2024, entre as 00:13:45 e as 00:18:23) não deixou de referir que foi necessário a Recorrente levar a acompanhada a um dentista, uma vez que a Acompanhante não prestava as informações necessárias nem cuidava dos problemas orais da Acompanhada.
 XXXII.Acresce que, a Recorrente (cf. depoimento prestado em Audiência de Julgamento, em 05/06/2024, entre as 00:03:35 e as 00:10:37) não deixou de referir que foi necessário a Recorrente levar a acompanhada a um dentista, uma vez que a Acompanhante não prestava as informações necessárias nem cuidava dos problemas orais da Acompanhada ou prestava informações conscientemente falsas relativamente ao estado de saúda da mesma.
 XXXIII.Acresce que, a Acompanhante (cf. depoimento prestado em Audiência de Julgamento, em 05/06/2024, entre as 00:57:25 e as 01:04:40) não deixou de confirmar que se recusou a enviar o relatório médico da acompanhada à Recorrente.
 XXXIV.Em face do exposto, deveria o Tribunal a quo ter dado a segunda alínea dos factos não provados, ao invés, como um facto provado.
 XXXV.Relativamente ao ponto SSS) a aditar aos factos provados, cumpre salientar que, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento decorrem factos com especial interesse aos autos recorridos, porquanto são factos essenciais que consubstanciam concretos exemplos de que a Acompanhante põe e dispõe, a seu bel prazer e na prossecução das suas próprias necessidades, da vida da Acompanhada.
 XXXVI.Concretamente, a Acompanhante, ao mesmo tempo que se serve de um argumento para contrariar a vontade do Conselho de Família -concretamente que a Acompanhada possa viver numa casa neutra, onde pudesse ser visitada livremente pelos seus familiares e amigos-, já o ignora quando a mudança para essa casa neutra já permita à Acompanhante arrendar a sua própria casa, casa essa remodelada à boleia do superior interesse da Acompanhada.
 XXXVII.Senão vejamos, a Acompanhante (cf. depoimento prestado em Audiência de Julgamento, em 05/06/2024, entre as 00:21:40 e as 00:32:52) foi contundente ao afastar a possibilidade da Acompanhada viver num local neutro, longe de conflitos e guerras, por entender que a casa sita em ..., pese embora ter acolhido a Acompanhada até há cerca de três anos, neste momento não dispõe de condições de habitabilidade dignas.
 XXXVIII.No entanto, confrontada com o facto dos demais filhos da Acompanhada se disponibilizarem a realizar obras de reabilitação do imóvel de ..., a Acompanhante logo recusou, sorrindo, essa alternativa, ora invocando que a cuidadora não se deslocaria para ..., ora invocando que, a ser assim, ela mesma viria com a Acompanhada para ....
 XXXIX.Assim, sopesando-se, como se crê ser devido, a prova produzida, deverá ser aditado um novo ponto à factualidade assente, com o seguinte teor: «A Acompanhante entende que a casa propriedade da Acompanhada, sita em ... e onde a Acompanhada viveu mais de 40 anos, não tem condições de habitabilidade».
 XL.     Relativamente ao ponto TTT) a aditar aos factos provados, cumpre salientar que, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento decorrem factos com especial interesse aos autos recorridos, porquanto são factos essenciais que consubstanciam concretos exemplos de que a Acompanhante põe e dispõe, a seu bel prazer e na prossecução das suas próprias necessidades, da vida da Acompanhada.
 XLI.Concretamente, a Acompanhante, ao mesmo tempo que se serve de um argumento para contrariar a vontade do Conselho de Família -concretamente que a Acompanhada possa viver numa casa neutra, onde pudesse ser visitada livremente pelos seus familiares e amigos-, já o ignora quando a mudança para essa casa neutra já permita à Acompanhante arrendar a sua própria casa, casa essa remodelada à boleia do superior interesse da Acompanhada.
XLII.Senão vejamos, a testemunha GG (cf. depoimento prestado em Audiência de Julgamento, em 03/07/2024, entre as 00:37:45 e as 00:39:42) afirmou que a Acompanhante e a Acompanhante, todos os meses de Agosto, vão viver para a casa de ..., razão pela qual se afigura evidente que os motivos invocados pela Acompanhante para que a Acompanhada não possa viver num local neutro, longe de conflitos e guerras, não passam de falsos problemas ou, na tese aventada no douto articulado de oposição pela Acompanhante, de questiúnculas.
 XLIII.Assim, sopesando-se, como se crê ser devido, a prova produzida, deverá ser aditado um novo ponto à factualidade assente, com o seguinte teor: «A Acompanhante e a Acompanhada, por forma que a Acompanhante possa arrendar a sua própria casa no mês de Agosto, vão viver para o imóvel, sito em ..., propriedade da Acompanhada e onde viveu desde o seu regresso a Portugal».
 XLIV.Relativamente ao ponto UUU) a aditar aos factos provados, cumpre salientar que, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento decorrem factos com especial interesse aos autos recorridos, porquanto são factos essenciais que consubstanciam concretos exemplos de que a Acompanhante se recusou a prestar contas da administração dos bens da acompanhada.
 XLV.Concretamente, a postura da Acompanhante foi esclarecedora da falta de intenção de prestar contas do exercício do cargo, ora procurando, num primeiro momento, confundir as informações a que está legalmente obrigada a prestar, ora procurando, num segundo momento, afirmar que se não prestou, foi porque não tinha de prestar, embora reconheça que havia discutido o assunto com o seu mandatário.
 XLVI.Senão vejamos, a Acompanhante (cf. depoimento prestado em Audiência de Julgamento, em 05/06/2024, entre as 00:11:40 e as 01:09:10) foi contundente ao afirmar que confirmou com o seu mandatário e, se não enviou as informações solicitadas, foi porque não tinha de enviar.
 XLVII.Acresce que, também o Tribunal recorrido, nas alíneas n) e o) da factualidade assente, reitera a contundência da Acompanhante, ao dar por assente que a Requerente solicitou à Acompanhante documentação relativa à administração dos bens da Acompanhada e a «Acompanhante não prestou qualquer esclarecimento ou enviou os documentos solicitados».
 XLVIII.Assim, sopesando-se, como se crê ser devido, a prova produzida, deverá ser aditado um novo ponto à factualidade assente, com o seguinte teor: «A Acompanhante recusa prestar informações sobre a administração dos bens da Acompanhada».
 XLIX.Quanto à matéria de direito, desde logo, a Apelante discorda do enquadramento jurídico e da interpretação que o Tribunal fez da matéria de facto e da respectiva subsunção, aplicação e interpretação do Direito aplicável, designadamente a respeito do cumprimento, ou não, dos deveres próprios do cargo de Acompanhante, considerando que a Sentença revidenda padece de contradição entre os factos provados e a decisão de mérito, o que constitui um erro de julgamento, conforme o disposto nas alíneas a) e c), do nº 2, do artº 662º do Código de Processo Civil.
 L. Isto porque, a matéria de facto considerada provada elencada nas alíneas c); d); e); f); g); h); i); j); k); l); m); n); o); p); q); r); s); t); u); v); aa); bb); cc); dd); ee); ff) gg); hh); jj); kk); ll); mm); nn); ccc); ddd); eee); hhh); iii); kkk); ppp); só pode conduzir à remoção da Acompanhante do cargo que ocupa, uma vez que se encontra suficientemente demonstrado o seu incumprimento, com culpa, dos deveres inerentes ao cargo que ocupa, bem como a probabilidade daquelas condutas resultarem, como resultaram, na marginalização e isolamento da Acompanhada, com óbvios prejuízos para o seu bemestar, recuperação e o possível exercício dos seus direitos e deveres.
 LI. Com efeito, face à factualidade assente, dispõem de elementos suficientes para aquilatar que a prova produzida e constante da Sentença recorrida não é idónea a demonstrar o Sentido da Decisão proferida, sendo, outrossim, idónea à validação de outra Decisão, concretamente a de julgar a acção totalmente procedente, removendo a Acompanhante do cargo que vem ocupando e exercido, exclusivamente, na prossecução dos seus interesses pessoais.
 LII. Isto porque, resulta por demais evidente que os factos provados estão em oposição com a decisão de julgar a acção totalmente improcedente, fixando-se um regime de visitas que, bastando reler a factualidade assente, evidencia a sua impotência, porquanto encontra-se definitivamente demonstrado o animus da Acompanhante, seja no controle dos contactos da Recorrente com a Acompanhada, seja na recusa, relativamente aos membros do Conselho de Família, em prestar informações fidedignas quanto ao estado de saúde da Acompanhada.
 LIII.Assim, ao decidir como decidiu – embora reconhecendo o dever da Acompanhante de assegurar os convívios entre os familiares e a Acompanhada, independentemente de alguns conflitos que tenham ocorrido no passado, entre as filhas CC e AA com os seus pais, entendendo-se que é do interesse superior da Acompanhada manter o convívio e vínculos afectivos com todos os filhos o mais possível, e não aliena-la dessas relações – o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 140.º, 146.º, 152.º, 1935.º, 1948.º do Código Civil, preceitos estes que deveriam ter sido interpretados no sentido que deveriam ter sido interpretados no sentido de que as condutas da Acompanhante configuram o incumprimento do exercício dos deveres inerentes ao cargo de Acompanhante.

TERMOS EM QUE
e noutros que VV. Exas. suprirão, concedendo-se a apelação e revogando-se a decisão revidenda, substituindo-a por outra que determine a remoção da Acompanhante, designando, no seu lugar, a interessada CC e a aqui Recorrente, far-se-á JUSTIÇA.

A Recorrida/Requerida nada disse.
O Ministério Público respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

2. QUESTÕES A DECIDIR

Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas[2] que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[3]

As questões enunciadas pelo/a(s) recorrente(s) podem sintetizar-se da seguinte forma:
-  Reapreciar a decisão da matéria de facto e, eventualmente, o mérito da decisão que alguma modificação da mesma possa determinar;
- Saber se o Tribunal a quo violou o disposto nas als. a) e c), do nº 2, do citado art. 662º, do Código de Processo Civil, e artigos 140.º, 146.º, 152.º, 1935.º, 1948.º do Código Civil.

Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JULGADA
A Apelante sindica, em primeiro lugar, a decisão dos factos não provados que constam do ponto 2.2. da sentença impugnada.
Como primeiro argumento a Recorrente invoca a existência de contradição com outros pontos da decisão de facto positiva, que assinala nos itens VI. e XXVIII., e que, no seu entender, redundam em “erro ou vício da decisão de facto”, nos termos do art. 662º, do Código de Processo Civil.

Nesse ponto 2.2. julgou-se não provado que, sic:
- A acompanhante priva a acompanhada de estabelecer contacto com os seus familiares, designadamente com os demais filhos.
- A Acompanhante recusa prestar informações sobre o estado de saúde da mãe às irmãs.
A Apelante pretende que se revertam essas decisões e se passe a julgar provada essa mesma matéria, sem qualquer reparo (cf. itens VII., XXVI., XXIX. e XXXIV., das suas conclusões).
A motivação dessas decisões por parte do Tribunal é indistinta daquela respeitante à restante factualidade julgada.
Ora, de acordo com o disposto no art. 662º, do C.P.C., e para o que aqui releva, está estipulado que: 1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. 2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; (…).
O tribunal da Relação nas situações previstas no art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC, pode e deve substituir-se ao tribunal de 1.ª instância, desde que disponha de todos os elementos probatórios necessários ao suprimento dos vícios, alterando a decisão de facto, mesmo sem ter havido impugnação da mesma – ou seja, o art. 662.º do CPC confere à Relação o poder – rectius o poder-dever – de reapreciar e, por conseguinte, de alterar o teor, eliminar ou aditar pontos à decisão sobre a matéria de facto, independentemente da iniciativa das partes.[4]
No caso em apreço será que ocorreu o apontado vício de contradição?
São contraditórias as decisões incongruentes ou, como assinala Abrantes Geraldes[5], citando jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente.
Concordando, em parte, com a argumentação e pretensão da Apelante, julgamos que é o que sucede neste caso, em relação aos dois pontos da matéria de facto julgada negativamente que aqui estão em causa.
Com efeito, é patente na decisão da matéria de facto positiva, como assinala a Recorrente, um rol de factos, esses sim factos históricos, que apontam para situações concretas nas quais essas afirmações são contrariadas, ou seja, dos quais decorre que em determinadas circunstâncias a Requerida/acompanhante priva a acompanhada de estabelecer contacto com os seus familiares em causa e recusa prestar informações sobre o estado de saúde da mãe às irmãs, conforme, aliás, se reconhece expressamente na discussão de direito que a sentença elabora no seu ponto IV.
Mais ocorre que essas afirmações genéricas consubstanciam factos conclusivos absolutos que, aliás, perante aquele cuidado da decisão em crise em precisar os factos históricos que denotam o comportamento da acompanhante, podem facilmente ser confundidos com afirmações de direito ou constituir uma antecipação indevida da solução do incidente.
Sem prejuízo disso, a existência daquela falta de silogismo entre os factos apurados e essa matéria julgada não provada, importa a existência de vício que impõe a alteração da decisão proferida ao abrigo do disposto no art. 662º, nº 2, al. c), já que não são necessários dados adicionais para a julgar.
É que, em rigor, essa matéria deve ser eliminada não só do rol dos factos não provados mas também de toda a decisão de “facto” da sentença em crise.
Na verdade, na sua busca pela solução que melhor vá de encontro à sua tese, a Apelante, caindo no mesmo erro, pretende ver inscrita, na matéria de facto apurada, essa matéria quando a mesma está também em contradição com muitos dos factos nela positivamente registados, sem reparo da sua parte, nos quais se constata que, apesar de tudo o que se regista na sentença, a Requerida tem prestado informações sobre o estado de saúde da acompanhada e permitido o convívio da mesma com os referidos familiares.
Com efeito, facto jurídico é o evento histórico ao qual a norma jurídica atribui efeitos de direito e, neste caso, os factos relevantes a atender são aqueles que a decisão e o Apelante citam como tendo tido existência histórica.
Por isso têm relevo jurídico os que aqui foram descriminados na decisão em apreço, mais precisamente no seu ponto 2.1.. Já a matéria que a sentença inscreveu no seu ponto 2.2. e a Apelante pretende ver acrescentada àquele, constitui uma conclusão ou interpretação daqueles que, constituindo verdadeiros eventos históricos da vida real, são os que relevam para a aplicação de direito em discussão.
Neste conspecto e de acordo com o que acima ficou dito sobre a actuação deste Tribunal à luz do disposto no art. 662º, nº 1, al. c), do C.P.C., decide-se eliminar essa matéria do rol dos “factos” a considerar, com prejuízo para o conhecimento da restante argumentação apelativa relativa à impugnação dessa mesma questão, que culminava com o mesmo desfecho inadmissível, assim se julgando parcialmente procedente a impugnação em apreço.

Mais pretende a Apelante que se amplie a matéria de facto dado que, no seu entender, a Sentença recorrida, na sua fundamentação de facto, não considerou provados, com relevância para a decisão da causa, factos cuja prova produzida importa que conste da factualidade assente.
Na sua opinião, incluem-se nesse âmbito os seguintes factos, que pretende ver aditados ao rol dos que se julgam assentes:
SSS) A Acompanhante entende que a casa propriedade da Acompanhada, sita em ... e onde a Acompanhada viveu mais de 40 anos - período respeitante aos anos que a Acompanhada viveu na sua própria habitação após haver regressado dos Estados Unidos da América -, não tem condições de habitabilidade,
TTT) A Acompanhante e a Acompanhada, por forma que a Acompanhante possa arrendar a sua própria casa no mês de Agosto, vão viver para o imóvel, sito em ..., propriedade da Acompanhada e onde viveu desde o seu regresso a Portugal,
 UUU) A Acompanhante, apesar de lhe haver sido solicitado pelo Conselho de Família, não prestou informações acerca da administração de bens da Acompanhada.
Neste ponto há que, novamente, chamar à colação o disposto no art. 662º, nº 2, al. c), do C.P.C., no qual se estabelece que a modificação da decisão da matéria de facto produzida em primeira instância pode consistir na sua ampliação, caso se considere que essa é indispensável.
Essa essencialidade, conforme explica Abrantes Geraldes[6], importa que os pretensos factos fundamentais à boa decisão da causa que se pretendam aditar têm necessariamente que assegurar um enquadramento jurídico diverso do suposto pelo Tribunal a quo.
Estes factos essenciais correspondem ao “núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito material de direito pretendido pelo autor, na petição inicial, ou pelo réu, através da invocação da excepção”[7].
Dito isto, não encontramos nos factos indicados em SSS e TTT essa essencialidade que justifique a apelação da Requerente e qualquer esforço desta Tribunal de recurso na (re)apreciação dessa matéria que não vislumbramos sequer (por ser, alegadamente, essencial) onde é que foi alegada no seu requerimento inicial, de tão essencial que seria ao sustento da sua causa de pedir original.
Em suma, não se tratam de factos essenciais ou indispensáveis à pretendida modificação da decisão de mérito proferida pela primeira instância, razão pela qual, tendo em conta o disposto no citado art. 662º, nº 2, al. c), julga-se improcedente esse pedido de ampliação.

De igual modo, no caso da matéria contida no item UUU), estamos perante factualidade que não interessa aditar ao julgado.
Neste caso, dando aqui por reproduzidos argumentos já enunciados supra, na discussão da impugnação da decisão negativa da primeira instância no seu ponto 2.2., repetimos, a factualidade a atender são os eventos históricos que foram, nessa matéria, julgados, maxime nos pontos n), o), u) e v), do capítulo 2.1. da sentença apelada.
O que se pretende aditar com esse ponto UUU) é, assim, mais uma conclusão genérica que em nada adianta àqueles pontos já registados na sentença a não ser confusão e, por isso, não é indispensável a sua reapreciação jurídica, razão pela qual se julga improcedente esta outra impugnação.                                          

3.2. FACTOS A CONSIDERAR

a) Factos provados. 
Para além dos factos dados como provados, na sentença proferida no processo principal que decretou as medidas de acompanhamento e as alterações decretadas no Apenso A), os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, dão-se como provados os seguintes factos: 
a) A Requerente AA reside habitualmente nos Estados Unidos da América, regressando a Portugal 6 em 6 meses, onde permanece cerca de 2 semanas. 
b) Por email de 15/08/2023, a Requerida interpelou a Requerente para lhe comunicar dia e hora das pretendidas visitas à Acompanhada. 
c) No dia 25/08/2023, a Requerente expediu um email para a Requerida, propondo a esta ficar com a mãe de ambas na casa dela em ... durante o período de férias da Requerida (entre os dias 30/08 e 06/09). 
d) Em resposta a Requerida informou, pela mesma via no dia 28/08/2023, a
Requerente que “a mãe não irá receber visitas durante as minhas férias.”
e) No dia 06/09/2023 dia em que foi proferida a decisão que integrou a Requerente no Conselho de Família (Apenso A), a Acompanhante deslocou-se com a sua mãe às urgências porque, aparentemente, a mesma estava a sofrer um AVC. 
f) Foram realizados vários exames, tendo os médicos concluído que a Acompanhante se encontrava bem de saúde. 
g) Ao ter conhecimento do sucedido, a Requerente solicitou à Requerida o envio do relatório médico referente ao episódio de urgência, com objectivo de perceber o que se passava com a mãe.  h) A Acompanhante recusou-se a remeter tal informação referindo que “A carta é para o médico dela e não para ti ou para mim.” 
Incidente por Apenso
i) A 25/09/2023 a Requerente teve conhecimento que a Acompanhada se encontrava nas urgências. 
j) Nessa senda, remeteu vários emails à Acompanhante para perceber o estado de saúde da mãe.
k) Limitando-se aquela a referir que «Respondo te quando achar conveniente...A mae esteve a descansar, hoje voltou a ter uma recaída de infecção urinaria...».
l) A 06-10-2023, a Requerente contactou a Acompanhante no sentido de agendar uma reunião para falarem sobre o estado de saúde da Acompanhada e dos deveres do Conselho de Família. 
m) A Acompanhante não aceitou o pedido de reunião, dizendo que tal sugestão estava «fora de questão» e que só iria «responder ao que achar necessário sobre a saude da mae.».
n) Atendendo a tal recusa, a Requerente solicitou à Acompanhante que remetesse «extratos bancarios de todas as contas com nome dela, lista de despesas da mae, com recibos e prova de pagamento, e relatorios medicos, com receitas - e tambem o nome/informacao sobre qualquer medico que esteja a seguir a mae. Agradeciamos tambem saber o horario da cuidadora da mae, como e paga e seu salario, e as suas qualificacoes para tal.».
o) A Acompanhante não prestou qualquer esclarecimento ou enviou os documentos solicitados.
p) A 10-11-2023, pelas 17h44m, a Acompanhante remeteu um email à Requerente dando conhecimento de que a Acompanhada «esteve a tarde toda no hospital porque não se sentia bem, vomitou e eu achar melhor chamar o 112. Ela esta bem, foi dada alta no hospital, fez varios exames raio x pulmonar, analises, eletrocardiograma. O medico falou comigo ha pouco e disse que é uma pequena insuficiencia cardíaca muito normal para a idade.. Ela agora ira ser novamente vigiada e fara exames que o medico recomendar.»
q) Tendo a Requerente, nessa sequência, solicitado «copia da papelada do hospital».
r) Tal como já havia acontecido em Setembro, a Acompanhante recusou-se a remeter o relatório e respondeu que «Nao é nada que acrescente o bem da mae.».
s) Perante tal resposta, a Requerente alertou a Acompanhante que solicitava tal informação enquanto membro do Conselho Familiar e de que «Desde o 6 de setembro que te pedimos, continuamente, varias coisas relacionadas a nossa mae. Ou tens ignorado, recusado, ou imposto condicoes obstrutivas. E um simples pedido feito pelo conselho ao acompanhante.».
t) A Acompanhante manteve a sua postura, não satisfazendo os pedidos de esclarecimento da Requerente.
u) Por email datado de 19-01-2024, a Requerente, entre outras informações, solicitou à Acompanhante o envio do IRS da Acompanhada e das informações relativas ao contabilista responsável pelo tratamento e envio de declaração de IRS.
v) A Acompanhante, surpreendentemente, até respondeu às questões do estado de saúde da mãe, mas ignorou os pedidos relativos ao IRS e informação do contabilista.
w) A 11-09-2023, a Requerente levou a Acompanhada a um novo dentista.
x) O qual sugeriu a realização de novas próteses.
y) De tal consulta resultou, de acordo com o Dr. HH, que “O paciente procurou atendimento médico devido a desconforto e dor na região na língua. (…) o paciente relatou que vem sentido desconforto e dor no freio lingual. (…) Ao realizar o exame físico, foi possível observar uma lesão no freio lingual.” 
z) Quando a Acompanhante foi informada desses factos, remeteu o seguinte email à Requerente: «(…) Nao tens que levar a mae a outros médicos senao os dela...e deves me consultar pois sou eu responsavel por ela (…).» 
aa) A Requerente tentou justificar à Acompanhante os motivos que a levaram a marcar a referida consulta, desde logo o facto de ter sido a própria Acompanhada a solicitar tal marcação. bb) A Acompanhante limitou-se a responder que «as decisões nao sao da tua responsabilidade.».
cc) Umas semanas depois, a 03-10-2023, a Requerente sabendo que se encontrava agendada nova consulta no dentista onde havia levado a Acompanhada, contactou a Acompanhante para confirmar a presença da mãe na consulta e para saber se a Acompanhante necessitava de ajuda para levar a mãe à referida consulta.
 dd) A Acompanhante nada disse.
ee) Estando a aproximar-se a hora da consulta, a Requerente interpelou-a novamente: «Vais levar a mae ao dentista ou vai leva-la a II? Pelos vistos foste tu que marcas-te para hoje pq nem fui eu nem a II. Isto e para o bem da nossa mae. Nao deveria custar tanto falar contigo sobre o que para a mae e o melhoramente da vida dela. Entao, diz qualquer coisa».
ff) A Acompanhante respondeu que «A mae nao precisa da tua ajuda (…) Quando tiver tempo, respondo te e escusas estar sempre a incomodar as pessoas…».
gg) Nesse sentido, uma vez mais, a Requerente explicou à Acompanhante que levou a mãe ao dentista «pela vontade e a pedido dela».
hh) Tentando, ainda, fazer ver à Acompanhante que «Nada de isto tem a ver contigo, comigo, com a II, com o passado, com o futuro, ou seja o que. Tem simplesmente a ver com a mae e o melhoramento da sua vida. Mais nada. Vamos cooperar entre todas pq isso e o que a mae quer, e todas nos sabemos muito bem essa verdade.».
ii) A Acompanhante continuou a insistir na ideia de que ela é que é a responsável pela Acompanhada. 
jj) A Requerente questionou a Requerida o que se havia passado na consulta e se a mãe já tinha na sua posse as novas próteses.
kk) Como a Acompanhante nada disse, no dia 08-10-2023, a Requerente voltou a questionar quanto à referida consulta.
ll) Ao que mesma respondeu «Quando eu achar que for relevante e estar concluido, darei te a informação necessaria…».
mm) Continuando a Requerente sem saber o resultado da consulta, a 1110-2023, voltou a interpelar a Acompanhante: «eu pedi-te (…) para informar o que se passou quando levaste a mãe ao dentista. Já passou uma semana e ainda não temos essa informação. (…) peço-te outra vez para nos informar sobre o resultado – e o trabalho está terminado e se a mãe ficou tao satisfeita como as duas vezes que a levamos la.»
 nn) A Acompanhante apenas respondeu «Continua…».
oo) Nos dias 23/10/2023, 30/10/2023, 03/11/2023 e 22/01/2023, a Requerida remeteu email´s à Requerente comunicando-lhe o que tem vindo a suceder com as consultas no dentista, e também sobre a evolução do estado de saúde geral da Acompanhada, designadamente a questão da infecção que padeceu da bexiga.
 pp) A 07-09-2023, estava previsto que a Requerente passasse tempo com a Acompanhada.
qq) Pelas 9h13m, a Acompanhante remeteu email à Requerente informando que a mãe se encontrava com Covid e, como tal, teria de ficar 3 dias em repouso. 
rr) A Requerente respondeu ao email da Acompanhante referindo que “Se nao e obrigatorio ficar fechada, entao tambem pode ficar de reposo comigo. Eu tambem sei tratar dela.”
ss) Acabando a Acompanhante por permitir que a sua mãe passasse tempo com a Requerente.
tt) No dia 08-09-2023, a Acompanhante remeteu à Requerente um email com o seguinte teor: “(…) Hoje como te foi comunicado que a mae tinha covid e nao deveria sair, insististe e ela saiu. Sabes como toda gente e avisei te para ela e outros usarem mascara o qual tu nao trazias, ainda por cima nao devendo contactar com pessoas, trouxeste uma pessoa sem mascara tb para te acompanhar. Disseste que eras responsavel nao vejo como isso pode ser responsabilidade. Informei te que tanto medico como linha de apoio recomendou poucas saidas e com pessoas mt menos sem mascara. A mae nos proximos dias nao ira sair, visto tambem alem de doente, sai da rotina dela tantas saidas.(…)” 
uu) A 16-09-2023 a Requerente informou a Acompanhante de que iria passar na sua casa para visitar a mãe.
vv) Tendo a Acompanhante referido que a mãe no dia anterior «não queria sair estava mt cansada.».
ww) Tendo, inclusivamente, referido que «A mae esta ao meu cuidado..a mae vai sair quando ela quiser e eu achar que ela esta bem para o fazer.»
xx) Quando a Requerente recebeu essa informação já se encontrava junto da casa da Acompanhada, acabando por visitar a mesma.
yy) No dia 03/10/2023, a CC comunicou à Requerida que no dia seguinte, às 12h30, iria buscar a mãe para almoçar. 
zz) A Requerida relembrou à sua irmã CC que a mãe de ambas se faz sempre acompanhar da cuidadora, ainda para mais porque estava a recuperar de uma infecção urinária. 
aaa) No dia 06/10/2023, a Requerida indicou à irmã CC como datas disponíveis para visitar a mãe, os dias 8, 9, 14 ou 15 de Outubro, responsabilizando-se pelo transporte até ao domicílio da irmã. 
bbb) No dia 11/10/2023, respondeu a irmã CC, informando a Acompanhante que no dia seguinte, 12/10, iria recolher a mãe para almoçar. 
ccc) No mesmo dia a Acompanhante respondeu que os dias disponíveis já haviam sido informados e que tinha opções de escolha e que os dias não iriam ser alterados para conforto daquela (CC) e que «Para colaborares teras que ir ao encontro da minha agenda.»
ddd)  A Requerente alertou a Acompanhante de que «(…) Tu amanhã estás a trabalhar, certo? Sendo assim, até devias ficar contente pela mãe estar a passar tempo com sua família em vez de uma cuidadora. O objetivo não e fazer o melhor possível para a mãe e, então, dar-lhe o máximo tempo possível com sua família? A mãe gostou muito de estar com a II e na casa dela, e gosta muito da cozinha dela (comida). Por favor, e pelo bem da mãe, não compliques desnecessariamente e informa a cuidadora para que a mãe esteja prepara amanhã.» 
eee) A Acompanhante manteve a sua postura e respondeu que não seria a Requerente ou a irmã CC a «agilizar as visitas ou o formato das rotinas existentes..»
fff) No dia 15/10/2023, a Requerida informou as irmãs que a mãe se encontrava novamente com uma infecção urinária, tendo solicitado à irmã CC para que indicasse o dia entre as datas de 20 a 23/10/2023 para recolher a mãe e passar com ela o dia. 
ggg) Em resposta, a irmã CC, admitindo ser doméstica e reformada, escreveu que “(…) ia buscar a mãe de vez em quando para almoçar Incidente por Apenso comigo e levá-la de volta a casa mas conforme o meu horário não conforme as datas que a ti te convém além de ser doméstica e reformada tu nada sabes dos horários da minha vida.”
hhh) No dia 18/10/2023, a irmã CC remeteu novo email à Requerida em que comunicou “Sexta feira vou buscar a mae para almoçar depois de almoço levo-a a casa.” 
iii) A Requerida respondeu que os dias disponíveis já lhe tinha sido comunicados. 
jjj) A Acompanhada continua a viver na casa da Acompanhante onde tem uma cuidadora a tempo inteiro. 
kkk) A Acompanhante explora um salão de cabeleireiro onde trabalha diariamente.
 lll) A Acompanhada está bem cuidada. 
mmm) Dada as patologias de que sofre, sobretudo a demência, a Acompanhada necessita de rotinas e a alteração dessas rotinas deixam-na agitada. 
nnn) Nas visitas efectuadas pela Requerente à Acompanhada, aquela aborda frequentemente a questão do testamento efectuado em benefício da Acompanhante e insiste com a mãe que tem que o desfazer. 
ooo) Nessas alturas a Acompanhada ficava agitada e chorosa. 
ppp) As visitas das filhas AA e CC à Acompanhada ocorrem por norma no exterior da habitação, na zona do portão. 
qqq) A filha DD não mantém há vários anos contacto com a mãe, com quem teve uma relação conflituosa. 
rrr) No passado também as filhas AA e CC tiveram uma relação conflituosa com os pais. 

3.3. DO DIREITO APLICÁVEL

No capítulo das suas conclusões dedicado ao “direito”, a Apelante conclui, em primeiro lugar (XLIX.), que a sentença padece de contradição entre os factos provados e a decisão de mérito, o que constitui um erro de julgamento, previsto nas als. a) e c), do nº 2, do citado art. 662º, do Código de Processo Civil.
Contudo, é a Recorrente que incorre aqui em erro ao confundir contradição entre matéria de facto e matéria de direito com algum dos vícios previstos no citado art. 662º, que regula apenas e só as insuficiências intrínsecas da decisão da matéria de facto, e ao pretender qualificar tal coisa como “erro de julgamento”.
Dito por outras palavras, “erro de julgamento” no plano do direito é aquele que consubstancia uma deficiente aplicação do direito vigente de acordo com a interpretação que melhor se considera adequada  ao caso e não se confunde com o vício formal de contradição que, v.g., se prevê no art. 615º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil, e não nesse art. 662º.
Improcede, portanto, a conclusão desse item XLIX..

Além disso, cumprindo o disposto no art. 639º, nº 2, do C.P.C., a Apelante motiva a sua discordância da decisão apelada na circunstância de esta ter violado o disposto nos artigos 140.º, 146.º, 152.º, 1935.º, 1948.º do Código Civil, preceitos estes que, no seu entender, deveriam ter sido interpretados no sentido de que as condutas da Acompanhante configuram o incumprimento do exercício dos deveres inerentes ao cargo de Acompanhante.
A decisão recorrida entendeu diversamente e, entre os diversos e aturados argumentos que aduzem, encontra-se a seguinte elucidativa passagem:
“Fica clarividente que existe um foco de tensão e crispação entre a Requerente e a irmã CC e Requerida oriundo em quezílias familiares e pessoais de longa data, cuja persistência não serve claramente o interesse superior da Acompanhada, e o desígnio maior que preside o estatuto do maior acompanhado, que é o seu bem-estar e a sua recuperação, e o pleno exercício dos seus direitos e deveres. 
Todavia, as “imperfeições” apontadas no exercício do cargo de Acompanhante pela Requerida não assumem a gravidade suficiente para concluir que se verifica a falta de cumprimento dos deveres próprios do cargo ou inaptidão para o seu exercício, que justifique a sua remoção. Inversamente, tudo aponta para que a Acompanhante se preocupa em assegurar à Acompanhada todos os cuidados que a sua condição exigem, e se empenha em assegurar o seu bem-estar.” 
Vejamos…
Decorre do disposto no citado art. 140º, nº 1, do Código Civil, que: O acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as excepções legais ou determinadas por sentença.
Por sua vez, o citado art. 146º, do Código Civil, dita que: 1 - No exercício da sua função, o acompanhante privilegia o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada. 2 - O acompanhante mantém um contacto permanente com o acompanhado, devendo visitá-lo, no mínimo, com uma periodicidade mensal, ou outra periodicidade que o tribunal considere adequada.
Sobre a remoção e exoneração do acompanhante, o citado art. 152º, do mesmo Código estipula que, sem prejuízo do disposto no artigo 144.º, a remoção e a exoneração do acompanhante seguem o disposto nos artigos 1948.º a 1950.º.
De acordo com o citado ar.1935º, do Código Civil: 1. O tutor tem os mesmos direitos e obrigações dos pais, com as modificações e restrições constantes dos artigos seguintes. 2. O tutor deve exercer a tutela com a diligência de um bom pai de família.
Por fim, nos termos do invocado art. 1948º, do Código Civil, pode ser removido da tutela: a) O tutor que falte ao cumprimento dos deveres próprios do cargo ou revele inaptidão para o seu exercício; b) O tutor que por facto superveniente à investidura no cargo se constitua nalguma das situações que impediriam a sua nomeação.
Posto isto, a questão fundamental subjacente a esta apelação é a de saber se a Requerida faltou ao cumprimento dos deveres próprios do cargo de modo a ser removida do cargo de acompanhante.

Sobre estes deveres e com interesse para esta demanda, atente-se ao que é dito por Geraldo Rocha Ribeiro[8]:
 “(…) No entanto, a própria relação de acompanhamento cria particulares deveres, sendo o principal o dever de cuidado. É o dever-matriz que afeiçoa a actuação do acompanhante e que encontra a sua consagração legal no artigo 146.º do Código Civil. E este incorpora, como era referido na exposição de motivos do projecto de lei do Centro de Direito da Família: «[os] poderes funcionais atribuídos ao curador [leia-se acompanhante], diz respeito aos deveres especiais de cuidado que este terá de assumir. Esta será a única esfera de atribuições que está necessariamente presente quando instaurada a curatela [leia-se acompanhamento], já que o beneficiário é sempre alguém carecido de protecção. No exercício de deveres de cuidado, o curador [leia-se acompanhante] deverá praticar actos materiais de apoio no processo decisório, conducentes à formação de uma vontade livre e esclarecida (por exemplo, ajudar a obter e processar a informação com vista à prestação de consentimento médico), mas também assegurar que as necessidades do beneficiário são satisfeitas e que se levem a cabo as providências adequadas para remover situações de perigo que o ameacem, ainda que não o faça como seu representante ou assistente»
Decorre, por isso, do disposto no artigo 146.º do Código Civil uma norma de protecção (ou de tráfego) que determina a tutela objectiva do interesse do beneficiário ao impor um padrão mínimo de actuação ao acompanhante. Todavia, os deveres de cuidado são de conteúdo variável, atenta a plasticidade da medida de acompanhamento. Sendo esta um recorte à medida das necessidades e interesses do beneficiário, o seu conteúdo e a sua exigibilidade serão também flexíveis. No entanto, há um núcleo comum a todas as medidas de acompanhamento: dever de respeito pela vontade, interesses e desejos manifestados (sem prejuízo de os mesmos poderem não ser vinculativos atenta a falta ou limitação de capacidade natural), dever de estabelecer uma relação de proximidade (física) com o beneficiário, dever de informar o beneficiário e o conselho de família (existindo) sobre o exercício dos seus poderes-deveres, prestar contas (artigo 151.º, n.º 2, do Código Civil), comunicar qualquer alteração que justifique a revisão do acompanhamento, desde logo, quando o mesmo se revele desnecessário ou, em particular, perante a existência de uma situação de perigo, seja auto ou hétero colocada. Além destes deveres, atenta a relação de fidúcia e de proximidade com o beneficiário, sobre o acompanhante recai um dever de segredo, inerente ao dever de reserva e da intimidade da vida privada de que quele goza e que se mantém para lá da cessação da medida ou da sua remoção ou exoneração.”
Chegados aqui, temos de concluir, tal como na sentença recorrida, que as imperfeições notadas no cumprimento, por parte da Requerida, do dever de informação e de acesso regular dos restantes familiares à acompanhada em condições dignas, não coloca em causa o exercício das suas funções de acompanhante ao ponto de determinar a sua remoção.
Deste logo, por razões de proporcionalidade e/ou igualdade que devem estar subjacentes à ponderação da regra do citado art. 1948º, al. a), do Código Civil.
Isto por que, convenhamos, será que existem razões para, em face dessas imperfeições colocar em causa tudo o que de positivo tem sido feito e ficou apurado (v.g., itens jjj), lll), mmm)) no âmbito do primacial dever geral de cuidado da beneficiária por parte da Apelada? Julgamos que não. Será que há motivos para proibir a Apelante de conviver com a acompanhada em face do que ficou apurada em nnn) e ooo)? O Tribunal de primeira instância entendeu que não!
O que está demonstrado nos autos é apenas, por  um lado, um incumprimento imperfeito  por parte da Requerida do dever de informar sobre o estado de saúde da acompanhada, num quadro de constante assédio por parte da Apelante relativamente a dados que, por vezes, não são determinantes para o acompanhamento do estado de saúde da mesma e, a final, não demonstrou que fossem relevantes para o seu bem estar ou melhor interesse, lembrando aqui que subsistem dúvidas sobre o acesso, por terceiros, a dados pessoais da acompanhada que devem estar protegidos pelos direitos de privacidade de que ela não é desprovida pela sua condição actual.
O mesmo pode ser dito das apuradas limitações estabelecidas pela Requerida no que toca ao acesso e convívio dos familiares em causa com a acompanhada, sendo certo, desde logo, que está apurado que esse convívio é por vezes doloroso para a beneficiária (cf. item ooo), dos factos provados), que essas pessoas tiveram um passado conturbado na relação com a mesma (itens qqq) e rrr)), e há que garantir um ambiente estável para a acompanhada, devido às suas patologias (item mmm)). Por isso, se em tese essas restrições podem ser vistas como um factor prejudicial ao bem-estar psíquico desta, não encontramos razões para concluir que, de facto, o tenham sido.
Está igualmente apurado um objectivo incumprimento do dever de informalmente prestar contas perante o conselho de família, sendo certo que, como lembra a sentença, o que está primacialmente estabelecido pelo legislador é o dever de prestar essas contas nos termos e com a periodicidade estabelecidas no citado art. 151º, nº 2, do Código Civil, ou seja, à acompanhada e ao tribunal, quando cesse funções e/ou, na pendência, assim seja judicialmente determinado, o que aqui não se verificou.
Deste modo, julgamos que, sem mais dados, inexistem razões para determinar aqui, por isso, sanção ou desfecho tão gravoso como a requerida remoção, no quadro acima considerado, em que os cuidados da beneficiária estão, no fundamental, bem entregues e não existe alternativa capaz, como salienta a sentença, ou seja, perante circunstâncias em que, aparentemente, a principal prejudicada com essa sentença seria a acompanhada e o seu melhor interesse!
Haverá que relembrar aqui também o disposto no art. 898º, do Código de Processo Civil: 1 - O processo de acompanhamento de maior tem carácter urgente, aplicando-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes. 2. Em qualquer altura do processo, podem ser requeridas ou decretadas oficiosamente as medidas cautelares que a situação justificar.
De acordo com esse regime (art. 987º, do C.P.C.), nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.
No caso, embora consideremos que a decisão proferida, ao indeferir a requerida remoção, ainda se ateve à melhor interpretação das normas acima citadas, de acordo com o disposto no art. 9º, do Código Civil, julgamos que as circunstâncias deste caso concreto tornam acertada e oportuna a decisão proferida, que teve o cuidado de aditar as medidas adequadas à garantia futura da melhor prossecução dos interesses da beneficiária.
Julgamos, por tudo o que fica dito, que deve improceder a apelação.

A Apelante suporta a custas do seu recurso, atendendo ao disposto no art. 527º, do Código de Processo Civil.

4. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação.

Custas pela apelante.   
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Sumário[9]:
- Facto jurídico é o evento histórico ao qual a norma jurídica atribui efeitos de direito e, neste caso, os factos relevantes a atender são aqueles que a decisão e o Apelante citam como tendo tido existência histórica e não as conclusões absolutas que se podem extrair apenas de parte daqueles.
- O art. 662º, nº 2, al. c), do C.P.C., estabelece que a modificação da decisão da matéria de facto produzida em primeira instância pode consistir na sua ampliação, caso se considere que essa é indispensável.
- Essa essencialidade, importa que os pretensos factos fundamentais à boa decisão da causa que se pretendam aditar têm necessariamente que assegurar um enquadramento jurídico diverso do suposto pelo Tribunal a quo, sem o que não é admissível essa ampliação.
 - As imperfeições notadas no cumprimento, por parte da Acompanhante de pessoa incapacitada, do dever de informação e de acesso regular dos restantes familiares à acompanhada, não coloca em causa o exercício das suas funções de acompanhante ao ponto de determinar a sua remoção, por razões de proporcionalidade e/ou igualdade.
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Guimarães, 17-10-2024


[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106.
[2] Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
[3] Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107.
[4] Cf. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 16.11.2023, in https://jurisprudencia.pt/acordao/219263/
[5]   In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Ed., p. 293
[6] Ob. cit., p. 294
[7] In A ESSENCIALIDADE DOS FACTOS E O PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO NO NOVO PROCESSO CIVIL, Diana Salvado Nunes, P.56 - https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/22099/1/Texto%20final%20da%20Dissertação%20-%20Diana%20Salvado%20Nunes.pdf  
[8] In OS DEVERES DE CUIDADO E A RESPONSABILIDADE  DO ACOMPANHANTE PERANTE  O BENEFICIÁRIO — UM PRIMEIRO ENSAIO, Revista Julgar, nº 41, p. 8 - https://julgar.pt/wp-content/uploads/2020/05/JULGAR41-05-GRR.pdf
[9] Da responsabilidade do relator – cf. art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.