ACIDENTE DE VIAÇÃO
REJEIÇÃO DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
PROVA
VALOR EXTRAPROCESSUAL DA PROVA
RECONSTITUIÇÃO CIENTÍFICA DO ACIDENTE
Sumário


1 - Não cumpre o ónus de impugnação a que se reporta o art.º 640.º, n.º1, alínea b), do C. P. Civil, o recorrente que apenas se refere aos depoimentos das testemunhas de forma genérica e global, indicando o início e o termo do seu depoimento, sem fazer qualquer menção ao que efetivamente disseram sobre cada um dos factos impugnados.
2 - O despacho que determina a junção aos autos de meios de prova constantes no processo crime em que se discute a responsabilidade penal pela ocorrência do mesmo acidente de viação não consubstancia a prática de um ato que a lei não admite e, assim, dele não decorre qualquer nulidade.
3 - Dependendo a alteração da decisão, na parte de direito, integralmente da modificação da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, quando tal modificação não se verifica, e nenhuma questão existe relativa à decisão de direito proferida, é de considerar o disposto pelo art.º 608.º, nº 2, aplicável ex vi n.º2, do art.º 663.º, ambos do C. P. Civil.

Texto Integral


Relator: Paula Ribas
1ª Adjunta: Anizabel Sousa Pereira
2ª Adjunta: Maria Amália dos Santos
Processo 2005/22.1T8BRG.G1
Juízo Central Cível de Braga – Juiz ... – Tribunal Judicial da Comarca de Braga

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório (elaborado com base no que foi efetuado na 1.ª Instância):
AA intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra EMP01... – COMPANHIA DE SEGUROS, SA.
Alegou, em síntese, que a sua filha morreu na sequência de um acidente de viação causado pelo condutor do veículo segurado na ré. Assim, a título de responsabilidade civil extracontratual adveniente de acidente de viação, a ré deverá ressarci-la dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com o acidente.
Concluiu, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de 220.000,00 euros, a título de danos não patrimoniais, e de 7.800,00 euros, a título de danos patrimoniais, acrescidas ambas de juros de mora contados desde a citação.
Citada, a ré apresentou contestação alegando que a responsabilidade pelo acidente se deveu ao comportamento da condutora falecida. No mais, impugnou os factos relativos aos danos invocados.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento da causa, tendo então sido proferida sentença que julgou a ação improcedente.

Inconformada, veio a autora recorrer, apresentando as seguintes conclusões:
1- ERRO DE JULGAMENTO – IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA:
2- Conforme preceituado no artigo 662º, do CPC, a decisão do Tribunal de Primeira Instância deve ser revista por erro de julgamento na matéria de facto e na valoração da prova gravada.
3- Segundo Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina 2014 – 2ª edição, págs. 129 e segs.”, o Tribunal da Relação tem a função normal de modificar a matéria de facto quando a reapreciação dos meios de prova o justifique, afastando-se o entendimento de que tal alteração seria excecional ou reservada para os casos de erro manifesto. Ou seja, é permitido ao Tribunal da Relação sindicar a decisão baseada em prova oralmente produzida e gravada, sempre que a reapreciação dos meios de prova determine um resultado diverso daquele que foi declarado na Primeira instância.
4- A análise minuciosa da matéria provada e não provada e a motivação do Mmo. Juiz a quo, evidencia que não existiu uma avaliação crítica e analítica da prova testemunhal produzida em audiência.
5- A decisão em crise não faz uma análise criteriosa da prova testemunhal, falhando a com preensão da essencialidade de e do objeto da matéria em litígio, como exige o princípio da livre apreciação da prova (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 23/10/2014, Relator Manuel Bargado, disponível www.dgsi.pt: “A convicção do Tribunal há-de resultar de uma apreciação crítica, conjugada e concatenada de toda a prova produzida, não podendo cingir-se a uma mera apreciação isolada dos vários depoimentos testemunhais produzidos”).
6- A incorreta valoração da prova testemunhal, levada a cabo pelo Mmo. Juiz a quo, configura erro de julgamento.
7- O erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), levando a que a decisão não corresponda à realidade ontológica ou à normativa.
8- É consabido que o julgador é livre de apreciar as provas, todavia, tal apreciação deve ser vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da lógica e às regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório.
9- A apreciação das provas deve respeitar sempre os princípios do direito probatório e seguir normas lógicas e científicas, não se confundindo com a íntima convicção do julgador.
10- O duplo grau de jurisdição em matéria de facto reforça os poderes do Tribunal de Recurso, permitindo a reapreciação das provas gravadas, conforme o art.º 640º, do CPC.
11- Salvo o devido respeito (que é muito), o Mmo. Juiz não podia considerar como provada a seguinte matéria:
“17) (…) quando o condutor da ambulância descrevia uma curva para o seu lado direito, deparou-se com o veículo IU a invadir a sua metade direita da faixa de rodagem, a menos de 5 m de distância, a dirigir-se na sua direção, barrando-lhe a passagem.
18) O condutor da ambulância tentou evitar o embate, mas o veículo IU acabou por embater violentamente com a sua frente do lado esquerdo na frente do lado esquerdo do veículo GV.
19) A condutora do veículo IU, circulando pela mesma Rua ..., em ..., no sentido ... – ..., fazia-o com velocidade de pelo menos 81Km/h.
20) Ao descrever a curva para o seu lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha, perdeu o controlo da sua viatura, transpôs eixo da via, e invadiu a sua metade esquerda da faixa de rodagem, por onde circulava a ambulância, quando esta se encontrava a menos de 5 m de distância, acabando por embater violentamente com a frente do lado esquerdo do veículo IU na frente do lado esquerdo da ambulância.
21) O condutor da ambulância aproximou-se da aludida curva à velocidade de pelo menos 71km/h.”
12- Não foi feita prova bastante que permitisse o Mmo. Juiz a quo ter uma opinião, encorada num grau de probabilidade suficiente, para considerar tais factos como provados. E a prova apresentada pela Recorrente demonstra, conclusivamente, o contrário: que a culpa do acidente não foi do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-IU-.., conduzido pela infeliz vítima (BB).
13- A douta decisão, a par e passo, estribou-se nas declarações do condutor da ambulância, CC, da passageira, DD, e do agente da GNR, EE, autor do relatório final de fls. 51 e seguintes. Elementos esses que revelam parcialidade e falta de objetividade no relato dos factos, sendo mesmo díssonos em confrontação com a realidade vivenciada pelas testemunhas oculares.
14- O referido relatório, baseia-se somente nas declarações do condutor da ambulância (CC) e da passageira (DD), os quais apresentam uma visão parcelar e instantânea dos momentos que antecederam o acidente, não sendo, por si só, suficientes para sustentar a versão da dinâmica do acidente. São declarações perfeitamente subjetivas e podem, sobretudo as do condutor da ambulância, escudando-se no princípio nemo tenetur se ipsum accusare, escamotear os fatores que potenciaram o acidente.
15- Além disso, o documento em referência não pode ser valorado como prova na parte em que se refere à “descrição do acidente”, porque contém imprecisões, mormente a hora a que indica ter ocorrido o acidente (12h00), quando efetivamente o acidente se deu no intervalo entre as 11h30m e as 11h40m [basta para o efeito atentar no relatório do médico do Instituto Nacional de Emergência Médica (vide fls. 6 dos autos), que certifica: “vítima encarcerada durante 15 minutos, bombeiros chegaram às 11:50h, vítima em PCR foi retirada às 12:05 (…)”].
16- Por outro lado, no dia, hora e local onde se deu o acidente em apreço, encontravam-se presentes testemunhas oculares, que têm uma visão total e pormenorizada dos momentos que antecederam o acidente e da forma como se verificou a colisão do veículo com a matrícula ..-GV-.. (ambulância) com o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-IU-.., conduzido pela infeliz vítima (BB).
17- Do mesmo jeito, o relatório técnico elaborado pelo Perito da Faculdade de Engenharia da Universidade ..., acolhido para fundamentar a douta decisão, sendo um elemento valorável, não constitui juízo técnico ou científico subtraído à livre apreciação do Tribunal.
18- O mesmo não contém informação sobre o nível de erro e sobre a graduação de variabilidade e incerteza dos dados obtidos, e os factos nele realçados, sobre a dinâmica do acidente, tiveram por base o croquis da GNR e relatório do NICAV/GNR, documentos estes que evidenciam parcialidade, falta de objetividade, insuficiência do exame ao local do acidente [inexiste qualquer referência ao degrau/soleira existente na via por onde circulava o veículo (ambulância)], e diversas incongruências, principalmente quanto ao local exato onde se deu o embate dos veículos intervenientes no acidente.
19- Além do mais, o Exmo. Sr. Perito nem sequer atentou que o relatório do NICAV/GNR expressava tão só declarações recolhidas perante pessoas que somente tinham uma visão parcelar e instantânea dos momentos que antecederam o acidente [i.e., condutor da ambulância (CC) e da passageira (DD)], e que, assim sendo, traduziam pura subjetividade e preponderância para escamotear os fatores que potenciaram o acidente.
20- O resultado da perícia não representa um verdadeiro juízo pericial, mas antes um estado dubitativo, lidando apenas com probabilidades e presunções.
21- O ponto essencial que deveria ser aprofundado, era correlacionar a dinâmica do acidente, os resíduos indicativos, a posição final dos veículos e o trajeto dos mesmos a um ponto de origem do sinistro. Noutras palavras, deveria apurar o local do embate inicial e analisar minuciosamente a posição dos veículos após o acidente, o que não foi realizado!
22- A simulação computacional, usada no relatório pericial, será sempre uma hipótese de base matemática que não leva em conta comportamentos, capacidades pessoais e forma pessoal de reagir a perigos iminentes, carecendo, por isso, de demonstração científica.
23- Com isto, a Recorrente não pretende negar que a física e a matemática contribuem de forma válida para a apreciação de acidentes de viação. Segue é de perto a doutrina do douto Acórdão da Relação de Évora de 03-06-2008 (proc. 161/08-1), no qual é afirmado: “Um veículo é um corpo sólido que está sujeito às leis da física e é passível de mensuração a sua capacidade para se imobilizar em função da sua massa e da velocidade de que vai animado.
Assim, não sendo uma verdade absoluta, não são de desprezar e devem mesmo ser aceites como elementos adjuvantes de muita relevância, os conhecimentos que nos são transmitidos através da física e da matemática para apurar das velocidades de imobilização dos corpos sólidos que são os veículos automóveis».
24- No caso dos autos, verificam-se outros elementos que se não limitam a uma natureza de fenómenos objetivos quantificáveis e mensuráveis, e sem a sua devida abordagem, o dito relatório torna-se manifestamente insuficiente, e não pode ser admitido como um meio de prova de valor reforçado.
25- Os dados descritos no laudo pericial estavam sujeitos à livre apreciação do Tribunal a quo, que nessa apreciação os devia concatenar com os depoimentos das testemunhas oculares e com a evidência das características do local onde ocorreu o acidente, o que não aconteceu!
26- O Tribunal a quo não podia, nem devia, ter sido um recetor passivo da opinião do relatório final elaborado pelo agente da GNR, EE, nem das conclusões trazidas pelo Exmo. Sr. Perito da Universidade ..., assistindo-lhe o poder/dever de valorar livremente, e de forma autónoma, tal prova.
27- Igualmente, o Tribunal a quo não ponderou que as diligências no local do acidente, levadas a cabo pelo NICAV/GNR, foram efetuadas pelas 14h30m (i.e., 02h30m, após o acidente) e pelas 11h00 do dia 28 de maio de 2020 (mais de três meses após o acidente), e o local já não preservava os vestígios e o posicionamento dos existentes, por certo alterados em relação ao lugar onde ficaram na sequência da colisão, quanto mais não seja pela circulação de pessoas, veículos e pela recolha efetuada pelos reboques.
28- Isto para além do croquis da GNR não conseguir especificar o local exato do embate dos veículos intervenientes no acidente, não descrever as características do sítio e se havia obstáculos que tivessem afetado a condução/destreza do condutor da ambulância, limitando-se a colher depoimentos deste e da passageira, sem recolher qualquer depoimento de pessoas que estavam no local do acidente e que o visionaram.
29- Como o relatório técnico de reconstituição do acidente, elaborado pelo Exmo. Sr. Perito da Universidade ..., foi decalcado do croquis da GNR e do relatório do NICAV/GNR, apresenta as mesmas inconsistências e desfasamento com a verdadeira dinâmica do acidente.
30- Seguindo a doutrina dos frutos da árvore envenenada: os erros e insuficiências manifestados nos documentos da GNR contaminaram o relatório técnico de reconstituição do acidente (contaminação por derivação).
31- Em bom rigor, o Tribunal a quo não podia, nem devia, atender ao croquis da GNR, ao relatório do NICAV/GNR e ao relatório técnico elaborado pelo Perito da Faculdade de Engenharia da Universidade ... como meios probatórios, e muito menos dar guarida às conclusões ali vertidas. São elementos que fizeram tábua rasa dos depoimentos das testemunhas oculares e ainda excederam amplamente as suas funções técnico-científicas: invadiram a área jurisdicional ao se arrogarem com competências para a atribuição de culpas.
32- Demais a mais, tratam-se de documentos que constam de certidão eletrónica extraída do Inquérito n.º 168/20...., pendente no DIAP de ..., instaurado contra o aqui condutor do veículo [ambulância]. E, na verdade, ainda não é possível saber se irá ser proferida uma decisão condenatória ou absolutória do aqui condutor do veículo [ambulância].
33- Impõe o n.º 1, do art.º 624º, do CPC, que o Tribunal Civil não esteja vinculado à decisão do Tribunal Penal.
34- Admitir como prova o croquis da GNR, o relatório do NICAV/GNR e o relatório técnico elaborado pelo Perito da Faculdade de Engenharia da Universidade ..., é o mesmo que transpor os factos consignados e valorizados naquele Inquérito para a presente ação, conferindo-se-lhes um valor de caso julgado que não têm; ou então conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma extensão ou amplitude que claramente não possui.
35- Nesta perspetiva, devem aqueles elementos ser desentranhados dos presentes autos, porquanto a decisão que determinou a sua junção consubstancia um ato que a lei não admite, constituindo, por isso, uma nulidade que deve ser sancionada com o seu desentranhamento, o que se REQUER.
36- Relativamente à matéria de facto considerada não provada, não se compreende como pôde o Mmo. Juiz a quo especificar como não provado o seguinte:
“a) Devido à velocidade e falta de cuidado com que circulava o condutor do veículo [ambulância], não conseguiu percecionar e desviar-se com destreza de um degrau/soleira/patamar ou espaço mais ou menos largo que existia (em plena curva) sobre a berma da sua faixa de rodagem, à entrada da porta principal de acesso a uma moradia que deita diretamente sobre a dita faixa de rodagem.
b) O condutor da [ambulância] ao não ter conseguido desviar o veículo do(a) aludido(a) degrau/soleira/patamar ou espaço mais ou menos largo ali existente, resvalou no(a) mesmo(a), embatendo de raspão com o lado direito traseiro no muro de pedra que delimita a aludida moradia, e entrou em despiste, saindo a grande velocidade da sua faixa de rodagem em direção ao [veículo 2], no qual embateu violentamente no lado fronto/lateral esquerdo, que seguia no lado oposto, dentro da sua faixa de rodagem, com toda a tranquilidade e em velocidade moderada.
c) Ao não conseguir descrever a curva à direita que se lhe deparou, raspando com o lado direito da traseira do veículo no muro adjacente, entrou em despiste (não segurando o veículo) e projetou-se, totalmente obliquado na via, para fora da sua faixa de rodagem, indo abalroar violentamente o IU que circulava na faixa oposta no sentido .../....
d) Antes do embate, o condutor do veículo [ambulância] abandonou a sua hemi-faixa de rodagem e invadiu a hemi-faixa reservada ao IU.
e) O local onde ocorreu o embate permitia, ao condutor do veículo [ambulância], uma visibilidade da faixa de rodagem contrária (i.e., por onde circulava o [veículo 2]) a mais de 50 metros.
f) A Autora, como consequência direta e necessária do decesso da sua querida filha, passou a sofrer de episódio depressivo, com humor triste, tensão interior, adinamia, sentimentos de incapacidade, dificuldade de concentração e alterações do sono, apresentando um quadro de mal-estar clinicamente significativo, com dificuldades de lidar com as situações do quotidiano, manifestando sentimentos de apreensão em relação ao seu futuro, com défices no funcionamento sócio profissional, a necessitar de medicação antidepressiva, ansiolítica e medicamentos para dormir.
g) À data do acidente, o veículo apresentava-se em bom estado de conservação e o seu valor comercial era de 7.800,00€.”
37- Na humildade opinião da Recorrente, o Mmo. Juiz a quo não fez apreciação rigorosa dos depoimentos prestados em audiência, nem a decisão que proferiu sobre a matéria que considerou não provada, atrás indicada, traduz uma apreciação crítica e analítica da prova gravada.
38- Para tanto, bastará ao Tribunal ad quem atentar e reapreciar os depoimentos prestados pela Recorrente e pelas testemunhas oculares (todos gravados no sistema Citius), a saber:
- AA, com início às 09:39 e fim às 09:48;
- FF, com início às 09:48 e fim às 10:12;
- GG, com início às 10:13 e fim às 10:35;
- HH, com início às 10:36 e fim às 11:00;
39- Depois de serem reapreciados tais depoimentos, os Venerandos Juízes Desembargadores (certamente) chegarão a juízo decisório (completamente) diferente daquele a que chegou o Mmo. Juiz a quo, dando como provado que:
I. No sentido .../..., por onde circulava o veículo conduzido pela infeliz vítima (BB), não existe qualquer tipo de sinalização de velocidade, e face ao código da estrada, considera-se, por isso, a velocidade máxima permitida de 90 km/h, para veículos ligeiros de passageiros.
II. O condutor do veículo [ambulância], aproximou-se da curva existente no local do acidente a alta velocidade, a mais de 100 km/h, quando a velocidade máxima permitida era (e é) de 40 km/h, imposta por sinalização vertical existente na faixa de rodagem por onde circulava (sentido ...).
III. Devido à velocidade excessiva com que circulava, o condutor do veículo [ambulância] não conseguiu fazer uma abordagem correta e segura à curva acentuada à direita, tentando descrevê-la avançando para lá da linha contínua que separa as duas faixas de rodagem.
IV. Mercê da alta velocidade e da falta de cuidado com que circulava o condutor do veículo [ambulância], este não conseguiu percecionar e desviar-se com destreza de um(a) degrau/soleira/patamar ou espaço mais ou menos largo que existia (em plena curva) sobre a berma da sua faixa de rodagem, à entrada da porta principal de acesso a uma moradia, que deita diretamente sobre a dita faixa de rodagem.
(Abre-se aqui um parêntesis, para asseverar que o degrau/soleira/patamar ou espaço mais ou menos largo existente à entrada da porta principal da moradia atrás aludida, volvidos alguns dias, presumivelmente para apagar rastos ou vestígios deixados pela manobra do veículo [ambulância] no dia do acidente, foi encurtado nas suas dimensões, tendo sido aumentada a distância que separava o degrau da faixa de rodagem)
V. O condutor da [ambulância] ao não ter conseguido desviar o veículo do(a) aludido(a) degrau/soleira/patamar ou espaço mais ou menos largo ali existente, resvalou no(a) mesmo(a), embatendo de raspão com o lado direito traseiro no muro de pedra que delimita a citada moradia, e entrou em despiste, saindo a grande velocidade da sua faixa de rodagem em direção ao veículo da infeliz vítima, no qual embateu violentamente no lado fronto/lateral esquerdo, que seguia no lado oposto, dentro da sua faixa de rodagem, com toda a tranquilidade e em velocidade moderada.
VI. Os sinais comprovativos do veículo [ambulância] ter embatido de raspão no muro eram bem visíveis, no dia do acidente, i.e., o farolim do lado direito traseiro do veículo estava completamente destruído e os estilhaços do mesmo eram evidentes na berma junto ao local onde embateu, bem como nesse espaço de berma existiam marcas de terra mexida e o muro adjacente apresentava, a uma altura de sensivelmente 1,30 e 1,50 metros, medidos a partir do solo, marcas de raspagem do veículo.
VII. O condutor do veículo [ambulância] circulava sem adequar a velocidade da viatura ao que era exigido em tais circunstâncias, sendo-lhe isso exigível nos termos dos artigos 24º e 25º, n.º 1, alíneas c) e h) e 64º, n.º 2, todos Código da Estrada.
[Por vir a talhe de foice, ao condutor da [ambulância], por circular em via de trânsito estreita e sinuosa, e por a ocorrência a que se dirigia em missão de socorro ser de Prioridade 3, não lhe é aplicável a exceção do Código da Estrada prescrita no art.º 64º, n.º 1; in casu, está mesmo excluída por força do disposto na norma do art.º 64º, n.º 2, do mesmo diploma, que dispõe: “os referidos condutores não podem, porém, em circunstância alguma, pôr em perigo os demais utentes da via (…) ”.]
VIII. Antes do violento embate, o condutor do veículo [ambulância], reitera-se, circulava a velocidade estonteante, superior a 100 km/h.
IX. O local onde ocorreu o embate permitia, ao condutor do veículo [ambulância], uma visibilidade da faixa de rodagem contrária (i.e., por onde circulava veículo conduzido pela infeliz vítima) a mais de 50 metros.
X. O condutor do veículo [ambulância], abandonou a sua hemi-faixa de rodagem e invadiu a hemi-faixa reservada ao veículo conduzido pela infeliz vítima.
XI. O veículo [ambulância], mesmo tendo embatido com a sua parte dianteira veículo conduzido pela infeliz vítima, nem assim se imobilizou de imediato, mantendo a circulação por mais alguns metros, até se imobilizar contra o muro que ladeava a faixa de rodagem oposta por onde circulava, o que é bem indicador da elevadíssima velocidade a que seguia.
XI. A posição obliquada na via do veículo [ambulância], é ponto crucial para se compreender que a dinâmica.
XII. O acidente deveu-se, única e exclusivamente, ao condutor do veículo [ambulância], tudo fruto de uma condução descuidada, imprevidente, com imperícia, inconsideração, negligência grosseira, com falta de destreza, em manifesta violação de diversas regras imperativas em matéria de condução automóvel.
XIII. A infeliz vítima, por sua vez, conduzia com todas as cautelas normais e exigíveis pelas características do local, dentro da sua faixa de rodagem e a velocidade moderada, aliás, local por onde diariamente circulava.
XIV. A responsabilidade pela ocorrência do acidente, sem margem para dúvidas, tem de ser imputada, a título exclusivo, ao condutor do veículo [ambulância].
XV. A Autora, como consequência direta e necessária do decesso da sua querida filha, passou a sofrer de episódio depressivo, com humor triste, tensão interior, adinamia, sentimentos de incapacidade, dificuldade de concentração e alterações do sono, apresentando um quadro de mal-estar clinicamente significativo, com dificuldades de lidar com as situações do quotidiano, manifestando sentimentos de apreensão em relação ao seu futuro, com défices no funcionamento sócio profissional, a necessitar de medicação antidepressiva, ansiolítica e medicamentos para dormir.
XVI. À data do acidente, o veículo apresentava-se em bom estado de conservação e o seu valor comercial era de 7.800,00€.
40- Desta forma, encontram-se claramente delineadas as razões em que se estriba a discordância da Recorrente relativamente à matéria considerada provada/não provada (atrás devidamente assinalada).
41- A Recorrente entende que o Tribunal a quo errou, de forma flagrante, no julgamento da matéria de facto analisada, cabendo a este Venerando Tribunal alterá-la (art.º 662º, n.º 1, do CPC).
42- ERRO NA APLICAÇÃO DO DIREITO (ERROR JURIS):
43- Houve, igualmente, por parte do Tribunal a quo, erro flagrante na aplicação do direito (error juris), ao absolver a Ré dos pedidos.
44- A presente ação consubstancia-se numa ação de responsabilidade civil e fundamenta-se nos artigos 483º; 496º, números 1, 2 e 2ª parte do n.º 4; 562º; 563º; 566º; 569º e 805º, todos do Código Civil.
45- Como se acabou de demonstrar, a responsabilidade pela produção do acidente sub judice deveu-se, única e exclusivamente, ao condutor do veículo [ambulância], tudo fruto de uma condução descuidada, imprevidente, com imperícia, inconsideração, negligência grosseira e com falta de destreza, em manifesta violação de diversas regras imperativas em matéria de condução automóvel.
46- Foi por essas circunstâncias, todas elas exclusivamente imputáveis ao condutor do veículo [ambulância], que ocorreu o violento acidente que tirou a vida à condutora do veículo do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-IU-.. (BB).
47- Por seu turno, a infeliz vítima, conduzia com todas as cautelas normais e exigíveis pelas características do local, dentro da sua faixa de rodagem e a velocidade moderada.
48- Por contrato de seguro automóvel, em vigor à data do acidente, o comitente/proprietário do veículo [ambulância] havia transferido para a Ré a responsabilidade civil decorrente da circulação daquele veículo.
49- Todos os danos peticionados ocorreram em virtude do acidente em apreço, sendo sua consequência direta e necessária.
50- Como tal, sendo o condutor do veículo [ambulância] responsável exclusivo pela produção do acidente, recai sobre a Ré a responsabilidade civil inerente, incumbindo-lhe assegurar o pagamento de todos os valores devidos a título de ressarcimento de danos apurados, decorrentes do acidente em apreço.
51- Estão reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana.
52- TERMOS EM QUE, O PRESENTE RECURSO DEVERÁ SER ADMITIDO E JULGADO PROCEDENTE, COM ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO, REVOGANDO-SE A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA PELO MMO. JUIZ A QUO E, EM CONSEQUÊNCIA, JULGANDO-SE A ACÇÃO JULGADA TOTALMENTE PROCEDENTE, COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA!”.
Foram apresentadas contra-alegações, pugnando a ré pela rejeição da impugnação sobre a matéria de facto constante do recurso e, mesmo que assim se não entendesse, a manutenção da decisão proferida.

**
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
**
II - Questões a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por C. P. Civil) -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber se:

1 – foi validamente impugnada a decisão sobre a matéria de facto e, em caso de resposta afirmativa, se existe fundamento para altera-la, nos termos propostos pela autora;
2 – foi cometida uma nulidade, por terem sido valorados meios probatórios que constavam do processo crime em que se apreciava a responsabilidade penal pela ocorrência deste acidente;
3 – se, alterada ou não a matéria de facto provada e não provada, existe fundamento para alterar a decisão de direito.
**
III - Fundamentação de facto:

Os factos que foram dados como provados na decisão proferida foram os seguintes:
“1) No dia 15 de Fevereiro de 2020, no intervalo entre as 11h30m e as 11h40m, na Estrada Municipal de acesso ao centro de ..., concretamente na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., ocorreu um embate entre os seguintes dois veículos: Veículo especial (ambulância) ligeiro, doravante referido por [ambulância], com a matrícula ..-GV-.., propriedade do INEM, sediada e na posse dos Bombeiros Voluntários ..., conduzido por II, bombeiro profissional a prestar serviço naquela corporação, veículo seguro na Ré; Veículo ligeiro de passageiros, doravante referido por [IU], com a matrícula ..-IU-.., propriedade de BB, e por ela conduzido.
2) A ambulância circulava no sentido ....
3) O IU circulava no sentido .../....
4) A faixa de rodagem no local do acidente mede e media de largura cerca de 5,2 metros.
5) Do lado direito, atento o sentido ..., por onde circulava a ambulância existe e existia uma berma em terra batida, a espaços com algumas pedras enterradas, com cerca de 1,05 metros de largura, sem qualquer valeta.
6) No sentido .../... existe e existia uma berma em paralelepípedo com cerca de 2,08 metros de largura, sem qualquer valeta.
7) O pavimento da estrada é em asfalto, sendo que, à data, encontrava-se seco, limpo e em bom estado de conservação.
8) O embate deu-se em pleno dia iluminado pelo sol.
9) No sentido de marcha ..., por onde circulava a ambulância, e antecedendo a curva, encontra-se sinalização vertical a indicar como velocidade máxima permitida 40 km/h.
10) No local do embate, ambas as hemi-faixas estão separadas por uma linha longitudinal, constituída por traços de largura normal com intervalos curtos e indica a aproximação de uma linha contínua ou de passagem estreita.
11) Ao longo do seu curso, a via está ladeada por casas de habitação e por campos de cultivo com acessos que deitam diretamente sobre a via.
12) O embate deu-se em plena curva bastante acentuada para a direita, atento o sentido de marcha da ambulância.
13) II, bombeiro profissional, conduzia a ambulância ao serviço da Corporação dos Bombeiros ....
14) A ocorrência a que a ambulância se dirigia em missão de socorro era de Prioridade 3 nos termos do CODU do INEM.
15) Por via do contrato de seguro, titulado pela apólice n.º ...24, a Ré havia assumido a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo [ambulância] com a matrícula ..-GV-...
16) No dia e hora supra referidos, II conduzia a ambulância com as luzes de emergência e os avisadores sonoros acionados, em virtude de estar a ser utilizada, com carácter urgente, para prestar socorro a uma pessoa.
17) Sensivelmente em frente ao edifício com o nº 485 de polícia existente na margem direita da referida Rua ..., atento o sentido de marcha ... – ..., quando o condutor da ambulância descrevia uma curva para o seu lado direito, deparou-se com o veículo IU a invadir a sua metade direita da faixa de rodagem, a menos de 5 m de distância, a dirigir-se na sua direção, barrando-lhe a passagem.
18) O condutor da ambulância tentou evitar o embate, mas o veículo IU acabou por embater violentamente com a sua frente do lado esquerdo na frente do lado esquerdo do veículo GV.
19) A condutora do veículo IU, circulando pela mesma Rua ..., em ..., no sentido ... – ..., fazia-o com velocidade de pelo menos 81Km/h.
20) Ao descrever a curva para o seu lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha, perdeu o controlo da sua viatura, transpôs eixo da via, e invadiu a sua metade esquerda da faixa de rodagem, por onde circulava a ambulância, quando esta se encontrava a menos de 5 m de distância, acabando por embater violentamente com a frente do lado esquerdo do veículo IU na frente do lado esquerdo da ambulância.
21) O condutor da ambulância aproximou-se da aludida curva à velocidade de pelo menos 71km/h.
22) O embate entre as viaturas descritas ocorreu na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha da ambulância, a cerca de 0,70m do eixo da via.
23) Em resultado do embate no lado fronto/lateral esquerdo, o IU, rodopiou no sentido dos ponteiros do relógio, acabando por se imobilizar de encontro ao muro de pedra que margina pelo lado direito da sua faixa de rodagem (coincidente com o n.º de polícia ...85), atento o sentido .../....
24) O veículo que BB conduzia no momento do acidente, era da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-IU-.., com data de 25/02/2010, cilindrada 1242, a gasolina.
25) O IU ficou completamente destruído, sendo de referir que foi arrancada a roda direita da frente.
26) Em consequência do embate, a condutora BB sofreu morte violenta devido às lesões crânio-meningo-encefálicas e tóraco-abdominais por ação de natureza contundente.
27) BB nasceu a ../../1994, e faleceu no estado de solteira, no dia ../../2020, a cerca de 2 km da morada onde residia.
28) Trabalhava, era uma pessoa saudável, feliz, muito considerada e dedicada à família, em especial à mãe com quem sempre viveu até ao derradeiro dia da sua vida, sendo a sua companhia e amparo.
29) À data dos factos, a vítima era uma jovem muito querida pela família.
30) BB teve consciência do acidente e da sua brutalidade e violência, tendo sentido a angústia da morte iminente.
31) Sofreu gravíssimas lesões, de que resultaram dores de grande intensidade, sentiu as suas forças a esvaírem-se e pressentiu o pavor da aproximação da sua morte.
32) Ficou encarcerada dentro do veículo que conduzia, em estado consciente (gemia com dores), durante mais de 15 minutos até chegar o socorro dos bombeiros.
33) As operações de desencarceramento, levadas a cabo pelos bombeiros, iniciaram-se às 11h50m e foram concluídas às 12h05m.
34) Às 12h14m foi iniciado o “Suporte Avançado de Vida” pela médica de Serviço do INEM, empreendendo as manobras que entendeu necessárias, tendo às 12h38m declarado o óbito.
35) BB, vivia com a mãe (aqui Autora), em economia doméstica conjunta, na casa de morada de família, sita na Rua ..., ... ..., ....
36) Mãe e filha viviam em perfeita harmonia, ligadas por fortes e profundos laços de afetividade, amor, amizade e ternura e, por isso, a mãe (leia-se a aqui Autora) não consegue recuperar do choque da perda filha.
37) Sente a autora profunda dor e angústia e ainda hoje não conseguiu fazer o devido luto.
38) JJ faleceu em ../../2015”.
**
Não se provou, com relevo para a decisão da causa:
“a) Devido à velocidade e falta de cuidado com que circulava o condutor do veículo [ambulância], não conseguiu percecionar e desviar-se com destreza de um degrau/soleira/patamar ou espaço mais ou menos largo que existia (em plena curva) sobre a berma da sua faixa de rodagem, à entrada da porta principal de acesso a uma moradia que deita diretamente sobre a dita faixa de rodagem.
b) O condutor da [ambulância] ao não ter conseguido desviar o veículo do(a) aludido(a) degrau/soleira/patamar ou espaço mais ou menos largo ali existente, resvalou no(a) mesmo(a), embatendo de raspão com o lado direito traseiro no muro de pedra que delimita a aludida moradia, e entrou em despiste, saindo a grande velocidade da sua faixa de rodagem em direção ao [veículo 2], no qual embateu violentamente no lado fronto/lateral esquerdo, que seguia no lado oposto, dentro da sua faixa de rodagem, com toda a tranquilidade e em velocidade moderada.
c) Ao não conseguir descrever a curva à direita que se lhe deparou, raspando com o lado direito da traseira do veículo no muro adjacente, entrou em despiste (não segurando o veículo) e projetou-se, totalmente obliquado na via, para fora da sua faixa de rodagem, indo abalroar violentamente o IU que circulava na faixa oposta no sentido .../....
d) Antes do embate, o condutor do veículo [ambulância] abandonou a sua hemi-faixa de rodagem e invadiu a hemi-faixa reservada ao IU.
e) O local onde ocorreu o embate permitia, ao condutor do veículo [ambulância], uma visibilidade da faixa de rodagem contrária (i.e., por onde circulava o [veículo 2]) a mais de 50 metros.
f) A Autora, como consequência direta e necessária do decesso da sua querida filha, passou a sofrer de episódio depressivo, com humor triste, tensão interior, adinamia, sentimentos de incapacidade, dificuldade de concentração e alterações do sono, apresentando um quadro de mal-estar clinicamente significativo, com dificuldades de lidar com as situações do quotidiano, manifestando sentimentos de apreensão em relação ao seu futuro, com défices no funcionamento sócio profissional, a necessitar de medicação antidepressiva, ansiolítica e medicamentos para dormir.
g) À data do acidente, o veículo apresentava-se em bom estado de conservação e o seu valor comercial era de 7.800,00€”.
***
IV - Do objeto do recurso:

1.1. Em sede de recurso, os apelantes ambos os apelantes impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.
Dispõe o art.º 640.º do C. P. Civil, que:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo, de poder proceder à transcrição do excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º.”.
A jurisprudência tem entendido que desta norma resulta um conjunto de ónus para o recorrente que visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2015, da Juiz Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1 in www.dgsi.pt, das normas aplicáveis resulta que “recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Estes ónus exigem que a impugnação da matéria de facto seja precisa, visando o regime vigente dois objetivos: “sanar dúvidas que o anterior preceito ainda suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expressa a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova” (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, pág. 198).
Recai assim sobre o recorrente o ónus de, sob pena de rejeição do recurso, determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretendem questionar (delimitar o objeto do recurso), motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação (fundamentação) que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugnam e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito (vide, por todos, Abrantes Geraldes, no livro já citado, pág. 199).
Veja-se, por todos, a jurisprudência citada no Acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023, da Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, proc. 1/20.2T8AVR.P1.S1, e em particular o Acórdão do mesmo Tribunal de 10/12/2020 (proc. n.º 274/17.8T8AVR.P1.S1), nele citado, que estabelece que “na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal”.
Se analisarmos as alegações de recurso (o seu corpo e não apenas as suas conclusões), percebemos que a recorrente coloca em causa os factos que foram dados como provados nos pontos 17, 18, 19, 20 e 21, relativos, no essencial, à dinâmica do embate e à velocidade a que circulavam ambos os veículos (e assiste razão à ré quando refere que a autora não impugna o facto 22 que se reporta ao local do embate, situando-o na faixa de rodagem do veículo seguro, apesar de propor, a final, que seja considerado outro local como sendo o do embate).
Em relação a estes factos, refere a recorrente que o Mm. Juiz “não podia” considera-los provados, de onde se depreende que defende que deveriam ter resultado não provados (sem que o tenha dito expressamente).
Por outro lado, em relação aos factos não provados das alíneas a) a g), alega que “não se compreende como pôde” especifica-los como não provados, sem que, contudo, refira expressamente que devam ser dados como provados, antes propondo o aditamento de XVI novos itens a que se chama factos (pois que nem todos constituem matéria de facto que possa ser aditada, como ressalvas, esclarecimentos e imputações de responsabilidade).
São estes XVI itens que pretende assim sejam dados como provados (e não exatamente os factos que foram dados como não provados).
Em relação às alíneas f) e g) da matéria de facto não provada e aos itens XV e XVI agora propostos, nenhum específico elemento de prova indica a recorrente, para além da indicação genérica do depoimento da própria autora e das testemunhas que identifica como “oculares”. Tais factos nada têm a ver com as circunstâncias em que ocorreu o embate.
Mas mesmo em relação aos demais, que se reportam efetivamente à dinâmica do embate (sentido de marcha, velocidade, local do embate, posição dos veículos, visibilidade…), a impugnação da matéria de facto não concretiza que parte dos depoimentos, das testemunhas ditas “oculares”, infirmam e como os depoimentos que o Tribunal de 1.ª Instância considerou credíveis. Aliás, nenhuma valoração crítica foi efetuada sobre as considerações que, em face dos depoimentos das testemunhas ditas oculares, constam da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
As declarações da autora e das testemunhas por si arroladas, identificadas apenas como sendo “oculares” do acidente, estão mencionadas com a indicação do início e fim do seu depoimento (informação esta que consta da ata da audiência de julgamento), sem qualquer outra menção que não seja o dever de se proceder à “reapreciação” dos depoimentos, a circunstância de que os depoimentos considerados pelo Tribunal a quo são “díssonos em confrontação com a realidade vivenciada pelas testemunhas oculares” e que estas “têm uma visão total e pormenorizada dos momentos que antecederam o acidente e da forma como se verificou”, tendo em vista a prova dos XVI itens indicados.
Não é de modo algum concretizado o que foi dito e em que momento por cada uma das testemunhas que, no entender da recorrente, sustentam a factualidade que pretende seja dada como provada com a indicação que consta dos referidos XVI itens.
Nenhuma destas referências cumpre o ónus que recai sobre a recorrente a que supra se aludiu e que consta da alínea b) do n.º 2 do art.º 640.º do C. P. Civil.
Neste sentido, veja-se o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/09/2024, da Juiz Conselheira Graça Amaral, proc. 4667/205.5T8VIS.C1.S1, in www.dgsi.pt, citando jurisprudência que versou precisamente sobre situações idênticas às destes autos.
Concluímos, assim, tal como neste Acórdão, que “embora a Recorrente tenha cumprido o dever de indicar os pontos de facto que considerava mal julgados, somos de entender que desrespeitou, de forma inultrapassável, o dever que se lhe impunha de especificar “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação”, indicando “com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso”, justificando, assim, a rejeição do recurso”.
 Rejeita-se, consequentemente, a impugnação da matéria de facto constante da apelação.

2. Ainda assim, a recorrente argui uma nulidade que está, em parte, relacionada com a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Alega a recorrente que devem ser desentranhados dos autos o croquis da GNR, o relatório do NICAV/GNR e o relatório técnico elaborado pelo perito da Faculdade de Engenharia da Universidade ..., documentos relativos ao processo crime que apreciava a eventual responsabilidade penal pela ocorrência do embate, porquanto a sua junção consubstancia um ato que a lei não admite e, por isso, foi cometida uma nulidade que deve ser sancionada.
Tais elementos foram juntos aos autos em 25/10/2023.
Perante a certidão extraída do processo crime, que continha outros elementos processuais, sobre os que agora estão em causa nesta apelação, (croquis da GNR, o relatório do NICAV/GNR e o relatório técnico elaborado pelo perito da Faculdade de Engenharia da Universidade ...), a autora, em 07/11/2023, alegou que, pelas razões que então indicou, não podiam ser valorados como prova na parte em que se referiam à descrição do acidente, por assentarem nas declarações da pessoa que era a arguida do processo crime (condutor da ambulância).
Então, se concluiu pelo desentranhamento dos demais documentos dessa certidão, em relação aos referidos croquis da GNR, relatório do NICAV/GNR e o relatório técnico elaborado pela Faculdade de Engenharia da Universidade ..., limitou-se a afirmar como não poderiam ser valorados pelo Tribunal de 1.ª Instância.
Por despacho proferido antes da sentença dos autos, mas na mesma data, e uma vez que o Mm.º Juiz tinha acesso eletrónico aos autos de processo crime, este, para além de ordenar a junção aos autos de elementos que daquele constavam, em relação à referida certidão:
- determinou o desentranhamento de parte dos seus documentos, nos termos requeridos pela autora;
- referiu expressamente que o croquis da GNR, o relatório do NICAV/GNR e o relatório técnico elaborado na Faculdade de Engenharia da Universidade ... seriam apreciados em sede de motivação da decisão.
Resulta do exposto que o desentranhamento que a autora agora requer é coisa bem diferente daquela que defendeu quando aqueles específicos documentos foram juntos aos autos.
Então, pugnou pela sua valoração crítica, agora, quando essa valoração foi já efetuada com resultado divergente do que era por si pretendido, pugna pelo seu desentranhamento.
Certo é que, ainda que tivesse sido praticada uma nulidade (por ter sido praticado um ato que a lei não admitisse), sempre teríamos que concluir que a autora, ao argui-la apenas nestas alegações de recurso, não estaria já em prazo para o fazer.
Estando em causa uma nulidade secundária, sempre estaria dependente de arguição, sendo o prazo respetivo de 10 dias, sob pena de se considerar sanada – art.º 195.º do C. P. Civil.
Tendo o despacho sido proferido em 02/06/2014, sendo notificado às partes via citius, em 03/06/2024, quando a 28/06/2024 a autora veio recorrer da decisão proferida, arguindo a referida nulidade, já havia decorrido o referido prazo de 10 dias, estando, se fosse esse o caso, suprida a nulidade.
Mas não existe qualquer nulidade.
Existe um despacho expresso a admitir a junção dos referidos meios de prova e, assim, a discordância da autora quanto aos fundamentos do despacho teria de ser apresentada por meio de recurso e não através da arguição de qualquer nulidade.
Facilmente percebemos, porém, que a autora coloca em causa a sentença proferida, mas não o despacho prévio que a antecede.
Mesmo que assim se não entendesse, e considerássemos que, ao impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre estava a autora a impugnar aquele despacho prévio relativo à possibilidade de valoração de tais meios probatórios, retirados do processo crime, ainda assim, não assistiria à autora qualquer razão.
Quanto ao relatório técnico que foi junto, foi a própria autora que, na sua petição inicial, protestou fazer a sua junção, tendo tal diligência sido por si requerida no processo crime (informação constante do termo de 03/06/2024). Decorre do exposto que a autora apenas defende, agora, que tal relatório não pode agora ser valorado pelo Tribunal porque a valoração que dele se extraiu foi diferente daquela que dele pretendia extrair.
Sobre este relatório, escreveu-se na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto:
Quinto, a prova pericial também fundamenta a posição da ré. Respiguemos algumas passagens da mesma:
A descrição desta versão indica que a ambulância bateu no muro, descontrolou-se, abriu a trajetória e seguidamente bateu no ligeiro já na sua faixa de rodagem. Mas a distância entre este choque com o muro e o local onde há vestígios de ter havido o embate entre os veículos é significativamente menor que o comprimento da ambulância (3,2m e 6m, respetivamente), pelo que não haveria distância percorrida suficiente para ter havido este descontrolo.
Na realidade o que parece ser mais provável é o condutor da ambulância ter notado o ... a "cortar" a curva (invadindo parcialmente a sua faixa de rodagem) e, consequentemente, ter tentado desviar-se para a sua direita. Ao ter colidido com o ... com a sua frente esquerda, a ambulância começou a rodar sobre si própria, tendo a sua traseira sido impelida para a direita, tendo batido no muro (Fig.5 - direita) com o seu canto traseiro direito (Fig.5 - esquerda), tendo partido o farolim direito traseiro.
Dado que a ambulância tem uma massa muito superior ao ... (2500 kg e 1055 kg, respetivamente), do choque resultou que a ambulância "empurrou" o ... para o sentido de marcha desta. Deste modo, os sulcos que aparecem no pavimento terão forçosamente de ter acontecido, ou no embate ou logo após o embate (atento o sentido da ambulância), pelo que a distância anteriormente referida (entre o choque no muro e o local do embate) poderá ser menor que os 3,2 m referenciados.
Ou seja, a situação mais provável é a ambulância ter batido no ... na sua (da ambulância) faixa de rodagem, e ou a sua suspensão ou a do ... terá deixado o vestígio 1 e com este embate ela terá começado a rodar (no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio) e a sua traseira terá batido no muro da sua direita, como anteriormente descrito.
Nesse mesmo relatório técnico analisa-se o peso e medidas dos veículos, o raio da curva, e o mesmo aprecia as duas versões e apresenta a que se lhe oferece mais plausível do ponto de vista técnico.
Por outro lado, explica de forma bastante técnica como alcança as velocidades dos veículos apresentando uma margem: de 81 a 92km/h o ...; e 71 a 74,5/km/h a ambulância. Em face disto, o tribunal só pode arrimar a sua decisão no limite mínimo dessa margem.
Por fim, estas velocidades indiciam também o acidente nos termos supra referidos já que no sentido do ... a curva tinha que ser realizada por fora, sem invadir a faixa contrária, o que se afigura constituir uma manobra de dificuldade bastante acrescida face à velocidade a que o mesmo seguia”.
Dispõe efetivamente o art.º 421.º do C. P. Civil que os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte. Se, porém, o regime de produção de prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, valerão apenas como princípio de prova, não podendo ser utilizados se o julgamento tiver sido anulado na parte relativa àquele meio de prova.

Resulta desta norma que a prova pericial realizada num processo pode valer, enquanto tal, para outro processo se ocorrerem quatro requisitos cumulativos:

a) que seja a mesma, em ambos os processos, a parte contra quem foi produzida;
b) que se tenha produzido em audiência contraditória da parte contrária, isto é, que tenha tido a possibilidade no primeiro processo de exercer o contraditório quanto à admissão e produção daquele meio de prova;
c) que o regime de produção da prova no primeiro processo ofereça às partes garantias pelo menos iguais às do segundo processo;
d) que não tenha sido anulada a parte do processo relativa à produção da prova que se pretende invocar.
Na situação dos autos aquela específica diligência técnica foi requerida pela autora no processo crime, então como assistente nos autos, tendo sobre ela sido produzido amplo contraditório (como resulta dos elementos juntos com o termo de 03/06/2024).

A recorrente não alega que o regime de produção de prova em matéria penal lhe oferecesse menores garantias, quando comparado com o regime processual civil. Não vemos fundamento para considerar que tais garantias sejam inferiores.
Como resulta dos autos, o processo crime terminou com despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público e, como tal, diligência não foi anulada.
Assim, se estivesse em causa a realização de prova pericial, poderia o relatório elaborado naqueles autos de processo penal ser utilizado nestes autos como meio de prova.
Contudo, a jurisprudência tem sido unânime em considerar que esta reconstituição científica do acidente não constitui prova pericial e, assim, não pode ser como tal valorada.
Acompanha-se aqui o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28/09/2023, da Juiz Desembargadora Albertina Pedroso, proc. 3843/22.0T8FAR-A.E1, in www.dgsi.pt, e as suas extensas referências jurisprudenciais.
A análise científica que é elaborada mais não faz do que partir das declarações prestadas por cada uma das partes e outros elementos recolhidos (seja no local, seja relativos aos veículos), emitindo-se um parecer opinativo sobre o modo como o acidente se terá verificado (neste mesmo sentido, António dos Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3ª edição, fls. 545).
E se assim é, como se refere no Acórdão citado, em relação a esses relatórios técnicos, o Juiz “só pode aceitá-los e levá-los em conta para corroborar as ilações oferecidas pelos meios de prova, quando eles se ajustem ao que os meios de prova confirmem, quando as suas conclusões sejam manifestas mesmo para um observador médio e dotado de conhecimentos comuns”.
Ora, estando em causa apenas um parecer técnico, nada impedia o Tribunal a quo de considerar o que foi realizado no processo crime em que se apurava a responsabilidade penal pela ocorrência do acidente, podendo este ser, como tal, junto a estes autos com a função referida – art.º 426.º do C. P. Civil.        
Assim, bem andou o Tribunal quando, na apreciação da matéria de facto provada e não provada, considerou aquele parecer técnico para corroborar o seu entendimento de serem estes ou aqueles os depoimentos credíveis, apesar de o mesmo não ser um meio de prova e de não ter a força probatória da prova pericial, não podendo, como tal, ser considerado.
Quanto ao mais, está em causa, apenas, prova documental.
Em relação ao croquis da GNR a que a recorrente se reporta, este foi junto aos autos com a contestação, não tendo merecido então qualquer impugnação pela autora.
Resta-nos o relatório elaborado pela autoridade policial. O relatório tem 23 folhas com fotografias do dia e local do acidente, em que são ainda visíveis os veículos envolvidos, e outras retiradas em 28 de maio de 2020.
Existe ainda um relatório de exame direto a cada um dos veículos.
O relevo que este elemento de prova tem para estes autos é o que se pode extrair, com segurança, das fotografias juntas, ainda que quem o elaborou não tenha, naturalmente, presenciado o acidente.
Estão em causa documentos em relação aos quais foi exercido o contraditório, estando os mesmos sujeitos à valoração que resulta da aplicação das regras dos arts.º 362.º do C. Civil, sem qualquer limitação decorrente do facto de terem sido extraídos do processo crime que apreciou a eventual responsabilidade penal pela verificação deste acidente.
Não foi, assim, cometida qualquer nulidade que pudesse determinar que os meios de prova referidos pela recorrente não poderiam ter sido considerados na decisão proferida.

3 - Não tendo havido qualquer alteração da decisão sobre a matéria de facto, e dependendo o mérito do recurso interposto integralmente dessa modificação, nos termos do art.º 608.º, nº2, aplicável ex vi n.º2 do art.º 663.º, ambos do C. P. Civil, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida no âmbito da subsunção dos factos às normas legais correspondentes.
Daqui decorre que a apelação terá de ser julgada improcedente, mantendo-se e confirmando-se a sentença recorrida.
**
Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663.º, n.º 7, do C. P. Civil):
1 - Não cumpre o ónus de impugnação a que se reporta o art.º 640.º, n.º1, alínea b), do C. P. Civil, o recorrente que apenas se refere aos depoimentos das testemunhas de forma genérica e global, indicando o início e o termo do seu depoimento, sem fazer qualquer menção ao que efetivamente disseram sobre cada um dos factos impugnados.
2 - O despacho que determina a junção aos autos de meios de prova constantes no processo crime em que se discute a responsabilidade penal pela ocorrência do mesmo acidente de viação não consubstancia a prática de um ato que a lei não admite e, assim, dele não decorre qualquer nulidade.
3 - Dependendo a alteração da decisão, na parte de direito, integralmente da modificação da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, quando tal modificação não se verifica, e nenhuma questão existe relativa à decisão de direito proferida, é de considerar o disposto pelo art.º 608.º, nº 2, aplicável ex vi n.º2, do art.º 663.º, ambos do C. P. Civil.

VII – Decisão:

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a presente apelação e, em conformidade, em confirmar a decisão apelada.
Custas pela autora apelante, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil
**
Guimarães, 17/10/2024
(elabora, revisto e assinado eletronicamente)