LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
MULTA
Sumário


1 - Se o Tribunal está vinculado a apreciar apenas as questões suscitadas em sede de recurso, não está adstrito à apreciação apenas dos fundamentos jurídicos invocados para a apreciação dessas questões, desde que, previamente à apreciação de outros, exerça o contraditório, notificando as partes para que sobre eles se pronunciem.
2 – É exorbitante a fixação de uma multa de 5.000,00 euros no âmbito do instituto da litigância de má-fé, quando está em causa a conduta de uma pessoa singular, ainda que de condição económica não apurada, mesmo que a sua conduta seja dolosa, se a sua alegação suscita outras questões para além daquela que é reveladora de má-fé.

Texto Integral


Relatora: Paula Ribas
1ª Adjunta: Maria Amália Santos
2º Adjunto: José Manuel Flores
           
Juízo de Execução de ... – Juiz ... – Tribunal Judicial da Comarca de Braga

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório:

AA intentou a presente oposição à execução mediante embargos de executado, peticionando a extinção da execução intentada por EMP01... Ldª, alegando, para tanto e em síntese, no que interessa à presente apelação, que não tomou conhecimento da citação efetuada na ação declarativa e dela não lhe foi dado conhecimento.
Concluiu pedindo que seja declarada a nulidade da citação efetuada na ação declarativa no âmbito da qual foi proferida a sentença que constitui título executivo, extinguindo-se a execução.
A exequente contestou os embargos deduzidos.
Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade que havia sido também alegada pelo embargante.
Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou os embargos deduzidos improcedentes, tendo ainda, depois de cumprido o contraditório, condenado o embargante como litigante de má-fé, em multa que fixou em 5.000,00 euros e no pagamento das despesas processuais da embargada / exequente, bem como no pagamento dos honorários do mandatário desta.
Inconformado, o executado embargante apresentou o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
a) A sentença é nula.
b) A sentença não discrimina os factos não provados e, como tal, não cumpre as exigências legais.
c) A sentença viola o disposto no artigo 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e o disposto nos artigos 154.º e 607.º, n.º 3 e 4 do CPC.
d) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento.
e) Resulta da prova testemunhal arrolada pelo Embargante que este estava em Portugal (não se encontrava em ...) à data que consta do aviso de receção.
f) O Embargante veio passar o Natal de 2020 com a sua mãe, permanecendo em Portugal, em casa desta, até março ou abril de 2021.
g) Resulta provado nos autos a impossibilidade física do Embargante ter assinado o aviso de receção.
h) Os depoimentos das testemunhas são baseados no conhecimento pessoal dos factos, sendo claros, objetivos, espontâneos e não existe qualquer contradição entre estes,
i) A prova pericial não constitui uma certeza absoluta, apenas sendo um mero indicador.
j) Apesar de apontar no sentido de ser muitíssimo provável a assinatura constante do aviso de receção ter sido aposta pelo punho do Embargante, a perícia detém e aponta também uma margem de erro.
k) O Embargante não foi, na qualidade de réu, pessoal e regularmente citado no âmbito da ação número 23/21.....
l) A testemunha BB afirmou perentoriamente, de forma livre, esclarecida e espontânea, ter sido ela, com o seu punho, a assinar o aviso de receção.
m) A testemunha BB esclareceu que o Embargante não rececionou a carta inerente ao aviso de receção que foi por aquela assinado.
n) A testemunha CC confirmou que o Recorrente esteve em sua casa a passar o Natal de 2020, onde permaneceu cerca de 3 ou 4 meses.
o) Os factos dados como provados e constantes dos números 2), 7), 8), 9), 10) e 11) dos Factos Provados devem ser considerados como não provados.
p) Existe prova nos autos que permite ao Tribunal considerar os factos referidos em n) como Factos Provados.
q) O Embargante não falseou a verdade dos factos, nem a sua conduta teve por objetivo obter um ganho que sabia não ter direito.
r) O Embargante alicerçou o seu comportamento em obediência ao princípio da boa-fé e na verdade dos factos.
s) A Sentença tece um conjunto de juízos de valor sobre a pessoa do Embargante que, não se aferindo por nenhuma outra prova para além da pericial, não passam de meras deduções, sem fundamentação factual, documental ou testemunhal e são inadequadas e inoportunas.
t) As ilações, as graves e impróprias imputações que o Tribunal a quo imputa ao Embargante, são incompreensíveis, inconvenientes e não passam de meras deduções, sem qualquer suporte documental ou testemunhal.
u) O Tribunal afirma, sem qualquer evidência que decorra da prova factual ou testemunhal existente nos autos, que o Embargante e as testemunhas mentiram.
v) O Tribunal a quo não dispõe de prova que sustente a má-fé do Embargante.
w) Mesmo que o Tribunal a quo tivesse certezas, sustentadas na prova produzida em audiência de julgamento, ainda assim a condenação em multa pelo valor de € 5.000,00 constituiria um manifesto exagero face à conduta processual do Embargante e aos seus parcos rendimentos.
x) Igualmente, a condenação do Recorrente a pagar os honorários ao mandatário da Embargada, sem qualquer critério na sua fixação, sem fixar qualquer valor a liquidar, constituiu um absurdo e dará azo e suporte a todo e qualquer abuso na sua liquidação.
y) É, pois, manifestamente exagerado o valor da multa.
z) É, pois, manifestamente ilegítimo e despropositado, dar “carta branca” ao mandatário da Embargada sobre os valores a liquidar pelo Recorrente a título de honorários.
aa) É, também neste particular, ininteligível e nula a sentença!”.
Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Mm.º Juiz titular do processo pronunciou-se de forma tabelar sobre as nulidades da sentença que foram invocadas.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Neste Tribunal da Relação foi proferido despacho que ordenou o cumprimento do contraditório em relação à questão de ser inadmissível a fixação de uma indemnização, no âmbito do instituto da litigância de má-fé, pois que a exequente não havia deduzido tal pretensão.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Questões a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Civil -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber se:

1 - se verifica a nulidade da sentença;
2 - existe fundamento para alterar a decisão sobre a matéria de facto;
3 - existindo ou não tal fundamento, se deve manter-se a fundamentação jurídica da decisão;
4 - se verificam os pressupostos para a condenação do embargante / executado como litigante de má-fé;
5 – em caso de resposta afirmativa, verificar os concretos montantes fixados a título de multa e indemnização.
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III - Fundamentação de facto:

Foram considerados provados os seguintes factos:

1 – Nos autos de ação declarativa especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Cível de ... sob o n.º 23/21...., a ora exequente veio pedir a condenação do ora executado para proceder ao pagamento da quantia de 12.956,80 € (doze mil, novecentos e cinquenta e seis euros e oitenta cêntimos), referente ao fornecimento de bens e prestação de serviços de serralharia e juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.
2 – Pessoal e regularmente citado, o aí Réu e ora executado não se opôs, pelo que por sentença proferida nos autos identificados em 1., datada de 05/05/2021, já transitada em julgado, foi o ora executado condenado no pedido formulado nessa ação.
3 – Para a instauração da referida ação a Exequente procedeu ao pagamento de 153,00 € (cento e cinquenta e três euros).
4 – Acontece que até à presente data o Executado não procedeu ao pagamento em que foi condenado, encontrando-se assim em divida a quantia acima mencionada, aditados os juros moratórios vencidos, à taxa legal para os créditos de que sejam titulares empresas comerciais, à taxa de 7%, desde a citação do Executado até à presente data, os quais se cifram no valor de €646,07 (seiscentos e quarenta e seis euros e sete cêntimos).
5.- Na petição de embargos o embargante afirmou o seguinte:
“(…) o Réu jamais foi citado para contestar a ação declarativa; a assinatura que consta do aviso de receção não é do Réu, nem foi por ele aí aposta, aliás, conforme se pode constatar pelo simples confronto entre a assinatura constante do aviso de receção e a que consta do seu cartão de cidadão, cuja cópia se junta como documento nº 2 e se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos; o Réu, àquela data, não se encontrava em ...;
Entre os meses de Janeiro a Março de 2021, pleno Inverno, extremamente rigoroso em ... e ano de Pandemia Covid – 19, a atividade da ... esteve encerrada; Aliás, não só a atividade da ..., bem como a generalidade do País viu-se abraçado com uma suspensão geral das suas atividades; Pelo que, o Réu e a sua família deixaram a ... e vieram para Portugal, onde permaneceram ininterruptamente entre Janeiro a Março de 2021; Desconhece o executado/réu quem assinou o aviso de receção em mérito;
O Réu não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe é imputável, ou seja, porque nunca a pessoa que assinou o aviso de receção e após o seu nome lhe entregou a carta de citação; o Réu jamais foi citado para contestar a ação declarativa; o erro na citação é irreversivelmente lesivo do exercício dos direitos de defesa do ora embargante/executado;
Esse erro corrompeu a ação declarativa e viciou a constituição do próprio título executivo. A Embargada/Exequente adultera a verdade dos factos com despudor e veleidade para atingir a pessoa e o património do AA”.
6.- Na audiência de julgamento o embargante afirmou, além do mais, o seguinte: “nunca tive conhecimento do processo de ...; não recebi carta nenhuma; em ..., resido na ..., ...; a assinatura que consta do AR não foi feita pelo meu punho; só soube que tinha esta dívida com a penhora das rendas; a assinatura que está no AR não é minha; a minha filha assinava muitas cartas por mim; quando essa carta foi recebida na minha morada, eu estava em Portugal; a assinatura que está no AR é a letra da minha filha; a assinatura não é minha; a assinatura é igual às letras da minha filha; a assinatura é igual à da minha filha; a falsificação da minha assinatura é perfeita; eu, aquando da assinatura desse AR, estava em Portugal”.
7.- O embargante, na qualidade de réu, assinou com o seu punho o aviso de receção relativo à sua citação no âmbito da ação n.º 23/21...., correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Cível de ....
8.- Sabendo que foi o autor da assinatura que consta do aviso de recção de citação no âmbito da ação que correu termos em ..., o ora embargante agiu com intenção de falsear a verdade dos factos ao alegar o mencionado em 5 e em 6..
9.- O embargante agiu assim de forma livre, deliberada e conscientemente, com intenção de falsear a verdade dos factos, sabendo que o aviso de recção tinha sido assinado por si.
10.- Na sequência da conduta do embargante, este apenso de embargos sofreu um atraso processual de cerca de oito meses.
11.- O embargante agiu, portanto, com intenção de deduzir uma pretensão que sabia ser infundada e, assim, tentar obter um ganho que sabia que não tinha direito”.
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Foi feita menção de que não se provaram os demais factos alegados pelas partes que não estivessem mencionados como provados ou estivessem com contradição com estes.
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IV - Do objeto do recurso:

1 – Começa o recorrente por alegar que a sentença é nula porque não foram dados factos como não provados (conclusões a) a c)) e que a mesma é ininteligível conclusão (aa)).
Nenhuma das concretas alíneas do n.º 1 do art.º 615.º do C. P. Civil foi invocada, sendo que a sentença apenas é nula quando se verifique uma situação que permita fazer a subsunção a este normativo.
Não obstante, apenas poderão estar em causa as alíneas b) e c) desta norma.
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (vide, neste exato sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04/10/2018, da Juiz Desembargadora Eugénia Cunha, proc. 1716/17.8T8VNF.G1 in www.dgsi.pt).
O art.º 607.º, n.º 4, do C. P. Civil estabelece que o Juiz deve, na fundamentação da sentença, declarar os factos que julga provados e os que julga não provados.
Porém, a sentença apenas é nula quando não especifique os fundamentos de facto, entendendo-se como tal a ausência absoluta de fundamentação e não apenas aquela que é insuficiente (vide, neste sentido, por todos, António dos Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3ª edição).
Ora, analisada a alegação do embargante, o único facto não provado que relevaria para a apreciação da questão apreciada – da nulidade da citação para a ação declarativa cuja sentença constitui título executivo – era o relativo à não assinatura pelo executado do aviso de receção remetido com a carta enviada para a sua citação.
Tendo sido dado como provado que o embargante, na qualidade de réu naquela ação, assinou o referido aviso de receção, sempre cumpriria o dever de declarar os factos não provados a referência que foi efetuada aos que estavam em contradição com os factos provados.
Assim, na situação em concreto, não pode sequer afirmar-se que a fundamentação de facto da decisão, no que aos factos não provados se reporta, é insuficiente, não existindo qualquer nulidade por falta de fundamentação de facto da decisão.
Quanto à alegação de que a sentença proferida é nula porque é ininteligível, ainda é menos compreensível a sua alegação.
O recorrente afirma tal nulidade porque não está concretizada a condenação proferida e relativa ao pagamento de honorários à parte contrária. E, de facto, tal concretização não existe.
É nula a sentença quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível (alínea c) do n.º1 do art.º 615.º do C. P. Civil).
No que tange à obscuridade conducente à ininteligibilidade da decisão, Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume V, pág. 151, ensinava a este propósito que “a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz”.
Ora, a decisão proferida, pode estar incorreta no segmento em apreço, mas não padece de qualquer ambiguidade ou obscuridade.
Não foi assim cometida qualquer nulidade quando, na sentença proferida, o Mm.º Juiz a quo não concretizou o montante de honorários que entendia serem devidos ao Mandatário da exequente embargada.
Improcede, pois, este fundamento do recurso.
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2 – Em sede de recurso, o apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
2.1. - Dispõe o art.º 640.º do C. P. Civil, que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) (…);
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º.”.
A jurisprudência tem entendido que desta norma resulta um conjunto de ónus para o recorrente que visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2015, da Juiz Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1 in www.dgsi.pt, das normas aplicáveis resulta que “recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Estes ónus exigem que a impugnação da matéria de facto seja precisa, visando o regime vigente dois objetivos: “sanar dúvidas que o anterior preceito ainda suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expressa a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova” (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, pág. 198).
Recai assim sobre o recorrente o ónus de, sob pena de rejeição do recurso, determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretendem questionar (delimitar o objeto do recurso), motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação (fundamentação) que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugnam e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito (vide, por todos, Abrantes Geraldes, no livro já citado, pág. 199).
Veja-se, por todos, a jurisprudência citada no Acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023, da Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, proc. 1/20.2T8AVR.P1.S1, e em particular o Acórdão do mesmo Tribunal de 10/12/2020 (proc. n.º 274/17.8T8AVR.P1.S1), nele citado, que estabelece que “na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal”.
Analisadas as alegações apresentadas, o recorrente indica os factos que pretende sejam decididos de forma diversa, fundamentando a sua alegação em concretos meios probatórios que entende permitir concluir no sentido por si proposto, nada obstando à reapreciação da matéria de facto da decisão recorrida.
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2.2. - Nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do C. P. Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/10/2023, da Juiz Desembargadora Margarida Gomes, proc. 2199/18.3T8BRG.G1, in www.dgsi.pt, “a reapreciação da prova pela 2ª Instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto.
De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil.
Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”.
O recorrente impugna a matéria de facto dada como provada no que aos factos provados 2, 7, 8, 9, 10, e 11 diz respeito, afirmando que devem ser dados como não provados.
Insurge-se contra a valoração que foi dada à prova pericial realizada, no confronto com as declarações que prestou o embargante e as testemunhas por si arroladas.
Começa por dizer-se que a motivação da decisão sobre a matéria de facto é clara, consistente e faz uma avaliação crítica da prova produzida.
O embargante tinha, à data, como admite na petição de embargos, a sua residência em .... Alegou no seu articulado inicial que a assinatura que constava do aviso de receção que foi remetido com a carta para a sua citação para a ação declarativa do proc. 23/21.... do Juízo Local Cível de ..., Tribunal Judicial da Comarca de Braga, não havia sido por si aposta (art.º 8.º da petição de embargos), pois que não se encontrava em ... naquela data.
Alegou que esteve em Portugal nos meses de janeiro em março de 2021, para onde veio com a sua “família”, em pleno Inverno, tendo estado encerrada a atividade da sua empresa. Mas mais, afirmou “desconhecer” quem assinou o referido aviso de receção (art.º 16.º da petição de embargos), não lhe tendo sido dado conhecimento da carta de citação.
O Tribunal ouviu as declarações da filha, da mãe do embargante e as que este prestou (invocadas nesta impugnação, para alteração da decisão sobre a matéria de facto).
Que dizer?
As declarações prestadas não têm qualquer coincidência com os fundamentos dos embargos.
Afinal, o embargante não veio para Portugal com a família de janeiro a março de 2021, mas sozinho, com um tal DD, que ora era amigo, ora era empregado, tendo vindo passar o Natal porque estava desavindo com a esposa, de quem, entretanto, se divorciou.
Apesar de ter alegado desconhecer quem teria feito a assinatura que constava do aviso de receção, o embargante declarou que tal assinatura tinha sido aposta pela filha, porque ela assinava assim o seu nome.
A filha começou por referir que foi ela que recebeu a carta, dizendo que imitou a assinatura do pai porque a carta vinha em nome dele (ou seja, não se teria limitado a colocar o nome do pai, mas teria imitado a sua assinatura), e que depois a deixou na sala, onde o pai quase não ia, pois que, quando chegava, sempre muito tarde, ia logo para a cama (estando já em conflito com a esposa).
Admitiu que, assim, era possível que ele não tivesse visto a carta, acrescentando que a mãe, tal como o pai fazia, podia ter destruído a carta só por vingança, porque já estariam desavindos.
Só depois de dar esta explicação é que, questionada se o pai não estaria então em Portugal, afirmou que sim, teria vindo para o Natal e ficado cá uns meses, na casa da avó paterna. 
Ou o pai estava em Portugal e não viu a carta por isso mesmo (não havendo explicação para o facto de não ter dito ao pai que chegara uma carta que sabia ser de um Tribunal português), ou estava em ... e não viu a carta porque não foi à sala ou a mãe a destruiu, nada tendo a filha dito ao pai, porque tinha deixado a carta na sala para ele ver. As duas explicações, juntas, nada explicam, sendo contraditórias.
Em relação a esta alegação de destruição de correspondência, o embargante referiu que destruiu correspondência dirigida à esposa, admitindo, por isso, que ela pudesse ter feito o mesmo.
Esta versão foi confirmada pela filha, de forma vaga, apesar das tentativas do Mm.º Juiz a quo para que se referisse a documentos concretos. Porém, torna tudo o que referiu antes completamente inverosímil. Se era ela quem estava em casa e normalmente recebia a correspondência e a deixava na sala, como é que o pai, que chegava tarde, não ia à sala e ia logo para a cama, apanhava a correspondência dirigida à mãe e a destruía?
Não foi apresentada qualquer explicação para o facto de a filha do embargante, recebendo uma carta destinada ao pai, assinasse o aviso de receção não só com o nome do pai, mas imitando a sua assinatura de modo a que parecesse a mesma assinatura.
E ainda que tencionasse fazer uma assinatura parecida com a do seu pai, que tal semelhança fosse suscetível de se assemelhar à assinatura do pai com a probabilidade que consta do relatório pericial.
Mais estranho ainda se torna este aspeto quando é o próprio embargante que refere que a filha tem uma assinatura parecida com a dele (?), não se percebendo como é que alguém que se chama BB (à data com menos de 18 anos) pode ter uma assinatura que se assemelhe a alguém que assina AA.
Como se estas incongruências não fossem já suficientes, eis quando o embargante, confrontado com os documentos juntos com a petição de embargos, mas sem que tal lhe tivesse sido dito, negou que as assinaturas constantes desses documentos tivessem sido feitas por si, afirmando que tinham também sido efetuadas pela filha. Uma delas é precisamente a assinatura que consta do documento bancário em que deu ordem ao banco para pagar à exequente a quantia de 199,57 euros e a que se reporta no art.º 44.º da sua petição de embargos.
Esta impugnação da assinatura que consta de documento que juntou para fazer prova dos factos que, aqui, pretendia alegar, como se pudesse assim discutir a existência da dívida, é absolutamente destruidora de qualquer credibilidade do seu depoimento.
Do depoimento da mãe do embargante resultou apenas que se lembrava que o filho veio a Portugal passar o Natal, sem a família, em 2021, não tendo, porém, qualquer memória sobre qualquer concreto outro ano, pois que, como disse, “a gente vai-se esquecendo”.
Resulta do exposto que não é apenas a prova pericial - com o grau de probabilidade que dela se retira de 85% a 95% - que permite demonstrar que a assinatura do aviso de receção foi aposta pelo embargante. É a total falta de credibilidade da explicação por si apresentada (e pelas testemunhas que arrolou) para que dele conste aquela concreta assinatura.
E, se assim é, não pode deixar de concluir-se que o embargante faltou à verdade quer quando alegou que desconhecia quem assinou o aviso der receção, quer quando referiu no seu depoimento que foi a filha quem fez aquela assinatura, imitando a sua, ou que estava em Portugal quando aquela carta foi recebida em ....
Daqui decorre, naturalmente, a prova dos demais factos impugnados nesta apelação, não existindo fundamento para alterar a decisão recorrida, no que à matéria de facto se reporta.
Improcede assim a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

3 – Não tendo havido qualquer alteração da decisão sobre a matéria de facto, e dependendo o mérito do recurso interposto integralmente dessa modificação, nos termos do art.º 608.º, nº2, aplicável ex vi n.º2 do art.º 663.º, ambos do C. P. Civil, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida no âmbito da subsunção dos factos às normas legais correspondentes.
Demonstrando-se que foi o embargante agora recorrente quem assinou o aviso de receção que acompanhava a carta de citação que lhe foi enviada no âmbito da ação declarativa com o n.º 23/21.... do Juízo Local Cível de ..., Tribunal Judicial da Comarca de Braga, não se verifica qualquer nulidade da citação e, assim, a sentença nesses autos proferida pode constituir título executivo, devendo os embargos deduzidos ser julgados improcedentes, prosseguindo os autos de execução os seus termos.

4 – A recorrente insurge-se ainda quanto à sua condenação como litigante de má-fé.
Resulta do art.º 542.º do C. P. Civil que é sancionável a título de má-fé, não apenas a lide dolosa, mas também a lide temerária, quando as regras de conduta processual conformes com a boa-fé são violadas com culpa grave ou erro grosseiro.
O que há assim que perceber é se a atuação do autor ultrapassa os limites que a ordem jurídica definiu para que possa exercer os seus direitos, considerando-se que a sua litigância é uma afronta aos princípios da boa-fé e da lisura processuais.
Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 30/03/2023, da Juiz Desembargadora Fernanda Proença Fernandes, proc. 159/20.0T8MLG.G1, in www.dgsi.ptse a parte, com propósito malicioso, ou seja, com má-fé material, pretender convencer o tribunal de um facto ou de uma pretensão que sabe ser ilegítima, distorcendo a realidade por si conhecida, ou se, voluntariamente, fizer do processo um uso reprovável ou deduzir oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar - má-fé instrumental -, deve ser condenada como litigante de má-fé”.
Deve ainda ter-se em atenção que “não é humanamente exigível às partes que sejam inteiramente objetivas, pelos diversos matizes que a realidade sempre apresenta, vistas sob diferentes prismas, sendo percetível que as partes têm uma relação emocional com estas, sofrendo na sua vida as questões em debate, os problemas ocorridos, o peso do litígio.
Não pode, no entanto, ser tolerado que a parte recorra ao processo, sabendo não ter razão ou quando apenas não tem essa consciência porque se furtou a evidentes deveres de cuidado e zelo a que o respeito pela Justiça, pelos Tribunais e pela parte contrária, exigiam ou faça do mesmo uso que de forma grave ponha em causa as suas finalidades” – nas palavras do Acórdão desta Relação de Guimarães de 14/09/2023, da Juiz Desembargadora Sandra Melo, proc. 3509/22.1T8GMRG.G1, in www. dgsi.pt.
No entanto, como se refere também no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 30/06/2022, da Juiz Desembargadora Conceição Sampaio, proc. 20786/20.5T8PRT-A.G1, também in www.dgsi.pt, “não deve confundir-se litigância de má-fé com:
· a mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento;
· a eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar;
· discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos; ou
· com a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr convencer.
Constitui hoje entendimento prevalecente na nossa jurisprudência que a garantia de um amplo direito de acesso aos tribunais e do exercício do contraditório, próprios do Estado de Direito, são incompatíveis com interpretações apertadas ou muito rígidas do artigo 542º do Código de Processo Civil. Haverá sempre que ter presente as características e a natureza de cada caso concreto, recomendando-se na formulação do juízo sobre essa má fé uma certa prudência e razoabilidade”.
Perante a matéria de facto que resultou provada não existe qualquer dúvida que o embargante executado, ao alegar que não foi ele quem assinou o aviso de receção que acompanhava a carta remetida para a sua citação para a ação declarativa sabia que estava a faltar à verdade e, assim, a litigar de má-fé, procurando dessa forma criar obstáculos à possibilidade de se dar à execução a sentença que naqueles autos foi proferida.
Deverá, assim, manter-se a sua condenação como litigante de má-fé.

5 – O recorrente insurge-se ainda contra os montantes fixados a título de multa e indemnização, no âmbito da sua condenação como litigante de má-fé.
Quanto à indemnização, entende o Tribunal que a mesma não é devida, como deixou já claro no despacho proferido em 17/09/2024.
Se este Tribunal tem apenas que apreciar se é devida indemnização à embargada exequente pela conduta do embargante executado que foi considerada de má-fé, para a apreciar não está apenas vinculada aos fundamentos invocados para que a mesma não seja devida.
Como refere António Santos Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, 7ª Edição atualizada, fls. 134, importa “reter que as questões que integram o objeto do recurso e que devem ser objeto de apreciação por parte do Tribunal ad quem não se confundem com meras considerações, argumentos, motivos ou juízos de valor”.
Ou seja, este Tribunal, para decidir a questão suscitada - saber se é ou não devida indemnização à embargada exequente pela conduta de má-fé do embargante executado -, não está limitado aos argumentos expendidos para concluir que a mesma não é devida.
Escreveu-se no Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães do Juiz Desembargador José Alberto Martins Moreira Dias, de 19/12/2023, proc. 5540/19.5T8VNF.G1, in www.dgsi.pt, “enquanto a multa é aplicada pelo juiz, não estando dependente de qualquer pedido e o seu valor reverte para o Estado, quanto à indemnização devida pelo litigante de má fé à contraparte pelos prejuízos que lhe causou em consequência da litigância de má fé, esta encontra-se dependente de pedido formulado por essa contraparte, conforme expressamente estipula a parte final do n.º 2, do art. 542º. Ou seja, a indemnização por litigância de má fé está sujeita ao princípio do pedido”.
E, como se escreveu no despacho anteriormente proferido em que se suscitou o cumprimento do contraditório quanto a este novo fundamento (já que não poderia ser invocado na fundamentação desta decisão sem que tal contraditório fosse exercido), a indemnização à embargada exequente não é devida pela simples circunstância de não ter sido pedida pela parte no momento processual em que o poderia ter sido.
Suscitada oficiosamente a questão da litigância de má-fé, não há lugar à fixação de qualquer indemnização, pois que a mesma não foi pedida pela parte que suportou a litigância de má-fé da parte contrária.
Existe assim fundamento para, no segmento relativo à fixação da indemnização devida à embargada exequente, revogar a decisão proferida, sendo, nessa medida, procedente a presente apelação, sem que seja necessário apreciar os concretos fundamentos invocados pelo recorrente na apelação.
Note-se que esta decisão nada tem a ver com a restituição das taxas de justiça e honorários que possam ser exigidos nos termos do art.º 26.º do Regulamento das Custas Processuais, no momento próprio e a requerimento da parte vencedora, pois que, aqui, apenas se apreciou se era ou não devida a indemnização que o embargante executado foi condenado a pagar à embargada exequente, por ter litigado de má-fé, decidindo-se que a mesma não era devida, fosse qual fosse o seu conteúdo.
Quanto à multa, o Mm.º Juiz a quo fixou-a em 5.000,00 euros.
Estabelece o n.º 3 do art.º 27.º do Regulamento das Custas Processuais que a multa deve ser fixada entre 2 UC e 100 UC (art.º 5.º do referido Regulamento). Estando a Unidade de Conta no valor de 102,00 euros, os limites da multa aplicável situam-se entre 204,00 euros e 10.200,00 euros.
Nos termos do n.º 4 deste normativo, o montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.
“A multa por litigância de má fé, como qualquer outra sanção, procurará desempenhar uma função repressiva (punindo aquele que não cumpre com os deveres de lealdade e correção) e, simultaneamente, preventiva (evitando que esse, ou qualquer outro litigante, volte a desrespeitar a lealdade processual). Mas estas funções apenas lograrão ser alcançadas se se tomar em consideração a situação económica do litigante, adaptando o montante da multa à sua condição financeira, assim garantindo que esta tenha verdadeiro efeito sancionatório e punitivo (vide Marta Frias Borges, Algumas Reflexões em Matéria de Litigância de Má-Fé, Dissertação apresentada à FDUC no âmbito do 2º Ciclo de Estudos em Direito (conducente ao grau de Mestre), na Área de Especialização em Ciências Jurídico-Civilísticas, 2014, Coimbra, pág. 69, acessível em https://estudogeral.sib.uc.pt., citado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04/05/2023, do Juiz Desembargador José Cravo, in www.dgsi.pt).
Para fundamentar a multa fixada, escreveu-se na decisão proferida: “neste contexto, considerando o valor que o embargante quer eximir-se a pagar sem qualquer fundamento, decidimos condenar o embargante numa multa cujo valor se fixa em cinco mil euros”.
Esta fundamentação é muito pouco expressiva para fundamentar a condenação do embargante, pessoa singular, no pagamento de uma multa que é próxima do ponto médio da moldura legal.
Se não podemos ignorar a conduta dolosa do embargante executado, que procurou, por esta via, furtar-se ao pagamento da quantia exequenda que ascende a cerca de 13.000,00 euros, acrescida de juros de mora, não podemos também ignorar que este não foi o único fundamento dos embargos deduzidos e, ainda que os demais não tivessem consistência jurídica, não eram reveladores de má-fé.
 Tendo em conta a factualidade apurada, os referidos fatores a ponderar e sabendo-se, ainda, que a multa a aplicar só terá verdadeiro efeito sancionatório e punitivo se adequada à gravidade da atuação do litigante prevaricador e às suas possibilidades patrimoniais (e, aqui, releva estar em causa uma pessoa singular  que nada disse sobre a sua situação económica quer quando interpelada para se pronunciar sobre a questão da má-fé da sua conduta, quer nestas alegações de recurso), conclui-se que a multa aplicada pela 1ª instância é ainda assim exorbitante face à conduta do embargante que se considerou de má-fé.
Se atentarmos nas concretas condenações em multa fixadas pelos Tribunais Superiores (5 Ucs, no proc. 1806/22.5T8BRG.G1, de 12/06/2024, 15 Ucs, no proc. 407/18.7TAVV-B.G1, de 23/05/2024, 5 Ucs, no proc. 2/22.6T8MC.G1, de 18/04/2024, 10 Ucs., no proc. 5220/20.9T8GMR.G2, de 25/01/2024, todos deste Tribunal da Relação de Guimarães), não existe qualquer razoabilidade no valor da multa que foi fixado.
Tudo ponderado, considerando que a exequente é uma pessoa coletiva, que está em causa uma dívida decorrente da atividade comercial daquela, perante o executado pessoa singular de condição económica não apurada, fixa-se em 8 ucs a multa devida pela sua conduta de má-fé.
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Quanto a custas:
Apesar do parcialmente vencimento do recurso apresentado pelo embargante executado, a embargada exequente não apresentou contra-alegações.
Assim, foi o embargante executado quem tirou proveito desta decisão e, assim, as custas da apelação são da sua responsabilidade, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil – vide, neste sentido, a extensa fundamentação constante o Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 01/02/2024, do Juiz Desembargador Gonçalo Oliveira Magalhães, proc. 1615/17.3T8BGC-A.G1, in www.dgsi.pt.

Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663.º, n.º 7, do C. P. Civil):
1 - Se o Tribunal está vinculado a apreciar apenas as questões suscitadas em sede de recurso, não está adstrito à apreciação apenas dos fundamentos jurídicos invocados para a apreciação dessas questões, desde que, previamente à apreciação de outros, exerça o contraditório, notificando as partes para que sobre eles se pronunciem.
2 – É exorbitante a fixação de uma multa de 5.000,00 euros no âmbito do instituto da litigância de má-fé, quando está em causa a conduta de uma pessoa singular, ainda que de condição económica não apurada, mesmo que a sua conduta seja dolosa, se a sua alegação suscita outras questões para além daquela que é reveladora de má-fé.

V – Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação apresentada pelo embargante executado e, em conformidade:
a) revogam a decisão proferida no que se reporta ao montante da multa devida pelo facto o embargante executado ter litigado de má-fé, fixando-a em 8 Ucs;
b) revogam a decisão proferida na parte em que condenou o embargante executado no pagamento de uma indemnização à embargada exequente;
c) no mais, mantêm a decisão proferida.
As custas do recurso são suportadas na íntegra pelo embargante executado, apesar da sua parcial procedência, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil.
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Guimarães, 17/10/2024
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)