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REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Sumário
O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles. (Sumário elaborado pela relatora)
Texto Integral
Processo n.º 1592/23.1T8FAR-C.E1 Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora
I. Relatório. AA veio requerer a regulação do exercício das responsabilidades parentais contra o Requerido/progenitor, BB, relativamente aos filhos comuns, CC e DD. Alegou, para o efeito, ter instaurado o processo de divórcio apenso em ../../2023 e apresentado denúncia criminal no dia ../../2023 por violência doméstica contra o Requerido progenitor, encontrando-se, bem como as crianças, em situação de perigo iminente, razão pela qual, por questões de segurança, requereu que fosse autorizada a mudar-se com os filhos para ... onde tem o suporte familiar dos seus pais, ficando a residência das crianças atribuídas a si. O progenitor respondeu ser absolutamente falso que tivesse exercido qualquer tipo de violência doméstica contra a progenitora, sendo tal denúncia uma mera artimanha para que esta pudesse mudar a residência das crianças para .... Requereu, nessa sequência a fixação de um regime de residência alternada, sendo que s crianças ficariam a residir na casa de morada de família, alternando os pais de semana para semana. Juntou, para o efeito, documentos (nomeadamente, mensagens trocadas com a progenitora nos dias que antecederam a separação e a detenção daquele no âmbito do inquérito criminal supra mencionado). Foram remetidos aos autos os elementos solicitados ao inquérito criminal, no âmbito do qual o progenitor ficou sujeito, a partir de 24/5/2023, a medidas coactivas. Foi realizada a conferência de pais, no termo da qual foi fixado regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais, tendo-se estipulado que:
1. A residência das crianças é fixada junto da mãe, no concelho ....---
2. As questões de particular importância na vida das crianças serão decididas de comum acordo entre os pais, salvo em caso de emergência manifesta, hipótese essa em que o progenitor que estiver com a criança poderá tomar a decisão sozinho, comunicando-a logo que possível ao outro progenitor.---
3. Sem prejuízo, considerando que o progenitor está proibido de contactar com a mãe, todos as comunicações entre os pais que sejam necessárias nos termos do presente regime provisório serão feitas exclusivamente através das Ilustres Mandatárias dos progenitores, tendo em conta as medidas coativas a que o pai se encontra sujeito.---
4. Consideram-se questões de particular importância, designadamente, as seguintes:---
(A) A mudança de residência para fora de Portugal.--
(B) A mudança de escola pública para escola privada ou vice-versa;---
(C) A sujeição da criança a intervenções cirúrgicas que possam envolver perigos graves para a sua vida ou integridade física, bem como quaisquer cirurgias estéticas;---
(D) A educação religiosa da criança até aos 16 anos;---
(E) A participação das crianças em programas televisivos;---
(F) A prática pelas crianças de desportos radicais que envolvam perigos especiais para a sua vida ou integridade física;---
(G) A administração de bens da criança que envolva a alienação ou oneração de tais bens;-
(H) A autorização para casamento da criança a partir dos 16 anos;
(I) A autorização para obtenção pela criança de licença de condução de ciclomotores;---
(J) A representação da criança em juízo, bem como a apresentação de queixas/ denúncias criminais em representação daquela.---
5. As decisões da vida corrente das crianças serão tomadas pela mãe nos períodos em que estejam a residir com a mãe, sendo decididas pelo pai nos períodos de convívio deste com os filhos, devendo no entanto respeitar as rotinas das crianças tal como estabelecidas pela mãe.---
6. O pai conviverá com os filhos no seu período de férias pessoais entre os dia ../../2023 e ../../2023.---
7. A mãe estará com as crianças em ... no seu período de férias pessoais de duas semanas entre o final de agosto e o inicio das aulas.---
8. Salvo o referido quanto a férias pessoais, o pai conviverá com as crianças todas as quartas-feiras, recolhendo os filhos no final do período escolar e entregando na escola no inicio do dia seguinte.---
9. O pai conviverá ainda com os filhos em fins de semana alternados de sexta-feira a segunda-feira, recolhendo e entregando as crianças na escola.
10. Em todos os convívios em que não seja possível fazer a recolha e a entrega na escola, tais entregas e recolhas serão efectuadas no ATL ou através de pessoas da confiança da mãe (amigos ou familiares), evitando-se qualquer contato presencial entre os progenitores de forma a cumprir as medidas coactivas aplicadas ao pai. Para o efeito, as entregas e recolhas nas férias de Verão serão feitas preferencialmente no ATL, sendo os horários os do final do ATL (aquando da recolha) e do início do ATL (aquando da entrega), quer às quartas-feiras, quer aos fins-de-semana (sexta e segunda), observando-se os mesmos horários caso as recolhas e entregas tenham de ser feitas através de pessoa de confiança da mãe.
11. Os pais ficam obrigados a adquirir um telemóvel para o seu filho CC até ao montante de €120,00, sendo as videochamadas dos pais com as crianças realizadas apenas através de tal telemóvel.
12. Cada progenitor poderá falar com os filhos uma vez por dia nos períodos em que não esteja a residir com as crianças sendo tal chamada realizada entre as 20:00 horas e as 21:00 horas.--
13. O pai pagará a titulo de alimentos devidos às crianças a quantia mensal de 250,00 (125,00€ por cada criança) a qual será liquidada até ao dia 8 de cada mês, com início em julho de 2023, por transferência bancária para a conta bancária da mãe, cujo IBN o pai já conhece;
14. A prestação de alimentos será atualizada anualmente segundo a taxa de inflação publicada pelo INE a partir de janeiro de 2024.---
15. As despesas de educação e saúde, incluindo as propinas do jardim de infância e do ATL frequentados, respectivamente, pela DD e pelo CC, que, na parte não comparticipada, atinjam o valor mínimo de €15,00, serão suportadas na proporção de metade por cada um dos pais, devendo o progenitor que incorrer na despesa comunicar essa despesa por escrito ao outro progenitor no prazo de 10 dias, juntando recibo comprovativo. O progenitor devedor deverá proceder ao pagamento de metade da despesa no prazo de 10 dias após a comunicação.----
16. O presente regime provisório entra em vigor no dia ../../2023, altura em que o progenitor passará o seu período de férias com os filhos. Sem prejuízo os contactos telefónicos diários deverão acontecer antes disso e aquando da notificação do presente despacho, caso esta ocorra antes dessa data.
*
Notifique.---
Comunique à ATT, solicitando a elaboração de novo relatório social a juntar no final do prazo de 60 dias, o qual deverá esclarecer: 1) se o regime provisório está ou não a ser cumprido; 2) se existem ou não razões para que o mesmo alterado e, nessa hipótese, em que termos.
Tendo sido requerida pelo progenitor perícia de avaliação psicológica a ambos os pais, notifique os progenitores para, no prazo de 5 dias, se pronunciarem sobre o objecto de tal perícia, desde já, se deferindo liminarmente a mesma.
Findo o prazo, abra vista e conclusão para o Tribunal fixar o objecto da perícia.
Comunique, com cópia da acta, ao inquérito criminal, juntando ainda, pelo seu interesse, os requerimentos dos progenitores de 29/5/2023 (pai) e 9/6/2023 (mãe), bem como o relatório de avaliação psiquiátrica junto pelo pai.(…)” * Inconformada, a Requerente veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: «1. Por sentença datada de 14-06-2023 o tribunal “aquo” fixou o regime das responsabilidades parentais provisório nos termos do disposto no artigo 38.º do RGPTC e decidiu não autorizar a mudança de residência da Requerente e dos filhos para ....
2. A Requerente ora Recorrente não se conforma com a decisão de que ora se recorre.
3. Em primeiro lugar porquanto o que está em causa não é apenas o perigo para a segurança da mãe e das crianças, mas sim o facto de ... ser a terra natal da ora Recorrente e de ser aí que tem todo o seu núcleo familiar, nomeadamente o apoio dos seus progenitores.
4. O Tribunal “a quo” não equacionou devidamente o superior interesse das crianças e o bem-estar dos menores.
5. Sendo certo que o tribunal “aquo” não pode impedir/dificultar a deslocação da ora Recorrente para ..., sob pena de violação dos direitos fundamentais da mãe, nomeadamente o seu direito de deslocação e de reunião da sua família.
6. Ao que acresce que tal deslocação não implicaria retirar as crianças do seu meio natural de vida, pois os menores estão habituados a conviver com os avós maternos e com a família materna, e em Setembro irão iniciar um novo ano letivo, o que poderá perfeitamente acontecer noutra escola.
7. Além de que ... dista cerca de 348 km de ... sendo perfeitamente viável a manutenção dos convívios com o pai, à semelhança de tantas outras situações em que um dos progenitores reside no Algarve e o outro reside na área da grande Lisboa ou no centro do país.
8. Não se compreendendo em que medida é que esta mudança para ... possa ser prejudicial ao seu crescimento e desenvolvimento dos menores, sendo do superior interesse dos menores residir junto da progenitora ora Recorrente.
9. O interesse dos menores em acompanhar o progenitor de referência para passar a residir com ele em ... é preponderante, não podendo o direito de visitas ao progenitor e o meio natural de vida dos menores constituir fundamento para impedir a deslocação dos mesmo para ....
10. É do superior interesse dos menores residir com a mãe e a deslocação da progenitora não constitui qualquer fator de dificuldade ou perturbação no direito de visitas ao pai, o qual deverá ser revisto e adaptada em função da distância.
11. No caso dos autos, não resulta provado que a deslocação dos menores para ... a fim de aí passarem a residir com a sua mãe, progenitor de referência, acarrete perigo para o desenvolvimento, segurança e saúde da criança.
12. A sentença recorrida violou, pois, os artigos 85.º n.º 1, 1887.º, 1906.º e 1918.º, todos do Código Civil, e os artigos 18.º e 44.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), tendo ido contra o que é um entendimento pacífico da Jurisprudência e da Doutrina que considera que: omenordeveserconfiadoàguardaecuidadodapessoa quedeletratenoseudia-a-dia,asuafiguraprimáriadereferência,que,nopresente casoéamãe,equeentendequenãodeveserlimitadoodireitodemudarde residênciadoprogenitoredomenorcujaguardalheestejaconfiada,anãoserque existaumagraverazãodesaúde,desegurançaououtraderelevânciaexcecional equivalente.
13. Não resultando da sentença recorrida qualquer facto de onde se demonstre aexistência de uma situação de excecional relevância que justifique que a menor não sepossa deslocar para ....
14. A sentença recorrida desconsiderou por completo o direito da mãe mudar de residência, para junto dos seus familiares, violando de forma grosseira os artigos 44.º e 58.º da CRP.
15. Em face do exposto, não se vislumbram quaisquer motivos para impedir que os menores alterem a residência juntamente com a sua mãe para ..., não sendo razoável, nem justo que tal deslocação seja impedida pelo tribunal “a quo”.
6. A mãe não pode ser privada da sua liberdade de ação e realização pessoal, profissional ou outra, sendo certo que nada impede o Tribunal de estabelecer visitas.
17. A decisão recorrida não só faz uma errada aplicação do direito, como viola os artigos 85.º n.º 1, 1887.º, 1906.º todos do Código Civil, e os artigos 18.º, 44.º e 58.º da Constituição da República Portuguesa, sendo por isso nula.
18. Termos em que deverá o recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, deverá ser revogada a decisão recorrida, autorizando-se a progenitora a deslocar-se com os menores para ....»
* O Requerido contra-alegou, apresentando a seguinte síntese conclusiva:
1. Decidiu a douta Sentença objeto do Recurso a que ora se responde fixar o regime das responsabilidades parentais provisório e, bem assim, decidiu não autorizar a mudança de residência da Requerente, aqui Recorrente, e dos menores CC e DD para ....
2. Para tanto, o Tribunal aquo baseou o seu entendimento, entre outros, nos argumentos de que não resulta provada a verificação do crime de violência doméstica, nem o perigo para a segurança da Recorrente e para as crianças que admita a mudança de residência dos menores para ..., retirando os menores do seu meio natural de vida, nem sequer ficou provado que o menor CC assim o pretendesse.
3. Acontece que, não se conformou a Recorrente com a decisão tomada pelo Tribunal aquo, pelo que apresentou Recurso da mesma. No entanto, entende o Recorrido que a Sentença em causa não merece qualquer reparo, pelo que, salvo devido respeito por melhor entendimento, carece de fundamento a motivação por esta aduzida nas suas Alegações.
4. O Recorrido foi surpreendido pelo processo criminal que corre contra si, instaurado pela Recorrente, pela denúncia da alegada prática do crime de violência doméstica (Processo n.º 1590/23...., que corre termos na Secção 1 do DIAP ...).
5. Tal processo-crime encontra-se numa fase embrionária, sendo que a versão do Recorrido está ainda por contar, apreciar e demonstrar.
6. O Recorrido foi sujeito à aplicação da medida de coação de proibição de contacto com a Recorrente e de aproximação entre ambos, entre outras, porém nãofoiaplicadaqualquermedidaderestriçãodecontactocomosfilhos, nem há qualquer indiciação de maus-tratos infligidos aos menores CC e DD
7. Até condenação transitada em julgado, o Recorrido presume-se inocente e pugna-se a V.ª Ex.ª que não se olvide deste princípio basilar! Posto isto,
8. O Recorrido é um pai extremoso, que ama os seus filhos e tudo faz para garantir o seu sustento.
9. Conforme já amplamente referido e demonstrado nestes autos de regulação das responsabilidades parentais, na maioria das vezes é o Recorrido quem vai buscar os filhos à escola e ao ATL que frequentam, prepara o jantar, trata da higiene diária dos filhos e da maioria das tarefas domésticas.
10. A aqui Recorrente encontra-se a residir na casa de morada de família com os filhos de ambos - a qual, desde já se antecipa, constitui um bem próprio do Recorrido. Face à medida de proibição de contactos com a Recorrente, o Recorrido está impedido de se deslocar à casa de morada de família, circunstância que aceita com tranquilidade e com a qual se conforma. No entanto, foi impedido decontactar com os filhos na casa dos seus pais, não obstante não representar nenhum perigo para os mesmos – o que muito lamenta e o faz sofrer!
11. O Recorrido é militar da GNR, e presta serviço no posto de ..., trabalhando seis dias consecutivos por semana, alternando com três dias de folga, e tem a possibilidade de efetuar, com flexibilidade, trocas de serviço com colegas de trabalho, em conformidade com as necessidades dos seus filhos.
12. O Recorrido reside, atualmente, com os seus pais, com 58 e 62 anos de idade, com quem existe uma relação estável, harmoniosa e de suporte mútuo. Os menores têm uma relação de confiança com os avós paternos e com o tio, irmão do Recorrido, e convivem semanalmente com os mesmos, encontrando naqueles qualidades de apoio, afetos, proteção e dedicação desmedidas.
13. Já o Recorrido e os filhos têm uma relação de especial proximidade, caracterizada por sentimentos de carinho e de afetos, participando ativamente na vida corrente dos filhos, como seja na sua alimentação, educação, higiene e descanso.
14. O que mais temia e receava o Recorrido, - como já foi aliás mencionado nos autos de regulação das responsabilidades parentais – é que o processo-crime recentemente instaurado e todas as afirmações capciosas da Recorrente, constituíssem um subterfúgio para, com maior facilidade, a mesma pudesse afastar os seus filhos de si e, eventualmente, levá-los para ..., a centenas de quilómetros da casa de morada de família e da família paterna. Como o Recorrido previa, tal veio agora a ser peticionado pela Recorrente.
15. Julga-se estar também inequivocamente demonstrado nos presentes autos, que o Recorrente assegura aos menores o respeito e desenvolvimento das relações familiares, seja através da promoção da relação com a Mãe, seja entre irmãos, seja através da permanente vivência com os avós, tios e restante família.
16. A Recorrente assume uma postura inviabilizadora de uma relação cordial e sensata, que deveria ser estabelecida em prol dos interesses dos filhos, reduz ao mínimo as possibilidades de contacto entre o Recorrido e os menores, e impede que, ao menos perante os filhos, houvesse um tratamento e um relacionamentoadequados.
17. Aalteraçãode residênciarequeridapelaRecorrente, infundada, consubstanciaum verdadeiro boicote da mesma ao desenvolvimento educacional e emocional dos menores CC e DD.
18. Os menores vivem em ..., numa casa com ótimas condições, a pequena distância das escolas que frequentam e dos seus centros de interesse e de amizades. Já a Recorrente pretende fixar-se em ..., a 386 km de ... – o que implica uma deslocação de automóvel de 3h40 minutos, para cada sentido, – não obstante os menores viverem em ... e aí estarem integrados
19. Pelo que é legítimo concluir que tal mudança nada tem a ver com o bem-estar dos menores, e que é apenas por capricho ou com o fim único de afastar os filhos do Pai, que a Recorrente pretende mudar-se para ... e levar as crianças consigo.
20. Conforme alegado pelo Ministério Público, a 12.07.2023, na resposta ao Recurso apresentado pela Recorrente: “(…)Não podia o Tribunal, sem mais, autorizar que a progenitora alterasse aresidência das crianças única e exclusivamente por aquela querer regressar parajunto da sua família, esquecendo que as crianças residem e estão inseridas em....” (com destaque nosso)
21. Por tudo o aqui alegado e demonstrado, e tudo o mais que resulta (e se mostra provado) dos articulados do Recorrido - que aqui, e por economia, se dão por reproduzidos-, não pode merecer qualquer tipo de tutela a pretensão da Recorrente sobpenade se sacrificar os supremos interesses das crianças e os direitos do progenitor em prol de capricho ou hostilidade da Recorrente que elege tais sentimentos como orientadores da sua atuação.
22. Improcede, por isso, totalmente a peticionada alteração de residência dos menores para ..., requerida pela Recorrente, pelo que não poderão, salvo melhor entendimento, proceder os argumentos invocados pela mesma, conforme entendeu – e bem – o Tribunal aquo, devendo manter-se a decisão nos exatos termos proferidos.” * Nas contra-alegações, o MP conclui da seguinte forma:
«1.ª - Apesar do regime de guarda partilhada se apresentar contemporaneamente como o regime privilegiado pela doutrina e jurisprudência, haja ou não acordo entre os progenitores, determinados casos, como o presente, exigem que seja fixado regime diverso;
2.ª - Tal aconteceu nos presentes autos porquanto corre termos inquérito crime, contra o progenitor, por violência doméstica por alegados factos perpetrados na pessoa da progenitora;
3.ª - Inexistem indícios de quaisquer tipos de maus-tratos físicos do progenitor às crianças, tendo inclusive a criança CC manifestado a vontade de manter convívios com o pai, do qual tinha bastantes saudades, referindo ainda que o mesmo assistia às discussões que ambos os progenitores mantinham;
4.ª - A Apelante pretende alterar a residência das crianças para ...;
5.ª - Salvo devido respeito, confunde a Apelante o seu interesse em ir residir para junto da sua família, com o superior interesse da criança, porquanto se é certo que é importante para as crianças que os progenitores tenham estabilidade, mais importante para as crianças é manterem um contacto próximo e convívios regulares com ambos os progenitores, sendo que não resulta de qualquer elemento do processo que a progenitora não disponha em ... de condições de estabilidade e de apoio para a educação das crianças, como aliás já acontecia;
6.ª - Face à notícia da prática de um eventual crime de violência doméstica, não foi fixado provisoriamente um regime de residência alternada, incumbe ao julgador promover tempo de qualidade das crianças com ambos os progenitores, de modo a que, cada um deles possa acompanhar o dia-a-dia dos seus filhos;
7.ª - Nesta senda, e não estando reunidos as condições, nesta fase, para a fixação da uma residência alternada, não podia o Tribunal, sem mais, autorizar que a progenitora alterasse a residência das crianças única e exclusivamente por aquela querer regressar para junto da sua família, esquecendo que as crianças residem e estão inseridas em ...;
8.ª - E de modo algum está em causa a violação de qualquer direito fundamental à deslocação da progenitora, nomeadamente o seu direito de deslocação e de reunião da sua família, todavia, o superior interesse da criança não é compatível com a satisfação de meros interesses egoístas e a pensar exclusivamente no bem-estar da progenitora, como parece resultar das alegações de recurso apresentadas.
9.ª – Cumpre acrescentar que da decisão recorrida em lado algum resulta que a progenitora é “a figura primária de referência” das crianças, tratando-se apenas de uma conclusão alegada pela Apelante, resultando da decisão que ambos os progenitores participavam activamente no quotidiano das crianças e ambos os progenitores mantinham ligação afectiva forte com as crianças;
10.ª – Após aplicação das medidas de coacção ao arguido, foram juntos elementos de prova pelo pai conforme resulta da decisão recorrida que, salvo melhor opinião, terão a susceptibilidade de por em crise os fundamentos que determinaram a aplicação de tais medidas de coacção;
11.ª – Por último refira-se ainda que, em nossa humilde opinião, o ponto fulcral para decidir o superior interesse da criança, in casu a fixação da residência longe de um dos progenitores, não pode passar nem pela existência de queixas de violência doméstica (sob pena de poderem vir a ser utilizadas de forma perversa para afastar as crianças do progenitor contra qual tais queixas foram apresentadas), nem pela argumentação de que um dos progenitores pretende regressar ao seu agregado familiar de origem, querendo fazer vingar o seu direito fundamental de deslocação em detrimento do direito fundamental de desenvolvimento harmonioso da criança;
12.ª - O critério orientador das decisões de regulação das responsabilidades parentais é sempre o superior interesse da criança, como não poderá deixar de ser;
13.ª - Configura-se, pois, como correta, adequada e sensata a decisão proferida pelo Tribunal a quo ao decidir fixar, provisoriamente, a residência das crianças com a progenitora em ..., salvaguardando-se, assim, o superior interesse das crianças;
14.ª - Desta forma, não violou o disposto no 85.º n.º 1, 1887.º, 1906.º todos do Código Civil, e os artigos 18.º, 44.º e 58.º da Constituição da República Portuguesa;
15.ª - O Ministério Público conclui que Tribunal recorrido fez uma correta apreciação da matéria de facto e de direito, fundamentando a sua convicção, e aplicando a lei de forma correta ao fixar a residência das crianças em ... com a progenitora, por ser este ser o regime provisório que melhor salvaguarda o superior interesse das crianças CC e DD.»
* II. Questões a decidir. Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, importa apreciar se o Tribunal Recorrido errou ao determinar que a residência das crianças se mantivesse por ora, no concelho .... * III. Fundamentação. III.1. De facto. O Tribunal Recorrido considerou indiciariamente provados os seguintes factos:
1. O progenitor, BB, e a progenitora, AA, conheceram-se no ano de 2012, tendo iniciado uma relação de namoro nos finais de março de 2012 e contraído matrimónio em 24 de junho de 2017
2. O casal tem em comum dois filhos, CC, nascido em ../../2014, e DD, nascida em ../../2018.
3. Desde finais de 2013, os pais passaram a partilhar cama, mesa e habitação na Avenida ..., ..., ..., ....
4. Ambos os pais são militares da GNR, auferindo o progenitor salário de €1400,00 a €1500,00 líquidos, tendo como principais despesas o empréstimo da casa de morada de família - € 409,00 mensais -, um crédito pessoal - € 193,00 mensais – e cartão de crédito do grupo Auchan - €140,00 - sendo que a progenitora aufere salário de €1200 líquidos, tendo como principais despesas a amortização de um empréstimo para compra de um carro – cerca de € 200,00 - € 300,00 mensais - e a contribuição para as despesas domésticas em casa da amiga com quem estava a viver, cerca de € 100- 120,00 mensais.
5. As despesas principais das crianças são as seguintes: ATL do CC: €130,00 (no Verão €180,00) e mensalidade do Jardim de Infância da DD: €330,00.
6. A progenitora instaurou acção de divórcio em ../../2023;
7. Tendo em 22/5/2023 apresentado denúncia de violência doméstica contra o progenitor
8. Nessa sequência, vindo este a ser detido quando se encontrava em casa com as crianças e à frente destas no âmbito do inquérito nº 1590/23....;
9. Bem como, no mesmo âmbito, sujeito a interrogatório judicial, na sequência do que, em 24/5/2023, lhe foram aplicadas as seguintes medidas coactivas: termo de identidade e residência; proibição de contactar por qualquer meio com a progenitora; não frequentar e não se aproximar da residência e local de trabalho a, pelo menos, 500 metros da ofendida / progenitora; sujeição a consulta de avaliação psicológica e, em caso de necessidade, a realizar os tratamentos adequados; não adquirir, não usar ou entregar de imediato armas ou objectos e utensílios que detiver capazes de facilitar a prática de outro crime.
10. Da fundamentação da decisão de facto referida em 9) consta, como factos indiciados, os seguintes: 5.ºA relação entre o casal começou a deteriorar-se desde há cinco anos até ao presente. 6.º Desde o indicado no parágrafo anterior, o arguido diz a AA para não dar tanta abertura às pessoas porque assim as pessoas aproximavam-se desta e isso não é comportamento de uma mulher casada 7.º No ano de 2020, após o primeiro confinamento, o arguido, sempre que AA estava ou saia com as amigas, ligava-lhe a perguntar onde estava e perguntava-lhe quando é que voltava para casa, sendo que se esta não ia de imediato o mesmo insistia com chamada telefónica. 8.ºDesde há cerca de um ano até ao presente, na residência comum e, por vezes, na viatura do casal, na presença dos filhos, com a frequência diária de uma vez por mês, o arguido dizia a AA que esta tinha relações extraconjugais, o que não é verdade, sendo nos últimos três meses esta expressão passou a ser dirigida, seguramente, três vezes por semana. 9.º Em data não concretamente apurada, mas no verão do ano 2022, após a AA ter ido jantar com um amigo, quando o arguido soube acusou-a de o trair com esta pessoa. 10.º O arguido disse a AA, há cerca de uma semana, em duas ocasiões, que esta o andava a trair com as amigas desta. 11.ºNo dia 21 de agosto de 2022, quando a AA chegou a casa da praia, foi colocar a roupa da praia para lavar. 12.ºNeste seguimento o arguido perguntou-lhe porque é que não lhe deu um beijo, acrescentando que "já deves ter outro" "já estiveste com outro". 13.ºNo início do ano de 2021, AA foi almoçar com o seu Comandante de Unidade à data, almoço este que era do conhecimento do arguido. 14.º Não obstante o tempo já passado, no dia 14 de maio de 2023, o arguido disse a AA que ela tinha ido almoçar com o Comandante de Unidade a um bordel. 15.ºO arguido quando a acusa de traição AA diz-lhe "Sei que não fizeste nada, mas eu digo que fizeste". 16.ºSempre que o arguido acusa AA de o trair, esta sente-se revoltada, rebaixada e angustiada. 17.º AA, face ao comportamento do arguido, tem medo de sair de casa, mesmo acompanhada com os filhos, pois não quer ser constantemente acusada de o trair, evitando, assim, o convívio com outras pessoas. 18.ºDesde o início do ano até ao presente, com a frequência de três vezes por semana, no domicílio comum e na presença dos filhos, o arguido diz a AA que "Ou nós seguimos os quatro juntos para frente ou isto vai arder tudo". 19.º No dia 10 de abril de 2023, na casa dos pais de AA, em ..., no decorrer de uma discussão onde AA confrontou o arguido pelo facto de não aceitar que esta teve um mau estar no doa de aniversário deste, o arguido pegou nas mãos desta, levantou-as e começou a bater com as mesmas na sua cara e a gritar. 20.ºCom esta conduta, o arguido provocou dores em AA, pois esta tinha sido submetida a uma cirurgia recentemente. 21.ºQuando AA confrontou o porquê desta atitude o mesmo disse "só quero que me ouças". 22.ºEm data não concretamente apurada, mas em março/abril do corrente ano, no domicílio comum, por motivo ainda não determinado, o arguido começou a partir vários objetos existente na residência e virou a cama do casal de avesso. 23.ºNo dia 14 de maio de 2023, pelas 22:30, no domicílio comum, no decorrer de uma conversa, arguido disse a AA que gastava muito dinheiro, então, esta disse-lhe que sairia de casa com os filhos e cada um seguiria a sua vida, tendo este dito "Estás quase a conseguir o que tu queres, eu vou preso, mas vocês ficam todos bem" "Eu odeio-te e já não te posso ver à frente" "Vais pagar por tudo". 24.ºNo dia 20 de maio de 2023, pelas 21:00, no domicílio comum e na presença dos filhos do casal, o arguido chegou ao domicílio comum embriagado e pediu para falar com a AA no quarto de ambos. 25.º Já no interior do quarto, o arguido fechou a porta desta divisão, não deixando AA sair, dizendo-lhe que tinham que falar com ela. 26.ºConfrontada com esta situação, pretendendo sair do quarto, AA, pediu-lhe quatro vezes para abrir a porta e que se não abrisse iria gritar, tendo este, assim, aberto a porta para ela sair. 27.º O arguido tinha duas armas pessoais no domicílio, uma pistola e uma caçadeira, bem como munições para estas armas, estando a caçadeira guardada num cofre no quarto do CC e a pistola está num cofre na cozinha. 28.ºCom receio do comportamento do arguido, no dia 22 de maio de 2023, pela manhã, AA escondeu as munições da pistola. 29.º No final do dia 22 de maio de 2023, o arguido foi ao cofre e deparou-se com os factos aludidos no parágrafo anterior. 30.ºNeste seguimento, o arguido disse a AA "sabes o que tiraste de Iá, não sabes?" "É bom que coloques la e que apareça". 31.º O arguido passa muitos dias sem ir ao cofre onde se encontram as armas. 32.º AA, face ao comportamento do arguido, teme que este possa atentar contra a sua vida. 33.º O arguido em cinco ocasiões já disse que vai colocar fim à própria vida. 34.º No dia 22 de maio de 2023, o arguido pediu a AA para o acompanhar numa consulta de psiquiatria. 35.º A AA está assustada com o comportamento do arguido, teme pela sua integridade física e vida, atendo ao conteúdo das expressões que lhe dirige, pois, estes episódios têm vindo a aumentar ultimamente de intensidade, sentido a necessidade que este não a contacte por qualquer meio, quer por si ou interposta pessoa. 36.º Fruto desta conduta do arguido, a AA começou a ser seguida por psicóloga.
11. Na motivação da decisão de facto referida em 9), o Tribunal Criminal fez constar o que se segue: A convicção do Tribunal neste juízo indiciário estriba-se nos elementos de prova juntos aos autos, mormente e com especial tónica no teor das declarações prestadas pela vítima AA e pela mãe da mesma, EE, porquanto a mesma terá vivido com o casal e denotou certos traços da personalidade do arguido como descritos e assistido a episódios, que relata, sendo que também vem atribuir conforto à versão da vítima, já que esta desabafava com aquela o que ia sucedendo. lmporta, contudo, realçar que o arguido prestou declarações de modo que se afiguraram espontâneas e demonstrou uma atitude colaborativa. Sucede, porém, que, nesta fase embrionária, e de considerar a factualidade fortemente indiciada, porquanto a prova coligida dá conforto às declarações da vítima e por ser necessário procurar corroborar certas partes das declarações do arguido, sobretudo as que minorava a não aceitação do término da relação, o número de vezes que os eventos ocorriam e a intimidação existente para manter a relação. Esquadrinhe-se, assim, que se confere credibilidade ao arguido quanto ao facto de que tudo surge num ambiente de rutura de uma relação que já está completamente descalça de confiança mútua, já que o casal se acusa mutuamente de traições e de falta de ligação afetiva. Todavia, veja-se que a vítima, mas mensagens juntas aos autos, o confronta com as ameaças que lhe faz e o mesmo não as nega, dizendo <<e tu>> sinalizando as acusações de traição. Mais acresce, que o facto de o arguido aceitar ser acompanhado em psiquiatria, tem que se prender algo mais do que no facto de no passado ter ligado mais com a distância física no casal, sendo um sintoma do estado atual da relação e de como o arguido parece não estar a conseguir gerir as emoções de modo saudável face ao temperamento e controlo que são descritos como o caracterizando. Crê-se, assim, que se acredita na bondade das declarações do arguido de que perante este quadro aceita que já não há mais nada a discutir e que cada um seguirá com a sua vida, até pelo impacto da sua detenção, mas não se tolda que os sentimentos da vitima e o ambiente que foi descrito, bem como a maneira discreta de como a vítima teve que proceder para se proteger, para preparar a saída da habitação do casal, permitem concluir que o arguido terá sempre procurado ter um ascendente sobre a mesma, controlando-a para não ser traído e de procura para manter a relação mesmo perante os sinais evidentes de que não há recuperação da relação desgastada pelo tempo e vivências. Esse ascendente, afere-se, assim, através dos vários atos isolados que eclodem num sentimento de receio por parte da vítima e, sublinhe-se que, por muito que o arguido diga que quando dizia ou seguimos os quatro ou isto vai tudo arder, se referia ao casamento e ao projeto de vida, facilmente se depreende que no contexto em que é dito e perante toda a realidade, a interpretação feita não corresponda à apresentada, mas uma ameaça séria das consequências da vítima avançar com o divórcio. Minudencie-se que a suceder como o descrito pelo arguido, não se compreenderia toda a atuação da vítima, que não fosse orquestrar um plano deliberado eintencional com vista a prejudicar o arguido. Neste quadro probatório, entende-se que os autos reúnem fortes indícios da factualidade descrita e que o arguido bem sabia as insinuações que fazia e as condutas de intimidação que adotava, com o objetivo alcançado de prolongar o relacionamento existente. Sabia o arguido da punibilidade penal da conduta, que não se pode negar, já que o mesmo é militar da GNR.”
12. O progenitor juntou relatório de avaliação psiquiátrica datado de 26/5/2023, do qual se retiram os seguintes trechos:
13. Entre 31/3/2023 e 8/5/2023 os progenitores trocaram as seguintes mensagens:
(Não se transcreveram as mensagens) […]
14. Ainda no mesmo período, os pais das crianças trocaram as seguintes mensagens:
(Não se transcreveram as mensagens) […]
15. A criança, DD, mostra-se bem adaptada à creche / jardim de infância por si frequentada, sendo uma criança calma, sociável, interessada e observadora, tendo mostrado mais distanciamento no mês de Maio, embora sem deixar de brincar com as outras crianças, respondendo com um sorriso quando a educadora lhe perguntava por que razão estava sozinha.
16. Segundo o ATL, frequentado pela criança, CC, o CC frequenta tal estabelecimento de actividades livres desde ../../2020 até ao momento atual. Ao longo deste período teve sempre uma assiduidade bastante regular, revelando um temperamento calmo e cooperante com os monitores. Na sala de apoio ao estudo, o CC revela algumas dificuldades de concentração e tenta realizar as tarefas escolares de forma rápida tendo como principal foco estar mais livre para participar nas atividades lúdicas, o que é um comportamento habitual para uma criança desta idade. Nem sempre consegue estar atento às instruções que são dadas pelas monitoras por estar frequentemente distraído, mas quando chamado à atenção coopera e gosta de participar nas atividades.
17. Apesar de, na Petição Inicial, a progenitora referir que o filho CC havia deixado o futebol, porquanto o progenitor estaria sempre a desmerecer as suas qualidades de futebolista, baixando a auto-estima da criança, segundo mensagens trocadas pelos pais e juntas pelo progenitor, a razão da saída prendeu-se apenas com o facto de, segundo a professora em mensagem enviada aos pais, o menor estar muito distraído nas aulas e não trabalhar suficientemente, razão pela qual os pais, de comum acordo, decidiram retirá-lo de tal actividade.
18. Aquando da sua inquirição nesta data, o CC, com bastante à vontade e espontaneidade, referiu ter ... anos, frequentando o 3º ano e preferindo a disciplina de inglês. Mencionou que a irmã andava numa escola privada com piscina. Perguntado sobre se os pais lhe tinham falado de que tencionavam separar-se, mencionou que a mãe lhe tinha falado disso depois da separação, bem como da possibilidade de irem viver para .... Questionado sobre se estava preocupado que os pais se estivessem a dar mal, respondeu: “Isso, não sei…só sei que tenho saudades do pai.” Salientou que era sempre o pai quem os levava à escola, mas que, por vezes o pai não podia, e, nesses casos, era a mãe, sendo que esta também entrava à mesma hora no trabalho, o que dificultava que fosse a mesma a levar as crianças. Quanto às tarefas domésticas (fazer o jantar, dar banho às crianças) mencionou que, quando o pai não estava, era a mãe, mas que, quando o pai estava, as tarefas eram divididas entre ambos, sendo que, quando a mãe se sentia mal, era o pai. Questionado se a mãe se sentia mal com frequência, respondeu “muitas vezes”, esclarecendo que tinha acontecido ontem, por exemplo, e que tinha a ver com o facto de a progenitora ter sido operada a um problema no peito. A propósito das famílias alargadas, referiu conhecer bem a casa em ..., sendo esta grande, com muito espaço para brincar. Referiu dar-se bem com os avós maternos e que a tia também vivia ao lado dos avós. Quanto à família paterna, referiu estar mais vezes com a família da “mãe” do que com a família do pai. Quanto a discussões entre os pais quando estes ainda estavam juntos, salientou que viu algumas e que, noutras, estava no quarto mas “ouvia tudo”, esclarecendo que ambos os pais falavam muito alto e, depois, questionado, mencionando que “ambos falavam alto, mas o pai falava mais alto”. Perguntado se alguma vez tinha visto algum dos pais bater no outro ou a ser mais violento, referiu espontaneamente que “não”. Questionado ainda se alguma vez tinha ficado preocupado por não estar seguro em casa, referiu um episódio em que o pai teria atirado uma coisa (não sabendo que objecto seria) pelo ar e que a mãe teria escondido a filha, DD, atrás da parede para esta não ser atingida. Esclareceu, nesse contexto, não ter assistido a esse episódio, mas ter-lhe sido contado pela mãe. Questionado em que data é que a mãe lhe tinha contado tal episódio, referiu que o teria feito “anteontem” (ou seja, no dia 12/6/2023). Nessa sequência, o Tribunal perguntou ao CC se ele alguma vez tinha visto o pai a atirar coisas ao ar, tendo o mesmo referido que não, mas que já tinha visto o pai a dar pontapés a coisas, nomeadamente, ao caixote do lixo. Perguntado de seguida, se alguma vez tinha perguntado ao pai por que razão fazia essas coisas, mencionou que o pai lhe havia dito que ficava irritado com a conversa e que, por vezes, não conseguia aguentar a pressão. * III.2. Fundamentação jurídica. O art.º 28.º da Lei 141/2015 de 8 de setembro que aprovou o Regime Geral do Processo Tutelar Cível – RGPTC – institui um princípio geral no âmbito das providências tutelares cíveis ao dispor sobre as decisões provisórias e cautelares, prevendo no seu n.º 1 que: “Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir, provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.” De acordo com o previsto neste artigo, com vista à prolação de uma decisão provisória que seja considerada conveniente sobre questão que deva ser resolvida a final, o juiz procede às averiguações sumárias que tenha por convenientes e ouve as partes, quando a sua audiência não puser em sério risco o fim ou a eficácia da providência, nos termos do art.º 28.º n.º 3 e 4 do RGPTC. Porém, o art.º 38.º do RGPTC impõe que no âmbito do processo especial da regulação do exercício das responsabilidades parentais o juiz decida provisoriamente sobre o pedido formulado, em sede de conferência de pais, quando os progenitores aí estejam presentes ou representados e não cheguem a acordo. Estabelece tal preceito, com a epígrafe “Falta de acordo na conferência”: “Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para: a) Mediação, nos termos e com os pressupostos previstos no artigo 24.º, por um período máximo de três meses; b) Audição técnica especializada, nos termos previstos no artigo 23.º, por um período máximo de dois meses.” O juiz deve, pois decidir provisoriamente sobre o pedido em sede de conferência de pais em que os mesmos estejam presentes ou representados e não cheguem a acordo, não se lhe impondo, enquanto norma especial, qualquer formulação de um juízo de conveniência ou necessidade de tal decisão provisória, contrariamente à regra geral contemplada no art.º 28.º. Por outro lado, nos termos do disposto no citado art.º 38.º do RGPTC o regime provisório deve ser fixado em conferência de pais em função dos elementos obtidos no processo, sem qualquer obrigatoriedade do juiz diligenciar pela obtenção de quaisquer outros meios de prova para além de ouvir as partes, sem prejuízo de posterior alteração da decisão em razão de outros elementos que venham entretanto a ser obtidos. * O presente recurso vem interposto da parte do regime provisório fixado em que se determinou, contra a vontade da progenitora que a residência das crianças é fixada junto da mãe, no concelho .... Note-se que a Recorrente não põe em causa a matéria de facto considerada pelo Tribunal Recorrido, nem qualquer dos outros pontos da decisão. Limita-se a discordar da conclusão a que chegou o Tribunal Recorrido na parte em que considerou, nesta fase, inexistirem circunstâncias – designadamente ao nível da segurança das crianças ou da progenitora - que justificassem autorizar-se, desde já, a mudança de residência dos filhos para ..., pois que tal implicaria necessariamente “retirar as crianças do seu meio natural de vida (vale dizer, das suas escolas, do convívio com os seus amigos e da presença mais habitual do pai), algo que também se não retirou que a criança, CC, pretendesse.” Como sabemos, a decisão seja provisória ou definitiva terá sempre que se nortear pelo interesse da criança que constitui um conceito jurídico indeterminado utilizado pelo legislador e previsto, desde logo, no princípio 2.º da Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 1386, de 20 de Novembro de 1959, com o seguinte teor: “A criança gozará de uma protecção especial e beneficiará de oportunidades e serviços dispensados pela lei e outros meios, para que possa desenvolver-se física, intelectual, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança”. Também na Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26 de Janeiro de 1990 e aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90, publicada no Diário da República nº 211/90, Iª Série, 1º Suplemento, de 12 de Setembro de 1990, no artigo 3.º, n.º 1, se estabelece que “todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança”. O artigo 24.º, n.º 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, prevê que: “Todas as crianças têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos directos com ambos os progenitores, excepto se isso for contrário aos seus interesses”. Consagra também a Constituição da República Portuguesa princípios que estruturam as directrizes de protecção da família, da infância e da juventude, consagrando que os direitos fundamentais dos pais à educação e manutenção dos filhos só podem ser restringidos em situações especialmente previstas na lei e sempre em defesa dos direitos fundamentais da criança e sujeitos às exigências de proporcionalidade e de adequação, nos termos dos artigos 13.º, n.º 2, 18.º, n.º 2, 36.º, n.ºs 5 e 6, 68.º, n.º 2, 69.º e 70, do mencionado diploma legal. Também da conjugação dos artigos 1874.º, 1877.º a 1879.º, 1885.º e 1906.º, todos do Código Civil, resulta que a procura da solução mais adequada para a criança deve ser aquela que melhor salvaguarde o seu superior interesse. Segundo o art.º 1906°, n.º 5, do Código Civil, o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro. Preceitua o n.º 6 do mesmo artigo que quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos. E nos termos do respetivo n.º 8, o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles. Sendo certo que o legislador não definiu o que deva entender-se por interesse do menor - cabendo ao juiz em toda a amplitude que resulta daqueles preceitos legais identificar e definir, em cada caso, esse interesse superior da criança - o conceito tem vindo a ser definido como o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade, e a que lhe sejam proporcionadas as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem estar material e moral. Deve, pois, o Tribunal adotar a solução que menor choque possível represente para a vida das crianças, nas circunstâncias, procurando assegurar uma determinada continuidade na educação e ao mesmo tempo, que os menores fiquem a residir com o progenitor que mais garantias dê de lhes poder prestar mais assistência e carinho que no dia-a-dia eles necessitam, devendo definir uma situação que minimize os efeitos traumáticos em consequência da separação dos progenitores, impondo-se, como bem entende o Ministério Público, a necessidade de assegurar laços afetivos estáveis e profundos entre as crianças e ambos os pais, prevenindo a sua instrumentalização nos eventuais conflitos que os oponham. Importa aqui salientar, porque de interesse para o caso concreto, que “responsabilidades parentais” não são “um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respetivos titulares, mas um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objetivo primacial de proteção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral”.[1] Sublinhe-se, neste sentido, que com a alteração introduzida pela Lei n.º 65/2020, de 04.11, ao art.º 1906º do Código Civil, a residência alternada tem vindo a ser considerada como o regime privilegiado pela doutrina e jurisprudência, haja ou não acordo entre os progenitores, solução que o Tribunal Recorrido não adotou nesta fase porquanto corre termos inquérito crime, contra o progenitor, por violência doméstica por alegados factos perpetrados na pessoa da progenitora, tendo consequentemente fixado a residência das crianças com a mãe, no concelho em que residem, para que pudessem manter as ligações afetivas com ambos os progenitores e as rotinas que lhes conferem segurança e estabilidade, menor necessidade de (mais) mudanças. Porém, sem sentido inverso, ponderou-se na decisão recorrida a necessidade de promover “tempo de qualidade das crianças com ambos os progenitores, de modo a que, cada um deles possa acompanhar o dia-a-dia do seu filho, nos trabalhos escolares, nas brincadeiras, no momento de deitar, etc., levar e ir buscar à escola, conhecer os professores, os amigos, etc., de modo a que o menor continue a ter um pai por inteiro e uma mãe por inteiro”[2], o que se inviabilizaria caso se autorizasse a alteração da residência das crianças para mais de 300 km de distância, nesta fase do processo, em que devem manter-se as diversas soluções em aberto, adotando provisoriamente a que mais assegura a estabilização da vivência do quotidiano das crianças. Não deixando de compreender-se o desejo da progenitora de residir junto da sua família no contexto da separação, até para buscar junto da família alargada maior apoio para as crianças, certo é que é ao superior interesse das mesmas que deve, sempre, mas em particular nesta fase, atender-se, e não ao da conveniência de qualquer dos progenitores. Como refere Tomé d´Almeida Ramião,[3] “nunca será de mais sublinhar que a criança necessita igualmente do pai e da mãe e que, por natureza, nenhum deles pode preencher a função que ao outro cabe. A consciência desse facto, por ambos os pais, é essencial para que o relacionamento do filho com o progenitor que não detém a guarda física se processe naturalmente, sem conflitos ou tensões”. E, “manter uma relação de grande proximidade, impõe contactos regulares e frequentes do progenitor com o filho, de poder partilhar consigo o seu espaço, passar com ele fins de semana, datas festivas, aniversários, períodos de férias, podendo ainda conviver com o filho durante alguns dias úteis da semana, tudo dependendo das circunstâncias, nomeadamente do relacionamento dos pais, idade da criança, a localização da sua residência e a disponibilidade do progenitor”. Não existindo, nesta fase, qualquer circunstância que recomende a limitação do convívio com algum dos progenitores, a solução adotada é a que melhor assegura a possibilidade de tais convívios se manterem, o mais regularmente possível dentro das circustâncias. E de modo algum está em causa a violação de qualquer direito fundamental à deslocação da progenitora, nomeadamente o seu direito de deslocação e de reunião da sua família, que poderá, designadamente, deslocar-se sempre que os filhos estiverem com o pai. Bem como buscar o apoio dos avós no local de residência das crianças. Resta concluir. Entendendo que a decisão recorrida respeita o objetivo de alcançar, nesta fase “o melhor para as crianças” e que, como tal, não merece censura, cabe recordar que caberá aos pais, requerente e requerido, no interesse daquelas e, por via desse, no seu próprio interesse, manter a colaboração e a entreajuda necessárias visando aquele objetivo fundamental. Naufragam, pois, as demais conclusões da alegação de recurso, não se mostrando violadas quaisquer disposições legais. *** IV. Decisão. Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso, e, consequentemente, em manter a decisão recorrida. Custas pela Apelante – artigo 527º do Código de Processo Civil. Registe e notifique.
Évora, 11-01-2024
Ana Pessoa
José António Moita
Manuel Bargado __________________________________________________
[1] Cf. Armando Leandro, “Poder Paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária, Temas do Direito da Família” – Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Almedina, pág. 119.
[2] (Cf. António José Fialho, “Residência alternada – visões de outras paragens”, in “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo I, julho 20114, E-book CEJ pág.397.
[3] Regime Geral do Processo Tutelar Cível Anotado e Comentado, Lisboa, Quid Juris? – Sociedade Editora Lda., 3.ª edição, 2018, p. 137 e 138.