1. No contrato de mediação, a estipulação de exclusividade significa, como já dito, que, durante o período de vigência do contrato, o cliente não pode socorrer-se de outros mediadores nem, eventualmente, celebrar o contrato visado diretamente. O contrato de mediação com uma tal cláusula tem de ser respeitado durante todo o seu prazo, sendo inadmissível a sua cessação por decisão unilateral do cliente, sob pena de total ineficácia da cláusula.
2. Sem prejuízo da eventual responsabilidade pré-contratual em que incorra, o cliente pode desistir de celebrar o contrato desejado, mas não pode deixar de remunerar o mediador, caso se verifiquem as circunstâncias descritas na previsão do art. 19º, nº2 do RJAMI.
3. A aplicação da norma contida no art. 19, n.º 2, do RJAMI implica, mais que a prova do cumprimento da obrigação do mediador – diligências no sentido da obtenção de um interessado –, a prova do sucesso desse cumprimento que satisfaz o interesse do credor – efetiva obtenção de um interessado, genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação.
4. «A norma do art. 19, n.º 2, do RJAMI obriga o cliente a pagar a remuneração desde que, durante a vigência do contrato, o mediador lhe apresente um real interessado e o contrato não se concretize apenas por causa imputável ao cliente.»
(Sumário elaborado pela relatora)
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I. Relatório
ÉPOCA DE HARMONIA, MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA LDA., propôs a presente ação declarativa, condenatória, de processo comum, contra A..., LDA., pedindo que a Ré seja condenada a pagar à Autora o valor de € 61.500, acrescido de juros à taxa legal desde a data da citação e até efetivo pagamento.
Para tanto, alegou ter outorgado com a Ré contrato de mediação imobiliária do prédio urbano, destinado a habitação, sito na ..., ..., Rua ..., ..., ... correspondente a edifício de seis divisões, descrito na Conservatória do Registo Predial ... (Algarve) sob o número ...82, tendo fixado a remuneração em € 50 000 mais IVA, num total de € 61 500.
Mais referiu que apresentou potenciais compradores que estavam interessados no negócio e aceitaram o preço, não tendo, porém, a ré aceitado concretizar a venda.
A ré contestou, concluindo pela improcedência da ação.
Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente a ação, e, em consequência, decido condenar a ré A..., LDA., a pagar à autora ÉPOCA DE HARMONIA, MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA LDA., a quantia de € 50 000 (cinquenta mil euros), a título remuneração pelos serviços de mediação imobiliária prestados, a que acrescem juros moratórios desde 9 de junho de 2022 até integral pagamento. Logo que seja devido IVA, deverá o mesmo ser também pago à taxa legal.
Custas a cargo das partes na proporção do decaimento, 81%, a cargo da ré e 19% da autora.
Valor da ação: o já fixado a fls. 64, € 61 500.
Registe e notifique.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou Ré, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«a) A recorrente tem por objeto a compra e venda de imóveis.
b) Foi outorgado um contrato de mediação imobiliária entre a recorrente e a recorrida em 16 de agosto de 2021, com uma remuneração de € 50.000,00 mais IVA, cujo pagamento de metade teria lugar com a assinatura do CPCV e o remanescente com a outorga da escritura pública de compra e venda.
c) Esse contrato foi outorgado em regime e exclusividade.
d) A Recorrida apresentou em 21 de agosto de 2021 potenciais interessados à recorrente.
e) Foram encetadas negociações entre ambos.
f) O preço sofreu vários acertos tendo a Recorrida aceite assumir pagamento de €215.000,00 para que o negócio se concretizasse, uma vez que os potenciais compradores não pretendiam aceitar o negócio proposto.
g) Oito meses depois do início das negociações em 7 de março de 2022 foi aceite pelos compradores interessados o preço pretendido pela Recorrente.
h) Foi Proposta uma data para a assinatura do CPCV.
i) Não foi outorgado nenhum CPCV e um ano depois ainda negociavam as condições.
j) A Recorrente desistiu do negócio.
k) A Recorrente como qualquer proprietário não pode ser obrigado a manter negociações por tempo indeterminado.
l) Um ano para finalizar uma compra e venda de um imóvel pronto a habitar com toda a documentação disponível para a realização do CPCV e da respectiva escritura de compra e venda é demonstrativo de que não existe um interesse sério dos compradores nem que o seu impulso negocial seja proactivo.
m) Os potenciais interessados colocaram sempre questões que foram atrasando o processo (localização do imóvel no domínio publico marítimo), alterações na casa.
n) A recorrida apresentou os interessados à recorrente em agosto de 2021 não havendo comunicações entre as partes envolvidas e a recorrente antes de fevereiro/março de 2022.
o) A recorrente perdeu o interesse no negócio pela demora dos potenciais interessados em concretizarem um processo negocial que se arrastou durante um ano e que em nenhum momento se verificou o agendamento ou a convocação da recorrente pelos interessados para assinatura do CPCV e do pagamento do sinal.
p) Tal só se verificou quando a recorrente comunicou que havia perdido o interesse no negócio e que tinha acertado a venda do imóvel com outro comprador.
q) Não é devida à recorrida a remuneração acordada, pois apesar, de o negócio visado, ter sido celebrado em regime de exclusividade, não foi por causa imputável à recorrente que o negócio não se concretizou.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, E SEMPRE COM MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E POR VIA DELE:
SER A RECORRENTE ABSOLVIDA DOS PEDIDOS, ALTERANDO-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA PARA TOTALMENTE ABSOLUTÓRIA PARA A RECORRENTE, NOS TERMOS PUGNADOS NAS PRESENTES ALEGAÇÕES TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUENCIAS; E SÓ ASSIM, SE FAZENDO, A TÃO HABITUAL E COSTUMADA JUSTIÇA.»
*
Contra-alegou a Apelada, pugnando pela improcedência da apelação, apresentando a seguinte conclusiva:
«A. O recurso apresentado pela Recorrente deve improceder na íntegra por ser totalmente destituído de fundamento, tanto fáctico, como jurídico.
B. Não obstante a sentença proferida pelo tribunal “a quo” não nos oferecer censura, a mesma aparenta padecer de um lapso manifesto. O tribunal “a quo” omitiu do ponto 2 da matéria provada que o contrato em causa foi celebrado em “regime de exclusividade”.
C. É evidente através da leitura do texto global da sentença que o Tribunal, apesar de não ter inscrito tal menção no ponto 2 da matéria provada, considerou que o contrato fora celebrado efetivamente em “regime de exclusividade”, sendo que na pág. 8 da mesma sentença, na parte referente ao enquadramento jurídico e ao contrato de mediação consta expressamente que “No caso, é aplicável o n.º 2, pois que vigorava o regime de exclusividade e foi a ré que, havendo a aceitação do preço proposto de € 1 500 000 e a aceitação da realização da escritura, a ré desistiu”.
D. O regime de exclusividade foi também expressamente admitido pela Ré/Recorrente no presente processo, designadamente no Art. 33.º da Contestação e nas conclusões “c)” e “q)” do seu recurso.
E. Nos termos e para os efeitos do Art. 614.º, ns.º 1 e 2 do CPC, deve o referido lapso manifesto ser retificado, o que se requer, passando o ponto 2 da “Factualidade Provada” a ter a seguinte redação: “Em 5 de março de 2018, a A. e a R. outorgaram um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, tendo como objeto a mediação imobiliária na venda, pelo preço de € 1.500.000, do prédio urbano, destinado a habitação, sito na ..., ..., Rua ..., ..., ... correspondente a edifício de seis divisões, descrito na Conservatória do Registo Predial ... (Algarve) sob o número ...82, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.º ...57 da freguesia .... O acordo foi reduzido a escrito e aposta a data de 16 de agosto de 2021” [nosso sublinhado]
F. Subsidiariamente, caso se entenda que não estamos perante um “lapso manifesto” e que a retificação supra requerida apenas pode ser efetuada através da alteração da matéria de facto, a Recorrida impugna a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pela Recorrente, nos termos e para os efeitos do Art. 636.º, n.º 2 do CPC.
G. O ponto da matéria de facto vertida na sentença que a Recorrida pretende impugnar é o já referido atual ponto 2 da “Factualidade Provada”, o qual deve passar a ter a seguinte redação: “2. Em 5 de março de 2018, a A. e a R. outorgaram um contrato de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, tendo como objeto a mediação imobiliária na venda, pelo preço de € 1.500.000, do prédio urbano, destinado a habitação, sito na ..., ..., Rua ..., ..., ... correspondente a edifício de seis divisões, descrito na Conservatória do Registo Predial ... (Algarve) sob o número ...82, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.º ...57 da freguesia .... O acordo foi reduzido a escrito e aposta a data de 16 de agosto de 2021” [nosso sublinhado]
H. Tal alteração resulta em concreto da confissão expressa da Recorrente plasmada no Art. 33.º da sua Contestação e também das conclusões c) e q) do seu recurso. A acrescer, resulta igualmente do contrato junto pela Autora como Doc. 1 com a Petição Inicial, em concreto da “Cláusula 4.ª (Regime de Contratação)” na qual se encontra plasmado que “1. O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de: X Exclusividade; 2. Nos termos da legislação aplicável, quando o Contrato é celebrado em Regime de Exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação imobiliária durante o respetivo período de vigência.”
I. Nas alegações e nas conclusões da Recorrente não existe uma única referência a um único meio de prova que sustente as suas próprias considerações, seja prova documental, testemunhal ou a declarações de parte, nem tão pouco qual a decisão que no entender da Recorrente deve ser proferida sobre as questões de facto que a Recorrente não concorda.
J. A Recorrente incumpriu de forma flagrante os ónus previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do Artigo 640.º do CPC, bem como, na alínea b) do n.º 2 da mesma provisão legal, razão pela qual, a impugnação da matéria de facto aduzida pela Recorrente não pode deixar de improceder in totum.
K. Em qualquer caso, a matéria constante do Ponto 5 dos factos provados a respeito da apresentação de AA e BB como potenciais compradores em 25 de agosto de 2021 resulta bem evidenciada através das mensagens de correio eletrónico juntas com a P.I., em particular dos e-mails juntos como Doc. 6 de onde resulta uma troca de e-mails entre as partes envolvidas aquando da realização do 1.º contacto / apresentação.
L. A própria Recorrente admite expressamente no Artigo 9.º das suas alegações que “O processo negocial iniciou-se em 25 de Agosto de 2021 com a apresentação dos interessados referidos nos autos à Recorrente pela Recorrida”, e novamente, na conclusão n) do seu recurso que “A recorrida apresentou os interessados à Recorrente em agosto de 2021 (…)”.
M. A matéria constante do Ponto 6 da matéria provada a respeito das negociações que se seguiram resulta bem evidenciada através dos e-mails juntos como Doc. 2, 3, 4 e 5 e da minuta de Contrato-Promessa junta como Doc. 7 com a P.I.
N. No que respeita à matéria vertida nos artigos 19.º, 21.º, 23.º, 24.º, 26.º e 28.º da Contestação, não foi produzida qualquer prova que suporte as alegações ali tecidas pela Recorrente, nem tão pouco a Recorrente a invoca.
O. Em qualquer cenário, a pretensão de impugnação dos factos da parte da Recorrente sempre improcederia, tanto por manifesta falta de cumprimento dos pressupostos processuais, como também, por total falta de mérito.
P. A Recorrente também incumpriu o ónus que sobre si recaía no que respeita à “impugnação” da matéria de Direito constante da sentença proferida pelo Tribunal a “quo” previsto no Artigo 639.º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPC.
Q. As conclusões da Recorrente não contêm uma única referência a qualquer norma jurídica que supostamente tenha sido violada, nem tão pouco qualquer referência ao sentido com que, no entender da recorrente, uma determinada norma deveria ter sido interpretada ou aplicada, ou a qualquer norma que no entender da Recorrente tenha sido omitida.
R. As conclusões da Recorrente limitam-se a meros argumentos de natureza expositiva e a conjeturas genéricas que não cumprem minimamente os requisitos de um recurso.
S. Sendo o âmbito/objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões (Arts. 635.º, n.ºs 3 a 5 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do CPC), e não apresentando as conclusões da Recorrente o mínimo de fundamento/substrato recursivo, então naturalmente o recurso só pode improceder.
T. Em qualquer cenário, contrariamente às alegações da Recorrente, a sentença proferida pelo Tribunal “a quo” não merece qualquer censura, sendo que os factos provados, bem como a subsunção do Direito aos factos, encontra-se correta.
U. Em momento algum do presente processo a Recorrente logrou demonstrar, seja em sede de 1ª instância, seja em sede de recurso, que o negócio não se concretizou devido a alguma espécie de atraso, falta de contacto, falta de credibilidade da proposta, ou falta de interesse por parte das partes interessadas na aquisição do imóvel que foram apresentadas à Recorrente pela Recorrida.
V. Incumbia à Recorrente o ónus de provar tal factualidade, ou outra relacionada, caso quisesse demonstrar que o negócio não se concretizou, por causa a si imputável, mas sim por alguma espécie de causa imputável às partes interessadas na aquisição, ou mesmo à Autora. Contudo, tal não sucedeu.
W. A realidade dos factos provados propicia a aplicação do Artigo 19.º, n.º 2 do regime jurídico que rege a atividade de mediação imobiliária, aprovado pela Lei 15/2013, de 28 de fevereiro e que determina que: “É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.”
X. Tendo ficado provado que a Ré simplesmente, por sua livre iniciativa, desistiu do negócio, sem que tivesse sido provada qualquer factualidade que afastasse a realidade de que tal desistência só a si pode ser logicamente imputável, a Recorrente deverá pagar na íntegra à Recorrida a remuneração acordada no Contrato de Mediação Imobiliária, tal como de resto bem decidiu o Tribunal “a quo”.
***
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, e, em consequência, deverá manter-se na íntegra a Sentença Recorrida.
POIS SÓ ASSIM SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA!»
*
No despacho de admissão do recurso, o Tribunal Recorrido indeferiu o pedido de retificação da decisão recorrida.
*
II. QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação deste Tribunal, limitação que não ocorre no que respeita à qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil).
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
· Impugnação da decisão de facto;
· Reapreciação da decisão de mérito.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO.
III.1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
III.1.1. A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. A ré tem por objeto a compra e venda de imóveis, locação de imóveis, exploração de estabelecimentos turísticos e alojamento local e é representada por CC – fls. 66 (art. 5.º do Código de Processo Civil);
2. Em 5 de março de 2018, a A. e a R. outorgaram um contrato de mediação imobiliária, tendo como objeto a mediação imobiliária na venda, pelo preço de € 1.500.000, do prédio urbano, destinado a habitação, sito na ..., ..., Rua ..., ..., ... correspondente a edifício de seis divisões, descrito na Conservatória do Registo Predial ... (Algarve) sob o número ...82, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo n.º ...57 da freguesia .... O acordo foi reduzido a escrito e aposta a data de 16 de agosto de 2021 – fls. 6 v. (art.1 º da petição inicial);
3. A remuneração era, nos termos da cláusula 5.ª, n.º 2, do mesmo contrato, de € 50.000 mais IVA à taxa legal de 23%, o que perfaria € 61.500. Nos termos do n.º 3, a remuneração seria paga em duas vezes: 50% após o contrato- promessa; 50% restante com a escritura (art.2 º da petição inicial);
4. O mesmo contrato tinha a duração de 3 meses, renovável por igual tempo, caso não viesse a ser denunciado com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao termo por carta registada com aviso de receção –cl. 8.ª (art. 5.º do Código de Processo Civil);
5. Em 25 de agosto de 2021, a A. apresentou à R. AA e BB como potenciais compradores do imóvel referido no artigo primeiro - fls. (art.3.º da petição inicial);
6. Após visita ao imóvel com os interessados, e porque os mesmos mostraram interesse na aquisição do imóvel, foram encetadas negociações com a R., tendo o legal representante da R. estabelecido as condições do negócio e sido elaborada a minuta de CPCV negociada com os potenciais compradores identificados que previa o preço de € 1 400 000– fls. 13/16 v. (art.4 º da petição inicial);
7. Após o acordo verbal, os potenciais compradores pediram o conselho do seu advogado para apurar se o imóvel se encontraria abrangido pelo domínio público marítimo (art.18 º da contestação);
8. Por email de 7 de março de 2022, a autora comunica ao representante da ré que os interessados em causa aceitaram pagar o valor entretanto pretendido pela R., de € 1.500.000, e propõe que marque data para a assinatura do contrato-promessa ou a escritura definitiva - fls. 41 (art.5 º da petição inicial)
9. A R. chegou a negociar uma minuta de CPCV cerca de um ano depois do primeiro contacto dos potenciais compradores (art.25 º da contestação);
10. A ré desistiu do negócio (arts.6 º da petição inicial e 27 º da contestação).
*
III.1.2. o Tribunal Recorrido considerou a seguinte factualidade não provada:
- Que os potenciais compradores se tenham recusado a transferir qualquer quantia a título de sinal (art.26 º da contestação)
- Que o negócio não tivesse avançado por terem sido aconselhados pelo seu advogado a não prosseguir com a compra sem que se esclarecesse se o imóvel se encontrava localizado em área abrangida pelo Domínio Publico Marítimo ou baixar o preço de venda (arts.19.º, 21 º e 23.º da contestação)
- Que a ré tivesse recusado outras propostas de compra (art.24 º da contestação)
- Que o potencial comprador tenha comunicado ao representante da ré que desistia do negócio e que lhe tenha dirigido expressões ofensivas (art.28 º da contestação)
*
III.2. Da impugnação da decisão de facto.
A Apelada requer a retificação do ponto “2” da matéria de facto provada, por forma a que da mesma passe a constar que o contrato em causa foi celebrado “em regime de exclusividade”.
O pedido de retificação afigura-se totalmente irrelevante, porquanto como referiu o Tribunal Recorrido no despacho que admitiu o recurso:
“- A matéria factual reporta-se ao alegado pelas partes e o aspeto em concreto da “exclusividade” não foi alegado pela autora, tendo-o sido alegado pela ré no art. 29.º da contestação, em sede de mera impugnação e, por isso, não considerada – cfr. ponto 2.3. da sentença;
- No entanto, as partes remetem para o contrato de fls. 6 v. e aceitam o seu conteúdo (cfr. os arts. 2.º da petição e 1.º da contestação), razão por que o Tribunal não viu necessidade de reproduzir todas as cláusulas, sem deixar de considerar o respetivo teor (desde logo porque para o mesmo remete no ponto 2 da factualidade provada, conforme também consta da motivação – primeiro parágrafo do ponto 2.4.), em particular o regime de exclusividade – cfr. fls. 85 v., p. 8 da sentença, § 7,”
Constando o contrato em causa no elenco dos factos provados (ponto 2), e tendo em atenção que o teor do documento ali mencionado deve ser, como foi, nos termos do disposto no artigo 607º, n.º 4 do Código de Processo Civil, tido em consideração pelo Tribunal, não se verifica qualquer lapso que cumpra retificar, como bem se entendeu no Tribunal Recorrido.
E assim sendo, até porque não vem posto em crise o teor do contrato, não se vislumbra qualquer necessidade, antes sendo totalmente irrelevante a pretendida alteração do facto, porquanto o mesmo deve ser tido em consideração, enquanto teor do documento, como se deixou claro, independentemente de o mesmo teor se encontrar totalmente reproduzido no elenco de factos provados.
Improcede, pois, o pedido de alteração do artigo 2º da “factualidade provada”.
*
No corpo das suas alegações, a Apelante refere que:
a) Concorda com os factos dados como provados pelo Douto Tribunal “a quo” constantes dos pontos 1, 3, 4, 7, 8, 9 e 10 da “Factualidade Provada” da sentença proferida;
b) Apenas não concorda com a matéria provada nos pontos 5 e 6 da “Factualidade Provada” da sentença proferida; e
c) Não concorda que a matéria alegada nos artigos 26.º, 19.º, 21.º, 23.º, 24.º e 28.º da sua Contestação não tenha sido dada como provada.
Recorde-se que o artigo 640.º do CPC, com a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe o seguinte:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados.
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (…)”.(o destacado é nosso).
Entre as diversas decisões que têm versado sobre o aludido ónus, destacamos, pela respetiva clareza o recente Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 12/2023, proferido em 14.11.2023, no processo n.º Processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1[2], no qual pode ler-se:
“Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso.
Quando aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador(58), chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso(59), conforme o n.º 1, alínea c) (60) do artigo 640, apresentando algumas divergências ou em sentido não totalmente coincidente, vejam-se os Autores, Henrique Antunes(61), Rui Pinto(62), Abílio Neto(63).
5 - Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.
O recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, cumpre o ónus constante do n.º 1, c), do artigo 640, se a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, constar das conclusões, mas também da leitura articulada destas últimas com a motivação do vertido na globalidade das alegações, e mesmo na sequência do aludido, apenas do corpo das alegações, desde que do modo realizado, não se suscitem quaisquer dúvidas.
Seguindo de perto o que resulta deste Acórdão, volte-se ao caso vertente.
Embora relativamente aos factos que refere na al. c) possa deprender-se qual a decisão que entende deveria ser proferida, nem quanto a esses, nem quanto aos demais, se refere expressamente algo a esse respeito.
Por outro lado, não existe uma única referência a um único meio de prova que sustente as alegações da Apelante, seja prova documental, testemunhal ou a declarações de parte.
As próprias conclusões do recurso são completamente omissas relativamente a qualquer impugnação da matéria de facto, limitando-se a meros argumentos e elenco de factos que considerou terem resultado provados.
Há, assim, que concluir que no caso em apreço, a Apelante não cumpriu o ónus impugnatório decorrente do Artigo 640º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil porquanto, não propôs, quanto aos factos assentes que impugnou, as respostas alternativas que preconiza, não indicou os meios de prova que sustentam no seu entender, as alterações pretendidas e não indica nas conclusões, com a indispensável precisão e clareza, quais os concretos factos que, afinal, em seu entender, deviam considerar-se provados ou que, tendo sido julgados não provados, deveriam considerar-se provados e com que redação.
Termos em que se rejeita a impugnação da decisão de facto por incumprimento do ónus impugnatório aludido.
*
III. 3. Apreciação jurídica.
Mantendo-se incólume a matéria de facto, cumpre reapreciar a decisão de mérito.
O Tribunal a quo adotou a seguinte fundamentação de direito:
«A ré não contesta que foi celebrado com a autora o contrato de mediação imobiliária que consta a fls. 6 v., reduzido a escrito e datado de 16 de agosto de 2021.
A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis – art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, que estabelece o regime jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária, entretanto já sujeita a revisão.
As empresas de mediação imobiliária podem ainda prestar serviços que não estejam legalmente atribuídos em exclusivo a outras profissões, de obtenção de documentação e de informação necessários à concretização dos negócios objeto dos contratos de mediação imobiliária que celebrem. 5 — Considera-se destinatário do serviço, para efeitos do número anterior, a pessoa ou entidade que celebra com o cliente da empresa de mediação imobiliária qualquer negócio por esta mediado. 6 — É designada por cliente a pessoa ou entidade que celebra com uma empresa habilitada nos termos da presente lei um contrato visando a prestação de serviços de mediação imobiliária – mesmo art. 2.º.
O contrato de mediação imobiliária é obrigatoriamente reduzido a escrito – art. 16.º, n.º 1. Do contrato consta o prazo e a forma de denunciar o mesmo, através de carta registada com aviso de receção – cfr. cl. 8.ª – o que não aconteceu, não constando da factualidade provada que as partes tenham revogado aquele acordo.
Portanto, ele mantinha-se em vigor à data em que os potenciais compradores desde o verão de 2021 ofereceram o valor a que o dito contrato faz referência, € 1 500.000. É verdade que decorreu algum tempo e que não há comunicações entre as partes a enviar a minuta do contrato-promessa em momento anterior - facto que seria revelador de um verdadeiro interesse -, mas não tendo alegado ou provado a ré que quando os potenciais compradores propuseram € 1 500 000 já a ré tinha desistido do negócio por o mesmo se ter arrastado, então temos de concluir que:
- Quando os potenciais compradores propuseram € 1 500 000 a que alude o contrato de mediação, esse contrato ainda se encontrava em vigor;
- A ré desistiu do negócio antes de ser celebrado o contrato-promessa ou contrato definitivo.
Ora, nos termos do art. 19.º do Regime jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária, aprovado pela Lei 15/2013, de 28 de fevereiro:
1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra. 2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.
No caso, é aplicável o n.º 2, pois que vigorava o regime de exclusividade e foi a ré que, havendo a aceitação do preço proposto de € 1 500 000 e a aceitação da realização da escritura, a ré desistiu.
Acontece que:
- A remuneração era, nos termos da cláusula 5.ª, n.º 2, do mesmo contrato, de € 50.000 mais IVA à taxa legal de 23%, o que perfaria € 61.500. Nos termos do n.º 3, a remuneração seria paga em duas vezes: 50% após o contrato-promessa; 50% restante com a escritura a cl. 5.ª.
Procedendo-se a uma interpretação literal da cláusula contratual seria de não dar razão à autora. Contudo, tendo a autora realizado o seu trabalho a ponto de ter encontrado interessado e, mantendo-se o contrato de mediação em vigor, o cliente/vendedor desiste do negócio, seria abusivo não aplicar o n.º 2 do art. 19.º já citado, pois que a cláusula contratual está prevista para situações em que os acontecimentos sigam o curso normal, promoção, encontro de cliente, outorga de contrato-promessa, outorga da compra e venda.»
Perante os factos provados, afigura-se que não se decidiu bem.
Vejamos.
Como se referiu, nos termos do Artigo 19º da Lei nº 15/2013, de 8.2.:
· A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, á a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
· É igualmente devida à empresa a remuneração acordado nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do imóvel. (destacado nosso).
Não sendo controvertido que no caso dos autos as partes estipularam “cláusula de exclusividade”, o que de essencial se discute nos autos, é apenas se a Autora pode exigir da Ré o pagamento da remuneração prevista no contrato, muito embora não tenha sido celebrado o contrato de compra e venda visado pela mediação por a Cliente ter, entretanto, decidido não vender o imóvel, rectius, por ter desistido da venda.
Acerca de tal questão, decidiu-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 05.06.2018[3], que aqui seguimos de perto, que:
“Esta questão tem vindo a ser analisada sob a nomenclatura de possibilidade da rescisão unilateral antecipada do contrato de mediação imobiliária, existindo duas correntes, uma no sentido da sua admissibilidade e outra que a rejeita.
Dentro da primeira orientação, argumenta-se que, ainda que não resulte diretamente da lei ou não prevista no contrato, “é de admitir a revogação do contrato de mediação imobiliária por ato unilateral como consequência da natureza do próprio negócio, por ser de presumir que o cliente não quer privar-se, além do mais, do direito de desistir do propósito de concluir o negócio promovido” (Acórdão da Relação do Porto de 8.7.2010, Filipe Caroço, 156880/09).
Invoca-se, ainda, o ensinamento de Vaz Serra, RLJ, Ano 100º, p. 340, quando afirmava a este propósito que «salvo estipulação em contrário, o contrato de mediação deve considerar-se revogável. Não se trata de uma aplicação analógica das regras do mandato e da comissão, mas de uma consequência da própria natureza do contrato, tal como ela é de presumir ser querida pelos contraentes (…)». Em sentido confluente, Maria de Fátima Ribeiro, “O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração”, in Scientia Jurídica, 2013, p.102.
Dentro desta orientação, ocorrendo a revogação unilateral por parte dos Réus, a autora/mediadora só poderá ter direito a eventual indemnização pelos danos sofridos pela revogação ou denúncia antecipada do contrato mas nunca à remuneração pretendida (cf. Acórdãos da Relação de Coimbra de 25.6.2013, Jacinto Meca, 400/12 e de 3.11.2015, Jorge Arcanjo, 115257/04, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2.6.2016, Ondina Alves, 266/14). Os concretos prejuízos decorrentes da rescisão antecipada têm de ser alegados pela mediadora e formulado o correspondente pedido indemnizatório (Acórdão da Relação do Porto de 9.7.2014, Maria João Areias, 387/12).
Desde já se adianta que a invocação do ensinamento de Vaz Serra é improfícua porquanto o mesmo escreveu numa altura em que não havia lei específica sobre o contrato de mediação imobiliária, tratando-se então de um contrato sem prazo, realidade totalmente distinta da atual.
Em sentido oposto, afirma-se desde logo que: «(…) a norma do art. 19, n.º 2, do RJAMI obriga o cliente a pagar a remuneração desde que, durante a vigência do contrato, o mediador lhe apresente um real interessado e o contrato não se concretize apenas por causa imputável ao cliente. Tanto significa que esta norma acopla às estipulações de exclusividade o efeito próprio de uma cláusula de irrevogabilidade. As cláusulas, embora conceitualmente divergentes, perante o regime jurídico português do contrato de mediação imobiliária convergem necessariamente» (Higina Castelo, Contrato de Mediação, Estudo das Prestações Principais, FDUNL, 2013, p. 389).
Conforme afirma Higina Castelo, Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, 2015, pp. 132-133:
«Provando a mediadora que efetuou com sucesso a sua prestação, poderá o cliente eximir-se à remuneração mediante a prova de que o contrato não se concretizou por causa que não lhe é imputável (porque, por exemplo, recebeu, entretanto e inesperadamente, uma ordem de expropriação, ou porque o terceiro não obteve o crédito necessário à realização do negócio).
A estipulação de exclusividade significa, como já dito, que, durante o período de vigência do contrato, o cliente não pode socorrer-se de outros mediadores nem, eventualmente, celebrar o contrato visado diretamente. O contrato de mediação com uma tal cláusula tem de ser respeitado durante todo o seu prazo, sendo inadmissível a sua cessação por decisão unilateral do cliente, sob pena de total ineficácia da cláusula. Sempre que quisesse celebrar o contrato com interessado angariado por outro mediador (ou por si, no caso de exclusividade absoluta), bastaria ao cliente revogar o encargo do mediador exclusivo. Ao contrato de mediação exclusivo não pode, portanto, ser posto termo unilateralmente e sem causa justificativa.
Questão diferente é a de saber se, durante a vigência do contrato, o cliente está vinculado à celebração do contrato fixado com o interessado que o mediador exclusivo lhe encontre, ou se pode desistir do contrato inicialmente desejado. Sem prejuízo da eventual responsabilidade pré-contratual em que incorra, o cliente pode desistir de celebrar o contrato desejado, mas não pode deixar de remunerar o mediador, caso se verifiquem as circunstâncias descritas na previsão do art. 19º, nº2» (bold nosso).
Confluindo neste sentido, afirmou-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.5.2016, Rosário Morgado, 2119/13, que o cliente pode livremente desistir da celebração do contrato visado, o que não pode, sem pagar a remuneração do mediador, é pôr fim ao contrato de mediação antes do seu aprazado termo, por declaração unilateral e imotivada.
Todavia, não basta à mediadora – na vigência do contrato – angariar um interessado nominal na celebração do contrato com as condições constantes do contrato de mediação para ter direito à remuneração nos termos do nº2 do artigo 19º. Conforme refere Higina Castelo, Contrato de Mediação, Estudo das Prestações Principais, FDUNL, 2013, pp. 387-388, «De enfatizar que a aplicação da norma contida no art. 19, n.º 2, do RJAMI implica, mais que a prova do cumprimento da obrigação do mediador – diligências no sentido da obtenção de um interessado –, a prova do sucesso desse cumprimento que satisfaz o interesse do credor – efetiva obtenção de um interessado, genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação» (bold nosso). E, mais adiante, p. 389, «Ora, a norma do art. 19, n.º 2, do RJAMI obriga o cliente a pagar a remuneração desde que, durante a vigência do contrato, o mediador lhe apresente um real interessado e o contrato não se concretize apenas por causa imputável ao cliente.» Esta ideia é reiterada em Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, p. 131, quando aí se afirma que a prova do sucesso do cumprimento por parte da mediadora exige a «efetiva obtenção de um interessado, genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação.»
Ora, no caso em apreço, não decorre dos factos provados que a Autora obteve e apresentou à Ré um real interessado na aquisição do imóvel nas condições acordadas, pelo que também não logrou demonstrar que o negócio só não se concretizou por causa imputável à Ré.
É certo que vem provado “por email de 7 de março de 2022, a autora comunicou ao representante da ré que os interessados em causa aceitaram pagar o valor entretanto pretendido pela R., de € 1.500.000, e propõe que marque data para a assinatura do contrato- promessa ou a escritura definitiva - fls. 41 (art.5 º da petição inicial)”. Tal comunicação não significa que efetivamente a Autora tivesse obtido um interessado na compra pelo valor indicado no contrato, como comunicou, e nas demais condições acordadas.
Certo é que se demonstrou que foi em 25 de agosto de 2021, que a Autora apresentou à R. AA e BB como potenciais compradores do imóvel referido no artigo primeiro - fls. (art.3.º da petição inicial), que após visita ao imóvel com os interessados, e porque os mesmos mostraram interesse na aquisição do imóvel, foram encetadas negociações com a R., tendo o legal representante da R. estabelecido as condições do negócio e sido elaborada a minuta de CPCV negociada com os potenciais compradores identificados que previa o preço de € 1 400 000– fls. 13/16 v. (art.4 º da petição inicial), que após o acordo verbal, os potenciais compradores pediram o conselho do seu advogado para apurar se o imóvel se encontraria abrangido pelo domínio público marítimo (art.18 º da contestação) e que apenas por email de 7 de março de 2022, a autora comunica ao representante da ré que os interessados em causa aceitaram pagar o valor entretanto pretendido pela R., de € 1.500.000, e propõe que marque data para a assinatura do contrato-promessa ou a escritura definitiva - fls. 41 (art.5 º da petição inicial).
Porém, vem ainda provado que a R. chegou a negociar uma minuta de contrato promessa de compra e venda cerca de um ano depois do primeiro contacto dos potenciais compradores (art.25 º da contestação) - o que, nos termos dos factos provados, significa agosto de 2022 - sendo que tal contrato promessa não chegou a ser celebrado.
Ora, perante a versão dos factos apresentada pela Ré, de que os potenciais compradores não concluíram as negociações recusando-se a aceitar as condições contratuais, e transferir os fundos necessários para o pagamento do sinal, e de que face a este novo recuo dos potenciais compradores, cansada de mais um adiamento, entendeu legitimamente, que não pretendia prosseguir como o negócio, a comunicação que se provou não demonstra efetiva obtenção de um interessado, genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação.
É que não pode olvidar-se que a Ré assegurou a sua posição no contrato, fazendo do mesmo constar que o pagamento da remuneração apenas seria devido, 50% com a celebração do contrato promessa e o remanescente com a celebração da escritura.[4]
E nenhum deles foi celebrado, sem que se tenha apurado se apenas o não foram por causa imputável à Ré, ou seja, se efetivamente a Autora angariou interessado disponível para celebrar os mencionados documentos nos termos acordados.
Flui de todo o exposto que a Autora, na qualidade de mediadora, não logrou demonstrar que, na vigência do contrato, angariou um interessado genuíno e real, disposto a comprar a fração nas condições vertidas no contrato de mediação, mas apenas que comunicou à Ré que assim sucedeu.
Perante a sucumbência da prova de um facto constitutivo do direito invocado pela autora (angariação de um interessado real e genuíno na celebração da compra e venda na vigência do contrato de mediação), deve a ação improceder no que tange à comissão de venda (cf. art. 342º, nº1, do Código Civil).
*
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em julgar a apelação procedente, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se a Ré do pedido.
Custas pela Apelada (artigos 527º, nº1 do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.
Évora, 11-01-2024
Ana Pessoa
Graça Araújo
Maria Adelaide Domingos
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[1] No qual se uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”
[2] Proferido no âmbito do processo n.º 85/17.0T8VFX.L1-7.
[3] 3. O pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições:
O total da remuneração aquando da celebração da Escritura ou conclusão do negócio visado.
X 30% Após a celebração do Contrato-Promessa e o remanescente de 50% na celebração da Escritura ou conclusão do negócio.
O total da remuneração aquando da celebração do Contrato-Promessa.