MANDATÁRIO JUDICIAL
TRANSACÇÃO
PRAZO DE ARGUIÇÃO DA NULIDADE
SANAÇÃO DA NULIDADE
Sumário


1. A norma do art. 291.º n.º 3 do Código de Processo Civil aplica-se a situações de falta de poderes do mandatário judicial ou de irregularidade do mandato, para a celebração de actos de confissão, desistência ou transacção.
2. Não se aplica a situações em que a própria mandante está presente na audiência, e ela mesmo celebra a transacção, estando acompanhada pela sua mandatária, que ali estava para a aconselhar e patrocinar, podendo, inclusive, invocar qualquer nulidade que vislumbrasse estar a ser praticada.
3. O prazo para arguição da falsidade do acto judicial é de 10 dias a contar daquele em que deva entender-se que teve conhecimento do acto.
4. Se a mandante, acompanhada pela sua mandatária, estava presente na audiência onde foi celebrado o acordo relativo à alteração do exercício das responsabilidades parentais relativas à sua filha menor, se pretender arguir a falsidade desse acto porque, ao contrário do que consta da acta, não terá dado o seu assentimento a tal acordo, deve arguir a falsidade do acto judicial, no prazo de 10 dias a contar da realização dessa audiência.
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral


Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Tendo o Relator proferido Decisão Singular negando provimento ao recurso interposto por BB (mãe), requer esta que recaia Acórdão, nos termos do art. 652.º n.º 3 do Código de Processo Civil.
A essa tarefa nos dedicamos agora.

Vejamos primeiro o teor da Decisão Singular proferida pelo Relator:
«Recurso tempestivo, recebido na forma e com o efeito adequados.

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No Juízo de Família e Menores de Setúbal, procedeu-se à regulação das responsabilidades parentais relativamente à menor AA, nascida a …/…/2009, filha de BB (mãe) e de Código Civil (pai).
A regulação está pendente desde Outubro de 2009, tem passado por diversas decisões, incidentes e recursos, mas vamos ao que se passou no apenso J – que nem sequer é o último, o sistema Citius revela que já foi autuado o apenso R…
Este apenso J teve início com um requerimento da mãe de 28.10.2019, pelo qual requereu a alteração da regulação das responsabilidades parentais.
Após o pai ter apresentado as suas alegações, realizou-se conferência de pais, sem acordo.
Seguiu-se prova pericial, alegações dos progenitores e apresentação de prova, e foi designada data para audiência de julgamento, inicialmente designada para 13.09.2022 e depois adiada para 17.10.2022.

Vejamos o teor da acta dessa audiência:
«(…) efectuada a chamada, verifiquei o seguinte quanto aos intervenientes:
Presentes: A Menor, a sua Ilustre Defensora Oficiosa, a Requerente, a sua Ilustre Mandatária, o Requerido, a sua Ilustre Mandatária e a técnica da Segurança Social, Dr.ª …
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Quando eram 10horas e 25minutos e não antes por a menor ter tido prévio contacto com a sua Ilustre Defensora Oficiosa a pedido da mesma, dei conhecimento à Mm.ª Juíza do rol de presenças, tendo em seguida pela mesma sido declarada aberta a presente Conferência e ordenada a gravação da diligência, ao que se procedeu de imediato.
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Uma vez que por motivos técnicos, a sala para audição dos menores, não se encontra ainda preparada para a sua devida utilização, a menor foi ouvida na sala de audiências, a título excepcional, para o qual se pediu o aval da Digníssima Procuradora e das Il. Advogadas presentes e, a pedido da Jovem, na presença da Sr.ª Técnica, não obstante ter advogada nomeada, sobre o qual, os presentes nada tiveram a opor ou a requerer.
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De seguida, a Mm.ª Juíza passou a ouvir a menor, na presença da Digníssima Procuradora, da técnica da Segurança Social, da sua Ilustre Defensora Oficiosa e das Ilustres Mandatárias das partes, tendo as suas declarações ficado devidamente gravadas no sistema «H@bilus Media Studio».
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Terminada que foi a audição da menor e já na ausência desta e da técnica da Segurança Social, a Mm.ª Juíza passou a ouvir os progenitores, tendo estes prestado declarações.
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Atentas as declarações da AA e ouvidos os progenitores, estes concordaram em respeitar a vontade da filha de ambos e chegaram a acordo quanto à alteração do exercício das responsabilidades parentais relativas à menor AA, pelo que, pela Mm.ª Juíza foi ditado o seguinte:
ACORDO
1. A AA ficará entregue à guarda, cuidados e responsabilidades do pai, com quem fica a residir (na Bélgica).
As questões de rotina diária da AA serão da responsabilidade exclusiva do progenitor.
2. Os progenitores exercerão conjuntamente as responsabilidades parentais relativamente às questões de particular importância para a vida da AA tais como saúde, educação, actividades de lazer, actividades extra curriculares, actividades desportivas e de formação moral e religiosa da filha, por escrito, via email/whatsapp. Salvo em situações de urgência manifesta, onde cada progenitor tomará a decisão, devendo com a maior brevidade possível prestar as devidas informações ao outro por escrito.
3. A título de pensão de alimentos devida à menor a mãe pagará mensalmente a quantia de 130 euros até ao dia 8 de cada mês por transferência bancária para a conta do pai com o IBAN …, sem prejuízo e verificando-se o cumprimento do artigo 48º do RGPTC, sendo que a pensão de alimentos anteriormente fixada e em vigor já estava a ser descontada do vencimento da mãe, ordena-se que assim se mantenha.
Tal pensão de alimentos deverá ser anualmente actualizada de acordo com a taxa de inflação publicada pelo INE, em Janeiro de cada ano, com a taxa relativa ao ano anterior.
4. As despesas escolares e de saúde, médicas e medicamentosas obrigatórias com a menor, serão custeadas na proporção de 50% por cada um dos progenitores. O progenitor apresentará a factura com o número de contribuinte da menor à progenitora e essa despesa terá de ser paga na proporção de 50% pela mesma, no prazo máximo de 30 dias ao mês seguinte à sua apresentação, por transferência bancária para o IBAN acima indicado.
Todas as demais despesas e decisões a tomar sobre a vida da criança serão decididas conjuntamente por ambos os progenitores, por escrito, via email/whatsapp, de modo a serem pagas as respectivas despesas na proporção de 50% por cada um dos progenitores.
5. A título de visitas/convívios/férias/épocas festivas, uma vez que a AA se encontrará a residir na Bélgica, a mãe poderá livremente combinar com a AA, mediante a sua vontade e disponibilidade, todos os períodos que a pretende ter consigo, devendo a AA dar a sua anuência, por escrito, e devendo a mãe informar, via email/whatsapp, o pai dos períodos de visita/convívios/férias/épocas festivas que pretenda e tenha vontade de estar com a filha e esta aceite e concorde em estar consigo.
6. Sem prejuízo das questões de educação serem decididas conjuntamente por ambos progenitores, o pai exercerá o cargo de encarregado de educação da AA, devendo dar o devido conhecimento à mãe por escrito, via email, de todas as informações que lhe sejam prestadas no exercício desse cargo.
7. Os pais autorizam desde já, expressamente, que a menor poderá transitar de um país para o outro, dentro do espaço Schengen, desde que seja acompanhada por um dos dois, por um terceiro familiar ou por terceiro com autorização expressa do pai, e, desde que, com antecedência informem o outro progenitor para onde vão e pelo tempo em que a AA se desloca do País de residência.
Qualquer deslocação da menor para fora do espaço Schengen, carece de autorização expressa e por escrito, e com assinaturas reconhecidas, de ambos os progenitores.
8. A AA neste momento tem número de telefone próprio, +32…, com conta do whatsapp e ficará o pai obrigado a caso este número e conta do whatsapp se altere, a informar, por escrito e via email, tal alteração à Mãe.
A AA poderá falar deste número acima indicado, com a mãe, enviar mensagens ou ligar, sempre que quiser e poder, bem como, a mãe poderá fazer o mesmo, caso queira e possa contactar a filha.
*****
Mais se obrigam os progenitores a manter os seguintes contactos:
Mãe: telm:…; email: ...@gmail.com;
Pai: telm: +32…; email: ...@hotmail.com;
E a não mudá-los sem aviso prévio, com comunicação ao tribunal no prazo de 5 dias da alteração, bem como a usá-los para estabelecerem comunicação e resolverem entre si todas as questões emergentes do regime de exercício das responsabilidades parentais do filho.
*****
De seguida, foi dada a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, que no seu uso fez a seguinte:
PROMOÇÃO
"O acordo quanto à alteração da regulação das responsabilidades parentais ora alcançado pelos progenitores da menor AA, mostra-se válido quer quanto ao seu objecto, quer quanto à qualidade dos intervenientes.
Assim uma vez que o mesmo satisfaz, suficientemente, os interesses da menor, o Ministério Público nada tem a opor a que o mesmo seja homologado por sentença, condenando-se os pais a cumpri-lo nos seus precisos termos."
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Neste momento, pela Mm.ª Juíza foi dada a palavra às Il. Advogadas presentes e pelas mesmas foi dito nada terem a opor ou a requerer, prescindindo, no entanto, do prazo de recurso e ao qual a Exma.ª Procuradora nada teve a opor.
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Após, pela Mm.ª Juíza de Direito, foi proferido a seguinte:
SENTENÇA
"Em conformidade com as declarações prestadas por ambos os Progenitores e atenta a douta promoção, julgo válido o acordo aqui firmado relativamente à alteração das responsabilidades parentais de AA, o qual, homologo nos exactos termos aqui declarados e firmados, pela presente sentença, condenando ambos os progenitores, a cumpri-lo nos seus precisos termos (cf. Artigos nºs 283º nº 2, 284º, 285º, 290º nºs 1 e 4 do CPC e art.º 37º nº 2 do RGPTC).
Registe e notifique.
Custas por ambos, em partes iguais.
Cumpra-se o disposto no art.º 78º do C. Registo Civil.
Dê a imediata baixa da presente decisão no Citius.
Valor do Processo: 30.000,01€.
Não se enviará cópia da presente acta aos progenitores por e-mail por estes se fazerem acompanhar de Mandatários.
Uma vez que pelas partes foi dito que prescindem do prazo de recurso, sendo que consultada a Digna Magistrada do Ministério Público, a mesma disse prescindir também do dito prazo legal, declaro a presente sentença transitada, de imediato, em julgado."
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Da presente sentença foram notificados todos os presentes, do que se disseram ficar cientes.
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Nesta altura, a Mm.ª Juíza chamou a menor à sua presença de modo a explicar o acordo ora estabelecido e, pelas 11horas e 38 minutos, declarou encerrada a Conferência, da qual, para constar, se lavrou a presente acta, que lida e achada conforme, vai ser devidamente assinada.»

Após, o apenso J foi remetido à conta, foi lavrado pelo contador “termo de dispensa da conta”, de que os mandatários dos progenitores foram notificados por comunicação electrónica expedida em 05.12.2022, nada dizendo, e foram colocados vistos em correição, em 21.12.2022.
Porém, o apenso J não terminou por aí.
Vejamos, data a data, o que se passou depois, de relevante para a decisão do nosso recurso:
- 18.01.2023 – requerimento do pai para a entidade patronal da mãe ser notificada do acordo quanto à prestação de alimentos, requerimento este notificado à Ilustre Mandatária da mãe, que nada disse;
- 13.03.2023 – a mãe junta procuração forense a favor de outro Ilustre Mandatário;
- 16.03.2023 – a mãe requer “a cedência da gravação das declarações da menor” bem como “a gravação de toda a conferência realizada, envolvendo, nomeadamente, as audições dos progenitores que conduziram ao acordo de responsabilidades parentais alcançado”;
- 31.03.2023 – a mãe insiste no anterior requerimento;
- 04.04.2023 – a mãe junta requerimento pelo qual revoga o mandato forense que havia conferido à sua anterior Ilustre Mandatária;
- 20.04.2023 – despacho judicial que defere o pedido do pai de notificação à entidade patronal da mãe do acordo quanto à prestação de alimentos e, quanto ao acesso à gravação, determina que os restantes intervenientes processuais manifestem a sua vontade quanto a esse pedido;
- 22.04.2023 – requerimento da mãe no qual refere dificuldades de contacto com a sua filha, pedindo que seja remarcada a audiência de julgamento;
- 28.04.2023 – requerimento do pai, a opor-se;
- 17.05.2023 – despacho judicial a ordenar vista ao MP;
- 20.07.2023 – requerimento da mãe a interpor recurso para o Tribunal Constitucional de um despacho de 13.07.2023 (não documentado nem notificado neste apenso J);
- 20.07.2023 – outro requerimento da mãe, onde insiste nos anteriores requerimentos quanto ao acesso à gravação;
- 12.09.2023 – despacho judicial que defere o acesso às gravações, que indefere o recurso para o Tribunal Constitucional e, entendendo que os requerimentos configuravam um eventual incumprimento ou nova alteração da regulação das responsabilidades parentais, a fim de tentar solucionar o conflito, designa o dia 02.10.2023 para nova conferência de pais;
- 20.09.2023 – notificação do aludido despacho;
- 02.10.2023 – conferência de pais, sem acordo, na qual se determina o desentranhamento do requerimento de alteração à regulação das responsabilidades parentais e a criação de novo apenso;
- 04.03.2024 – requerimento da mãe, pedindo a declaração de nulidade do acordo de responsabilidades parentais e da sentença homologatória do mesmo, e ainda que esse acordo e a sentença homologatória sejam notificados pessoalmente à requerente por carta registada e A/R, com a cominação prevista no art. 291.º n.º 3 do CPC;
- 07.03.2024 – requerimento do pai a opor-se e a pedir o desentranhamento do anterior requerimento;
- 12.03.2024 – requerimento da mãe a insistir, pedindo ainda a condenação do pai como litigante de má fé e a condenação da Ilustre Mandatária deste como tendo responsabilidade pessoal e directa no acto;
- 04.04.2024 – despacho recorrido, com o seguinte teor: “Requerimentos que antecedem: Pese embora o alegado pela Requerente, considera-se que tendo estado a mesma presente na conferência em que foi alcançado o acordo, homologado por sentença, na qual se renunciou ao prazo de recurso, tendo transitado a sentença em julgado, não assiste a razão à Requerente, pelo que se indefere todo o requerido, por falta de fundamento legal.”

Eis, pois, o iter processual que nos conduz ao presente recurso.
A mãe recorre no dito despacho de 04.04.2024 e conclui:
(…)

Apreciemos então o recurso.
Os factos a ponderar na decisão são os constantes do relatório supra elaborado.
Seremos necessariamente sucintos, uma vez que a matéria em discussão é manifestamente simples e não merece maiores desenvolvimentos, que seriam absolutamente espúrios e inúteis.
A Recorrente parece partir do pressuposto que a irregularidade por si invocada se enquadra no disposto no art. 291.º do Código de Processo Civil, e que a pode invocar a qualquer tempo, independentemente dos actos por si já praticados no processo depois da audiência de 17.10.2022.
Mas não é assim.
Recordando que prevalece a regra do art. 199.º n.º 1 do Código de Processo Civil – a parte estava presente na audiência, acompanhada da sua Ilustre Mandatária, portanto, se tinha alguma arguição de nulidade a apresentar, era nesse acto que o fazia – também temos a recordar que a hipótese do art. 291.º n.º 3 do Código de Processo Civil não tem aplicação, pois a parte estava pessoalmente presente, acompanhada da sua Ilustre Mandatária.
Logo, a questão também não é de falta de poderes do mandatário judicial, pois a parte pode efectuar, pessoalmente, porque está no livre exercício dos seus direitos, actos de confissão, desistência ou de transacção.
A arguição da parte parece centrar-se na falsidade do acto judicial – afirma que “esteve presente na conferência de pais mas não disse expressamente que concordava com o acordo nem com a renúncia ao recurso”.
A ser assim, o seu caminho era a arguição da falsidade do acto judicial, no prazo de 10 dias a contar daquele em que deva entender-se que teve conhecimento do acto – art. 451.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
O caso dos autos é semelhante ao que foi decidido no Acórdão da Relação de Guimarães de 30.11.2022 (Proc. 2/22.6T8CHV.G1), publicado em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário:
“1- A acta de conferência de progenitores que explana o acordo quanto ao exercício das responsabilidades parentais, na medida em que explana o conteúdo de um acto presidido pelo juiz, que a assinou, consubstancia um documento autêntico, pelo que, salvo invocação da respectiva falsidade, a ser deduzido mediante o incidente de falsidade de acto judicial a que alude o art. 451º do CPC, ou em recurso extraordinário de revisão (art. 696º, al. b) do CPC), essa acta faz prova plena de todos os factos que nela constam exarados como tendo sido praticados e/ou percepcionados pelo juiz que presidiu a essa conferência.
2- Consequentemente, pretendendo a recorrente invocar que, contrariamente ao que consta nessa acta, não deu o seu assentimento ao acordo que se encontra consignado naquela acta e que foi homologado mediante a prolação da sentença recorrida, o meio de reacção não é o recurso, mas sim o incidente de falsidade de acto judicial previsto no art. 451º do CPC, que terá de ser deduzido no prazo de dez dias, a contar da realização dessa conferência (onde a recorrente esteve presente e onde, consequentemente, teve conhecimento que na acta ficou consignado que a mesma deu o seu assentimento ao acordo que nela ficou exarado e que, inclusivamente, esse acordo foi homologado mediante a prolação da sentença recorrida), ou o recurso extraordinário de revisão.”
No mesmo sentido, veja-se também o Acórdão da Relação de Lisboa de 16.05.2019 (Proc. 148/17.2T8AGH.L1-6), também publicado no site da DGSI, concluindo que o termo inicial do prazo geral de dez dias a que alude o art. 451.º n.º 2 do Código de Processo Civil conta-se a partir da notificação do acto judicial cuja falsidade lhe é atribuída.
No caso, a Recorrente esteve presente na audiência de 17.10.2022, e os actos que foi praticando ao longo dos autos após esse acto – que acima tivemos o cuidado de documentar – revelam que teve conhecimento pleno desse acto.
Logo, quando se apresentou em 04.03.2024 a requerer a declaração de nulidade do acordo de responsabilidades parentais e da sentença homologatória do mesmo, há muito que estava esgotado o prazo de 10 dias a que se refere o art. 451.º n.º 2 do Código de Processo Civil, motivo pelo qual sempre o seu requerimento teria de ser indeferido, por extemporaneidade.
A Recorrente argumenta com várias inconstitucionalidades, mas diremos o seguinte:
- o despacho está fundamentado, de forma sucinta, mas a necessária para justificar a decisão de indeferimento: a parte esteve presente na conferência em que foi alcançado o acordo, homologado por sentença, na qual se renunciou ao prazo de recurso, tendo transitado a sentença em julgado, pelo que indeferiu o requerido por falta de fundamento legal;
- o argumento apresentado baseia-se, pois, no trânsito em julgado da sentença de homologação do acordo, fundamento este com suficiente suporte no princípio constitucional da confiança e da segurança jurídica, inerente ao Estado de Direito;
- como se escreve no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 192/2022, reproduzindo o Acórdão n.º 151/2015, “O princípio da segurança e certeza jurídica, inerente ao modelo do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição, no âmbito dos actos jurisdicionais, justifica o instituto do caso julgado, o qual se baseia na necessidade da estabilidade definitiva das decisões judiciais transitadas em julgado. Daí que seja reconhecida, enquanto subprincípio, a intangibilidade do caso julgado, revelado em preceitos constitucionais como o artigo 29.º, n.º 4, e 282.º, n.º 3, o qual também abrange o denominado caso julgado formal, relativo às decisões que têm por objecto a relação processual (…). Se a intangibilidade do caso julgado formal, que torna as decisões judiciais transitadas em julgado, proferidas ao longo do processo, insusceptíveis de serem modificadas, tem como finalidade imediata assegurar a disciplina da tramitação processual, uma vez que seria caótico e dificilmente atingiria os seus objectivos o processo cujas decisões interlocutórias não se fixassem com o seu trânsito, permitindo um interminável refazer do percurso processual, não deixa esse subprincípio de ter como fundamento último os valores imanentes ao Estado de direito democrático da segurança e da certeza jurídica”;
- o acordo de responsabilidades parentais não é nulo porque não foi lavrado apenas pela Ilustre Mandatária da Requerente, também o foi pela própria Requerente, que estava presente no acto, e esta dispõe da capacidade de exercício dos seus direitos para decidir conforme melhor lhe aprouver.
Enfim, nada mais havendo a dizer quanto aos argumentos aduzidos pela Recorrente, resta-nos confirmar o decidido.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso, com confirmação do despacho recorrido.
Custas pela Recorrente, sem prejuízo de eventual apoio judiciário que a beneficie.»
***

Transcrito o teor da Decisão Singular, a Recorrente requer que recaia Acórdão, argumentando, no essencial, com o seguinte:
- há uma denegação de justiça evidente em relação à recorrente através da decisão sumária proferida, violando o art. 20.º da CRP;
- a recorrente não tem competência técnica para, estando pessoalmente presente quando foi proferida a sentença homologatória no caso sub-judice, invocar a falsidade do acto;
- é por isso que o art. 291.º n.º 3 do CP, que constitui uma nulidade especial, confere garantias reforçadas e excepcionais ao mandante para, em caso de transacção, conferir ao mandatário procuração com poderes especiais para que este, mediante este mandato especial, seja soberano na matéria sujeita à transacção;
- tal serve precisamente para evitar que, em casos sub-judice como o presente, em que a recorrente não emitiu procuração com poderes especiais ao mandatário se crie um bloqueio garantístico na esfera da ora recorrente;
- suponha-se que a A. pretendia resolver a questão da falta de notificação pessoal do acordo de responsabilidades do caso sub-judice através de um recurso de revisão;
- já não o poderia fazer porque se considera que a sentença transitou em julgado imediatamente, mostrando-se ultrapassado o prazo para interpor o recurso de revisão fixado no artigo 697.º, n.º 2, do CPC;
- a recorrente também não podia arguir a nulidade da sentença porque decorreram mais de 10 dias sobre a data em que foi proferida e terá tido conhecimento pessoal da mesma, como refere a decisão sumária;
- tudo porque se considerou que o trânsito em julgado se verificou por força da notificação da sentença homologatória da transacção ao seu mandatário, omitindo-se a notificação pessoal ao mandante, nos termos e para os efeitos do artigo 291.º, n.º 3, do CPC.
- a solução garantística de forma a preservar os direitos da recorrente é notificar pessoalmente a mesma do acordo e sentença homologatória, declarando esta nula ou, se assim não se entender, anular o processado posterior à sentença, nos termos do artigo 195.º n.º 1 do CPC, de forma a efectuar aquela notificação pessoal prévia e garantir a boa decisão da causa.
- recorde-se o que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.02.2017 refere, em parte, sobre a matéria: “O incumprimento pelo tribunal da relação do disposto no art.º 655.º n.º 1 do CPC é susceptível de integrar a prática da nulidade processual prevista no art.º 195.º n.º 1 do mesmo diploma legal, pois foi omitido um acto que a lei prescreve, que consistia em dar a possibilidade às partes de exercer o contraditório. 2. A intensidade desta violação é tal, uma vez que se trata de um princípio estruturante do direito processual civil, que a decisão final ao dar cobertura a esse desvio processual acaba por assumi-lo, ficando ela própria contaminada. 3. Esta nulidade processual coberta pelo acórdão, ainda que não se configure como uma das nulidades previstas no art.º 615.º n.º 1 do CPC, acaba por inquinar o mesmo, ferindo-o de nulidade”;
- só assim fica preservado o direito de acesso aos tribunais por parte da ora recorrente, nos termos do artigo 20.º CRP;
- em virtude do ora reclamado, a recorrente reafirma que o pretenso acordo de responsabilidades parentais e a homologação do mesmo através de sentença, na verdade uma decisão judicial sob a aparência de um acordo, violou o artigo 20º da CRP e também o artigo 36º nº 6 da mesma lei fundamental.
- a decisão sumária considera também que o despacho de que se recorreu está fundamentado, ainda que “de forma sucinta”;
- no entanto, é a decisão sumária que verdadeiramente o fundamenta, substituindo-se ao tribunal a quo, o que não pode fazer;
- reafirma-se, assim, a inconstitucionalidade do despacho a quo por violação do dever de fundamentação.

Apreciando a reclamação deduzida, temos a repetir, quanto à arguição de nulidade fundada no art. 291.º n.º 3 do Código de Processo Civil, que a situação dos autos não se enquadra nesse normativo.
A Recorrente esteve presente na audiência de 17.10.2022, acompanhada da sua Ilustre Mandatária.
A norma do art. 291.º n.º 3 do Código de Processo Civil aplica-se a situações de falta de poderes do mandatário judicial ou de irregularidade do mandato, para a celebração de actos de confissão, desistência ou transacção. Neste caso, o mandante que não outorgou o acto praticado pelo seu mandatário, é notificado pessoalmente, com a cominação de, nada dizendo, o acto se haver por ratificado e a nulidade suprida; se declarar que não ratifica o acto do mandatário, este não produz quanto a si qualquer efeito.
Mas esse não foi o caso, pois na audiência a própria mandante presente, e é ela quem celebra o acordo, não a sua mandatária, que ali estava para a aconselhar e patrocinar, podendo, inclusive, invocar qualquer nulidade que vislumbrasse estar a ser praticada.
Se agora está arrependida do acordo celebrado naquela audiência, sibi imputet.
A parte refere também a ocorrência de uma nulidade processual, ao ser proferida a Decisão Singular, por incumprimento do direito de contraditório, nos termos do art. 655.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
Equivoca-se, certamente, pois a norma em causa respeita à decisão de não conhecimento do objecto do recurso. Não foi isso que se passou, o recurso foi admitido e o seu objecto foi conhecido, através de Decisão Singular do Relator, como outra norma, esta o art. 656.º do Código de Processo Civil, expressamente o permite.
Quanto ao demais, remete o Colectivo para a Decisão Singular, cujos termos adopta.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o despacho recorrido.
Custas pela Recorrente, sem prejuízo de eventual apoio judiciário que a beneficie.

Évora, 11 de Julho de 2024
Mário Branco Coelho (Relator)
Manuel Bargado
Ana Pessoa