1. Na acção a que se refere o art. 15.º da Lei 54/2005, para reconhecimento de direitos adquiridos por particulares sobre parcelas de leitos e margens públicos, atento o carácter excepcional dessa acção e a natureza de “coisa pública” do bem em causa, a prova documental deve ser segura, directa e sem margem para qualquer dúvida.
2. O interessado tem sempre o dever de demonstrar qual o exacto terreno sobre o qual pretende obter o afastamento da presunção de dominialidade, e que foi sobre esse mesmo terreno que o direito de propriedade privada foi exercido desde antes de 1864.
3. Não pode ser afastada essa presunção de dominialidade se o documento essencial apresentado – uma escritura de aquisição de 1851 – não refere um confrontação directa com o mar, mas antes com “rocha do mar”, o que nos remete para uma costa rochosa.
4. Visto que não está demonstrada qual a composição e largura dessa costa rochosa, que na data daquela escritura se interpunha entre o terreno e o mar – costa rochosa que ainda hoje existe naquele local – ou sequer que o direito de propriedade foi exercido sobre essa faixa rochosa de terreno, não pode a acção proceder.
(Sumário elaborado pelo relator)
E AINDA: Os prédios objecto de transacção em 1964 (fls. 117 v.) 1962, 1961 (fls. 72 v./88), 1882 (fls. 163 v.), 1951 (fls. 34 v.) situam-se na mesma área geográfica do que agora é dos autores e que podem coincidir em parte com a área do prédio actual; - Foram transaccionados terrenos privados, Mas já não que aqueles, objecto de transacção, têm a mesma localização e correspondem à mesma exacta área geográfica do dos autores, ou que correspondam ao que é hoje o descrito com o n.º 162....
b) A sentença recorrida considera, assim, que os factos, provados, são insuficientes para se reconhecer que os prédios eram propriedade privada antes de Março de 1868, por não se mostrarem verificados os pressupostos do artigo 15.º n. 2, da Lei 54/2005, mas nada diz quanto à previsão do art.º 15.º n. 3, da Lei 54/2005; com efeito
c) Foi provado que o prédio 162... esteve descrito sob o n.º 86... e foi formado pelos descritos sob os nºs. 58... a fls. 151, 58... a fls. 159 v., 58... a fls. 161 e 58... a fls. 161v, todos do livro B-15; e 64... a fls.66, do livro B-17, da referida Conservatória (arts. 5.º, 9.º a 11.º da petição inicial).
d) Este prédio resulta da desanexação, de uma parcela da parte rústica do prédio descrito sob o n.º 57... a fls. 126vº do Livro B15
e) Inscrito a favor de CC, solteira, maior, por lhe ter ficado a pertencer na qualidade de herdeira do remanescente dos bens deixados, em testamento, por DD, juiz de Direito aposentado
f) O DD era filho de EE e de FF – fls. 28/30 v. (art. 22.º da petição inicial) e neto paterno de GG e HH.
g) Deixou em testamento os seus bens à afilhada CC (com exclusão de alguns deixados ao caseiro, de que a afilhada ficou usufrutuária)
h) Entre os quais o depois descrito sob o n.º 57....
i) Ao compararmos as confrontações deste prédio com as do terreno adquirido em 1851 pelo avô do testador, temos que ambos confrontam a Norte com uma via pública (Caminho ou Estrada); a Sul com o mar (ou rocha do mar); divergem nas confrontações a Poente e a Nascente; mas
j) Ao efectuar-se a desanexação que deu origem ao prédio 58..., este manteve as características de prédio misto, e as confrontações a norte com via pública (caminho); de Sul, com o mar,; de Nascente com a herdeira do DD (CC) ; e só a de Poente teve uma alteração de titular a favor de II, como resultado de possíveis aquisições ( normais na vida negocial , por natureza, dinâmica) do prédio confinante.
k) Na sua composição e culturas, poucas diferenças houve no decurso dos 98 anos decorridos entre 1851 e 1948, quando foi elaborado o testamento cerrado do DD, pois se, na data mais antiga , já se descreviam culturas de Vinha e Figueiras, já no testamento cerrado se falava da “cerca com vinha e árvores de fruto”, bem como da “parte da propriedade com figueiras”, ambas as parcelas excluídas da doação ao caseiro.
l) Assim, o prédio adquirido por GG em 1851 é o mesmo que o 57..., e tal matéria deveria ter sido considerada provada, pelo que aqui ocorreu erro de julgamento.
m) Ficou provado que NN, primeira mulher de MM faleceu em 9 de Abril de 1864, tendo sido aberto Inventário no Tribunal de Albufeira.
n) No Inventário, foi adjudicado ao cônjuge sobrevivo
Uma fazenda no referido sítio das Areias de São João, chamada o Paço da Areia, que consta de figueiras e vinha, e as mais árvores que na mesma se acharem,, que parte do nascente com …; do Norte e poente com estradas, e sul com … e com quem mais deve e haja de partir e confrontar, foreiro a metade da parte do poente em quinhentos e trinta e três reis aos herdeiros de …, de Lisboa, com a natureza de fateosim foral, que deve parar em poder dos directos senhorios, e sendo bem vista e examinada pelos louvados, calcularam o seu rendimento líquido anual, em dois mil e quinhentos réis, e avaliaram o referido foro, em cinquenta mil réis”
o) MM, e sua segunda mulher OO, venderam um prédio a EE, pai do DD, que é:
“…uma propriedade rústica no sítio das Areias de São João, desta freguesia, que houveram em meação no inventário orfanológico a que se procedeu por óbito de sua falecida mulher e antecessora NN, e consta de terras de semear e figueiras, partindo do nascente, com …, Sul com …, Norte e poente com estradas e com quem mais deva e haja de partir e confrontar, foreira em quinhentos e trinta a três reis anuais a dona ….”
p) Prédio que o MM recebeu em meação por óbito da 1.ª mulher
q) Verificadas as confrontações, coincidem a Norte e Poente, sendo que a Sul confronta, não já com os …, mas com …, MAS, mantendo-se o foro nessa família …; só a Nascente diverge, como resultado de possíveis aquisições ( normais na vida negocial , por natureza, dinâmica) do prédio confinante.
r) Trata-se, obviamente, do mesmo prédio herdado em 1864, que veio a ser descrito sob o n.º 58..., e do qual veio a ser desanexado o prédio n.º 58..., um dos que, após anexação, integrou o prédio actual.
s) Tal como o prédio n.º 58..., daquele 58... também destacado.
t) Por escritura de venda de bens de raiz, de 24 de Abril de 1851, celebrada entre GG e mulher (os avós do DD), e QQ foi alienado o seguinte prédio: “… fazenda no sítio da Oira, nas Areias de São João, desta freguesia, que consta de vinha e figueiras, isenta, que confronta do nascente com o dito comprador, do poente com PP, desta vila, do norte com estrada, e do sul com rocha do mar.”
u) Tendo em conta o provado nos pontos 35 a 42 da sentença, podemos assegurar com respeito pelas regras da experiência comum, que, em 1851, PP possuía um terreno confinante com o indicado em 19, e que o referido terreno foi sucessivamente transmitido ao filho RR; e ao neto SS.
v) SS era casado com TT, filha de …, e irmã de …, que veio a casar com …, com convenção antenupcial , em 11 de Junho de 1904
w) Nesta, o noivo leva para o casal “… uma fazenda no sítio das Areias de São João, desta freguesia de Albufeira, que se compõe de terra de semear com figueiras e vinha, que confina do nascente com EE; do norte, com o mesmo EE e …; Poente com SS, … e outro; e Sul, com rocha do Mar, foreira em sessenta réis anuais a quem pertencer”
x) Por seu turno, o prédio n.º 57..., aparece descrito como “... prédio rústico, no sítio das Areias de São João, da freguesia e concelho de Albufeira, que se compõe de terra de semear e vinha, a confrontar do nascente com DD, de Norte com o mesmo e outro, do Poente com …, … e … e outros; e do Sul, com mar …
y) Do confronto das características dos prédios em 22) e 23) achamos coincidências marcantes:
i. Ambos de terra de semear e vinha
ii. Confrontação a Nascente com DD
iii. Confrontação a Norte com DD e Outro (…?)
iv. Confrontação a Poente com …/ SS v. Confrontação Sul com Mar
z) Pelo que deveria dar-se como provado, também, que o prédio confinante com o adquirido em 1851, referido em 33 da Sentença, é o mesmo que consta do contrato antenupcial de 1904, mencionado em 43 da Sentença, mais tarde descrito sob o n.º 57... , e herdado por …, único herdeiro …, que o vendeu a II, por escritura de 15 de Novembro de 1960.
aa) Embora não conste como provado, resulta dos documentos 25 e 33 juntos com a P.I, referentes ao articulados 70, 71 e 72, que ao prédio indicado em 43 da sentença foi aberta a descrição predial 57....
bb) Nos termos do artigo 15º, nºs 2, 3 e 4, o reconhecimento da propriedade está dependente de provar documentalmente que os terrenos em parcelas de leitos ou margens da águas do mar eram, por título legítimo, propriedade ou posse particular ou comum antes de 31-12-1864 ou antes de 22-3-1868, no caso de arribas alcantiladas.
cc) Partindo dos factos demonstrados com recurso a prova (documental) directa, é possível efectuar um juízo inferencial lógico, de que o prédio confinante com o adquirido em 1851, referido em 33 da Sentença, é o mesmo que consta do contrato antenupcial de 1904, mencionado em 43 da Sentença, descrito sob o n.º 57... , e herdado por …, único herdeiro …, que o vendeu a II, por escritura de 15 de Novembro de 1960.
dd) A prova da posse não tem que ser documental, podendo ser feita por qualquer dos meios possíveis em Direito, por inferência, e até, pela invocação de factos que não carecem de prova, por serem públicos e notórios .
ee) Este dispositivo legal não exige que se reconstitua todo o trato sucessivo do prédio ou prédios a reconhecer. ( Ac. Rel Lisboa: n.º 11950/15.0T8SNT.L1-8; 411/13.1TBPTS.L1-2; 6948/18.9T8SNT.L1, 6948/18.9T8SNT.L1) e (Ac. STJ: 2960/14.5TBSXL.L1.S1; 2755/20.7T8FAR.E1.S1) e (Ac. Rel Évora 2755/20.7T8FAR.E1)
ff) Assegurada a proveniência do ou dos prédios através da sua linhagem predial, os elementos que fornecem, no século XIX, a configuração "geográfica" dos terrenos são a sua localização (nome da rua ou do lugar, freguesia e concelho, só nas zonas urbanas existiam os números de polícia ou de porta) e as quatro principais confrontações (norte, sul, nascente e poente)
gg) Além do facto da inexistência de cartografia e topografia dos terrenos, bem como de licenciamentos camarários no século XIX, constitui uma probatio diabólica fazer corresponder a configuração do prédio actual - nº 162... – com o conjunto dos 4 prédios descritos, bem como com os 4 prédios cujas confrontações e culturas se revelam, no essencial, coincidentes.
hh) Pelo que a sentença recorrida deveria ter dado como provado, também, que:
i. O terreno referido em 11 e 12 da sentença corresponde ao que, no testamento cerrado do DD aparece excluído da doação ao caseiro UU, e que foi herdado por CC, e por esta vendido, (prédio adquirido por GG em 1851) é o mesmo que veio a ser descrito sob o n.º 57....
ii. O prédio herdado em 1864 por MM, é o mesmo que veio a ser descrito sob o n.º 58..., e do qual veio a ser desanexado o prédio n.º 58..., um dos que, após anexação, integrou o prédio actual. (162...)
iii. PP, em 24 de Abril de 1851, era proprietário, ou possuidor, de um prédio confinante, a Nascente, com o adquirido em 24 de Abril de 1851, por escritura celebrada entre GG e mulher (os avós do DD), e QQ “…fazenda no sítio da Oira, nas Areias de São João, desta freguesia, que consta de vinha e figueiras, isenta, que confronta do nascente com o dito comprador, do poente com PP, desta vila, do norte com estrada, e do sul com rocha do mar.”
iv. Que foi transmitido ao filho RR; e ao neto SS.
v. E transmitido, pelo menos na posse, por via da mulher, TT, filha de …, e irmã de … , a este último.
vi. Pois foi objecto de contrato antenupcial e nesse contrato descrito como “… uma fazenda no sítio das Areias de São João, desta freguesia de Albufeira, que se compõe de terra de semear com figueiras e vinha, que confina do nascente com EE; do norte, com o mesmo EE e …; Poente com SS, … e outro; e Sul, com rocha do Mar, foreira em sessenta réis anuais a quem pertencer”
vii. E que este prédio, ao ser vendido, em 15 de Novembro de 1960, pelo único filho deste, …, deu origem à abertura da descrição n.º 57....
viii. E que, do prédio descrito sob o n.º 57... foi desanexado o prédio descrito sob o n.º 64..., um dos que, após anexações, deu origem ao actual 162....
jj) O entendimento amplo do preceito, segundo o qual o particular interessado deve fazer prova que o terreno permaneceu na condição de “propriedade privada” desde 1864 até ao momento actual, para além de não ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9º, nº 2, do Código Civil), não está de acordo com a presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados(artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), nem é exigido pela razão de ser do regime jurídico em causa, que teve por objectivo a protecção de direitos adquiridos. (ac. STJ supra).
kk) Pelo que deve a sentença ser revogada e substituída por outra que declare afastada a presunção de dominialidade do Estado sobre a faixa de terreno, com a largura de 50 metros, contados desde o LPMAVE, que incide sobre a parcela rústica do prédio descrito sob o n.º 162...; e reconhecer que este prédio, na sua parte rústica, não obstante ocupar uma parcela da margem pública, é propriedade privada desde data anterior a 31 de Dezembro de 1864.
A resposta sustenta a manutenção do julgado.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.
Os factos julgados provados na decisão recorrida são os seguintes:
1. Os autores figuram como donos do prédio em referência (descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º 162..., da freguesia e concelho de Albufeira)[1]. Consta da descrição predial o seguinte quanto a composição e confrontações: Terra de semear com árvores, horta e jardim. 1.º edifício térreo, com 12 compartimentos e 1 casa de banho, destinado a habitação, com a superfície coberta de 378 m2, inscrito na matriz sob o artigo 18….º. 2.º edifício térreo que se compõe de: lado direito – 2 compartimentos, 1 sala comum, 1 casa de banho; Frente – 2 compartimentos, sala comum e 1 casa de banho; Lado esquerdo – 1 compartimento e 1 casa de banho e 2 garagens, com a área coberta de 477,36 m2 e área descoberta de 152,36 m2, inscrito na matriz sob o artigo 22….º.
Nascente - UU, CC e …;
Norte - UU e caminho;
Poente - II e …;
Sul – Rochas do Mar – fls. 223 v.
2. Esse prédio está inscrito na matriz rústica respectiva sob n.º 2… da Secção … e nas matrizes urbanas sob os artigos 18… e 22… – fls. 23 e ss.
3. Este prédio esteve descrito sob o n.º 86... e foi formado pelos descritos sob os nºs. 58... a fls. 151, 58... a fls. 159 v., 58... a fls. 161 e 58... a fls. 161v, todos do livro B-15; e 64... a fls.66, do livro B-17, da referida Conservatória
4. Os limites da parte rústica (artigo cadastral 2… da secção … da freguesia de Albufeira/Olhos de Água), do lado sul, encontram-se a uma distância inferior a 50 metros da linha definida pelo limite máximo da praia-mar das águas vivas equinociais (LPMAVE).
5. As parcelas urbanas encontram-se a uma distância do mar superior a 50 metros da LPMAVE (linha da praia-mar das águas vivas equinociais).
6. Este prédio resulta da desanexação, de uma parcela da parte rústica do prédio descrito sob o n.º 57... a fls. 126vº do Livro B15. Por seu turno, este prédio encontra-se descrito como “Prédio misto, composto por casas de habitação, rés-do-chão e 1.º andar, com uma eira contígua do lado Nascente, pequena mata a Sul, e cerca de vinha e árvores de fruto, barrocais do lado do mar, no sítio da Oira, ou Areias de São João, desta freguesia e concelho de Albufeira, a confrontar do Nascente com …; do Norte com caminho; do Poente com II e outro, e UU, ou UU, e do Sul, com o mar”.
7. Foi inscrito a favor de CC, solteira, maior, por lhe ter ficado a pertencer na qualidade de herdeira do remanescente dos bens deixados, em testamento, por DD, juiz de Direito aposentado, o prédio descrito sob o n.º 57....
8. O qual fez testamento cerrado em 10 de Abril de 1948, aberto em 04 de Maio de 1953.
9. DD era filho de EE e de FF.
10. E neto paterno de GG e HH.
11. GG adquiriu um terreno a QQ, oficial de canteiro, em 24 de Abril de 1851, conforme escritura exarada no Cartório Notarial de Albufeira.
12. Nessa escritura, o prédio aparece descrito da seguinte forma: “… fazenda no sítio da Oira, nas Areias de São João, desta freguesia, que consta de vinha e figueiras, isenta, que confronta do nascente com o dito comprador, do poente com SS, desta vila, do norte com estrada, e do sul com rocha do mar”.
13. Este GG faleceu em 19 de Janeiro de 1860, sem testamento, tendo deixado viúva (HH) e cinco filhos.
14. HH faleceu em 15 de Fevereiro de 1889, tendo deixado em testamento de 1884 ao herdeiro EE, seu filho, casado com FF, um quarto de fazenda no sítio das Fontainhas desta freguesia, e bem assim mais as casas pertencentes à mesada dela dita testadora, denominadas, a Da Lenhas do Forno e os Altos, correspondentes.
15. Em 10 de Abril de 1948, o DD, fez testamento cerrado, aberto em 4 de Maio de 1953, no qual deixa ao seu caseiro UU “… as propriedades da Oira e Areias de São João, incluindo o denominado “do Nicolau”, ficando excluído deste legado a casa a nascente e que eu habito temporariamente, e que consta de um rés-do-chão antigo, e de um anexo com 1.º andar – como excluído fica toda a cerca contígua do lado nascente, a pequena mata a sul, e a cerca com vinha e árvores de fruto. Também fica excluído deste legado a parte da propriedade com figueiras situada nos barrocais do lado do mar. O usufruto das propriedades a este caseiro deixadas ficam igualmente cativos em benefício da minha afilhada CC, que usará para este caseiro – UU – da mesma benevolência…”.
16. Todos os restantes bens ficaram para a afilhada CC.
17. Do prédio 57... foi desanexado o prédio com a descrição 58..., a fls. 151 do Lº B-15. que ficou com a seguinte descrição: Prédio rústico, composto de Barrocais, com mata de pinheiros, no sítio da Oira, ou Areias de São João, desta freguesia e concelho de Albufeira, que constitui parte da parte rústica do prédio descrito sob o n.º 57..., a fls. 126 do Lº B-15, Confronta de nascente com CC; do norte com caminho que separa os barrocais da parte arável; do poente com II e outro; e do sul, com o mar.
18. Esta desanexação teve origem na venda que CC fez a II por escritura de 10 de Julho de 1961.
19. Do prédio 58... foi desanexado o prédio 58..., a fls. 159 do Lº B-15 (C.N.Albufeira), que ficou descrito como: “Prédio rústico, constituído por uma courela de terra de barrocais, no sítio da Oira, ou Areias de São João, desta freguesia e concelho de Albufeira, a confrontar de nascente com II; do norte com caminho que separa os barrocais da parte arável; do poente com II e outro; e do sul com o mar”.
20. O prédio descrito sob o n.º 58... foi transmitido como prédio autónomo, em venda que II e mulher fizeram a LL por escritura de 14 de Setembro de 1961.
21. NN, primeira mulher de MM, faleceu em 9 de Abril de 1864, tendo, por sua morte, sido abertos autos de Inventário e partilhas no Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira.
22. Sob a verba 25 consta o seguinte prédio: “Uma fazenda no referido sítio das Areias de São João, chamada o Paço da Areia, que consta de figueiras e vinha, e as mais árvores que na mesma se acharem,, que parte do nascente com …; do Norte e poente com estradas, e sul com … e com quem mais deve e haja de partir e confrontar, foreiro a metade da parte do poente em quinhentos e trinta e três reis aos herdeiros de …, de Lisboa, com a natureza de fateosim foral, que deve parar em poder dos directos senhorios, e sendo bem vista e examinada pelos louvados, calcularam o seu rendimento líquido anual, em dois mil e quinhentos réis, e avaliaram o referido foro, em cinquenta mil réis”.
23. Este prédio foi adjudicado, como meação, ao viúvo, MM.
24. Em 11 de Outubro de 1882, por escritura pública de compra e venda realizada entre MM e (2.ª) mulher, OO, um prédio foi vendido ao EE, já referido, pai do DD.
25. O prédio é descrito como: “… uma propriedade rústica mo sítio das Areias de São João, desta freguesia, que houveram em meação no inventário orfanológico a que se procedeu por óbito de sua falecida mulher e antecessora NN, e consta de terras de semear e figueiras, partindo do nascente, com …, Sul com …, Norte e poente com estradas e com quem mais deva e haja de partir e confrontar, foreira em quinhentos e trinta a três reis anuais a dona ….”
26. No testamento cerrado do filho do comprador, DD, tal propriedade vem incluída no legado feito ao caseiro UU (UU),
27. E onerada com o usufruto a favor da herdeira CC.
28. A propriedade aparece descrita na Conservatória sob o n.º 58....
29. E dela veio a ser desanexada, em 1962, a parcela que passou a constituir o prédio descrito sob o n.º 58..., da forma seguinte: “…um prédio rústico que se compõe de terra de semear, com árvores no sítio da Oira, ou Areias de São João desta freguesia, a confrontar de nascente com CC (pelo mesmo que separa a vinha existente na propriedade desta, da terra arável), de norte com UU; do sul, com II e LL, e do poente com II e outro, sendo a sua profundidade no sentido sul-norte de setenta metros a contar da parte interna do muro que o separa do caminho existente a sul, e isto, quer pelo lado nascente quer pelo seu lado poente, é parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número 58...”.
30. UU e mulher venderam a II, casado com JJ, por escritura de 10 de Abril de 1962 o prédio que está identificado como sendo parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho [Albufeira] sob o n.º 58..., a fls. 152, do livro B 15 e inscrito na respectiva matriz sob os arts. rústicos 39….º, 39….º, 39….º e 39….º.
31. Quanto ao prédio 58..., foi desanexado do 58....
32. Para ser vendido, por II e JJ, a KK e mulher, LL, por escritura de 10 de Maio de 1962, a KK.
33. O prédio 57... aparece descrito como sendo um “... prédio rústico, no sítio das Areias de São João, da freguesia e concelho de Albufeira, que se compõe de terra de semear e vinha, a confrontar do nascente com DD, de Norte com o mesmo e outro, do Poente com …, … e … e outros; e do Sul, com mar…”.
34. Por escritura de venda de bens de raiz, de 24 de Abril de 1851, celebrada entre GG e mulher (os avós do DD), e QQ foi alienado o seguinte prédio: “… fazenda no sítio da Oira, nas Areias de São João, desta freguesia, que consta de vinha e figueiras, isenta, que confronta do nascente com o dito comprador, do poente com PP, desta vila, do norte com estrada, e do sul com rocha do mar.”
35. PP tinha um filho, de nome RR, que casou em 1857.
36. Este, por sua vez, teve um filho, de nome SS, que casou em 1898, com TT.
37. TT era filha legítima de … e ….
38. E foram testemunhas desse casamento … e …, irmãos da noiva.
39. … faleceu em 8 de Janeiro de 1898.
40. … faleceu em 16 de Outubro de 1898.
41. A testemunha do casamento referido, …, era filho de …, e de ….
42. Casou com … em 11 de Junho de 1904.
43. Na véspera do casamento celebrou-se no Cartório Notarial de Albufeira uma escritura pública de contrato antenupcial com separação de bens, e comunhão de adquiridos – fls. 138 v. Nesta escritura, o noivo leva para o casal dois bens imobiliários, entre os quais, “… uma fazenda no sítio das Areias de São João, desta freguesia de Albufeira, que se compõe de terra de semear com figueiras e vinha, que confina do nascente com EE; do norte, com o mesmo EE e …; Poente com SS, … e outro; e Sul, com rocha do Mar, foreira em sessenta réis anuais a quem pertencer”
44. Em 14 de Julho de 1960 foi inscrita a aquisição do prédio a favor de …, casado com …, por ser este o único herdeiro de seus pais, … e ….
45. Em 15 de Novembro de 1960, …, e mulher, venderam um prédio rústico que se compõe de terra de semear, com vinha e pinheiros, no sítios das Areias de S. João, desta freguesia e concelho [Albufeira] , a confrontar, do nascente com herdeiros do doutor DD, do norte com …, do poente com …, … e …, e do sul com rochas do mar, ainda não descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira (…) e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 39….º, a II, casado com JJ; e …, casado com … - fls. 112 v. Foi nessa altura aberta a descrição, com o n.º 57... que passou a ser a seguinte: “... prédio rústico, no sítio das Areias de São João,, da freguesia e concelho de Albufeira, que se compõe de terra de semear e vinha, a confrontar do nascente com DD, de Norte com o mesmo e outro, do Poente com …, … e … e outros; e do Sul, com mar…”.
46. Por escritura de 30 de Outubro de 1964 (fls. 92 do Lº B-9 do C. N. Albufeira), II e mulher vendem uma parte do prédio 57..., a KK e mulher, LL.
Aplicando o Direito.
Do domínio público marítimo e do afastamento da presunção de dominialidade
Os AA. fundaram a sua causa de pedir no disposto no art. 15.º n.ºs 1, 2 e 3 da Lei 54/2005, de 15 de Novembro, sucessivamente alterado pelas Leis 78/2013, 34/2014 e 31/2016, argumentando, no essencial, que o seu prédio teve origem no descrito sob o n.º 57... e que este foi adquirido pelo seu antecessor GG pela escritura de 24 de Abril de 1851, na qual surge um terreno descrito da seguinte forma: “…fazenda no sítio da Oira, nas Areias de São João, desta freguesia, que consta de vinha e figueiras, isenta, que confronta do nascente com o dito comprador, do poente com SS, desta vila, do norte com estrada, e do sul com rocha do mar”.
A primeira interrogação surge quanto a esta confrontação a sul, pois a escritura não diz que o terreno em causa confrontava por esse lado com o mar, mas antes com “rocha do mar”, realidades físicas estas que não são coincidentes.
Se os outorgantes pretendessem dizer nessa escritura que o terreno transaccionado confrontava a sul directamente com o mar, tê-lo-iam dito.
Não o disseram e referiram-se a outra realidade, “rocha do mar”, afirmando que o terreno era com tal rocha que confrontava e não directamente com o mar – naquele local, o Oceano Atlântico.
Embora nada nos autos esteja alegado quanto à morfologia da costa naquele local no ano de 1851, os AA. juntaram à sua petição inicial um levantamento topográfico e plantas de localização cadastral, com duas fotografias aéreas, uma obtida em 2004 e a outra em 2018. Recorrendo aos mapas com fotografia aérea actualmente disponíveis na Internet, nomeadamente no Google Maps, observa-se que o prédio se situa nas coordenadas …, … e tem ali publicadas fotografias aéreas datadas já do ano de 2024.
Do que se pode depreender da observação de tais fotografias (as de 2004 e de 2018, que são coincidentes com as que foram publicadas em 2024), a costa naquele local é rochosa, irregular e desenvolve-se em barrancos com sucessivos desníveis em direcção ao mar, sendo que, em alguns locais, tais rochas terminam no mar, e noutros terminam em areais de praia – desconhecendo-se se tais areais estão sempre a descoberto das águas do mar, ou se estas os cobrem de forma regular ou episódica.
Seja como for, algo pode ser desde já afirmado: a escritura de 1851 não declara a confrontação sul directamente com o mar, mas com algo a que os outorgantes chamaram de “rocha do mar”, realidade física que remete para uma costa rochosa que se interpunha entre o terreno escriturado e o mar, com forma e largura naquele ano de 1851 não alegada nem demonstrada.
Ponderando que existem “três tipos fundamentais de morfologia nas costas rochosas: plataforma descendo para o mar, plataforma horizontal e arriba mergulhante”[2], desconhecendo-se que tipo de costa rochosa existia no local em 1851 e qual a sua largura, temos a concluir que um dos pressupostos fundamentais da causa de pedir deduzida pelos AA. – o exercício do direito de propriedade, desde data anterior a 31.12.1864, sobre uma faixa de terreno com a largura de cinquenta metros, contados desde a linha da praia mar das águas vivas equinociais (LPMAVE) – fica desde logo afastado.
Tanto mais que, como se afirmou no Acórdão da Relação do Porto de 09.03.2020, “atentos os interesses subjacentes à matéria em questão, o carácter excepcional do mecanismo previsto no referido artigo 15.º, e a natureza de “coisa pública” do domínio público das margens e leitos, cuja aquisição privada continua insusceptível de usucapião, a prova (necessariamente documental, como se enfatizou) tem que ser segura, directa e sem margem para qualquer dúvida.”[3]
Acresce que, como afirma Margarida Costa Andrade, in “Usucapião, Fraccionamento e Domínio Público Marítimo”[4], “sempre se terá de comunicar ao tribunal a exacta configuração do prédio, uma vez que os direitos reais incidem sempre sobre coisa certa, determinada e autónoma, razão pela qual se afirma a vigência dos princípios da coisificação e da especificação”.
Ou seja, a parte tem o dever de demonstrar qual o exacto terreno sobre o qual pretende obter o afastamento da presunção de dominialidade, e que foi sobre esse mesmo terreno que o direito de propriedade privada foi exercido desde antes de 1864.
Os AA. afirmam, ainda, que o seu prédio – actualmente descrito sob o n.º 162... – teve origem no descrito sob o n.º 57..., e que este é o tal prédio escriturado em 1851.
A sentença não conseguiu estabelecer tal correspondência, e nós também não.
O actual prédio n.º 162... foi formado pela anexação de cinco prédios, anteriormente descritos sob os n.ºs 58..., 58..., 58..., 58... e 64.... Destes cinco, um deles, o n.º 58..., foi, por sua vez, desanexado do n.º 57....
Este prédio n.º 57... teve a sua descrição predial criada apenas em 12.01.1961 – é o que demonstra a respectiva certidão predial anexa aos autos – data em que foi inscrito a favor de CC, por lhe ter ficado a pertencer, na qualidade de herdeira do remanescente dos bens deixados pelo DD, através do testamento que este outorgou em 1948.
Sucede o seguinte:
- o terreno adquirido pelo GG na escritura de 1851 não está mencionado no testamento da sua viúva HH, de 1884 – ali se referem vários imóveis, deixando ao seu filho EE, casado com FF, “um quarto de fazenda no sítio das Fontainhas desta freguesia, e bem assim mais as casas pertencentes à mesada dela dita testadora, denominadas, a Da Lenhas do Forno e os Altos, correspondentes”, mas nada se diz quanto à “fazenda no sítio da Oira, nas Areias de São João”, que o seu falecido marido havia adquirido em 1851;
- quanto aos bens que são transmitidos ao DD pelos seus pais EE (o pai e o filho tiveram o mesmo nome) e FF, nada está documentado nos autos;
- no testamento de 1948 do DD, foi deixado ao caseiro UU “as propriedades da Oira e Areias de São João”, ficando excluída a cerca contígua do lado nascente, a pequena mata a sul, e a cerca com vinha e árvores de fruto, bem como a parte da propriedade com figueiras situada nos barrocais do lado do mar; o usufruto dessas propriedades ficou cativo em benefício da CC, para quem também ficaram todos os restantes bens;
- o modo pelo qual, a partir desse testamento de 1948, vem a ser criada em 12.01.1961 a descrição predial n.º 57..., com a composição e confrontações que ali constam – “prédio misto, composto por casas de habitação, rés-do-chão e 1.º andar, com uma eira contígua do lado Nascente, pequena mata a Sul, e cerca de vinha e árvores de fruto, barrocais do lado do mar, no sítio da Oira, ou Areias de São João, desta freguesia e concelho de Albufeira, a confrontar do Nascente com …; do Norte com caminho; do Poente com II e outro, e UU, ou UU, e do Sul, com o mar” – não está explicado. O testamento de 1948 não constitui título bastante para originar tal descrição, exigindo a apresentação de outros documentos, que os AA. também não apresentaram,
- ademais, o testamento de 1948 não demonstra que o prédio que veio a ser descrito sob o n.º 57... foi adquirido por herança dos pais do DD e/ou dos seus avós, ou se teve qualquer outra proveniência.
Finalmente, quanto ao prédio n.º 58..., do qual veio a ser desanexado o n.º 58..., que integra o actual prédio dos AA., estes afirmam que é o mesmo que veio a ser herdado em 1864 por MM, no inventário orfanológico por óbito da sua primeira mulher. Porém, observando a verba n.º 25 desse inventário de 1864, o prédio ali descrito não se apresenta, em qualquer dos seus lados, como confrontando com o mar.
Independentemente da polémica acerca da necessidade de estabelecimento do trato sucessivo e da necessidade de prova do bem ter permanecido na condição de “propriedade privada” desde 1864 até ao presente – o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.11.2021 (Proc. 2960/14.5TBSXL.L1.S1) entende que tal prova não é exigível, enquanto o Acórdão de 16.02.2023 (Proc. 457/18.3T8ABF.E1.S1) declara que “a presunção de dominialidade terá de ser afastada relativamente a toda a “história” do bem, pois não há garantia de que o bem não tenha ingressado, depois das datas referidas nesse diploma, e por qualquer motivo admissível no domínio público” – entendemos que o interessado sempre terá de demonstrar a exacta configuração do terreno em relação ao qual foi exercido o direito de propriedade desde antes de 1864, e que é sobre esse mesmo terreno que pretende o afastamento da presunção de dominialidade.
Como acima se transcreveu, “os direitos reais incidem sempre sobre coisa certa, determinada e autónoma, razão pela qual se afirma a vigência dos princípios da coisificação e da especificação”.
Não tendo os AA. demonstrado, por um lado, que o terreno escriturado em 1851 confrontava directamente com o mar, ou sequer que tal terreno é o mesmo que veio a ser descrito no prédio n.º 57..., a causa apenas podia soçobrar, como correctamente se decidiu na primeira instância.
Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida.
Custas do recurso pelos RR..
Évora, 11 de Julho de 2024
Mário Branco Coelho (relator)
José António Moita
Manuel Bargado
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[1] Em parêntesis, introduziu-se o n.º da descrição no registo predial, documentada nos autos, e que, certamente por lapso, não consta do elenco fáctico estabelecido na sentença recorrida.
[2] In https://web.letras.up.pt/asaraujo/seminario/Aula6.htm.
[3] Proferido no Proc. 1925/13.9T2AVR.P1 e publicado em www.dgsi.pt.
[4] Publicado da Revista Julgar, n.º 51, págs. 121 e segs., encontrando-se o excerto citado a págs. 134.