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ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO DO ACIDENTE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Sumário
I- O ónus probatório da ocorrência de qualquer uma das situações excludentes do direito à reparação do acidente, previstas no artigo 14.º da Lei n.º 98/2009 (LAT), recai sobre quem a invoca. II- Numa situação em que não se provou que existiam regras de segurança e saúde no trabalho, impostas pela empregadora, relacionadas com os riscos de contacto mecânico com os elementos rotativos da máquina onde se deu o acidente, nem se demonstrou que foram transmitidas ordens/instruções à sinistrada para que não efetuasse a limpeza dos cilindros rotativos da máquina com estes em movimento e se provou que a empregadora não avaliou os riscos inerentes ao aludido contacto e que não dotou a máquina de qualquer proteção que impedisse o contacto com os elementos rotativos, conclui-se que o ato de limpar um dos cilindros da máquina, com um pano, enquanto o mesmo estava em rotação, tendo o cabelo da sinistrada ficado preso no rolo, não possibilita a descaracterização do acidente. III- O ónus da alegação e prova dos factos suscetíveis de agravar a responsabilidade do empregador cabe ao respetivo beneficiário (isto é, aos titulares do direito à reparação e, por outro lado, companhias seguradoras que pretendam desonerar-se da sua responsabilidade). IV- Existe responsabilidade agravada da empregadora, ao abrigo do artigo 18.º da LAT, se resultou apurado que a mesma não cuidou de cumprir as regras de segurança e saúde no trabalho no que respeita ao específico posto de trabalho que a sinistrada ocupava aquando do acidente, por não ter avaliado os riscos de contacto mecânico com os elementos rotativos do equipamento, não ter colocado qualquer proteção que impedisse o contacto com esses elementos rotativos e não ter dotado o equipamento de um sistema de paragem adequado, sendo que se tivessem sido cumpridas as regras de segurança violadas a probabilidade de o acidente ter ocorrido teria sido eliminada ou reduzida drasticamente. V- Justifica-se a indemnização compensatória de € 40.000 pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente de trabalho, numa situação em que a sinistrada sofreu escalpe total do couro cabeludo, danos estéticos que tem de emocionalmente gerir para o resto da sua vida (tinha 44 anos de idade à data do acidente), sente tristeza e propende a isolar-se das outras pessoas. (Sumário elaborado pela relatora)
I. Relatório
Na presente ação especial emergente de acidente de trabalho que AA (autora) intentou contra EMP01..., Lda. (empregadora)e Generali Seguros, S.A. (seguradora) foi proferida sentença, em 18-03-2024, contendo o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julga-se a ação procedente e, em consequência, decide-se: 1. Atribuir a AA uma incapacidade permanente parcial de 55%, a partir do dia 11.08.2021; 2. Condenar “EMP01..., Lda.” a pagar a AA: a. Uma pensão anual e vitalícia no montante de 7.212,17€, devida desde 11.08.2021; b. 70€ a título de despesas com deslocações; c. A quantia de 37.435€ a título de indemnização por incapacidade temporária; d. Indemnização por danos não patrimoniais que se fixa em 40.000€. e. Juros de mora, à taxa supletiva anual prevista para obrigações civis (i) vencidos desde 11.08.2021 no caso da pensão por incapacidade permanente referida em a), e vincendos até integral pagamento; (ii) desde a data do respetivo vencimento mensal no caso da indemnização devida a título de incapacidades temporárias referida em b), e vincendos até integral pagamento; (iIi) desde da data de trânsito em julgado da presente sentença, no caso das despesas de transporte referidas em c), e vincendos até integral pagamento e (iv.) desde a data da presente decisão no caso da indemnização por danos não patrimoniais referida em d), e vincendos até integral pagamento; 3. No mais, absolve-se a ré “EMP01..., Lda.” do pedido; 4. Procede-se à atualização da pensão suprarreferidas em 1. A): - A partir de 1 de janeiro de 2022: 7.284,29€ - A partir de 1 de janeiro de 2023: 7.896,17€ - A partir de 1 de janeiro de 2024: 8.369,94€ 5. Ao abrigo do disposto no art. 79.º, n.º 3, da LAT, sem prejuízo do direito de regresso, condena-se a ré “Generali Seguros, S.A.” no pagamento da pensão, indemnização e despesas de transporte referidas em 2. A) e c), e atualizadas em 4. Restringindo-se o valor da pensão e da indemnização por incapacidade temporária aos seguintes montantes: a. Pensão anual e vitalícia de 5.048,52€, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde 11.08.2021 e vincendos até efetivo e integral pagamento; b. A título de indemnização por incapacidades temporárias a quantia total de 27.417,01€, acrescida de juros de mora à taxa legal supletiva legal prevista para obrigações civis, vencidos desde a data do respetivo vencimento mensal no caso da indemnização devida a título de incapacidades temporárias referida em b), e vincendos até integral pagamento; 6. Procede-se à atualização da pensão suprarreferidas em 5. A): - A partir de 1 de janeiro de 2022: 5.099,01€ - A partir de 1 de janeiro de 2023: 5.527,33€ - A partir de 1 de janeiro de 2024: 5.858,97€ 7. Determina-se, quanto às pensões já vencidas e respetivos juros de mora a dedução dos montantes pagos à autora a título de pensões provisórias, e respetivos juros de mora, bem como, quanto às pensões vincendas e respetivos juros de mora, as que lhe venham a ser pagas, e respetivos juros de mora, a liquidar posteriormente, se necessário. 8. Custas a cargo da autora, sem prejuízo da isenção de que beneficia, e da ré “EMP01..., Lda.”, na proporção de 1/6 e 5/6, respetivamente. Valor da causa: 181.865,10€ (cfr. art. 120.º do Código de Processo do Trabalho e Portaria n.º 11/2000, de 13 de janeiro). Registe e notifique.».
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Em 28-03-2024, a ré seguradora veio requerer a correção de um (alegado) lapso existente na sentença, que consistia, segunda a mesma, em não ter sido incluído no acervo dos factos provados que tinha liquidado à sinistrada a quantia de € 23.355,73 a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, e não ter sido, esse montante, deduzido na sua condenação na referida prestação.
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Tal requerimento foi indeferido por despacho datado de 11-04-2024.
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A ré empregadora interpôs recurso da sentença, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem: «1.ª Tendo em vista o exposto na 1ª. questão, deverá alterar-se a resposta à matéria de facto impugnada, dos pontos, 6,8 e 9 da seguinte forma: - Facto 6, 8 e 9, provado apenas que em 1.10.2018, ocorreu o sinistro da autora com as consequências referidas na parte final do artigo 6. Base da Prova: - Fotografias n.º 3,6,7 a 10 juntas com a contestação; - Depoimento da testemunha BB ao minuto 00:05:00; 06:00 a 09:00 a 00:11:00, acima transcrito. - Depoimento da testemunha CC ao minuto 00:03:00 a 00:06:00, 07:00; 08:00; 09:00; 10:00; 11:00; 12:00 e 13:00, acima transcrito. - Depoimento da testemunha DD ao minuto 05:00; 06:00; 07:00; 08:00; 09: 00 a 11:00, acima transcrito. - Depoimento da testemunha EE ao minuto _02:00; 033:00 a 12:00, transcritos na pág. 11 a 13, acima transcrito. - Depoimento da testemunha FF ao minuto; 00:02:00 a 13:00, acima transcrito. 2ª. Conforme consta do relatório, quanto ao ponto 13 dos factos provados, deverá ser modificada a resposta para: Provado, apenas que o equipamento tem a proteção que o fabricante da máquina entendeu por adequada em operação normal e desde que observadas as regras de utilização em segurança. Base da Prova: - Fotografias 1, 2, 6, 7, 8, 9, 14, 26, 27, 28, 29, 33, 34, 36 a 38 e certificado de conformidade do equipamento junto como doc. da contestação- doc.13. - Depoimento da testemunha BB ao minuto 04:00 a 12:00, transcrito na página 5 a 19vs. - Depoimento da testemunha CC ao minuto 00:02:00 a 13:00 - Depoimento da testemunha GG ao minuto 02:00 a 04:00, todos eles transcritos na página 5 a 19vs e cujo depoimento transcrito se junta. 3ª. Quanto ao facto 15 dos pontos provados, deverá ser modificado para: Ponto 15: Provado que a entidade patronal, promoveu a todos os trabalhadores que operavam o equipamento identificado em 6, a avaliação de riscos graves em caso de inobservância das regras de utilização do equipamento: Base da Prova: -Documento 1, a 5 e 14 , juntos com a contestação. - Também as testemunhas BB, à época diretor comercial da entidade patronal ao minuto 03:00 a 07:00, referiu, designadamente: Advogado da Ré Empregadora [00:06:00]: Esse equipamento, já referiu, foi adquirido então em 2013? BB: No final de 2013. Advogado da Ré Empregadora: E tem ideia quando é que começou a operar esse equipamento? BB: Começa a operar passado, no mínimo, um mês e meio, e porquê? Porque nós paramos a empresa, todos os anos, para duas semanas de férias, que normalmente são gozadas nesse período de dezembro, e depois mais duas/três semanas para instruir os operadores da linha e para testar a linha em funcionamento. Eu diria que essa máquina estaria operacional nos finais de janeiro de 2014. Advogado da Ré Empregadora: Quando diz ‛instruir os trabalhadores’ para operar essa máquina, está a referir-se concretamente a quê? BB: A formação específica dada a cada funcionário que iria laborar nessa linha. Essa linha genericamente funciona com três pessoas, porque tem três postos de trabalho dentro da linha, e um deles é esse o posto de trabalho que estamos aqui a verificar. Advogado da Ré Empregadora [00:07:09]: Portanto, ninguém operava essa máquina sem previamente ter recebido a formação necessária para poder operar a máquina? BB: Jamais. Também o depoimento de CC ao minuto 03;00 a 14:00 reafirmou as questões de segurança na utilização do equipamento e das normas que esta testemunha, enquanto diretor fabril, impunha na utilização do equipamento em causa. A testemunha EE, referiu no seu depoimento ao minuto 03:00 a 12:00, as questões de segurança e o porquê de o sinistro ter ocorrido. A testemunha FF, no seu depoimento, referiu-se a tal questão, ao Minuto 06:00 a 13:00, a tal questão da formação, do equipamento e da causa do sinistro. No mesmo sentido, a testemunha GG no depoimento prestado ao minuto 00:05:00, a 00:12:00 cujo depoimento integralmente transcrito, se junta. 4ª. Quanto à 2ª, questão dos factos não provados, o ponto “I” dos factos não provados, deverá ser modificada a resposta para: Provado: Base da Prova: - Documentos 1 a 5 junto com a contestação. - Depoimentos das testemunhas indicadas nos trechos transcritos de: ✓ BB; ao minuto 03:00 a 07:00, acima transcrito. ✓ CC; ao minuto 03:00 a 14:00. ✓ GG; ao minuto 05:00, a 12:00. ✓ EE; ao minuto 03:00 a 12:00. ✓ DD, ao minuto 00:06:00 a 11:00 5ª. Conforme consta do relatório, no ponto III dos factos não provados, este facto não provado deve ser modificado para Provado. Base da prova: Depoimento das testemunhas: EE ao minuto 03:00 a 08:00, é inequívoco ao minuto 05:00;06:00;07:00;08:00 de FF ao minuto: 00:09:00;10:00;11:00;12:00 e 13:00; de DD, ao minuto:05:00; 06:00;07:00;08:00; a 10:00 e de CC ao Minuto: 04:00 a 07:00;08:00;09:00;10:00;11:00;12:00 e 13:00. 6ª. No Ponto IV deu-se como não provado que a entidade patronal transmitiu à sinistrada que a operação descrita em 7, deveria ser realizada com a máquina parada, como consta dos documentos nos autos juntos com a contestação – doc. Nº.1, a 5 e 14. - Este ponto encontra-se incorretamente julgado pelo que deverá ser modificada a resposta para: Provado: Base da Prova: Documentos 1 a 5 e 14. Bem como da prova testemunhal transcrita na página 5 a 19vs, que se dá por reproduzida, das testemunhas: • BB; ao M, 03:00 a 07;00 • CC; ao M, 03: a 14:00 • DD; ao M, 06:00 a 11:00 • EE; ao M, 03: a 12:00 • FF, ao M, 04:00;05:00;06:00;07:00 • GG, ao M, 05:00 07:00;08:00;09:00 ; 11:00;13:00. 7ª. Conforme se alegou na 5ª. Questão, há clara violação das normas contratuais da celebração de contrato de seguro de que a apelante celebrou com a seguradora, em clara violação do disposto no artº. 406º, do CC e artigo 1º, da Lei 72/2008 sendo certo que, contrariamente ao decidido, nesta questão, a apurar-se alguma responsabilidade da segurada, a mesma, por força do contrato de seguro, é assumida pela Ré Seguradora, por força do contrato celebrado. 8ª. Tal como se alegou na 4º. Questão, quanto ao montante dos danos de natureza não patrimonial, o valor de 40.000,00, é manifestamente desproporcionado tendo designadamente em vista o suporte jurisprudencial citado na R, decisão, sendo certo que, tal como se fez constar da contestação, o valor ajustado para os danos em causa, deveriam ser fixados na ordem dos 7.500,00€ 9ª. Como se tentou demonstrar na questão do Direito aplicável e que deveria ter sido aplicado, entende-se que a R, decisão é manifestamente injusta: a) A prova produzida nos autos não foi devidamente avaliada e julgada, em violação das regras legais da hermenêutica jurídica e do valor da prova documental, de prova vinculada quanto aos documentos juntos com a contestação e não impugnados. b) A norma do artigo 14º, da LAJ, é desaplicada ilegalmente, em face da prova que os autos fornecem dado que, para a apelante, há, no caso, a verificação dos pressupostos da norma legal para descaracterizar o acidente de trabalho. c) A norma legal do artigo 18º, da LA, foi ilegalmente aplicada posto que, tal como se tentou demonstrar, a Ré, ora apelante, não praticou qualquer ato censurável que a possa responsabilizar em tal sede. d) Se, tal como se considerou no Ac. do STJ na Revista 756/20 de 06.5.2021, se o trabalhador mete a mão ou a cabeça onde sabe que não o pode fazer, e daí que tal ato constitui uma temeridade sua, ante o perigo que conscientemente sabia correr como foi o caso da autora e que não pode ser imputado à Ré as consequências de tal ato. e) Sendo certo que, tal como decidido no acórdão do TRC acima referido, a lei não faz depender tal descaracterização do acidente do grau da culpa do sinistrado, antes optou por considerar que a simples violação, sem causa justificativa, das condições de segurança, como foi o caso, é razão suficiente para a operar. f) Ora, se na R, decisão se reconheceu a culpa parcial da autora, não há, tal como se demonstra, qualquer causa para se desconsiderar a jurisprudência citada e condenar a ré, de forma ilegal e injusta. 10ª. No entendimento da apelante, a R. decisão, para além da violação das normas legais acima referidas, violou ainda: a) Do CPC: -Artigo 607º, nº.4 e 5, ao não julgar os factos de acordo com as regras da hermenêutica jurídica, naquele vai vem silogístico entre os factos e o direito, concluindo com uma decisão justa. b) Do CCº Artigo 9º, 363º., 376º, quanto às regras da hermenêutica jurídica e do valor da prova documental que foi desconsiderada nos documentos juntos pela Ré na sua contestação, não impugnados. Em face do exposto, requer a V. Exªs: 1. Que, a decisão da matéria de facto seja modificada em face das conclusões apresentadas que cumprem, neste aspeto, o que se encontra disposto no artigo 640º, nº.1, alíneas “a, b e c” e nº.2 alíneas “a e b” do C.P.C 2. Que, a R. decisão proferida, seja revogada. 3. Que, em consequência, dos factos provados e da subsunção jurídica da lei a tais factos, se julgue improcedente, a ação instaurada contra a ré, com as legais consequências.».
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Contra-alegou a seguradora, propugnando pela rejeição da impugnação de facto e pela improcedência do recurso.
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A 1.ª instância admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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O processo subiu à Relação e foi dado cumprimento ao disposto no artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho.
O Ministério Público, no seu parecer, pugnou pela improcedência do recurso.
Não houve resposta das partes.
O recurso foi mantido e, depois de elaborado o projeto de acórdão, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre, em conferência, apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis “ex vi” do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso podem ser assim elencadas:
1.ª Impugnação da matéria de facto.
2.ª Descaracterização do acidente.
3.ª Inexistência de responsabilidade agravada da empregadora e exclusiva responsabilidade da seguradora pela reparação do acidente.
4.ª Fixação de um excessivo valor indemnizatório pelos danos não patrimoniais.
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III. Matéria de facto A 1.ª instância julgou como provados os seguintes factos: 1. AA nasceu a ../../1974. 2. Em 01.10.2018, AA trabalhava, como operária fabril, por conta, sob as ordens e direção de “EMP01..., Lda.”. 3. Auferia a retribuição anual de 13.113,03€. 4. Entre “EMP01..., Lda.” e “Generali Seguros, S.A” foi celebrado um contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice n.º ...11, a mediante o qual a primeira transferiu para a segunda a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho sofridos pelos seus funcionários até ao montante anual de 13.113,03€. 5. Contrato que se encontrava em vigor em 01.10.2018. 6. Em 01.10.2018, pelas 10h50, em Vendas Novas, no seu local e horário de trabalho, quando trabalhava numa máquina industrial de cola quente/prensa, AA ficou com o seu cabelo preso na mesma. 7. HH começou a trabalhar com a máquina supra identificada em setembro de 2021. (retificado pelos motivos que infra se indicam) 8. Tal evento deu-se quando AA estava a proceder à limpeza dos rolos de transporte das placas de cortiça, estando tais rolos em rotação. 9. A fim de limpar o rolo, AA inclinou-se na direção do mesmo, ficando com cabelo preso no rolo. 10. Rolo esse que continuou em rotação, até que uma colega da sinistrada parou a máquina. 11. A autora, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar suprarreferidas, não usava touca. 12. Não existia botão de paragem da máquina ao alcance de sinistrada. 13. A máquina suprarreferida não tinha qualquer proteção que impedisse o contacto dos elementos rotativos, designadamente o rolo suprarreferido, com o operador da máquina nem dispositivos que interrompessem o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas. 14. A máquina continha os seguintes avisos: perigo de ser puxado; não colocar as mãos; vestir roupa justa. 15. Inexistia qualquer avaliação de riscos de contacto mecânico com componentes rotativos da máquina supra identificada. 16. A ré “EMP01..., Lda.” não entregou touca à autora. 17. Em consequência sofreu arrancamento quase total do escalpe, queimadura do escalpe e região superior da face, queimadura da face medial braço direito e traumatismo do ombro direito. 18. Em consequência do evento descrito, a autora permaneceu:
a. Em situação de Incapacidade Temporária Absoluta de 02.10.2018 a 30.04.2021 e desde 05.05.2021 até 10.08.2021
b. Em situação de Incapacidade Temporária Parcial de 50% de 01.05.2021 até 04.05.2021. 19. Tendo-lhe sido atribuída alta clínica em 10.08.2021. 20. AA apresenta as seguintes sequelas das lesões acima descritas, as quais lhe determinam uma incapacidade permanente parcial de 55%:
- Traumatismo craniano do escalpe total do couro cabeludo
- Cicatriz do escalpe, o que determina rigidez da cervical;
- Stress pós-traumático permanente e perturbações funcionais e grau III. 21. Em consequência das mesmas, AA sente tristeza e propende a isolar-se das outras pessoas. 22. A autora incorreu, no âmbito dos presentes autos, até 03.04.2023, em despesas de deslocação no montante de 70€ 23. Era norma interna da ré entidade patronal, os funcionários trabalharem com o cabelo apanhado acima dos ombros.
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E foram julgados não provados os seguintes factos: I. A autora não teve formação para trabalhar com a máquina identificada em 6.. II. A ré “EMP01..., Lda.” deu indicações aos seus funcionários, entre eles a autora, que era obrigatório o uso de touca. III. Nas circunstâncias de modo, tempo e lugar referidas em 6., AA tinha o cabelo apanhado, abaixo dos ombros de cerca de 80/70 cm. IV. A ré entidade patronal transmitiu a AA que a operação descrita em 7. deveria ser realizada com a máquina parada. (retificado pelos motivos que infra se indicam) V. Para além das sequelas identificadas nos factos provados, AA apresenta limitação do membro superior direito, na elevação, ao fazer força, na flexão posterior e ao levar a mão atrás das costas, cervicalgias e cefaleias, perda de sensibilidade no couro cabeludo e ferida viciosa na região supra-auricular esquerda, lacrimejo e queratoses da córnea, por encerramento difícil das pálpebras, esquecimento, impossibilidade de relacionamento sexual, encontrando-se ademais impossibilitada de trabalhar. VI. Nas circunstâncias referidas em 7., AA desequilibrou-se. (retificado pelos motivos que infra se indicam)
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IV. Impugnação da decisão de facto
Decorre manifestamente das alegações e conclusões do recurso que a recorrente impugnou a decisão sobre a matéria de facto, mais especificamente o decidido em relação aos pontos 6, 8, 9, 13 e 15 dos factos provados e I, III, e IV dos factos não provados.
Propugnou a recorrida seguradora, porém, pela rejeição do recurso, nesta parte, por incumprimento do ónus previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do Código de Processo Civil.
Apreciemos.
De harmonia com o normativo inserto no n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
O dever consagrado nesta norma abrange, naturalmente, situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.
Em tal situação, deve o recorrente observar os ónus de impugnação previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil.
Prescreve este dispositivo legal:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Analisemos então se a recorrente cumpriu os ónus de impugnação impostos pelo artigo.
Desde logo, mostram-se devidamente observados os ónus contemplados pelas alíneas a) e c) do n.º 1 do citado artigo. A recorrente especificou os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e declarou qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as decisões de facto impugnadas.
Também foram devidamente indicados os concretos meios probatórios em que se funda a impugnação - alínea b) do n.º 1 do artigo - e, particularmente em relação aos meios probatórios que foram objeto de gravação, afigura-se-nos que a recorrente teve o cuidado de indicar com exatidão as passagens da gravação que suportam o seu recurso.
Atente-se nos seguintes excertos das conclusões do recurso:
· «Tendo em vista o exposto na 1ª. questão, deverá alterar-se a resposta à matéria de facto impugnada, dos pontos, 6,8 e 9 (…)
§ - Depoimento da testemunha BB ao minuto 00:05:00; 06:00 a 09:00 a 00:11:00, acima transcrito.
§ - Depoimento da testemunha CC ao minuto 00:03:00 a 00:06:00, 07:00; 08:00; 09:00; 10:00; 11:00; 12:00 e 13:00, acima transcrito.
§ - Depoimento da testemunha DD ao minuto 05:00; 06:00; 07:00; 08:00; 09: 00 a 11:00, acima transcrito.
§ - Depoimento da testemunha EE ao minuto _02:00; 033:00 a 12:00, transcritos na pág. 11 a 13, acima transcrito.
§ - Depoimento da testemunha FF ao minuto; 00:02:00 a 13:00, acima transcrito.».
· «Conforme consta do relatório, quanto ao ponto 13 dos factos provados, deverá ser modificada a resposta (…)
§ - Depoimento da testemunha BB ao minuto 04:00 a 12:00, transcrito na página 5 a 19vs.
§ - Depoimento da testemunha CC ao minuto 00:02:00 a 13:00
§ - Depoimento da testemunha GG ao minuto 02:00 a 04:00, todos eles transcritos na página 5 a 19vs e cujo depoimento transcrito se junta.».
· «Quanto ao facto 15 dos pontos provados, deverá ser modificado (…)
§ - Também as testemunhas BB, à época diretor comercial da entidade patronal ao minuto 03:00 a 07:00, referiu, designadamente (…)
§ Também o depoimento de CC ao minuto 03;00 a 14:00 reafirmou as questões de segurança na utilização do equipamento e das normas que esta testemunha, enquanto diretor fabril, impunha na utilização do equipamento em causa.
§ A testemunha EE, referiu no seu depoimento ao minuto 03:00 a 12:00, as questões de segurança e o porquê de o sinistro ter ocorrido.
§ A testemunha FF, no seu depoimento, referiu-se a tal questão, ao Minuto 06:00 a 13:00, a tal questão da formação, do equipamento e da causa do sinistro.
§ No mesmo sentido, a testemunha GG no depoimento prestado ao minuto 00:05:00, a 00:12:00 cujo depoimento integralmente transcrito, se junta.».
· «Quanto à 2ª, questão dos factos não provados, o ponto “I” dos factos não provados, deverá ser modificada a resposta (…)
§ - Depoimentos das testemunhas indicadas nos trechos transcritos de:
§ ✓ BB; ao minuto 03:00 a 07:00, acima transcrito.
§ ✓ CC; ao minuto 03:00 a 14:00.
§ ✓ GG; ao minuto 05:00, a 12:00.
§ ✓ EE; ao minuto 03:00 a 12:00.
§ ✓ DD, ao minuto 00:06:00 a 11:00».
· «Conforme consta do relatório, no ponto III dos factos não provados, este facto não provado deve ser modificado (…)
§ EE ao minuto 03:00 a 08:00, é inequívoco ao minuto 05:00;06:00;07:00;08:00 de FF ao minuto: 00:09:00;10:00;11:00;12:00 e 13:00; de DD, ao minuto:05:00; 06:00;07:00;08:00; a 10:00 e de CC ao Minuto: 04:00 a 07:00;08:00;09:00;10:00;11:00;12:00 e 13:00.».
· «No Ponto IV deu-se como não provado que a entidade patronal transmitiu à sinistrada que a operação descrita em 7, deveria ser realizada com a máquina parada, (…)Este ponto encontra-se incorretamente julgado pelo que deverá ser modificada a resposta (…)
§ Bem como da prova testemunhal transcrita na página 5 a 19vs, que se dá por reproduzida, das testemunhas:
§ • BB; ao M, 03:00 a 07;00
§ • CC; ao M, 03: a 14:00
§ • DD; ao M, 06:00 a 11:00
§ • EE; ao M, 03: a 12:00
§ • FF, ao M, 04:00;05:00;06:00;07:00
§ • GG, ao M, 05:00 07:00;08:00;09:00 ; 11:00;13:00.».[2]
Enfim, é manifesto que o dever de indicação, com exatidão, das passagens da gravação, consagrado na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do Código de Processo Civil foi escrupulosamente cumprido.
Resta-nos, pois, admitir o recurso quanto à impugnação da decisão de facto.
Consigna-se, desde já, que ouvimos a gravação de toda a prova produzida em julgamento e analisámos a prova documental que foi carreada para o processo.
Após reflexão sobre a prova produzida, chegou, pois, o momento de conhecermos da impugnação deduzida.
Pontos 6, 8 e 9 dos factos provados:
Eis o teor destes pontos: 6. Em 01.10.2018, pelas 10h50, em Vendas Novas, no seu local e horário de trabalho, quando trabalhava numa máquina industrial de cola quente/prensa, AA ficou com o seu cabelo preso na mesma. 8. Tal evento deu-se quando AA estava a proceder à limpeza dos rolos de transporte das placas de cortiça, estando tais rolos em rotação. 9. A fim de limpar o rolo, AA inclinou-se na direção do mesmo, ficando com cabelo preso no rolo.
Sustentou a recorrente que deve ser dada uma resposta conjunta a estes pontos, no sentido de que se provou apenas que, em 01-10.2018, ocorreu o sinistro da autora com as consequências referidas na parte final do ponto 6.
Se bem compreendemos, parece que a recorrente pretende que se eliminem os pontos 8 e 9 e que fique só a constar a ocorrência e consequências descritas no ponto 6.
Todavia, a prova produzida (testemunhal e documental) suporta a verificação dos factos narrados nos pontos 8 e 9, que resultam do alegado nos artigos 9.º a 11.º da petição inicial.
Nesse sentido, realçam-se as declarações da autora que se revelaram sinceras, espontâneas e coerentes. A mesma referiu que imediatamente antes do evento descrito no ponto 6 estava a proceder à limpeza do cilindro da máquina, com um pano, e que para o efeito se inclinou para o lado direito que era o lado onde se encontrava o dito cilindro.
A posição do cilindro à direita da autora resultou corroborada pelos depoimentos prestados pelas testemunhas EE, II, DD, CC, BB e GG, cuja razão de ciência revelada derivou do exercício das suas funções profissionais na recorrente (empregadora) e do conhecimento do equipamento em causa; do depoimento da testemunha JJ, que também conhecia o equipamento por força das funções que exerceu na empresa EMP02... com quem a recorrente havia celebrado um contrato de prestação de serviços na área da higiene, segurança e saúde no trabalho; no depoimento da testemunha KK, inspetora da ACT, que fez a averiguação do acidente e elaborou o “inquérito de acidente de trabalho” junto a fls. 3 a 52 dos autos, no qual constam fotos do equipamento; e das diversas fotos do equipamento em causa juntas ao processo (fls 362 a 365), onde é possível observar que o cilindro da máquina se situava, efetivamente, à direita da trabalhadora.
Por outro lado, a narração feita pela autora sobre a atividade que estava a realizar, apesar de não ter sido observada por ninguém, mostra-se crível, pois a sua colega de trabalho, EE, reconheceu, mediante perguntas feitas pela meritíssima juíza a quo e confrontada com as declarações que prestou ao militar da GNR (fls. 76), que para não pararem o processo produtivo limpavam (ela, a sinistrada e a colega II) o cilindro em movimento com um pano e água, tendo esse procedimento sido ensinado à testemunha pela responsável da secção DD e, por seu turno, a testemunha e a colega II ensinaram tal procedimento à autora.
A testemunha LL também reconheceu que fazia a limpeza da cola que se acumulava por vezes no cilindro com um pano enquanto a máquina estava a trabalhar.
Enfim, considerando que a limpeza do cilindro com a máquina em movimento era uma atividade que a operadora que estava de serviço ao equipamento fazia sempre que necessário, e tendo em consideração o modo natural e voluntário como a autora descreveu o que estava a fazer antes do seu cabelo ter ficado preso, apesar de a sua ação não ter sido observada por ninguém, as regras da experiência comum e o que sucedeu (evento) e o estado em que foi encontrada (atente-se ao depoimento prestado pelo militar da GNR, MM, e ao inquérito que está junto a fls. 67 a 77, que evidenciam que a autora foi encontrada com parte do tronco em cima do tapete junto à máquina, com a face virada para o lado esquerdo e o cabelo preso no rolo do lado direito), leva-nos a acreditar na ocorrência dos factos descritos nos pontos 8 e 9.
Assim sendo, mantemos o decidido e, em consequência, julga-se, nesta parte, a impugnação improcedente.
Ponto 13 dos factos provados:
Neste ponto consta o seguinte: - A máquina suprarreferida não tinha qualquer proteção que impedisse o contacto dos elementos rotativos, designadamente o rolo suprarreferido, com o operador da máquina nem dispositivos que interrompessem o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas.
Pugnou a recorrente para que, em relação a este ponto, se dê apenas como provado que o equipamento tem a proteção que o fabricante da máquina entendeu por adequada em operação normal e desde que observadas as regras de utilização.
Ora, a sugerida alteração da redação contempla, em parte, uma apreciação conclusiva – «que o fabricante da máquina entendeu por adequada em operação normal e desde que observadas as regras de utilização» -, e, como reiteradamente esta Secção Social tem declarado, e os tribunais em geral, os juízos valorativos ou conclusivos não podem constar do elenco dos factos provados.
A decisão sobre a matéria de facto deve incidir sobre factos.
É certo que, como refere Alberto Augusto Vicente Ruço, inProva e formação da convicção do juiz, Almedina-Coletânea de Jurisprudência, 2016, pág. 55, não obstante a referência constante nas leis processuais a factos, estas não definem o que são os factos.
Salienta, porém, este autor: «No entanto, quando aludimos a factos, o senso comum, diz-nos que nos referimos a algo que aconteceu ou está acontecendo na realidade que nos envolve e percecionamos.»
Nesse sentido intuitivo captado pelo senso comum, poderemos afirmar, seguindo as palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, inManual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, págs. 406-408, que os factos para efeitos da decisão sobre a matéria de facto «abrangem as ocorrências concretas da vida real».
Explicitam estes autores: «Dentro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes), cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, diretamente captável pelas perceções do homem – ex propiis sensibus, visus et audictus), mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do individuo (v.g. vontade real do declarante (…); o conhecimento dessa vontade pelo declaratário; (…) o conhecimento por alguém de determinado evento concreto (…); as dores físicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria».
Posto isto, é inequívoco que um juízo conclusivo/apreciativo sobre o que o fabricante da máquina entendeu por proteção adequada em operação normal e desde que observadas as regras de utilização não pode integrar o acervo fáctico.
Ademais, mesmo que tal conclusão constasse do elenco dos factos provados seria absolutamente inócua, pois o que importa apurar é se a máquina em causa nos autos tinha alguma proteção que impedisse que o operador da máquina contactasse com os elementos rotativos, e, em caso afirmativo, identificar essa proteção, competindo depois, já na fase da análise jurídica dos factos, analisar se em face das regras de segurança e saúde no trabalho que devem ser obrigatoriamente observadas pelo empregador a dita proteção cumpria as exigências legais que visam salvaguardar a saúde integral dos trabalhadores.
O entendimento que o fabricante tinha sobre a adequação da proteção seria, pois, absolutamente irrelevante para o desfecho da lide.
Enfim, em face do exposto, apreciaremos restritivamente a impugnação do ponto 13.
Dito de outro modo, apenas se analisará se a prova produzida justifica a alteração do teor deste ponto por forma a que nele fique a constar que o equipamento tinha proteção que evitava o contacto do operador com os elementos rotativos e qual o tipo de proteção.
Ora, resulta da motivação da convicção apresentada pelo tribunal a quo que os meios probatórios que sustentaram o decidido quanto ao ponto 13 foram as fotografias de fls. 362 e seguintes dos autos.
E assim é, de facto.
Tais fotos evidenciam que o equipamento em causa não tinha qualquer proteção que evitasse o contacto do operador da máquina com o cilindro rotativo que se observa. Existia uma grelha por cima, mas uma das faces do cilindro estava desprotegida enquanto o mesmo rolava.
Também não se observa a existência de qualquer dispositivo que interrompesse o movimento (rotatividade) do cilindro antes do acesso à zona exposta.
Ademais, a testemunha GG, responsável pela manutenção na empresa recorrente, afirmou, sem hesitações, que cerca de metade do cilindro estava a descoberto e que não existia instalado qualquer mecanismo de proteção para essa zona.
Estes meios probatórios são suficientemente consistentes para julgar verificada a factualidade descrita no ponto 13.
Destarte, improcede, quanto a este ponto, a impugnação deduzida.
Ponto 15 dos factos provados: Refere-se neste ponto: - Inexistia qualquer avaliação de riscos de contacto mecânico com componentes rotativos da máquina supra identificada. Declarou a recorrente que, neste ponto, deve ser dado como provado que a entidade patronal promoveu a todos os trabalhadores que operavam o equipamento identificado em 6, a avaliação de riscos graves em caso de inobservância das regras de utilização do equipamento.
Analisemos.
Na motivação da convicção, escreveu-se na sentença recorrida: «A prova do facto 15. resulta da circunstância de, tendo o mesmo sido pela autora alegado, não ter a ré entidade patronal procedido à junção de prova documental que atestasse avaliação de riscos de contacto mecânico com componentes rotativos da máquina supra identificada, sendo certo que a avaliação de riscos por si junta a fls. 344 e ss. dos autos, por um lado não contempla tal risco e, por outro lado, sequer se encontrada datada de modo a aferir a sua existência anterior ao evento em discussão nos autos.».
Concordamos inteiramente com o exposto.
A “avaliação de riscos profissionais” junta a fls. 344 e segs. dos autos, elaborada pela EMP02...(prestadora de serviços na área da higiene, segurança e saúde no trabalho) não contempla riscos de contacto mecânico com componentes rotativos da máquina em causa. Em relação a tal equipamento apenas se mostram especialmente contemplados os riscos relacionados com a aplicação de colas (risco de incêndio e explosão e riscos químicos: contaminação e inalação).
Acresce que a inexistência de uma avaliação de riscos relacionados com o contacto mecânico com os componentes rotativos do equipamento foi admitida pela testemunha JJ, que explicou que o relatório de avaliação elaborado, no qual participou, era genérico e não específico para cada máquina e que, realmente, em relação ao equipamento onde sucedeu o acidente não foi feita qualquer avaliação de riscos relacionados com os elementos rotativos que existiam.
Acresce que nenhuma testemunha logrou referir que tenha tido conhecimento, por lhe ter sido comunicado pela recorrente, sobre a existência de uma avaliação de riscos graves em caso de inobservância das regras de utilização do equipamento.
Em face do exposto, é evidente que se deve manter o ponto 15.
Por conseguinte, improcede, igualmente nesta parte, a impugnação.
Ponto I dos factos não provados:
Resulta deste ponto que o tribunal a quo não considerou provado: - A autora não teve formação para trabalhar com a máquina identificada em 6.
Pugnou a recorrente para que tal materialidade seja considerada demonstrada.
Parece-nos, desde logo, e salvaguardado o devido respeito, que é muito, que a recorrente se confundiu em relação ao teor do ponto impugnado, pois afirmou: «No documento 1, 2, 3, 4 e 5 juntos com a contestação e não impugnados, verifica-se que a sinistrada teve adequada formação para poder trabalhar com tal equipamento. Daí que, a resposta a este ponto, deverá ser alterada, considerando-se o mesmo provado.»
Ou seja, parece que a recorrente leu o aludido ponto como se do mesmo resultasse que não se provou que a autora teve formação para trabalhar com a máquina identificada no ponto 6 dos factos provados.
Só que não é isso que resulta do teor do ponto 1 dos factos não provados.
(O teor deste ponto coincide com o alegado no artigo 19.º da petição inicial, que foi impugnado pela ré empregadora).
Aliás, para justificar o decidido, escreveu o tribunal a quo na motivação da convicção: «Quanto ao facto I., produziu-se prova em sentido contrário, conforme resulta da factualidade provada e respetiva fundamentação já que decorre das declarações da própria sinistrada que lhe foi transmitido, ainda por outras colegas e em contexto de trabalho, o modo de laborar com a máquina.».
Isto é, porque a autora confessou ter recebido formação para trabalhar com o equipamento em causa, não se considerou provado o alegado no artigo 19.º da petição inicial.
Todavia, na sua contestação, a ré empregadora alegou que foi dada formação à autora para trabalhar com a máquina - cf. artigos 1.º, 6.º e 8.º, alínea k).
E se a autora confessou, como consta da ata da audiência de julgamento do dia 10-10-2023, que «antes de iniciar as funções com a máquina onde ocorreu o acidente, foi-lhe explicado pelas suas colegas de trabalho EE e II ofuncionamento da mesma», este facto deve integrar o conjunto dos factos provados.
Deste modo, ao abrigo do artigo 662.º do Código de Processo Civil, adita-se ao elenco dos factos provados o ponto n.º 24, com o seguinte teor: - Antes de iniciar as funções com a máquina onde ocorreu o acidente, foi explicado à autora, pelas suas colegas de trabalho EE e II, o funcionamento da mesma.
Acrescenta-se que só esta formação resultou provada, pois o documento que faz fls. 350 dos autos, onde consta a presença da autora diz respeito a uma “ação de sensibilização” genérica, isto é, não específica do equipamento em causa. O mesmo em relação à formação mencionada a fls. 351 dos autos.
Em resumo, a impugnação improcede, mas, ao abrigo do artigo 662.º do Código de Processo Civil, adita-se o suprarreferido ponto 24.
Ponto III dos factos não provados:
Tem o seguinte teor: - Nas circunstâncias de modo, tempo e lugar referidas em 6., AA tinha o cabelo apanhado, abaixo dos ombros de cerca de 80/70 cm.
Também quanto à matéria constante deste ponto, entendeu a recorrente que deve ser julgada provada.
Entendemos que não, porquanto os meios de prova, conjugados entre si, suscitaram-nos dúvidas sobre a verificação do facto impugnado, e, de harmonia com o prescrito no artigo 414.º do Código de Processo Civil, a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.
Efetivamente, sobre a forma como o cabelo da autora se apresentava antes do acidente, as declarações da autora e os depoimentos das testemunhas EE, II e NN não foram coincidentes.
A autora referiu que tinha o cabelo apanhado em rabo de cavalo, que estava para trás e ia até uma altura imediatamente abaixo dos ombros.
A testemunha EE declarou que o cabelo da autora estava apanhado, mas caía pelas costas até à cintura.
II mencionou que a autora tinha o cabelo apanhado pela altura do pescoço e que o resto estava caído pelos ombros.
Quanto à testemunha NN referiu que viu a autora com o cabelo preso na base do pescoço e solto pelas costas abaixo.
Ora estes depoimentos, conjugados entre si, e dado que nenhuma outra prova foi produzida, não permitem adquirir a segurança que se mostra necessária para dar um determinado facto como provado.
A prova produzida não se revela sólida quanto à forma como se apresentava o cabelo da autora imediatamente antes do acidente.
Por isso mesmo, acompanhamos o tribunal a quo quanto à decisão assumida em relação ao ponto III dos factos não provados.
Improcede, assim, a impugnação quanto a este ponto.
Ponto IV dos factos não provados:
Foi aqui dado como não provado: - A ré entidade patronal transmitiu a AA que a operação descrita em 7. deveria ser realizada com a máquina parada.
Alegou a recorrente que este ponto foi incorretamente julgado, porquanto os meios probatórios que indica demonstram a verificação do facto em causa.
Apreciemos.
Primeiramente, tudo indica que existe um lapso material na redação do ponto dado como não provado, pois, ao invés de se aludir à “operação descrita em 7.” , seguramente que o tribunal a quo pretendia escrever “operação descrita em 8.”, pois só assim faz sentido a referência.
Corrige-se, pois, tal lapso material.
Idêntico lapso material se verifica no ponto VI. dos factos não provados, pelo que se aproveita para, igualmente, se corrigir este ponto.
Quanto aos meios probatórios produzidos, e focando-nos novamente no ponto IV, salienta-se que a autora, nas declarações que prestou, referiu que quando a ensinaram a trabalhar com a máquina lhe disseram que deveria fazer a limpeza de alguma acumulação de cola no cilindro enquanto ele estava a rodar e com um pano. Estas declarações foram confirmadas pela testemunha EE, conforme já aludimos supra.
Quanto à testemunha II, sobre esta matéria, o seu depoimento não se nos afigurou isento e credível, e revelou-se até contraditório, pois disse que só fazia a limpeza com a máquina parada, mas depois admitiu que já tinha feito a limpeza com a máquina em movimento. Também referiu que nunca tinha procedido à limpeza com um pano, mas depois de ter sido confrontada com o que tinha sido dito pela testemunha EE, reconheceu que já tinha utilizado um pano húmido para limpar a máquina, afirmando que existia um pano do lado direito da máquina para ser utilizado para esse fim.
Enfim, quanto a esta matéria não podemos valorar o depoimento da testemunha, dadas as incongruências reveladas.
Ao contrário do alegado pela recorrente, não foi apresentada qualquer prova (documental ou testemunhal), nomeadamente a convocada em sede de impugnação, que permitisse criar convicção sobre a verosimilhança do facto descrito no ponto IV.
Nenhuma testemunha, isenta e credível, afirmou que tenha dito ou ouvido dizer à autora que a operação descrita no ponto 8 dos factos provados deveria ser realizada com a máquina parada.
Inexiste igualmente prova documental que comprove a comunicação de tal instrução.
A existência de um manual de informações gerais de segurança sobre a máquina, da autoria do fabricante, em cima de uma secretária ou dentro de um armário (não chegámos a perceber bem onde o mesmo se localizava) não é suficiente para se concluir que a comunicação da referida instrução foi efetuada.
A comunicação é um processo que envolve a troca de informações entre dois ou mais interlocutores (emissor e recetor).
Resta-nos, como tal, concluir que a factualidade descrita no ponto IV não resultou provada, conforme bem decidiu o tribunal a quo.
Confirma-se, assim, o decidido e julga-se a impugnação, nesta parte, improcedente.
-
Para finalizar a apreciação da matéria de facto, resta-nos referir que existe também um manifesto lapso material no ponto 7 dos factos provados.
Escreveu-se nesse ponto que a autora começou a trabalhar com a máquina referida no ponto anterior em setembro de 2021. Seguramente que o tribunal a quo queria escrever setembro de 2018. Afinal o infeliz evento ocorreu em 1 de outubro de 2018.
Corrige-se, pois, o manifesto lapso material, passando o ponto 7 a ter a seguinte redação: - HH começou a trabalhar com a máquina supra identificada em setembro de 2018.
-
Concluindo: - Julga-se a impugnação da decisão de facto totalmente improcedente. - Ao abrigo do artigo 662.º do Código de Processo Civil, adita-se ao elenco dos factos assentes o seguinte ponto:
· 24- Antes de iniciar as funções com a máquina onde ocorreu o acidente, foi explicado à autora, pelas suas colegas de trabalho EE e II, o funcionamento da mesma. - Retifica-se o ponto 7 dos factos provados, que passará a ter a seguinte redação:
· - HH começou a trabalhar com a máquina supra identificada em setembro de 2018. - Retifica-se o ponto IV dos factos não provados, que passará a ter a seguinte redação:
· A ré entidade patronal transmitiu a AA que a operação descrita em 8. deveria ser realizada com a máquina parada. - Retifica-se o ponto VI dos factos não provados, que passará a ter a seguinte redação:
· Nas circunstâncias referidas em 8., AA desequilibrou-se.
*
V. Da alegada descaracterização do acidente
A segunda questão suscitada no recurso relaciona-se com a invocada descaracterização do acidente.
Alegou a recorrente que o acidente deve ser descaracterizado, nos termos previstos pelo artigo 14.º, n.º1, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (LAT).
Apreciemos a questão.
Estatui o mencionado artigo 14.º: «1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que: a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado; c) Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação. 2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la. 3 - Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.».
Ora, atento o disposto na alínea a) do n.º 1 do citado artigo, inexiste direito de reparação dos danos decorrentes do acidente que «for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei.»
Para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1, estipula o n.º 2 do normativo que se considera «que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento, ou tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la».
Quanto ao ónus probatório da situação excludente do direito à reparação do acidente, o mesmo recai sobre quem a invoca – neste sentido, v.g. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-09-2008 (Rec. n.º 1163/08-4), acessível em “Sumários”, Set/2008; Acórdão da Relação do Porto de 13-01-2014 (Proc. n.º 400/11.0TTMTS.P1); e, Acórdão da Relação de Coimbra, de 25-03-2004 (Proc. n.º 3654/03).
Focando-nos agora no caso dos autos, não se nos afigura que do acervo de factos provados resulte, desde logo, que o acidente foi dolosamente provocado pela sinistrada, nem tal é invocado pela recorrente.
Também não se nos afigura que a recorrente tenha logrado provar que a autora desrespeitou, voluntária e conscientemente, mesmo que não intencionalmente, por ação ou omissão qualquer regra de segurança estabelecida pela empregadora ou prevista na lei, tendo sido esse seu comportamento desobediente que originou o acidente.
Com arrimo nos factos provados, não se pode inferir que existiam normas de segurança impostas pela empregadora direcionadas aos específicos riscos de contacto mecânico com os elementos rotativos do equipamento com que a autora trabalhava. Aliás, nem sequer existia qualquer avaliação desses riscos.
Os avisos que estavam na máquina - perigo de ser puxado; não colocar as mãos; vestir roupa justa – eram apenas isso: avisos.
Os mesmos não se confundem com normas impostas pela empregadora.
A norma interna da empresa que impunha que os funcionários trabalhassem com o cabelo apanhado acima dos ombros também não era especialmente dirigida a qualquer risco específico relacionado com o equipamento em causa. Além disso, não resultou apurado que a trabalhadora tenha violado sequer essa norma interna.
E, conforme se escreveu na sentença recorrida, «não obstante ter-se provado que era norma interna da ré entidade patronal, os funcionários terem ter o cabelo apanhado acima dos ombros, não logrou a ré entidade patronal provar que a sinistrada não tinha o cabelo apanhado e, ainda que tal se provasse, sempre se havia de concluir pela verificação do quarto requisito, ou seja, que o acidente tenha sido consequência de tal ação, porquanto o acidente foi consequência de a máquina não ter qualquer dispositivo que impedisse o contato do operador com os componentes móveis e rotativos. Com efeito, qualquer pessoa, ainda que com o cabelo apanhado acima dos ombros, nas circunstâncias em que o acidente ocorreu, poderia ir de encontro ao rolo ficaria com o cabelo igualmente preso no mesmo (bastaria, para tanto, desequilibrar-se).».
Acresce que a recorrente não invocou a violação, pela autora, de qualquer norma de segurança prescrita na lei.
Em suma, não se nos afigura que a situação contemplada na segunda parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º se verifique no vertente caso.
Analisemos então se a recorrente logrou demonstrar que o acidente ocorreu devido a exclusiva negligência grosseira da sinistrada – alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT.
Relativamente à definição do que seja “negligência grosseira”, é o próprio legislador que refere no n.º 3 do mencionado artigo: «Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.»
Conforme refere Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime jurídico, pág. 187: «”Comportamento temerário” e “alto e relevante grau” são conceitos vagos que dificilmente se podem analisar, a não ser ponderando situações concretas, com pessoas concretas e em locais concretos. Significa isto que entendemos que tais conceitos não devem ser “medidos” face ao comportamento ideal do “bónus pater familiae”. Por outro lado, o uso indiscriminado do conceito temerário pode punir atos de abnegação e heroísmo, normalmente caracterizados pela sua temeridade, e não premiá-los como seria de justiça.».
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, na análise dos diversos casos concretos que têm sido submetidos à sua apreciação, tem balizado e densificado o conceito geral e abstrato utilizado na lei.
No Acórdão de 21-03-2013 (Proc. nº 191/05.4TTPDL.P1.S1) escreveu-se o seguinte: «(…) a lei acolheu a figura da negligência grosseira que corresponde a uma negligência particularmente grave, qualificada, atento, designadamente, o elevado grau de inobservância do dever objetivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo. Trata-se de uma negligência temerária, configurando uma omissão fortemente indesculpável das precauções ou cautelas mais elementares, que deve ser apreciada em concreto, em face das condições da própria vítima e não em função de um padrão geral, abstrato de conduta»
No Acórdão de 24-10-2012 (Proc. n.º 1087/07.0TTVFR.P1.S1) definiu-se o conceito abstrato utilizado da lei, nos seguintes termos: «A negligência grosseira é uma modalidade de negligência qualificada. (…) A negligência grosseira pressupõe um desrespeito pelo dever de cuidado especialmente censurável, em grau particularmente elevado, centralizado numa indiferença acentuada do agente perante o perigo inerente ao exercício da atividade que prossegue comportando uma dimensão de temeridade, materializado na omissão de cumprimento das precauções e cautelas mais elementares. No entender de MENEZES LEITÃO, “de acordo com o critério de apreciação da culpa em abstrato, a culpa grave corresponde a uma situação de negligência grosseira, em que a conduta do agente só seria suscetível de ser realizada por uma pessoa especialmente negligente, uma vez que a grande maioria das pessoas não procederia da mesma forma”. A negligência grosseira, operativa para efeitos de descaracterização do acidente de trabalho deve ser apreciada caso a caso, em função das particularidades da situação em causa, tomando como pontos de referência a forma como o sinistrado se posiciona perante o perigo decorrente da sua conduta e a dimensão da censura que a sua indiferença perante a potencialidade de ocorrência do sinistro justifica. Também aqui o Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, no n.º 2 do seu artigo 8.º nos apresenta um critério para o preenchimento do conceito. Refere-se naquela norma que se entende “por negligência grosseira o comportamento temerário em alto grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão”. Deste modo, afirma-se que a negligência grosseira se materializa num comportamento temerário em alto e elevado grau, mas depois retira-se do espaço daquela forma de negligência as situações em que esse comportamento temerário deriva da «habitualidade ao perigo do trabalho executado», “da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão”, elementos que delimitam por sua vez negativamente aquela forma de negligência, tornando-a não censurável, o que leva a que a mesma nestas situações não descaracterize o acidente. Ao excluir do espaço da negligência grosseira e ao afastar a descaracterização do acidente, a lei contemporiza com elementos desculpabilizantes típicos no mundo do trabalho, tais como a habituação ao risco, a confiança na experiência como fator de controlo do risco inerente à atividade profissional e aos usos e costumes da profissão que poderão em certas situações potenciar alguma dimensão de temeridade causal do acidente e que contribuem por esta via para a ocorrência de acidentes. A Lei n.º 100/97, substituiu o conceito de conceito de “falta grave e indesculpável da vítima”, que constava da alínea b) do n.º 1 da Base VI da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, pelo conceito de “negligência grosseira” acima referido, vindo, contudo, depois o legislador do Decreto-Lei n.º 143/99, a utilizar para delimitação negativa do conceito de negligência grosseira que especifica, os elementos que o Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, utilizava no seu artigo 13.º para delimitar aquele conceito de falta grave e indesculpável da vítima. Referia-se naquela norma que “não se considera falta grave e indesculpável da vítima do acidente o ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão”. A descaracterização do acidente com este fundamento exige, pois, que se demonstre não só que o acidente resultou, de forma exclusiva, de negligência do sinistrado, mas também que tal falta de diligência no cumprimento do dever geral de cuidado, tal como se tenha configurado no caso, é suscetível de permitir a consideração da conduta do sinistrado como um “comportamento temerário em alto e elevado grau” e que se demonstre igualmente que tal forma de agir não resulta da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão».
Não obstante os acórdãos citados se reportarem ao anterior regime de reparação dos acidentes de trabalho, a sua fundamentação permanece aplicável ao atual regime vigente.
Tentando sintetizar o que resulta da jurisprudência citada, é possível afirmar que uma atuação com negligência grosseira é configurável sempre que se verifique:
- Um comportamento temerário (arriscado, imprudente, perigoso, arrojado);
- Em alto e relevante grau (o risco do comportamento é elevado, importante, significativo);
- E que não resulte: (i) da habitualidade ao perigo do trabalho executado (o contacto frequente, normal, com o risco inerente a um determinado trabalho tende a fazer “baixar” as defesas e cautelas do trabalhador); (ii) da confiança na própria experiência profissional (o conhecimento adquirido pela prática e a superação das dificuldades que vão surgindo nesse contexto, é geradora de confiança quer no evitar da concretização de riscos quer na obtenção de respostas e soluções para qualquer problema que surja); (iii) dos usos e costumes da profissão (práticas habituais, reiteradas ao longo do tempo, de uma forma generalizada e que implicam uma certa convicção da sua obrigatoriedade).
Importa também salientar que a apreciação da negligência grosseira, deve ser feita, sempre, tendo em consideração as específicas e concretas condições do sinistrado e nunca em função de um padrão geral ou abstrato de conduta.
Posto isto, e regressando à apreciação do caso concreto, não se nos afigura que o acidente ocorrido tenha sido causado, exclusivamente, por negligência grosseira da sinistrada.
O que se infere dos factos provados é que a sinistrada quando estava, no exercício das suas funções profissionais, a proceder à limpeza dos rolos de transporte das placas de cortiça, que estavam em rotação, e que não tinham qualquer proteção a impedir o contacto do trabalhador com os elementos rotativos, ficou com o cabelo preso no rolo. E em consequência dessa ocorrência sofreu as lesões e sequelas descritas nos autos.
Ora, ainda que a autora pudesse ter alguma consciência – até porque existiam avisos visíveis na máquina – de que limpar um rolo/cilindro em rotação comportasse o risco de ser puxado, não se nos afigura que o comportamento assumido se possa considerar temerário ou arrojado em elevado grau ou altamente perigoso e imprudente, nas circunstâncias do caso.
Repare-se que a empregadora não logrou provar que havia dado conhecimento ou ordens à sinistrada para não efetuar tal procedimento e a limpeza do rolo era feita com as mãos, ou seja, para a autora, se nos colocarmos no seu lugar, seria previsível que sua cabeça ficasse numa altura superior à do cilindro que estava a ser limpo, pelo que não haveria qualquer risco para a zona da cabeça.
Em suma, poderá ter havido alguma atitude negligente da trabalhadora, mas tal negligência não atingiu o nível elevadíssimo que é contemplado na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º da LAT.
Ademais, o acidente não proveio exclusivamente do comportamento da trabalhadora.
Para o mesmo contribuiu fundamentalmente o incumprimento de regras de segurança e saúde no trabalho por parte da empregadora, que não avaliou os riscos de contacto mecânico com os elementos rotativos do equipamento, não colocou qualquer proteção que impedisse o contacto com esses elementos rotativos e não dotou a máquina de um sistema de paragem adequado.
Por conseguinte, resta-nos concluir que a recorrente também não logrou demonstrar a verificação da causa excludente prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º.
Quanto à situação prevista na alínea c) da mesma norma, a mesma não se verifica, nem foi alegada (apesar de se ter mencionado, manifestamente por lapso de escrita, esta alínea na página 29 do recurso).
Em suma, improcede totalmente a segunda questão suscitada no recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida na parte que entendeu não haver descaracterização do acidente.
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VI. Responsabilidade pela reparação do acidente
A terceira questão suscitada no recurso respeita à alegada inexistência de responsabilidade agravada da empregadora.
Vejamos.
Na sentença recorrida condenou-se a recorrente, ao abrigo do artigo 18.º da LAT, pela reparação do acidente de trabalho ocorrido, com apoio na seguinte fundamentação: «Dispõe o art. 18.º, n.º 1, da LAT: “1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.” A responsabilidade agravada da empregadora, prevista no art. 18.º da LAT, pode ter um de dois fundamentos: (I) Que o acidente tenha sido provocado pela empregadora, seu representante ou entidade por aquela contratada e por uma empresa utilizadora de mão de obra, ou (II) Que o acidente resulte da falta de observância, por parte daqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho. A única diferença entre estes dois fundamentos reside na prova da culpa, necessária no primeiro caso, e desnecessária no segundo. A culpa prende-se com a exigência de um nexo de imputação subjetiva, denotador da específica ligação do agente com o facto lesivo e tradutor do grau de censurabilidade que merece tal comportamento. Assim, a culpa, tendo por base o nexo psicológico entre o facto e a vontade do agente, traduz um juízo de reprovabilidade da conduta do mesmo concluindo que, em face das circunstâncias específicas do caso concreto, aquele podia e devia ter agido de outra forma. A culpa pode revestir duas formas distintas: dolo (direto, necessário ou eventual), e negligência ou mera culpa (culpa em sentido estrito e que abrange a negligência consciente e a negligência inconsciente). Todavia, em qualquer dos casos, é sempre necessária a prova do nexo causal entre o ato ou omissão e o acidente que veio a ocorrer. O nexo de causalidade traduz-se no juízo de imputação objetiva do dano ao facto de que emerge. No que aos acidentes de trabalho respeita, torna-se necessário estabelecer um elo de ligação entre a conduta da entidade empregadora, seu representante ou entidade por aquela contratada ou empresa utilizadora de mão de obra, e o acidente em apreço. Decorre da experiência comum que no processo causal conducente à produção do evento e, consequentemente, do dano, concorrem, no geral, múltiplas circunstâncias. Como refere Antunes Varela (ob. cit., p. 881), “Se no conceito de causa fosse incluído todo o conjunto de circunstâncias que concretamente interferem no respetivo processo causal, muito poucas vezes por certo o não cumprimento ou o facto ilícito culposo praticado pelo agente poderia ser considerado como causa de danos que ninguém duvida pôr a seu cargo, na obrigação de indemnizar”. Torna-se, pois, necessário distinguir de entre as circunstâncias que concorrem para a produção do evento, e consequentemente, do dano, as que legitimam a imposição, ao respetivo agente, da responsabilidade sobre a ocorrência do acidente. A questão a colocar é, pois, a seguinte: quando é que, para tal efeito, o facto pode e deve ser tido como causa do evento que despoletou o dano? Tratando-se de responsabilidade por factos ilícito, a teoria da causalidade adequada, que, de entre outras, como por exemplo, a teoria da condição sine qua non, é a que consideramos mais correta, responde à questão colocada partindo do pressuposto de que tendo o agente praticado um facto ilícito, que atuou como condição de certo dano, justifica-se que o prejuízo, embora devido a caso fortuito ou à conduta de terceiro, recaia sobre quem ilicitamente criou a condição do dano, só não sendo de considerar o facto ilícito do agente como causa adequada do dano quando para a produção deste tenham concorrido decisivamente circunstâncias extraordinárias, fortuitas ou excecionais. Isto porque, um dos corolários do conceito da causalidade adequada é o de que para que haja causa adequada, não é, de modo nenhum, necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, nada obstando a que, como sucede com frequência, que ele seja apenas uma das condições desse dano. Além disso, a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao evento e, em consequência, ao dano. Ou seja, é sobre esse processo factual concreto que há de recair um juízo sobre a aptidão abstrata do facto para produzir o dano. Assim, a adequação não abrangerá somente a causa e o efeito isoladamente considerados, mas todo o processo causal, sendo necessário que “o efeito tenha resultado do facto, considerado causa dele, pelo processo por que este é abstratamente adequado a produzi-lo” (cf. Pessoa Jorge, “Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil”, 1968, p. 395). Por conseguinte, o ato de terceiro ou do próprio lesado, causadores imediatos do dano, podem ser ainda imputáveis ao agente, desde que devam ser tidos como um efeito adequado do facto gerador da responsabilidade. Dir-se-á que o ato ilícito praticado ou omitido pelo agente cria um risco que àquele pode ser imputado como efeito adequado da sua conduta. Assim sendo, o processo causal do dano assume particular relevância, em face do condicionalismo concreto, porquanto pode aumentar ou alterar essencialmente o risco da verificação do dano. Paralelamente, devem excluir-se da responsabilidade os danos sofridos pelo lesado que não estejam abrangidos pelo núcleo de interesses que a norma violada visa tutelar, bem como aqueles sejam consequência de um risco diferente e autonomizável daquele que determina a ilicitude do ato. Mas como se afirmou anteriormente, independentemente da existência ou não de culpa, a responsabilidade agravada da empregadora, prevista no art. 18.º da LAT, pode ter por fundamento que o acidente resulte da falta de observância, por parte daqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, verificados que sejam os seguintes requisitos: (i) Que sobre o empregador recaia o dever de observar determinadas regras de comportamento, cuja observância teria impedido, segura ou muito provavelmente, a consumação do evento, assim se omitindo o cuidado exigível a um empregador normal e (ii) Que entre essa conduta omissiva e o acidente intercorra um nexo de causalidade adequada. Também a Lei n.º 102/2009, de 10-09, que estabelece o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, prevê no seu art. 15.º que o empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho (n.º 1), devendo zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção (n.º 2): a) Evitar os riscos; b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos fatores ambientais; c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos; d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adotar as medidas adequadas de proteção; e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de proteção; f) Assegurar, nos locais de trabalho, que as exposições aos agentes químicos, físicos e biológicos e aos fatores de risco psicossociais não constituem risco para a segurança e saúde do trabalhador; g) Adaptação do trabalho ao homem, especialmente no que se refere à conceção dos postos de trabalho, à escolha de equipamentos de trabalho e aos métodos de trabalho e produção, com vista a, nomeadamente, atenuar o trabalho monótono e o trabalho repetitivo e reduzir os riscos psicossociais; h) Adaptação ao estado de evolução da técnica, bem como a novas formas de organização do trabalho; i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso; j) Priorização das medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual; l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador. Obviamente que também sobre o trabalhador recai a observação de deveres, designadamente os previstos no art. 17.º, n.1,: a) Cumprir as prescrições de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador; b) Zelar pela sua segurança e pela sua saúde, bem como pela segurança e pela saúde das outras pessoas que possam ser afetadas pelas suas ações ou omissões no trabalho, sobretudo quando exerça funções de chefia ou coordenação, em relação aos serviços sob o seu enquadramento hierárquico e técnico; c) Utilizar corretamente e de acordo com as instruções transmitidas pelo empregador, máquinas, aparelhos, instrumentos, substâncias perigosas e outros equipamentos e meios postos à sua disposição, designadamente os equipamentos de proteção coletiva e individual, bem como cumprir os procedimentos de trabalho estabelecidos; d) Cooperar ativamente na empresa, no estabelecimento ou no serviço para a melhoria do sistema de segurança e de saúde no trabalho, tomando conhecimento da informação prestada pelo empregador e comparecendo às consultas e aos exames determinados pelo médico do trabalho; e) Comunicar imediatamente ao superior hierárquico ou, não sendo possível, ao trabalhador designado para o desempenho de funções específicas nos domínios da segurança e saúde no local de trabalho as avarias e deficiências por si detetadas que se lhe afigurem suscetíveis de originarem perigo grave e iminente, assim como qualquer defeito verificado nos sistemas de proteção; f) Em caso de perigo grave e iminente, adotar as medidas e instruções previamente estabelecidas para tal situação, sem prejuízo do dever de contactar, logo que possível, com o superior hierárquico ou com os trabalhadores que desempenham funções específicas nos domínios da segurança e saúde no local de trabalho.” Contudo, as obrigações do trabalhador no domínio da segurança e saúde nos locais de trabalho não excluem as obrigações gerais do empregador, tal como se encontram definidas no artigo 15.º (n.º 3 do art. 17.º) De igual modo, o Código do Trabalho consagra como um dos deveres do empregador a adoção, no que se refere à segurança no trabalho, das medidas que decorram da lei [artigo 127.º, n.º 1, alínea h)], e ao trabalhador a observância das condições de segurança previstas na lei [artigo 128.º, alínea j)]. Para além disso, estabelece o art. 3.º, al. a) e e), e 16.º do Decreto-Lei n.º 50/2005 de 25 de fevereiro: “Artigo 3.º Obrigações gerais do empregador Para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve: a) Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efetuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização; (…) e) Assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º a 29.º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores. (…) Artigo 16.º 1 - Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protetores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas. 2 - Os protetores e os dispositivos de proteção: a) Devem ser de construção robusta; b) Não devem ocasionar riscos suplementares; c) Não devem poder ser facilmente neutralizados ou tornados inoperantes; d) Devem estar situados a uma distância suficiente da zona perigosa; e) Não devem limitar a observação do ciclo de trabalho mais do que o necessário. 3 - Os protetores e os dispositivos de proteção devem permitir, se possível sem a sua desmontagem, as intervenções necessárias à colocação ou substituição de elementos do equipamento, bem como à sua manutenção, possibilitando o acesso apenas ao sector em que esta deve ser realizada.” Tendo presente tais normativos legais, revertendo à factualidade provada, não pode deixar de se concluir que o trabalho em causa era executado sem qualquer avaliação de riscos, sem planificação ao nível da segurança, sem a observação e qualquer regra de segurança suscetível de evitar o risco de contacto mecânico com as componentes móveis do equipamento. É, pois, manifesto, que não estavam instituídos quaisquer procedimentos de segurança, não podendo considerar-se como tal a factualidade descrita em 23. na medida em que tal procedimento não evita o contacto do operador com o elemento móvel do equipamento, bastando para tanto pensar que o trabalhador poderia, mesmo observando tal indicação da entidade patronal entrar em contacto involuntário com tais elementos móveis simplesmente porque os mesmos não dispunham de qualquer proteção que impedisse tal contacto. Com efeito, o equipamento em questão não cumpria o determinado no n.º 1 do art. 16.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25.02, já que rolo no qual o cabelo da sinistrada ficou preso, sendo um elemento móvel suscetível de causar acidentes por contacto mecânico, não dispunha de protetores que impedissem o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompessem o movimento dos elementos móveis, no caso o rolo, antes do acesso a essas zonas. Deveria a ré entidade patronal da sinistrada - pois sobre si recai a responsabilidade sobre as condições de segurança no local - ter efetuado uma avaliação de risco de contacto mecânico com as componentes móveis do equipamento e ter adotado procedimentos de segurança referidos Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25.05, e, em resultado de tal avaliação, deveria ter colocado protetores que impedissem o acesso às zonas perigosas ou dispositivos que interrompessem o movimento dos elementos móveis, no caso o rolo, antes do acesso a essas zonas. Estas medidas foram omitidas, sendo que a entidade patronal da sinistrada entende cumprido o seu dever transmitindo aos seus funcionários que devem laborar com o cabelo apanhado acima dos ombros como se tal fosse suficiente para obviar ao risco de contacto mecânico, quando tal risco deve ser evitado nos termos prescritos na lei com uma intervenção junto do equipamento e não com indicação meramente dirigidas ao trabalhador. O risco verifica-se na máquina, não no trabalhador e, por conseguinte, é na adequação desta que deve ser evitado. Foi precisamente a omissão de deveres elementares de cuidado, como os supra descritos que foram, num juízo de prognose póstuma, a causa adequada, à produção do acidente que veio a verificar-se, tendo contribuído de forma decisiva para a ocorrência do referido evento. A ré entidade patronal não avaliou os riscos, não dotou a máquina em apreço de protetores que impedissem o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompessem o movimento dos elementos móveis, no caso o rolo, antes do acesso a essas zonas. A violação das regras de segurança ocorre não apenas por ação, mas também por omissão, face à obrigação do empregador em zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador (art. 486.º do Código Civil). Todas estas violações são imputáveis à ré entidade patronal. No caso em concreto, a observância das regras de segurança supracitadas, ou seja, a inexistência de protetores que impedissem o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompessem o movimento dos elementos móveis, no caso o rolo, antes do acesso a essas zonas, aliada à prévia avaliação de riscos de contacto mecânico, seria, com muito elevado grau de probabilidade, apta a evitar a produção do acidente. É precisamente porque os trabalhadores são humanos e, portanto, naturalmente, suscetíveis de incorrer em erro ou distração, que existem deveres de proteção acrescidos da responsabilidade da entidade patronal. A segurança começa na avaliação dos riscos inerente à execução do trabalho, no planeamento do mesmo e na institucionalização de métodos de trabalho seguros e adequados, com controlo da sua efetiva aplicação, e essa responsabilidade, que até é prévia a qualquer ato do trabalhador, recai sobre a entidade patronal. Mostram-se, desse modo, e face ao exercício da atividade sem estarem asseguradas condições mínimas de segurança, sem avaliação de riscos de contacto mecânico, violados os art. 3.º, al. a) e e), e 16.º do Decreto-Lei n.º 50/2005 de 25 de fevereiro, bem como os arts. 15.º, n.º 1, n.º 2, al. a), b), c), d) e e), n.º 14, da Lei 102/09, de 10.09, na redação atual. Verificam-se, pois, os requisitos supra enunciados: (I) O acidente foi provocado por uma conduta omissiva da entidade empregadora; (II) A conduta omissiva da entidade patronal é suscetível de um juízo de reprovabilidade, não podendo deixar de se concluir que, em face das circunstâncias específicas do caso concreto, aquela podia e devia ter agido de outra forma e (III) Existe nexo causal entre a omissão praticada e o acidente sofrido pelo autor. E tal basta, em nosso entender, para se considerarem reunidos os pressupostos a que alude o art. 18.º, n.º 1, da LAT, recaindo sobre a ré “EMP01..., Lda.” a responsabilidade sobre o ressarcimento dos danos sofridos pela autora na sequência do acidente de trabalho de que foi vítima.».
Subscrevemos, sem reservas ou dúvidas, a consistente argumentação apresentada pela 1.º instância e a conclusão a que se chegou sobre a existência de responsabilidade agravada da empregadora.
De harmonia com o preceituado no n.º 1 do artigo 18.º da LAT, quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares.
No caso que se aprecia, chegou-se, e bem, à conclusão que o acidente ocorrido resultou da falta de observação, pela empregadora, das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Este segmento do preceito pressupõe a verificação dos seguintes requisitos: a) que sobre a empregadora ou qualquer outra das entidades mencionadas no normativo recaia o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança; b) que tais normas não tenham sido efetivamente cumpridas; c) que se verifique uma relação de causalidade adequada entre aquela omissão e o acidente. - neste sentido, entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 06-05-2015 (Proc. n.º 220/11.2TTTVD.L1.S1); de 14-01-2015 (Proc. n.º 644/09.5T2SNS.E1.S1); de 02-12-2013 (Proc. n.º 4734/04.2TTLSB.L2.S1); e de 29-10-2013 (Proc. n.º 402/07.1.TTCLD.L1.S1)
Temos entendido que as regras a que o artigo se refere são normas que consagram deveres especiais de cuidado em matéria de segurança e saúde no trabalho, o que exclui da previsão legal qualquer violação de um dever geral de cuidado.
O ónus da alegação e prova dos factos suscetíveis de agravar a responsabilidade do empregador cabe ao respetivo beneficiário (titulares do direito à reparação e, por outro lado, companhias seguradoras que pretendam desonerar-se da sua responsabilidade) - Acórdão do STJ de 29-10-2013 (P. 402/07.1TTCLD.L1.S1).
Ora, no caso que nos ocupa resultou demonstrado, conforme foi apreciado na sentença recorrida para a qual se remete para evitar tautologias, que a empregadora (recorrente), violou especificamente os artigos 3.º, alíneas a) e e), e 16.º do Decreto-Lei n.º 50/2005 de 25 de fevereiro, bem como os artigos 15.º, n.º 1, n.º 2, alíneas a), b), c), d) e e), e n.º 14, da Lei n.º 102/09, de 10 de setembro, na redação atual.
Efetivamente, resultou apurado que a empregadora não cuidou de cumprir as regras de segurança e saúde no trabalho no que respeita ao específico posto de trabalho que a autora ocupava aquando do acidente, pois não avaliou os riscos de contacto mecânico com os elementos rotativos do equipamento, não colocou qualquer proteção que impedisse o contacto com esses elementos rotativos e não dotou a máquina de um sistema de paragem adequado.
E foi o incumprimento destas regras de segurança e saúde no trabalho, de cumprimento obrigatório para a empregadora, que provocou o acidente.
Não podemos de deixar de citar este pequeno trecho do parecer do Ministério Público: «Com efeito, tivesse a 1ª R. identificado os riscos, criado procedimentos de segurança rigorosos para reduzir os mesmos e colocado proteção para impedir o contacto da operadora com os componentes rotativos da máquina e a probabilidade de o acidente ter ocorrido teria ou sido eliminada ou reduzida drasticamente.».
Resumindo e concluindo, sufragamos a decisão recorrida na parte que condenou a empregadora pela reparação do acidente, ao abrigo do artigo 18.º da LAT.
Em consequência, a responsabilidade pela reparação do acidente não recai exclusivamente sobre a seguradora em função do contrato de seguro celebrado, conforme pretendia a recorrente.
Atento todo o exposto, resta concluir, pela improcedência da terceira questão suscitada no recurso.
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VII. Valor da indemnização por danos não patrimoniais
Não se conforma a recorrente com o valor de € 40.000 de indemnização por danos não patrimoniais em que foi condenada, referindo que o mesmo é desproporcionado e inaceitável, propugnando para que seja fixado um valor na ordem dos € 7.500.
Eis como a questão sub judice foi apreciada na sentença recorrida: «C. Indemnização por danos não patrimoniais Dispõe o art. 18.º, n.ºs 1 e 4, da LAT “1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais. (…) “4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por atuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes”. Conforme se concluiu anteriormente, o acidente em apreço derivou da inobservância, por parte da ré empregadora, de norma de segurança e saúde no trabalho, pelo que assiste à autora, o direito a peticionar da ré uma indemnização por danos não patrimoniais nos termos previsto no preceito legal supracitado. Dispõe o art. 496.º, n.ºs 1 e 4, do Código Civil que: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.” Resulta, pois, do preceito legal supratranscrito, que é fundamental, primeiro, a ocorrência de um dano, e, depois, que tal dano, pela sua gravidade, seja indemnizável. A tal respeito, pode ler-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.06.2018, acessível em www.dgsi.pt: «Significa isto, no dizer do Acórdão do STJ, de 24.05.2007[18], que, « em sede de compensação por danos não patrimoniais, por não se estar perante a lesão de interesses suscetíveis de avaliação pecuniária, o dano não corresponde a um prejuízo determinado ou materialmente determinável, reparável por reconstituição natural ou através de um sucedâneo em dinheiro, mas a uma lesão de ordem moral ou espiritual apenas indiretamente compensável através de utilidades que o dinheiro possa proporcionar. E que o requisito “dano”, como pressuposto da obrigação de indemnizar, não seja um qualquer prejuízo, mas apenas aquele que se apresente com um grau de gravidade tal que postule a atribuição de uma indemnização ao lesado. Se essa gravidade não concorrer, não pode falar-se de dano não patrimonial passível de ressarcimento». Mas, não obstante os danos não patrimoniais respeitarem à alteração/depreciação das condições psicológicas e subjetivas da pessoa humana, traduzindo-se em estados de sofrimento ou de dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral duma pessoa, importa realçar que a avaliação da sua gravidade não é feita à luz de fatores subjetivos ( de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada), aferindo-se, antes, segundo um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em conta as circunstâncias do caso)[19], constituindo, desde há muito[20], orientação consolidada na jurisprudência que as simples contrariedades ou incómodos apresentam “um nível de gravidade objetiva insuficiente para os efeitos do n.º 1 do art. 496º”. Daí que, tal como nos dá conta o supra mencionado Acórdão do STJ, na valoração dos danos não patrimoniais, como consequências da conduta do lesante, importe, em primeiro lugar, estabelecer, «como linha de fronteira, a separação entre aquelas que se situam ao nível das contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios e as que se apresentam num patamar de gravidade superior e suficiente para reclamar compensação». E, depois, ter presente, como vem sendo entendimento pacífico da jurisprudência [21], que «dano grave não terá que ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excecional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação”». No que concerne à fixação da indemnização, preceitua o art. 494.º do mesmo diploma legal que: “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.” Na formulação de tal juízo equitativo, não obstante se dê prevalência à consideração das circunstâncias concretas do caso, não pode perder-se de vista o princípio da igualdade, tendo como objetivo uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, concordando-se, assim, integralmente com a afirmação expressa no acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012 (proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt): “os Tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vetores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha reta à efetiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição”. Exigência plasmada também no art. 8º, nº 3, do CC: “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.” No caso dos autos, no que aos danos não patrimoniais concerne, importa lembrar que a sinistrada sofreu escalpe total do couro cabeludo e que, em consequência das sequelas advindas do acidente, a sinistrada sente tristeza e propende a isolar-se das outras pessoas. As consequências do escalpe total do couro cabeludo aliadas aos dias de incapacidade permanente absoluta sofridas pela sinistrada não pode deixar de se considerar é algo penoso e constante, e afeta, negativamente, o bem-estar psicológico da sinistrada e a sua qualidade de vida, a que acrescem as consequências do ponto de vista estético. Tudo ponderado à luz dos critérios de equidade, e tendo presente os valores indemnizatórios que se colhem da jurisprudência (por exemplo, em situação que se entende menos gravosa, fixou-se tal indemnização em 10.000€ no acórdão do STJ de 30.03.2022, e no acórdão do Tribunal da Relação do Porto fixou-se em 50.000€ uma indemnização em situação que pese embora diferente do ponto de vista factual, entendemos semelhante do ponto de vista da gravidade – ambos disponível em www.dgsi.pt), entende-se adequado, pelo que assim se decide, fixar o montante indemnizatório, a título de danos não patrimoniais, em 40.000€. Ressalva-se que inexiste dupla indemnização porquanto pretende-se aqui indemnização os danos não patrimoniais, ao passo que na fixação da indemnização por incapacidades temporárias ou permanentes tem-se em vista unicamente o ressarcimento da incapacidade temporária ou redução permanente da capacidade laboral.».
Apreciemos.
É consabido que os danos não patrimoniais são aqueles que não sendo suscetíveis de avaliação pecuniária, apenas podem originar uma compensação material visando, dentro do possível, equilibrar ou atenuar os efeitos produzidos por esses danos.
O artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, admite a indemnização dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
Por seu turno, o n.º 4 do mesmo artigo estipula que o montante da indemnização compensatória é fixado equitativamente pelo tribunal.
No caso que se aprecia nos autos os danos não patrimoniais sofridos pela autora foram identificados, pela 1.ª instância, com precisão e clareza.
E, no nosso entender, a indemnização arbitrada pela 1.ª instância mostra-se justa, adequada e equitativa.
A autora sofreu escalpe total do couro cabeludo.
Tinha 44 anos de idade à data do acidente e sofreu um dano estético que, do ponto de vista emocional, tem de gerir para o resto da sua vida.
Sente tristeza e propende a isolar-se das outras pessoas (não podemos deixar de referir que no depoimento prestado pela testemunha OO, irmã da autora, que se nos afigurou absolutamente sincero e espontâneo, foi mencionado que uma simples ida a um supermercado para fazer compras constitui uma situação penosa para a autora).
Enfim, o bem-estar psicológico da autora e a sua qualidade de vida ficaram, incontestadamente, afetados, e em grau significativo.
Daí que consideremos que o valor de indemnização fixado é apto a compensar ou neutralizar os danos sofridos decorrentes do ato ilícito, perante uma evidente impossibilidade de reparação natural, quando comparado com os seguintes casos julgados pelo Supremo Tribunal de Justiça: Acórdão de 29-02-2012 (Proc. n.º 165/07.0TTBGC.P1.S1): «VIII - Resultando provado que o sinistrado sofreu, em consequência do acidente de trabalho que foi vítima, lesões particularmente graves, que implicaram um período de cura direta longo, determinaram várias intervenções cirúrgicas do foro ortopédico e estético e subsequentes tratamentos particularmente agressivos e dolorosos e que está, definitivamente, amputado do membro superior direito, pelo terço superior, afigura-se adequada uma indemnização pelos danos não patrimoniais no valor de € 50.000,00.». Acórdão de 17-03-2016 (Proc. n.º 338/09.1TTVRL.P3.G1.S1): «I. A indemnização por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico. II. Provando-se que, em consequência do acidente de trabalho de que foi vítima, a sinistrada, de 36 anos de idade, sofreu e ainda sofre de prejuízo funcional e estético (deformação grave do pé direito, decorrente de amputação dos cinco dedos, parte direita e do ante pé, provocando-lhe grandes dificuldades em se deslocar, em manter uma postura correta e o equilíbrio, assim como em efetuar os trabalhos domésticos e a sua atividade profissional; alterações de memória, irritabilidade fácil, intolerância ao ruído; cicatrizes em mais de 18% da superfície corporal e uso de uma prótese no pé direito para toda a vida), assim como prejuízo de afirmação pessoal (perda da alegria de viver), desgosto e abalo psicológico (profunda tristeza, angústia, infelicidade e inconformismo pelo sucedido), para além de dores insuportáveis (no pé direito, nas pernas, no ombro direito e nas costas), afigura-se adequada, justa e equitativa uma compensação por danos não patrimoniais no valor de € 50.000,00.». Acórdão de 12-10-2022 (Proc. n.º 4015/15.6T8MTS.P1.S1: «IV. A idade de 39 anos do sinistrado, o elevado grau da culpa exclusiva do empregador na ocorrência do acidente de trabalho e a gravidade das sequelas - IPP de 38,35% com IPATH e medicação analgésica permanente - são fatores que justificam o valor de € 40 000,00 a título de danos não patrimoniais.».
Concluindo, também nesta parte, se confirma a decisão recorrida.
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VIII. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.
Notifique.
Évora, 10 de outubro de 2024 Paula do Paço Mário Branco Coelho João Luís Nunes
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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.º Adjunto: João Luís Nunes
[2] Consigna-se que os realces realizados são da nossa inteira responsabilidade.