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EXECUÇÃO DE COIMA
TÍTULO EXECUTIVO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
Sumário
1. A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima por contra-ordenação laboral torna-se definitiva pelo decurso do prazo de 20 dias após a sua notificação. 2. Decorrido esse prazo, essa decisão constitui título executivo, se em 10 dias a coima não for liquidada. 3. Em sede de impugnação judicial de decisão condenatória da autoridade administrativa, o arguido pode invocar as questões que entenda relevantes à sua defesa, desde nulidades ou irregularidades do procedimento administrativo e de notificação, até a prescrição do procedimento contra-ordenacional, ou a não ilicitude do comportamento imputado. 4. Litiga de má fé o embargante que alega nunca ter recebido a decisão condenatória da autoridade administrativa, quando se demonstra que assinou o aviso de recepção no qual declarou receber a carta registada de notificação dessa decisão. 5. Um litigante de má fé, que o faz com negligência grosseira, não pode ser colocado no mesmo patamar sancionatório de quem o faz de forma dolosa. 6. Deste modo, a multa aplicada à litigância de má fé com dolo não pode ser fixada no seu limite mínimo, ou sequer próximo disso, pois esse é o padrão sancionatório para a mera negligência grosseira. (Sumário elaborado pelo relator)
Texto Integral
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
No Juízo do Trabalho de Tomar, por apenso a execução para pagamento de coima aplicada por decisão da Autoridade Para as Condições do Trabalho, no valor de € 9.180,00 e respectivos encargos, veio AA deduzir embargos de executado, alegando que apenas foi notificado do auto de notícia e que, tendo apresentado a sua defesa escrita no prazo legal, não mais foi notificado de qualquer despacho e/ou decisão sobre a defesa apresentada.
Alega que o procedimento contra-ordenacional se encontra prescrito, pelo decurso de 3 anos desde a data da prática dos factos, sem qualquer causa de interrupção e/ou suspensão de tal prazo. Alega ainda que não existe título executivo, pois nunca foi notificado da decisão final, motivo pelo qual aquele título é nulo.
Contestando, o Ministério Público argumentou que a decisão da autoridade administrativa foi validamente notificada ao executado, e que este não deduziu impugnação judicial, pelo que aquela decisão se tornou definitiva. Mais alegou que o prazo de prescrição não é o alegado pelo embargante, nem decorreu.
Foi proferido despacho notificando as partes para exercerem o seu contraditório acerca da eventual litigância de má fé por parte do embargante, ao qual apenas este respondeu.
Realizado julgamento, foi proferida sentença julgando os embargos improcedentes e condenando o embargante, como litigante de má fé, em multa de 10 UC.
Inconformado, o embargante recorre e conclui:
1. O Recorrente não se conforma com a decisão recorrida pois NUNCA foi notificado de qualquer decisão proferida administrativa,
2. Falta de notificação essa que obsta a que a decisão constituía título executivo.
3. Ora, nos termos e para os efeitos do artigo no artigo 27º do RGCOC, o procedimento contra-ordenacional está prescrito por decorridos 3 anos desde a data da prática da suposta infracção e a data em que foi citado da presente Execução.
4. O início do prazo de reporta-se ao momento da prática da contra-ordenação, isto é, ao momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido.
5. Ora não tendo existido qualquer causa de interrupção e/ou suspensão do prazo, pois o mesmo apenas se interrompe com a notificação para exercício do direito de audição e com a notificação da decisão da autoridade administrativa que procedeu à aplicação da coima, o que não se verificou até à presente data,
6. O procedimento contra-ordenacional está prescrito, prescrição que é de conhecimento oficioso e obsta a que o procedimento produza qualquer efeito.
7. O que significa que o alegado Título Executivo é NULO e de nenhum efeito, pois não tendo sido notificada ao Recorrente a decisão para que este pudesse conhecer e exercer o seu direito de defesa e impugnação,
8. Até porque, nos termos dos artigos 32.º a 35.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, a decisão só se torna definitiva e exequível caso o Arguido não a impugne judicialmente no prazo de 20 dias a contar da sua notificação,
9. O que não se verificou, cabendo ao Exequente a prova dessa notificação, o qual não carreou para os autos prova de que essa notificação ocorreu na realidade.
10. Até porque todos os documentos que juntou foram celebrados em data posterior à entrada da petição de embargos, o que desde logo o Tribunal a quo poderia permitir a sua junção aos autos.
11. Ora, a falta de notificação da decisão ao Arguido ora Recorrente, gera NULIDADE insanável, nos termos do artigo 119.º do CPP, lei objectiva aplicável subsidiariamente aos processos de contra-ordenação que revestem a forma e tramitação de um processo de natureza penal, cfr. RGCO.
12. A isto acresce que, ao ver o seu direito de defesa e acesso aos tribunais restringido, por lhe ser negado o conhecimento de uma decisão proferida contra si,
13. O Recorrente foi impedido de fazer valer os seus Direitos, o que consubstancia uma clara e evidente violação dos Direitos Fundamentais consagrados na nossa Constituição da República Portuguesa, em especial o artigo 32.º.
14. O direito ao recurso, consagrado no n.º 1 do art. 32.º da CRP, enquanto meio de defesa contra a prolação de decisões jurisdicionais injustas, assegurando ao arguido a possibilidade de as impugnar para um segundo grau de jurisdição, apenas se encontra constitucionalmente exigido em processo penal, não tendo aplicação directa aos demais processos sancionatórios, nomeadamente ao processo de contra-ordenação.
15. O alcance da norma do n.º 10 do art. 32.º da CRP, limita-se a assegurar os direitos de audiência e defesa, ou seja, a prevenir que qualquer tipo de sanção, nomeadamente contra-ordenacional, seja aplicado sem que o arguido seja previamente ouvido (direito de audição) e possa defender-se das imputações que lhe são feitas (direito de defesa), apresentando meios de prova e requerendo a realização de diligências tendentes a apurar a verdade.
16. O que no processo em apreço foi denegado e omitido o direito de defesa da alegada decisão que nunca foi notificado ao Arguido ora Recorrente.
17. Ora, nos termos do artigo 225.º do Código de Processo Civil (CPC), a citação de pessoas singulares é pessoal ou edital, sendo a citação pessoal feita mediante via electrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, o que não se aplica in casu, ou através de entrega ao citando de carta registada com aviso de recepção, seu depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 229.º, ou certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, o que não se verificou.
18. E, para efeitos do artigo 228.º do CPC, a citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé.
19. O que também nunca foi cumprido pela Autoridade para as Condições de Trabalho.
20. A citação postal efectuada ao abrigo referido do artigo 228.º considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de recepção e tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro.
21. O que também nunca se verificou. Pelo que,
22. Face ao supra exposto, demonstrado ficou que o destinatário da citação pessoal, o ora Recorrente, não chegou a ter conhecimento em tempo da decisão proferida no processo administrativo.
23. Facto que gera a NULIDADE da decisão e de todos os seus efeitos, não podendo jamais servir de título executivo na presente Execução.
24. Pois é e será insanável o facto de o Recorrente ter sido impedido de exercer o seu direito de defesa bem como ao acesso aos tribunais e à justiça, direitos especialmente consagrados nos n.ºs 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição e n.º 1 do artigo 3º e 3º-A do CPC, e que foram veementemente violados.
Sobre a Litigância de má-fé, nunca poderá ser admitida tal alegação, pois, mesmo sem a reapreciação da prova e sem a alteração dos factos provados, conforme proposto pelo Recorrente nas presentes alegações de recurso, é manifesto que o Tribunal a quo se equivocou, uma vez mais, ao condenar o Recorrente como litigante de má-fé, sendo manifestamente desproporcional a multa de 10 unidades de conta aplicada.
De todo o modo, dos factos provados, com a redacção proposta pelo Recorrente, resulta inequivocamente que lhe assiste razão nos presentes autos, mas mesmo que assim não fosse, não é o simples facto de os argumentos de uma parte se sobreporem aos da parte contrária que justifica a condenação como litigante de má-fé.
Litiga de má-fé a parte que tem conduta processual dolosa ou gravemente negligente, que saiba que não tem fundamento a sua pretensão.
O que não se aplica in casu.
A simples proposição da acção ou contestação, embora até sem prova o que não ocorreu nos presentes autos, não constitui dolo, porque a iniciativa da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir;
Para se considerar como litigante de má-fé, é preciso que o autor tenha feito um pedido a que conscientemente sabia não ter direito.
25. Não se verificando, por parte do Recorrente, nenhuma das situações previstas no art. 542.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, deverá a decisão de condenação como litigante de má-fé ser revogada e substituída por outra que o absolva desse pedido.
Na resposta, o Ministério Público pugna pela improcedência do recurso.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.
A matéria de facto julgada provada na sentença é a seguinte:
1. No dia 9 de Abril de 2021, a Exma. Subdirectora da ACT, proferiu decisão a condenar AA no pagamento da coima de € 9.180,00, pela prática de uma contra-ordenação ao disposto no art.º 14.º, n.º 3, alínea a), do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19/6, por factos ocorridos no dia 24/5/2019;
2. Esta decisão administrativa foi notificada ao embargante AA a 22 de Abril de 2021, que assinou o aviso de recepção;
3. O embargante não recorreu dessa decisão.
APLICANDO O DIREITO Da existência de título executivo
Antes do mais, estando em causa uma contra-ordenação laboral, o diploma que regula o seu regime processual é a Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, a qual estipula, no seu art. 26.º, que a decisão condenatória de aplicação de coima (pela autoridade administrativa) que não se mostre liquidada no prazo legal tem a natureza de título executivo.
Mais estipula que a decisão da autoridade administrativa de aplicação de coima é susceptível de impugnação judicial (art. 32.º), a qual é dirigida ao tribunal de trabalho competente, devendo conter alegações, conclusões e indicação dos meios de prova a produzir, sendo apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação da coima, no prazo de 20 dias após a sua notificação (art. 33.º).
E acrescenta que a impugnação judicial tem efeito meramente devolutivo, podendo ter efeito suspensivo se o recorrente depositar o valor da coima e das custas do processo (art. 35.º) – sendo que, a propósito desta norma, o Tribunal Constitucional apenas a julgou inconstitucional se interpretada no sentido do juiz não poder avaliar se da exigência de depósito “resulta prejuízo considerável para o arguido”, por violação dos artigos 20.º, n.º 1, e 32.º, n.ºs 2 e 10, da Constituição da República Portuguesa (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 485/2021, publicado no respectivo endereço de Internet).
De acordo com a interpretação do Tribunal Constitucional expressa neste aresto, “(…) o desprezo pela situação económica do visado gera uma situação de desigualdade: aqueles que disponham de recursos suficientes terão (sempre) acesso aos tribunais e lograrão a tutela efectiva por meio do efeito suspensivo; ao passo que os que não disponham de recursos perdem tal garantia, tornando ineficaz o seu direito fundamental. Por estes motivos, a possibilidade de verificação da situação económica do arguido tem sido apontada como solução adequada para ultrapassar as objecções fundadas em argumentos de (in)constitucionalidade. Nestes termos, não é constitucionalmente admissível que a atribuição de efeito suspensivo, no recurso dos presentes autos, dependa da prestação de uma caução aferida exclusivamente pelo valor da coima aplicada em virtude da condenação em processo contra-ordenacional, sem que possa avaliar-se se a (in)suficiência de meios económicos interfere com a fruição do direito fundamental de acesso aos tribunais.”
De todo o modo, estamos nos autos perante outra questão: existe, ou não, título executivo para os fins do art. 26.º da Lei n.º 107/2009?
Para responder a esta questão, importa recordar que a decisão condenatória da autoridade administrativa deve conter a ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão (art. 25.º n.º 3). E que as notificações em processo de contra-ordenação são efectuadas por carta registada, com aviso de recepção, sempre que se notifique o arguido do auto de notícia, da participação e da decisão da autoridade administrativa que lhe aplique coima, sanção acessória ou admoestação (art. 8.º n.º 1), considerando-se a notificação efectuada na data em que seja assinado o aviso de recepção ou no 3.º dia útil após essa data, quando o aviso seja assinado por pessoa diversa do notificando (art. 8.º n.º 3).
No caso, está demonstrado que o embargante foi notificado da decisão condenatória da ACT, através de carta registada com aviso de recepção, que assinou em 22.04.2021 – este aviso, assinado pelo embargante, foi junto aos autos, tendo o funcionário dos serviços postais acrescentado o n.º do documento de identificação do embargante e o seu nome legível, seguindo-se a assinatura pelo punho do embargante e a data em que esse acto foi praticado.
Face a esta prova (de resto, o aviso foi assinado perante o funcionário do serviço postal, que teve o cuidado de previamente documentar os actos que adoptou para identificar o destinatário a quem entregou a carta), apenas temos a concluir, face às regras do art. 374.º n.º 1 do Código Civil, que são verdadeiras a data e a assinatura apostas no aviso de recepção, e que assim no dia 22.04.2021 o embargante recebeu a notificação da decisão condenatória da autoridade administrativa, dispondo a partir desse momento do prazo de 20 dias para deduzir impugnação judicial, onde poderia invocar todas as questões que entendesse relevantes à sua defesa, desde nulidades ou irregularidades do procedimento administrativo e de notificação, até a prescrição do procedimento contra-ordenacional, ou a não ilicitude do comportamento imputado.
Não o tendo feito, a decisão da autoridade administrativa tornou-se definitiva e constitui assim título executivo, pelo decurso do prazo de 10 dias após esse momento, face às regras conjuntas dos arts. 25.º n.º 3 e 26.º da Lei n.º 107/2009.
Os embargos deveriam assim improceder, como correctamente se decidiu em primeira instância.
Litigância de má fé
O DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, que introduziu a redacção do art. 456.º do anterior Código de Processo Civil que transitou para o actual art. 542.º, afirmava quanto ao elemento subjectivo da litigância de má fé: «Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagra-se expressamente o dever de boa-fé processual, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos.»
Em consequência da Reforma Processual de 1995/96, passaram a ser punidas não só as condutas processuais dolosas mas também as gravemente negligentes ou fundadas em erro grosseiro. Comentando o art. 456.º do anterior Código de Processo Civil, Lopes do Rego[1] escreveu o seguinte: “o regime instituído traduz substancial ampliação do dever de boa-fé processual, alargando o tipo de comportamentos que podem integrar a má-fé processual, quer substancial, quer instrumental, tanto na vertente subjectiva, como na objectiva.”
No que concerne à al. a) do n.º 2 do art. 542.º, não basta uma simples desconformidade da versão da parte com a realidade, tornando-se necessário que litigue sabendo e querendo prevalecer-se de algo que sabe ser falso, a que não tem direito.
Mas esse comportamento não se confunde com uma mera ausência de prova, nem com a uma lide temerária; vai para além disto em gravidade e censurabilidade. A defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância de má fé, tornando-se necessário que se demonstre que a parte não observou os deveres processuais de probidade, de cooperação e de boa fé.[2]
A exigência legal de demonstração de litigância com dolo ou negligência grave, pressupõe a consciência de que se não tem razão, sendo necessário que a parte tenha agido com intenção maliciosa, e não apenas com leviandade ou imprudência. Exige-se, pois, que a parte tenha agido sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.
Daí que se possa afirmar que litiga com má fé a parte que alega uma realidade que se provou inexistir e cuja inexistência forçosamente conhecia, o que significa ter alterado a verdade dos factos a fim de deduzir intencionalmente pretensão ou oposição, cuja falta de fundamento não podia deixar de conhecer.[3]
Expostos os princípios gerais, na sua petição o embargante alegou nunca ter recebido a decisão condenatória da autoridade administrativa, o que contrasta flagrantemente com documento por si assinado, i.e., o aviso de recepção no qual declarou receber a carta que lhe foi entregue pelo funcionário postal.
Este comportamento afronta os deveres processuais de probidade, de cooperação e de boa fé, porquanto o embargante alega uma realidade oposta àquela que não podia deixar de conhecer, o que significa ter pretendido alterar a verdade dos factos, a fim de deduzir intencionalmente pretensão cuja falta de fundamento não podia deixar de conhecer.
Note-se que o embargante litiga em processo judicial, o que implica deveres de cuidado, probidade, verdade e cooperação.
Acresce que o direito de acesso ao direito não é incompatível com a imposição de tais deveres às partes, porquanto são também condição de eficaz cumprimento do Direito.
Enfim, tendo o embargante alegado uma realidade que contrasta flagrantemente não só com documento por si assinado, mas também com uma realidade que não podia deixar de reconhecer, violou o disposto no art. 542.º n.ºs 1 e 2 als. a) e b) do Código de Processo Civil, pelo que se justifica a sua condenação como litigante de má fé.
Quanto à invocada desproporcionalidade da multa aplicada, de 10 UC, recordamos que esta pode variar entre as 2 UC e as 100 UC – art. 27.º n.º 3 do RCP.
Ora, a multa por litigância de má fé não pode ser permissiva ou meramente simbólica, que no fundo constitua um incentivo à litigância de má fé ou a um comportamento processual manifestamente reprovável. Nem um litigante de má fé, que o faz com negligência grosseira, pode ser colocado no mesmo patamar sancionatório de quem o faz de forma dolosa.
No caso, o comportamento do embargante é claramente doloso – negou um facto que bem conhecia, por nele ter intervindo pessoalmente. Foi ele quem recebeu a carta de notificação e colocou a sua assinatura no aviso de recepção, pelo que a multa não pode ser fixada no seu limite mínimo, ou sequer próximo disso, pois esse é o padrão sancionatório para a mera negligência grosseira.
Nesta perspectiva, a multa aplicada na sentença recorrida, de 10 UC, ligeiramente acima do patamar inferior do quadro sancionatório legal, não pode ser considerada excessiva, bem pelo contrário.
Motivo pelo qual também esta parte do recurso não merece provimento.
DECISÃO
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida.
As custas pelo embargante.
Évora, 10 de Outubro de 2024
Mário Branco Coelho (relator) Paula do Paço João Luís Nunes _________________________________________________
[1] In Comentários ao Código de Processo Civil, 2.ª ed., vol. I.
[2] Neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.09.2012, proferido no Proc. 2326/11.09TBLLE.E1.S1 e publicado em www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido, vide também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.02.2015 (Proc. 1120/11.1TBPFR.P1.S1), publicado no mesmo local.