CITAÇÃO EDITAL
EMBARGOS DE EXECUTADO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
Sumário


I- O uso indevido da citação edital determina a falta de citação, que pode ser invocada no processo onde o ato foi assim praticado, na primeira intervenção processual do réu citado editalmente, mas também em sede de recurso extraordinário de revisão ou na oposição à execução mediante embargos de executado.
II- A citação edital tem-se por realizada de forma indevida, por um lado, quando a secretaria nas várias consultas que fez às bases de dados previstas no artigo 236.º do CPC, procedeu a consultas seletivas e lacunares das bases de dados, e, por outro lado, quando o juiz do processo omite a prolação de despacho a apreciar a dispensabilidade do recurso às autoridades policiais para averiguação do paradeiro da citanda.
III- Não constitui abuso de direito a violação do dever de atualização da residência junto das Autoridades Administrativas e a posterior invocação da em sede de embargos de executada da irregularidade da citação edital realizada por não ter sido encontrada na morada que consta das bases de dados das entidades consultadas.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral


Processo n.º 7468/22.2T8STB-A.E1 (Apelação)
Tribunal recorrido: TJ C..., Juízo de Execução ... – J...
Apelante: EMP01... Unipessoal, Ld.ª
Apelados: AA e BB

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
Por apenso à execução de sentença instaurada por EMP01... UNIPESSOAL, LD.ª contra AA e BB vieram os executados deduzir oposição por embargos pedindo a procedência dos embargos e a improcedência da execução.

Alegaram, em suma, que na ação declarativa a ali Autora, ora Exequente, indicou moradas como sendo as dos Réus, ora Embargantes, bem sabendo que ali não residem e onde não se deslocam, o que determinou que os Embargantes não tenham podido exercer o contraditório, tendo sido julgados à revelia, embora a Ré tenha sido citada editalmente.
Mais alegaram que não têm conhecimento de qualquer interpelação para pagamento por parte da Exequente e que a mesma, apesar da solicitação dos ora Embargantes, não efetuou os trabalhos para a qual foi contratada, deixando a obra incompleta e com deficiências graves.

A Embargada contestou alegando, em suma, a regularidade a citação dos ora Embargantes na ação declarativa, na morada indicada no contrato (Rua ..., ..., ... Local 2); que o I. Mandatário dos Embargantes juntou procuração aos autos em 23-12-2020, tendo tido conhecimento de todo o processado e tendo sido notificado da sentença.
Alegou ainda que realizou todos os trabalhos não tendo os Embargantes pago o valor que devia; que a Embargante age com abuso de direito; que a matéria referente à execução do contrato se encontra coberta pelo caso julgado; que o requerimento inicial é inepto.
Pediu a improcedência dos Embargos e a condenação dos Embargantes como litigante de má fé.

Foi dado cumprimento ao princípio do contraditório em relação ao pedido de condenação dos Embargante como litigantes de má fé, nada tendo os mesmos dito.
As partes também foram notificadas para se pronunciarem sobre a possibilidade de conhecimento de mérito em sede de saneamento, o que fizeram reiterando as posições assumidas nos articulados.

Foi proferido saneador-sentença que julgou os Embargos procedentes e declarou a extinção da execução. Também indeferiu o pedido de condenação dos Embargantes como litigantes de má fé.

Inconformada, apelou a Embargada pugnando pela anulação da sentença ou, se assim não se entender, pela improcedência dos Embargos e, consequentemente, pela continuação da lide executiva, apresentando as seguintes Conclusões:
a) O presente Recurso de Apelação é interposto da Sentença, na qual se determina “-Por tudo o que vem de ser exposto, julgo os presentes embargos procedentes e, consequentemente, determino a extinção da execução. Indefiro o pedido de condenação dos embargantes por litigância de má-fé. Custas pela exequente. Notifique. Fixo aos embargos o valor de € 6.061,38 (arts. 304º, n.º 1, e 306º, nºs. 1 e 2 do CPC).” (doravante designada de “Sentença Recorrida”).
b) A Recorrente discorda da decisão, por entender que nela existiu um flagrante erro de julgamento e uma errónea interpretação e aplicação do direito nomeadamente dos artigos 732.º d), 696.ºe), 236, 240, 732 n.º 4, 188.º n.º1 c), 334.º, 225.º, 231.º, os artigos 13 n.º 1, 2, 3, e 43.º n.º 3 da Lei 7/2007 de 5 de Fevereiro e Lei Geral Tributária (DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro) do artigo 19.º n.º 3, 4 e 5.
c) Com o devido respeito e salvo melhor entendimento, andou mal o Douto Tribunal a quo, considerando que o caso em apreço se subsumia à previsão normativa prevista nos termos dos artigos 732.º alínea d) e 696.º alínea e), e 188.nº 1 c) declarando que “Assiste assim razão à embargante quando alega que foi indevidamente empregada a citação edital,” e consequentemente declarando procedente o embargo e extinguindo-se a execução.
d) O Tribunal a quo entendeu; erradamente quem o Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Cível ..., Juiz ..., processo 2979/19.0T8STB, não usou de todos os meios ao seu dispor para citar a Ré (Recorrida) BB, nomeadamente a pesquisa na base de dados do Instituto da mobilidade e transportes e não se recorreu às autoridades policiais.
e) Uma vez que o artigo 236.º determina “1 - Quando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais.”
f) Acontece que, discorda-se na totalidade com o entender do Tribunal a quo, porquanto, tal como considerado provado pelo Tribunal a quo, foram consultadas as bases de dados disponíveis ao Tribunal, pelo menos: no dia 24.05.2019, em 12.06.2019, e no dia 13.01.2020.
g) sendo que da primeira para última vez mediaram 6 (seis) meses.
h) Ora, os termos do n.º 13 da Lei n.º7/2007, de 5 de fevereiro, a atualização damorada do domicílio constitui uma obrigação dos cidadãos perante os serviços do Estado para que as entidades competentes possam localizar os cidadãos.
i) Constituindo uma contraordenação a omissão de alteação de morada o cartão de cidadão decorridos 30 dias da mudança cfr. artigo 43.º n.º 3 da Lei 7/2007 de 5 de fevereiro.
j) Também a Lei Geral Tributária (DL n.º 398/98, de 17 de Dezembro), dispõe nos termos do artigo 19.º n.º 3, 4 e 5 a obrigatoriedade de comunicação dos dados de morada do sujeito passivos, decorridos 60 dias da alteração.
k) o ônus de informar o Estado da morada atual, incluindo para efeitos de citação em processo judiciais, cabe exclusivamente à Recorrida mulher que não o fez durante pelo menos 6 (seis) meses durante os quais se tentou a sua citação.
l) a acrescer, a 07.08.2019 . o ” Sr. agente de execução juntou ainda uma nota de citação da ré BB, referente a ato praticado no mesmo local (Av. ...-Andar ...,em Local 1)e na mesma data, onde fez constar que“O citando (…) recusou receber ou assinar a (…) citação, tendo sido (…) informado de que a nota de citação (…) e os documentos ficam à sua disposição na secretaria judicial”, e que o “Após tentar deixar aviso para dia e hora certa, chega o (…) esposo da citanda, que injuriou, ameaçou e empurrou o agente de execução. Recusou receber qualquer citação, tanto dele como da esposa”.
m) sucede que em todas as bases de dados, durante 6 (seis) meses sempre constou que a morada da Recorrida era Rua ..., ..., ... Local 2.
n) o facto de o estado civil dos Recorridos ser de casados não implica que o seu domicílio, fosse diferente, não tendo nem o Tribunal, nem a Recorrente que dados para supor o contrário.
o) Mais se refira que no contrato celebrando entre as partes sempre tinha sido usada a morada Rua ..., ..., ... Local 2.
p) Assim, andou mal o Tribunal a quo ao declarar procedente o Embargo de Executado e consequente extinção da execução por via dos artigos 729.º alínea d), 696.º alínea e) e 181.º alínea c) do CPC.
q)Tendoaplicadoerroneamentedosartigos729.ºalínead),696.ºalíneae)e181.ºalínea c) do CPC.
r) Neste sentido No mesmo sentido o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido no processo 359/20.3T8TVR.E1-A, de 11-05-2023 Sumário: “(…)- a inobservância do dever deatualização do domicílio junto dos serviços do Estado coloca o sujeito na contingência de, eventualmente, não ser localizado para efeito de citações judiciais;
s) Pelo exposto se reitera que foram ambos os Réus/Recorrido regulamente citados cfr. “Regularmente citados (a 1.ª Ré editalmente – fls. 61 e o 2.º Réu pessoalmente – fls. 48 a 52), nenhum apresentou contestação, tendo o 2.º Réu constituído mandatário a 23.12.2020 [ref.ª citius 5499585].” sentença- título executivo.
t) Conhecendo a Recorrida as obrigações que sobre ela impendem, nomeadamente de atualização dos seus dados junto das entidades competentes, age em abuso dedireito nos termos do artigo 334.º do CC, ao vir em sede de embargos de executado alegar não ter sido regulamente citada.
u) Mantendo-se a decisão que agora de recorre premeia-se a incúria responsabilizando o Tribunal pela falta de diligência da Recorrida, que em mais de 6 (seis) meses não promoveu a atualização da sua morada,
v) Acresce que, os Recorridos forma notificados da sentença, título executivo, não tendo desta recorrido.
w) os Recorridos conheciam o processo e decidiram não o contestá-lo, não intervir nele, nem tampouco recorrer da sentença, nem nos termos da alínea e) artigo 696.º do CPC.
x) A atuação dos Recorridos, mormente da Recorrida mulher, se revela ostensivamente abusiva, nos termos do disposto no art.º 334.º do CC.

y) Resulta de um manifesto aproveitamento da posição jurídica dos Recorridos que, atuando emabuso de direito tornaram a sua citação “impossível” vindo agora alegar a ausência citação.
z) Manter a decisão que se recorre é premiar a atitude dos Recorridos, é negar o Estado de Direito Democrático, pactuar com a denegação da justiça, e premiar comportamentos abusivos logo contrários à Ordem Pública.
aa) A decisão do Tribunal a quo fere, em toda a linha, o Princípio da estabilidade e segurança jurídica, proteção da confiança e da boa-fé.
bb) Ora, verificando-se já uma decisão firmada no ordenamento jurídico, que conhecida dos Recorridos não foi atacada, pode agora “reabrir” o processo findo e transitado em julgado, arrastando-se longamente um processo que já decorre (judicialmente) há 5 (cinco) anos.
cc) Em face do exposto, não pode senão a Sentença Recorrida ser substituída por outra que declare improcedente os Embargos de Executado, e em consequência, declare a procedência da execução.
dd)O Douto Tribunal a quo, não considerou procedente a exceção inominada de concentração da defesa deduzida pela Recorrente nos termos dos art.os 571.º e 576.º, n.º 2 e 577.º e 278.º, n.º 1, al. e) do CPC, o que gera a nulidade da sentença.
ee) verificando-se a oposição dos fundamentos com a decisão e resultado na decisão, na parte em que se aceita a improcedência dos embargos “por não se enquadrarem em nenhum dos fundamentos previstos no art. 729º, nomeadamente na alínea g)” e bem assim admite a exceção inominada de concentração da defesa, sem, contudo, se pronunciar pela improcedência dos embargos.
ff) Devendo, por isso, a Sentença em crise, ser anulada e substituída por outra que declare improcedente o Embargo deduzido e, em consequência seja declarado o prosseguimento da execução.

O recurso foi admitido e foi dado cumprimento ao disposto no artigo 641.º, n.º 7, do CPC no sentido da não verificação da arguida nulidade da sentença.
Foi apresentada resposta ao recurso onde os Apelados defenderam a confirmação da sentença recorrida.

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), as questões a decidir no recurso são as seguintes:
- Nulidade da sentença;
- Se foi empregada indevidamente a citação edital da Ré, ora Embargante, na ação declarativa onde foi proferida a sentença dada à execução.

B- De Facto
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
«1. A execução baseia-se em sentença de 28.04.2021, sobre a qual não recaiu recurso, proferida no processo declarativo n.º 2979/19.0T8STB do Juízo Local Cível ... - Juiz ..., proposto por EMP01... Unipessoal, Ld.ª, contra AA e BB, sentença essa cujo dispositivo é o seguinte:
«Por todo o exposto, julgo a ação totalmente procedente e, em consequência:
A) Condeno os Réus BB e AA a, solidariamente, pagarem à Autora a quantia de € 3.727,50 (três mil, setecentos e vinte e sete euros e cinquenta cêntimos).
B) Custas pelos Réus, solidariamente responsáveis.».
2. No relatório da aludida sentença fez-se constar o seguinte:
“Regularmente citados (a 1.ª Ré editalmente – fls. 61 e o 2.º Réu pessoalmente – fls. 48 a 52), nenhum apresentou contestação, tendo o 2.º Réu constituído mandatário a 23.12.2020 [ref.ª citius 5499585].”.
3. Na referida sentença foram além do mais julgados provados os seguintes factos:
«1. No dia 25.05.2017, em escrito intitulado “contrato-promessa de compra e venda de bem futuro” a Autora prometeu vender aos Réus que, por seu turno, lhe prometeram comprar, como bens futuros, as frações autónomas que viessem a corresponder ao ... andar lados direito e esquerdo destinados a habitação, no prédio urbano sito na Avenida ..., ... em Local 1, pelo preço global de € 257.500 [€ 130.000 correspondente ao preço do ... andar e € 127.500 pelo ... andar].
2. Na cláusula TERCEIRA do suprarreferido escrito, sob a epígrafe CONDIÇÕES DE CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DEFINITIVO consta, com relevo para o caso, os seguintes pontos:
Dois – A PRIMEIRA CONTRATANTE reconhece que ficam a seu cargo, todas as obras e a apresentação, a suas expensas, junto da Câmara Municipal ..., de todos os projetos, documentos, requerimentos e demais elementos exigidos por lei, que se mostrem necessários à instrução do pedido de emissão do alvará de licença de utilização e alteração da propriedade horizontal e bem assim da obtenção dos certificados energéticos.
(…)
Nove – o presente CPCV abrange ainda um conjunto de modificações solicitadas pelos SEGUNDOS CONTRATANTES, como discriminado em seguida
(…)
3. As obras na totalidade do prédio iniciaram-se em agosto de 2017 e as obras nas frações do ... andar e direito começaram em novembro de 2017.
4. Para além das obras de modificação do imóvel descritas em 2), os RR. solicitaram em 21.11.2017 outras modificações nas frações, concretamente:
No 6.º Direito
4.a) Levantamento de pavimento cerâmico de cozinha e duas casas de banho. Incluindo transporte – com o custo de € 230,00;
4.b) Centrar pontos de luz no teto da sala. Incluindo remates e pintura do teto – com o custo de € 225,00;
4.c) Fornecimento e aplicação de pintura pontual se necessário junto rodapés – com o custo de € 300,00.
No andar...
4.d) Centrar pontos de luz no teto da sala, incluindo remates e pinturas – com o custo de € 225,00;
4.e) Desmontar e voltar a colocar loiças sanitárias em duas casas de banho. Sendo: eliminar o bidé e banheira, colocar um móvel com lavatório duplo, sanita com tanque, base de chuveiro, incluindo as alterações necessárias de ligação de águas e esgotos – com o custo de € 780,00;
4.f) Aplicação de novo revestimento em casa de banho incluindo remate e betumes necessários – com o custo de € 700,00;
4.g) Fornecimento e aplicação de pintura pontual se necessário junto rodapés – com o custo de € 300,00;
4.h) Fornecimento e aplicação de parede falsa em gesso cartonado para ocultar porta de entrada de apartamento – com o custo de € 162,50;
4.i) Fornecimento e aplicação de parede em gesso cartonado dividir para fazer despensa no lugar da entrada – com o custo de € 140,00;
4.j) Fornecimento e aplicação de porta interior igual às existentes – com o custo de € 285,00;
4.k) Centrar toda a aparelhagem elétrica na parede quarto (casa de banho) incluindo remates e pinturas – com o custo de € 380,00.
5. Os Réus ficaram cientes de que as alterações solicitadas e descritas em 4) seriam por si suportadas.
6. Para facilitar o pagamento, ficou acordado entre Autora, RR. e o empreiteiro, que a Autora pagaria a totalidade dos custos das obras diretamente ao empreiteiro, ficando os RR. de devolver à Autora o valor de € 3.727,50 da sua responsabilidade pelas modificações adicionais.
7. Não ficou estabelecido um prazo para a devolução deste montante.
8. A Autora pagou ao empreiteiro, pelo menos, € 12.902,12 em novembro e dezembro de 2017.
9. No dia 16.04.2018, a Autora e os RR. celebraram a escritura de compra e venda das frações do ... andar e direito, pelo preço acordado em 1), que foi pago pelos RR. à Autora.
10. Os RR. não pagaram à Autora os € 3.727,50 atinente às obras/modificações extra e elencadas em 4) nem no momento da escritura, nem posteriormente.
11. A Autora interpelou os RR. para o pagamento da quantia descrita em 10) nos dias 05.07.2018, 14.09.2018 e 08.01.2019, esta última com citação por notificação judicial avulsa.
(…)
14. A Autora é uma sociedade cujo objeto social consiste no exercício, exploração e gestão de atividades e empreendimentos turísticos; gestão de imóveis e consultoria de gestão.
15. Os RR. são casados entre si desde 1992, sem convenção antenupcial.».
4. No processo referido em 1. foi expedida, em 03.05.2019, carta registada com AR para citação dos ora embargantes, para a Quinta ..., Rua ... ... ... Local 2 (morada indicada na petição inicial).
5. As cartas referidas no ponto anterior foram devolvidas com a menção “Objeto não reclamado”.
6. No dia 24.05.2019, depois de consultar a base de dados da Segurança Social, a Secretaria remeteu nova carta registada com AR para citação dos ora executados, para as moradas obtidas com a consulta (Rua ... ... Local 2, no caso da embargante BB; Av. ... ... Local 1, no caso do embargante AA).
7. As cartas referidas no ponto anterior foram devolvidas com a menção “Objeto não reclamado”.
8. Após a devolução das cartas de citação, em 12.06.2019, a Secretaria, depois de consultar a base de dados dos serviços de identificação civil, e de apurar as mesmas moradas para onde as referidas cartas tinham sido enviadas, notificou a autora da frustração da citação por via postal e que em 10 dias iria ser nomeado agente de execução para que a citação fosse efetuada por contacto pessoal, caso a autora não indicasse o agente de execução para proceder à diligência.
9. No dia 16.07.2017, na falta de indicação da autora, a Secretaria notificou o Sr. agente de execução CC para proceder à citação por contacto pessoal dos réus (a ora embargante BB na Rua ..., ... Local 2; o embargante AA na Av. ..., ... Local 1).
10. No dia 07.08.2019, o Sr. agente de execução juntou ao processo a certidão da citação do réu AA, na qual fez constar que a citação teve lugar na Av. ..., em Local 1, que “O citando (…) recusou receber ou assinar a (…) citação, tendo sido (…) informado de que a nota de citação (…) e os documentos ficam à sua disposição na secretaria judicial”, e que “o (…) citando (…) perante a situação injuriou, ameaçou e empurrou o AE, recusando aceitar ser citado”.
11. Na mesma data, o Sr. agente de execução juntou ainda uma nota de citação da ré BB, referente a ato praticado no mesmo local (Av. ..., em Local 1) e na mesma data, onde fez constar que “O citando (…) recusou receber ou assinar a (…) citação, tendo sido (…) informado de que a nota de citação (…) e os documentos ficam à sua disposição na secretaria judicial”, e que o “Após tentar deixar aviso para dia e hora certa, chega o (…) esposo da citanda, que injuriou, ameaçou e empurrou o agente de execução. Recusou receber qualquer citação, tanto dele como da esposa”.
12. No dia 07.08.2019, a Secretaria enviou duas cartas registadas de notificação dos réus para a Av. ... ..., em Local 1, notificação essa cujo conteúdo é o seguinte: «Nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 231.º do Código de Processo Civil, na qualidade Réu, relativamente ao processo supra identificado, fica por este meio advertido de que, não obstante se ter recusado assinar a certidão ou a receber o duplicado, se encontra citado, e que o duplicado da petição inicial se encontra à sua disposição nesta Secretaria Judicial.».
13. As cartas referidas no ponto anterior foram devolvidas com a menção “Objeto não reclamado”.
14. No dia 14.10.2019 foi proferido o seguinte despacho:
«Certidões juntas a fls. 48 a 49 e notificações subsequentes:
*
Quanto ao Réu AA, o mesmo recusou ser citado (cf. certidão de fls. 48v), pelo que se deu cumprimento ao disposto no artº 231º, nº 5 do Código de Processo Civil.
O Réu considera-se, desta forma, citado.
*
Já quanto à Ré BB, inexiste nos autos qualquer informação que a mesma reside na morada onde o Ex.mo Sr. Agente de Execução tentou a sua citação (Av. ..., em Local 1). Pelo contrário, quer da petição inicial (indicação da Autora) quer da base de dados da Segurança Social (fls. 43) resulta ser o seu domicílio em Rua ..., ..., ... Local 2.
Local onde, aliás, se requereu o Ex.mo Sr. Agente de Execução procedesse à sua citação (cf. ofício deste Tribunal com referência 88672436 e data de 16-07-2019).
Desta forma, notifique-se o Ex.mo Sr. Agente de Execução para que proceda à citação de BB, nos termos do disposto no artº 231º, nº 1 do Código de Processo Civil, para a morada supra referida de Rua ..., ..., ... Local 2.
Notifique e D.N..».
15. Notificada da certidão negativa relativa à citação da ré BB, a autora requereu o seguinte: «(…) tendo sido notificada da frustração da citação da R. BB quer por via postal quer por contacto pessoal efetuado pelo Exmo. Agente de Execução, vem junto de V. Exa., requerer que se digne ordenar a citação edital da Ré nos termos e moldes do disposto no artigo 240º e 241º do CPC».
16. No dia 03.12.2019, na sequência da apresentação do requerimento da autora, foi proferido o seguinte despacho:
«Antes de mais, cumpra-se o disposto no artº 236º do Código de Processo Civil, procedendo-se a buscas nas bases de dados aí previstas, e posteriormente citando-se a ré BB nas novas moradas que eventualmente venham a ser obtidas.
Notifique e D.N..».
17. No dia 13.01.2020, depois de efetuadas pesquisas nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da Segurança Social e da Autoridade Tributária e Aduaneira, nas quais foi obtida a mesma morada onde foi tentada a citação por contacto pessoal (Rua ..., ..., ... Local 2), foi proferido o seguinte despacho: «Uma vez que, não obstante as diligências efectuadas, permanece desconhecido o paradeiro da Ré BB, determino se proceda à respectiva citação edital, conforme requerido pela Autora e com observância do legal formalismo – artº 240º do Código de Processo Civil, e tendo por referência a última morada constante das bases de dados disponíveis no Tribunal.
D.N..».
18. Em cumprimento do despacho referido no ponto anterior, em 28.01.2020 foi emitida certidão de afixação de um edital na porta da última residência conhecida da ora embargante, a saber, Rua ..., ..., ... Local 2.
19. No dia 07.02.2020, foi publicado anúncio da citação edital da ré em página informática de acesso público.
20. No dia 25.06.2020, foi citado o Digníssimo Magistrado do MP, em representação da ré BB, ora embargante, para contestar a ação, no prazo de 30 dias.
21. O MP não contestou a ação em representação da ora embargante, e esta não teve na mesma qualquer intervenção, desde o seu início até final.
22. No dia 03.11.2020, dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, assim como o despacho de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova.
23. No dia 14.12.2020 teve lugar a audiência final.
24. Por requerimento de 23.12.2020, o ora embargante AA juntou aos autos procuração forense passada na mesma data a favor do I. advogado Dr. DD.
25. No dia 28.04.2021 foi proferida a sentença referida em 1..
26. A aludida sentença foi notificada ao MP, à autora e ao réu AA, nas pessoas dos seus I. mandatários.»

C- Do Conhecimento das Questões Colocadas no Recurso
1- Nulidade da sentença
Nas Conclusões dd) a ff), a Apelante vem arguir a nulidade da sentença recorrida alegando que «O Douto Tribunal a quo, não considerou procedente a exceção inominada de concentração da defesa deduzida pela Recorrente nos termos dos art.ºs 571.º e 576.º, n.º 2 e 577.º e 278.º, n.º 1, al. e) do CPC, o que gera a nulidade da sentença», «verificando-se a oposição dos fundamentos com a decisão e resultado na decisão, na parte em que se aceita a improcedência dos embargos “por não se enquadrarem em nenhum dos fundamentos previstos no art. 729º, nomeadamente na alínea g)” e bem assim admite a exceção inominada de concentração da defesa, sem, contudo, se pronunciar pela improcedência dos embargos.», concluindo: «Devendo, por isso, a Sentença em crise, ser anulada e substituída por outra que declare improcedente o Embargo deduzido e, em consequência seja declarado o prosseguimento da execução.»
No corpo da alegação, subsume esta alegação ao disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
Vejamos, então.
As nulidades da sentença encontram-se taxativamente elencadas nas várias alíneas do n.º 1 do referido artigo 615.º, do CPC e correspondem a vícios formais que afetam a decisão em si mesma, mas não se confundem com erros de julgamento de facto ou de direito, suscetíveis de determinar a alteração total ou parcial da decisão proferida.
Estipula o artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, primeira parte, que a decisão é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Já a segunda parte prescreve que a sentença é nula quando for ambígua ou obscura de tal modo que a torne ininteligível.
A nulidade prevista na primeira parte da alínea c), verifica-se quando haja uma contradição lógica no processo de decisão, ou seja, quando os fundamentos invocados devam conduzir logicamente ao resultado oposto ao que veio a ser expresso na decisão, ou, pelo menos, de sentido diferente.
Este vício formal não se reporta a situações em que se parte de pressupostos errados (por exemplo, apreciação e interpretação dos factos ou do direito), caso em que existe um vício de conteúdo (“error in judicando”), mas não nulidade da decisão. [1]
Já a ambiguidade ou obscuridade da sentença reporta-se à sua parte decisória e apenas ocorre quando gera ininteligibilidade, ou seja, quando um declaratário normal, nos termos do artigo 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1 do Código Civil (CC), não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.[2]
No caso presente, a parte decisória da sentença recorrida não suscita qualquer dúvida interpretativa dada sua clareza ao decretar a procedência dos Embargos e a extinção da execução, pelo que não se verifica a previsão da segunda parte da alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC.
Nem tão pouco a previsão da primeira parte do referido normativo, porquanto se afastaram os fundamentos dos embargos de executado que determinariam a improcedência dos mesmos e se fundamentou a sua procedência no fundamento da falta de citação da Embargante por ter sido indevidamente empregue a citação edital da mesma, verificando-se, desta forma, que existe um nexo lógico e causal entre o fundamento que determinou a sorte dos presentes embargos e a decisão proferida.
Improcede, assim, a arguida nulidade da decisão recorrida.

2- Se foi empregada indevidamente a citação edital da Ré, ora Embargante, na ação declarativa onde foi proferida a sentença dada à execução
Estamos perante uma oposição à execução mediante embargos de executado, deduzidos na ação executiva em que foi apresentado como título executivo a sentença condenatória dos Réus, ora Embargantes, a pagarem à Embargada determinada quantia certa.
O Embargante foi citado na ação declarativa pessoalmente e, apesar de não ter contestado, juntou aos autos procuração forense, nada tendo arguido em relação à sua citação.
Já a Embargante foi citada editalmente e nunca teve qualquer intervenção na ação declarativa.
Porém, nos presentes embargos de executado vem suscitar a questão da irregularidade da sua citação.
Como estipula o artigo 188.º, n.º 1, alínea c), do CPC: «Há falta de citação: Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital». A cominação é a nulidade de todo o processo posterior à petição inicial, salvando-se apenas esta (artigo 187.º, alínea a), do CPC), precisando o artigo 190.º as consequências da falta de citação no caso de pluralidade de réus e conforme se esteja perante uma situação de litisconsórcio necessário ou voluntário.
A falta de citação pode ser arguida em momentos e por via de diferentes meios processuais.
Desde logo, pode ser arguida no processo onde o ato foi omitido ou praticado de forma indevida enquanto a nulidade de falta de citação não se considerar sanada, o que ocorre quanto o citando tenha intervenção no processo sem arguir logo a sua falta de citação (artigos 189.º e 198.º, n.º 2, segunda parte, do CPC).
Também a nulidade ou a falta de citação, quando o processo tenha ocorrido à revelia do citando, não tendo havido qualquer intervenção do réu (revelia absoluta), é fundamento para a interposição de recurso extraordinário de revisão, como estipula o artigo 696.º, alíneas e) e i), do CPC.
Finalmente, é fundamento da oposição por meio de embargos de executado nos termos consignados no artigo 729.º, alínea d), do CPC, onde se prevê que pode ser deduzida oposição mediante embargos de executado quando haja «Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e), do artigo 696.º do CPC.».
No caso em apreço, a Embargante optou pela invocação da falta de citação na ação declarativa por via da dedução de oposição por meio de embargos de executado.
Verificando-se, como decorre dos factos dados como provados na decisão recorrida, que nunca teve qualquer intervenção na ação declarativa, a qual se processou perante a sua revelia absoluta, impõe-se a apreciação do fundamento alegado sem que a decisão a proferir na sequência da sua apreciação e do impacto processual que venha a ter na ação declarativa, ofenda o caso julgado, o que afasta a argumentação dos Recorrentes nesse sentido (cfr. alíneas aa) e bb) das Conclusões).
Vejamos, então, se na ação declarativa foi usada indevidamente a citação edital.
Na sentença recorrida fundamentou-se o decidido quanto a esta questão do seguinte modo:
«Revelam ainda os autos que, tendo sido obtida a mesma morada onde havia sido tentada a citação por contacto pessoal (foram pesquisadas as bases de dados serviços de identificação civil, da Segurança Social e da Autoridade Tributária e Aduaneira), foi proferido despacho que determinou a citação edital da ré, procedendo-se quer à afixação de edital na porta da morada conhecida nos autos, quer à publicação de anúncio em página informática de acesso público, antes de ser efetuada a citação do MP.
Da tramitação processual descrita ressaltam dois aspetos que devem ser postos em evidência: em primeiro lugar, não foi efetuada qualquer pesquisa na base de dados do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, o que significa que, em resultado desta omissão, apenas foi tentada a citação nas moradas constantes das base de dados dos serviços de identificação civil e nas bases de dados da segurança social e da Autoridade Tributária; em segundo lugar, além de não ter sido consultada a base de dados do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, também não se diligenciou no sentido de ser obtida informação sobre o paradeiro do réu junto das autoridades policiais.
Circunstancialismo que nos leva a considerar que, no momento em que se avançou para a citação edital, não se podia ainda afirmar que não era comprovadamente possível apurar o paradeiro da citanda, por não estarem ainda esgotadas todas as hipóteses para ser concretizada a citação pessoal, até porque o réu tinha sido encontrado numa morada diferente daquela que constava das bases de dados consultadas, o que aconselhava a realização de diligências junto da entidade policial para que se indagasse, pelo menos, se a morada da citação do réu correspondia também à residência da ré, tendo em conta que os réus eram casados entre si.
O que vale por dizer que o recurso à modalidade de citação edital se revelou indevido, consubstanciando uma situação de falta de citação nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 188º.»
Não se conformando a Apelante com tal fundamentação e decisão, vem alegar que foram consultadas, por três vezes e em momentos diferentes, as bases de dados disponíveis e previstas no artigo 236.º do CPC das quais resultou que a citanda morava na Rua ..., ..., ... Local 2, que também era a morada aposta no contrato celebrado entre as partes; que compete à citanda a atualização da morada do domicílio nos termos do artigo 13.º da Lei n.º 7/2007, de 05-02 (Cria o cartão de cidadão e rege a sua emissão e utilização) e do artigo 19.º, n.ºs 3, 4, e 5, do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17-12 (Lei Geral Tributária); que a Recorrente age com abuso de direito nos termos previstos no artigo 334.º do Código Civil por não atualizar os seus dados pessoais junto das autoridades competentes e utilizar essa omissão para fundamentar os presentes embargos de executado.
Analisando a argumentação da Recorrente adiantamos, desde já, que não se pode corroborar a mesma.
Concretizando e, em suma, importa assinalar que o direito de defesa consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) é um direito fundamental para a obtenção de um processo justo e equitativo, a interpretar e integrar em harmonia com o artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 16.º, n.º 2, da CRP), a par de outros princípios constitucionais, como sejam, o princípio da confiança, o princípio da proporcionalidade, o princípio da igualdade e o princípio do contraditório (cfr. artigos 2.º, 12.º, 13.º, 18.º, n.º 2, 19.º, n.º 1, 266.º, n.º 2, da CRP).
As normas referentes à citação dos demandados em sede judicial são absolutamente essenciais para assegurar aqueles princípios constitucionais considerando, desde logo, que a citação é o ato pelo qual se chama o réu a juízo, dando-lhe o conhecimento da ação e da possibilidade de deduzir a sua defesa, ao qual estão ainda ligados outros efeitos processuais e materiais relevantes, v.g., a situação de revelia, a estabilidade a instância e a interrupção da prescrição (artigos 219.º, n.º1, 259.º, n.º 2, 260.º do CPC e artigo 323.º do CC).
Em relação às pessoas singulares, o legislador na concretização dos referidos princípios constitucionais e no que concerne a citação, elegeu a citação pessoal e a edital como modalidades de citação (artigo 225.º, n.º 1, do CPC), estabelecendo um conjunto de regras mediante as quais a citação edital apenas se desencadeia quando se frusta a citação pessoal (que se realiza por via postal mediante carta registada com aviso de receção ou por meio de contato pessoal por agente de execução, por funcionário ou, nalgumas citações, por meio de mandatário judicial – cfr. artigo 225.º, n.º 2 a 5, do CPC), e desde que haja elementos que indiquem que o citando se encontra ausente em parte incerta nos moldes que constam dos artigos 236.º e 240.º do CPC (cfr. n.º 6 deste preceito).
Ora, o artigo 236.º do CPC é nuclear nesta matéria, porquanto prescreve o modo como a secretaria deve proceder para procurar informações sobre o paradeiro do citando ausente em parte incerta, sem prejuízo do juiz exercer o seu múnus no sentido de aferir da indispensabilidade de obter outras informações com recurso às autoridades policiais.
Desse modo, o n.º 1, do artigo 236.º do CPC estipula: «Quando seja impossível a realização da citação por o citando estar ausente em parte incerta, a secretaria diligencia obter informação sobre o último paradeiro ou residência conhecida junto de quaisquer entidades ou serviços, designadamente, mediante prévio despacho judicial, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Autoridade Tributária e Aduaneira e do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres e, quando o juiz o considere absolutamente indispensável para decidir da realização da citação edital, junto das autoridades policiais.»
No caso em apreço, as consultas da secretaria referidas no ponto provado 6 (em 24-05-2019 à base de dados da Segurança Social), no ponto provado 8 (em 12-06-2019 à base de dados dos serviços de identificação civil) e no ponto provado 17 (em 13-01-2020 às bases de dados dos serviços de identificação civil, Segurança Social e da Autoridade Tributária e Aduaneira) deram todas o mesmo resultado, ou seja, que a residência da Ré se situava na Rua ..., ..., ... Local 2, morada para a qual já tinha sido enviada a carta registada com aviso de receção que foi devolvida com a menção «Objeto não reclamado» (ponto 6 e 7 dos factos provados) e morada em relação à qual o Tribunal a quo determinou que o Agente de Execução realizasse a citação da Ré, nos termos do artigo 231.º, n.º 1, do CPC (ou seja, mediante contato pessoal) – cfr. pontos provados 14.
Tendo-se frustrado a citação pessoal na referida morada, foi ordenado o cumprimento do artigo 236.º do CPC com consulta às «bases de dados aí previstas» e ordenada a citação nas «novas moradas que eventualmente venham a ser obtidas» (ponto provado 16), e, posteriormente, em face da consulta nos termos referidos no ponto provado 17, e do requerido pela Autora, foi ordenada a citação edital da Ré (pontos provados 17 a 19) e citado o Ministério Público em representação da Ré, que não apresentou contestação (pontos provados 20 e 21).
Ora, como decorre do que vem sendo exposto, a secretaria nas três consultas a que procedeu nos termos do artigo 236.º, n.º 1, do CPC, nunca consultou todas as bases de dados referenciadas no preceito que ali são referidas ainda que a título exemplificativo. Primeiro consultou a base de dados da Segurança Social, depois, na segunda consulta, as bases de dados dos serviços de identificação civil, e na terceira vez, àquelas duas adicionou a consulta da Autoridade Tributária, desconhecendo-se a razão de tal procedimento restritivo, seletivo e excludente da base de dados do Instituto de Mobilidade e dos Transportes Terrestres (IMTT).
Sendo que o juiz da ação declarativa, confrontado com o pedido de citação edital, ordenou a consulta das bases de dados disponíveis, ou seja, as bases de dados exemplificadas no preceito, o que não foi cumprido, sem que haja notícia de haver algum impedimento que determine o cumprimento parcial do que foi ordenado.
Mas, para além disso, confrontado o juiz do processo com a omissão parcial do antes determinado, nem ordenou o cabal cumprimento do que tinha decidido, nem se pronunciou no sentido da (in)dispensabiidade do recurso às autoridades policiais para a obtenção de informações que completassem as informações colhidas nas bases de dados consultadas.
Ora, este quadro fático evidencia que não foram realizadas todas as diligências previstas na lei e no modo como se encontram previstas, em ordem à determinação da citação edital da Ré.
Circunstâncias às quais a citanda é alheia e não podem ser utilizadas contra a mesma na aferição da regularidade da citação edital.
Contrapõe a Recorrente com a desatualização dos elementos referentes à sua morada constante das bases de dados consultadas e a imputação à citanda dessa responsabilidade com reflexos na aferição da regularidade da citação edital.
Não se desconhece que tem sido adotada nalguns acórdãos tal argumentação como decorre, por exemplo, do Acórdão da Relação desta Relação de Évora proferido em 06-10-2016[3], no sentido da justificação da dispensa do recurso às autoridades policiais para a obtenção de informações para a realização da citação edital quando a morada se encontra desatualizada nas bases de dados indicadas no artigo 236.º, n.º 1, do CPC (o que não foi seguido com essa amplitude no Acórdão da mesma Relação proferido em 11-01-2024[4]), ou no Acórdão também desta Relação de Évora proferido em 11-05-2023[5] que entendeu que para efeitos de comunicação dos serviços do Estado e da Administração Pública, o cidadão tem-se por domiciliado, para todos os efeitos legais, naquele local, por aplicação do artigo 13.º, n.º 1, e 2, da Lei n.º 7/2007, de 05-02, aplicando essa presunção também à citação em processo judicial.
Todavia, no caso, a questão essencial a decidir não é a da autorresponsabilização da parte por não ter atualizado a sua morada nas várias bases de dados dos serviços do Estado e da Administração Pública e se daí se pode extrair um juízo de censura com reflexos na aferição da regularidade da citação edital, mas, antes, o modo seletivo e lacunar das consultas, sendo que em relação ao IMTT nem sequer houve qualquer consulta da respetiva base de dados, a que acresce a circunstância da inexistência de despacho judicial a aferir da absoluta indispensabilidade do recurso às autoridades policiais.
E, salvo o devido respeito por opinião contrária, o modo como foi realizado o processado tendente a apurar o paradeiro da citanda com vista à sua citação edital foi irregular e lacunoso e determinou a realização da citação edital da mesma em manifesto desacerto e com violação do disposto no artigo 236.º, n.º 1, do CPC, tendo-se, consequentemente, empregue indevidamente a citação edital (artigo 188.º, n.º 1, alínea c), do CPC).
O que determina a falta de citação com as consequências previstas no artigo 190.º, alínea a) do CPC, ou seja, sendo os Réus demandados em litisconsórcio necessário por serem casados entre si e por causa de uma dívida comum (cfr. artigo 34.º do CPC, regime que a Apelante não põe em causa), o uso indevido da citação edital em relação a um deles determina a anulação de todo o processado depois das citações.
No que concerne à alegação do abuso de direito, a sentença recorrida também afastou tal regime por considerar que não se verificava o pressuposto exigido pelo artigo 334.º do CC quanto ao exercício do direito em termos clamorosamente ofensivos da conceções ético-jurídicas dominantes da coletividade.
Também aqui não nos merece censura o decidido.
A alegação que sustenta a invocação do abuso de direito por parte da Apelada reside, essencialmente, na invocação de omissão de atualização dos seus dados pessoais junto das autoridades competentes e, apesar, desse comportamento omissivo, alegar em sede de embargos que não foi regularmente citada por não ter sido encontrada na morada que consta daquelas bases de dados (cfr. alínea h) e seguintes das Conclusões).
Assim, a invocação do abuso de direito assenta num comportamento alegadamente contraditório que, embora não seja identificado nesses termos pela Apelante, afigura-se-nos que o pretende reconduzir à modalidade de venire contra factum proprium, sabendo-se que essa é uma das modalidades que a doutrina carateriza como enformando a previsão do artigo 334.º do CC, ao estipular «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.»
Da construção dogmática deste instituto, sublinha-se que a caraterística distintiva da figura do abuso do direito reside no uso ou utilização dos poderes que o direito concede para a prossecução de um interesse que exorbita o fim próprio do direito ou o contexto em que ele deverá ser exercido.[6]
Consequentemente, o excesso tem de ser patente, manifesto e clamorosamente ofensivo funcionando o abuso de direito como um mecanismo geral de correção do exercício disfuncional do direito subjetivo.
O abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium resulta da violação do princípio da confiança, traduzida no facto de o demandante agir, de forma claramente ofensiva, contra as fundadas expetativas por ele criadas no demandado, no sentido do não exercício do direito.
Como enunciado pelo STJ: «São pressupostos desta modalidade de abuso do direito – venire contra factum proprium – os seguintes: a existência dum comportamento anterior do agente susceptível de basear uma situação objectiva de confiança; a imputabilidade das duas condutas (anterior e actual) ao agente; a boa fé do lesado (confiante); a existência dum “investimento de confiança”, traduzido no desenvolvimento duma actividade com base no factum proprium; o nexo causal entre a situação objectiva de confiança e o “investimento” que nela assentou.»[7]
Ora, salvo melhor entendimento, à luz dos pressupostos do artigo 334.º do CC, ainda que haja incumprimento do dever de atualização da informação sobre os dados pessoais de um cidadão junto das autoridades administrativas competentes, não existe qualquer preceito legal, norma ética de conduta ou qualquer princípio geral de direito, mormente o da boa fé, que impeça o cidadão demandado num endereço que já não é o seu (mesmo que seja essa a situação dos autos, porquanto tal não se encontra apurado de forma categórica), não obstante a falta de atualização, de apresentar o seu direito de defesa invocando que os serviços competentes para proceder à citação não procederam em conformidade com a lei na averiguação do seu atual domicílio em ordem a levar a cabo a sua citação de acordo com os ditames da lei.
Nem tão pouco se pode dizer que a conduta da Ré tenha criado qualquer seja em quem for, a expetativa do não exercício do direito de invocar a irregularidade da citação.
Outro modo de ver, feriria de modo grave e intolerável o direito à defesa, à tutela efetiva e à obtenção de um processo equitativo como consagrado no artigo 20.º da CRP.
Falece, assim, a invocação do abuso de direito.
Em face do exposto, improcede a apelação, impondo-se a confirmação da sentença.

3. Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da Apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.


III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 10-10-2024
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
Ana Pessoa (1.ª Adjunta)
José António Moita (2.º Adjunto)
__________________________________________________
[1] LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, vol.2.º, 3.ª ed., Almedina, 2017, pp. 736-737.
[2] LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, ob. cit. p. 735.
[3] Proc. n.º 212/14.0TBPTG-A.E1 (José Manuel Galo Tomé de Carvalho), em www.dgsi.pt
[4] Proc. n.º 592/20.8T8ENT-A.E1 (Maria José Cortes), em www.dgsi.pt
[5] Proc. n.º 359/20.3T8TVR.E1-A (Isabel de Matos Peixoto Imaginário), em www.dgsi.pt
[6] MENEZES CORDEIRO, Tratado do Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo IV, Almedina 2007, p. 300 (7).
[7] Ac. STJ, de 12-11-2013, proc. n.º 1464/11.2TBGRD-A.C1.S1 (Nuno Cameira), em www.dgsi.pt.