COMPENSAÇÃO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
CAUSA PREJUDICIAL
Sumário

I - Não é necessário ser na própria ação, onde é deduzida a compensação, que devem estar preenchidos os seus requisitos do contra-crédito, para se operar a compensação. Este crédito pode já estar a ser discutido em ação judicial pendente.
II - Neste caso tal como decidiu a sentença recorrida ocorre uma situação de causa prejudicial a dar lugar à suspensão da instância, como refere o ac. Rel. Lx de 10-05-2018, in www.dgsi.pt, - que explicita de forma exaustiva a dinâmica da compensação na ação declarativa e executiva e ao qual aderimos - “se na acção declarativa anterior se discute o crédito compensante, como objecto da acção ou da reconvenção, na nova acção declarativa, se se pretender discutir de novo o crédito compensante, como objecto da acção ou da reconvenção, o que existe é uma litispendência a impedir essa discussão na segunda acção, e não uma inexigibilidade judicial do crédito (note-se que a questão coloca-se de forma diferente sendo a segunda acção uma execução, pois aí o que haveria era uma prejudicialidade)”.

Texto Integral

Apelação nº 3143/21.3T8STS-A.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

“Por apenso à execução comum em que são exequentes AA e BB, ambos residentes na Rua ..., ..., Maia, e executadas “A..., Lda.”, com sede na Rua ..., ..., e “B..., S.A.”, com sede na Rua ..., ..., ..., ..., vieram estas executadas deduzir a presente oposição mediante embargos de executado, alegando que num primeiro momento efetuaram os pagamentos a que estavam adstritas na sequência da transação celebrada nos autos declarativos a que foi apensa a execução, em conformidade com o ali acordado, tendo saldado no total um montante de € 15.000,00.
Porém, alegam, não cumpriram integralmente nos termos a que se obrigaram solidariamente, no caso, ao pagamento do montante de € 13.530,00 a cada exequente, porque foram surpreendidas pelas atuações dos exequentes, conluiados, e que continuam até aos dias de hoje, as quais causaram inúmeros prejuízos às executadas e, consequentemente, geraram um crédito das mesmas contra aqueles. Pelo que, quando se aperceberam de tais factos, as executadas cessaram imediatamente o pagamento das prestações anteriormente acordadas.
Mais alegam os comportamentos a que se referem, designadamente relacionados com o uso de marca registada da aqui “A..., Lda.”, e que os exequentes e terceiros efetuaram diversas “manobras” para confundir as marcas, arrecadar ilicitamente clientes da executada, fazer concorrência direta a esta, e prejudicar economicamente a exequente, incluindo através de nova sociedade criada por familiar da exequente e onde ambos os exequentes trabalham, ali usando o mesmo design, as mesmas cores e os mesmos materiais que haviam sido criados pela executada, e que eram e são vendidos como sua marca registada.
E, sem qualquer autorização ou conhecimento prévio, a aqui executada viu as suas criações, bem como o marketing por si concebido, levados para uma sociedade concorrente pelos exequentes, que se apropriaram dos endereços e dos contactos dos clientes da executada.
Concluem a defender que tal conduta ilícita dos exequentes causou um prejuízo muito superior a € 70.000,00, detendo a executada um crédito – ainda que ilíquido – contra os aqui exequentes, cujo reconhecimento judicial foi pedido, através da ação competente declarativa comum que corre termos no Tribunal de Propriedade Industrial, Juízo da Propriedade Intelectual de Lisboa - Juiz 2, sob o n.º 203/22.7YHLSB.
Por outro lado, alegam, enquanto exerciam funções de gerentes, os exequentes cessaram pelo menos três contratos de trabalho por mútuo acordo, ultrapassando os limites previstos no n.º 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, alterado pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, sendo que dois desses contratos assim cessados são os dos próprios exequentes. Em consequência, a executada “A..., Lda.” foi notificada pelo Instituto de Segurança Social para o pagamento da quantia de € 22.123,19, respeitante à restituição de prestações de desemprego indevidamente pagas.
Assim, defendem, nos termos artigo 63.º do mencionado diploma, a responsabilidade da cessação de tais contratos é imputável aos exequentes que, mais uma vez, atuaram com o desiderato único de prejudicar a executada e, no exercício das suas funções, cessaram os aludidos contratos sem dar conhecimento à administração que, até ao recebimento da referida notificação, desconhecia em absoluto os trâmites do fim das relações laborais. O montante ora exigido pelo Instituto da Segurança Social constitui um crédito que a executada pode exigir aos exequentes.
Concluem a defender que a executada – será a “A..., Lda.” - pretende ver o valor em execução compensado com os créditos devidos e não pagos pelos exequentes, sendo o valor do crédito que a executada detém sobre os exequentes amplamente superior à quantia exequenda, reconhecidos que sejam os créditos e operada a compensação, terá que ser determinada a extinção total da presente execução. E, pese embora o regime estabelecido no artigo 266.º, n.º 2, do CPC (que determina que a invocação do contra crédito deva ser feito por via reconvencional), as executadas só tomaram conhecimento de toda a factualidade que alicerça os créditos após o trânsito em julgado da sentença e parte de tais factos ocorreu mesmo, e continua a ocorrer, após a transação homologada pela sentença exequenda. O segundo crédito só surgiu na esfera jurídica da executada com a notificação do Instituto de Segurança Social para o pagamento da quantia € 22.123,19, em abril de 2022. Pelo que, as executadas estavam impedidas de formular na ação declarativa pedido reconvencional de reconhecimento do contra crédito ora invocado, daí que o tenham feito em ação própria e no Tribunal competente em razão da matéria: o TPI.
Mais defendem que é admissível deduzir embargos com o fundamento na existência de um contra crédito, nos termos do artigo 729.º, al. h), do CPC e tal crédito não tem de constar de documento com força executiva, não se exigindo igualmente que o crédito esteja já judicialmente reconhecido, bastando que estejam satisfeitos os requisitos materiais do artigo 847.º do CC. E, sendo os exequentes devedores à executada de quantia que ascende ao valor de pelo menos € 92.123,19, esta pretende que seja compensado ao valor da dívida exequenda, extinguindo-se, deste modo, o processo executivo.
Terminaram a requerer a procedência da oposição à execução por embargos de executado e, consequentemente, ser a execução totalmente extinta, por extinção da dívida através da compensação.
Recebidos os embargos, foi proferido despacho a determinar a notificação dos exequentes para contestar, querendo, dentro do prazo de 20 dias, os presentes embargos (cfr. artigo 732.º, n.º 2, do código de processo civil), e com as cominações legalmente previstas.
Vieram, então, os exequentes/embargados apresentar contestação aos embargos, começando por aceitar a confissão das executadas quanto a ter sido cumprida apenas parcialmente a transação judicial que outorgaram, tendo deixado de pagar as quantias devidas (em que foram judicialmente condenados).
Mais defendem que as executadas não invocam fundamento atendível para o embargo que apresentam, pois a pretensa compensação para efeitos do disposto no artigo 729.º, h) do CPC, não poderá ocorrer, pois da alegação das executadas resulta que o pretenso crédito que pretendem invocar (a existir, que não existe) ocorre na sequência da atividade de uma sociedade comercial, terceira relativamente à ação e execução, e que pertencerá a um irmão da exequente. Pelo que, tal compensação seria sempre impossível.
Mais alegam que o pretenso crédito invocado pelas executadas, ainda que existisse e tivesse como devedor os exequentes, não seria passível de compensação nestes autos, porque o mesmo está a ser judicialmente peticionado no processo a que aludem, o que sempre levaria à absolvição dos “executados” (será exequentes) da presente instância, nos termos previstos nos artigos 581.º e 582.º do CPC, sendo que a existência de litispendência é provada pela própria documentação junta aos autos pelas executadas.
Tal crédito tem, evidentemente, natureza litigiosa, pelo que é destituído de suporte (e prova) documental, sendo que tem defendido a doutrina e a jurisprudência, quanto ao disposto no artigo 729.º, h) do CPC, que o crédito (quando exista) seja compensável em sede de execução, mas desde que seja passível de ser provado por documento; e que o documento tenha força executiva própria, não sendo admissível a utilização dos embargos de executado para a sua verificação.
Pelo que não poderão, nesta sede, as executadas servir-se de tal pretenso crédito para pretender a extinção da presente execução por compensação, sendo certo que este tribunal não teria também competência material para a sua apreciação.
Mais impugnam a alegação feita pelas executadas/embargantes mediante a qual pretendem fundamentar o crédito.

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Não obstante o consagrado no artigo 732.º, n.º 2, do código de processo civil, atendendo a que na contestação apresentada foi invocada matéria de exceção, e que o tribunal ponderava dispensar a realização da audiência prévia, foi concedido às embargantes prazo para que se pudessem pronunciar por escrito, mas nada disseram.
Foram, ainda, questionadas as partes acerca da pertinência na realização de tentativa de conciliação, ao que responderam afirmativamente, tendo sido designada data para o efeito.
Porém, nessa data, tal diligência não foi realizada devido à greve dos Srs. Funcionários judiciais. Após, pelas partes foi dito que tinham, entretanto, conversado e que concluíram que as posições não seriam conciliáveis, não tendo sido designada nova data para a realização de tentativa de conciliação.
Mais foi solicitada informação acerca do atual estado da ação a que aludem as partes nestes autos, resultando que a mesma ainda se encontra pendente.
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Atendendo às posições assumidas pelas partes nestes autos e os documentos e elementos que já constam dos mesmos, é já possível apreciar o pedido aqui formulado pela embargante executada “B..., S.A.” e definir os ulteriores trâmites relativamente à embargante e executada “A..., Lda.”, o que se passará a fazer de imediato.”
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Foi proferida sentença que decidiu:
“Face a tudo o exposto, conclui-se que os presentes embargos deverão, desde já, improceder relativamente à embargante/executada “B..., S.A.”, pois, como se disse, não invocou sequer ter qualquer contra crédito a invocar quanto aos exequentes (não é demandante na referida ação, sendo o desfecho desta indiferente para esta embargante, e nem foi notificada para pagar qualquer valor ao “ISS, IP”). Pelo que, os termos dos autos de execução devem correr normalmente os seus termos quanto à mesma.
E, quanto à embargante “A..., Lda.”, não invocou sequer ter pago o valor a que alude ao “ISS, IP”, mas tem pendente, no tribunal competente, discussão judicial de um crédito a seu favor e contra os exequentes.
Pelo que, nesta parte, deverão os embargos aguardar suspensos o desfecho daquela ação.

Decisão:
Nestes termos e por tudo o exposto, decide-se:
- Julgar a presente oposição à execução, deduzida pela executada/embargante, “B..., SA”, improcedente, determinando-se o normal prosseguimento da ação executiva instaurada contra a mesma;
- Determinar que a instância dos embargos aguarde, suspensa, o desfecho da ação que corre termos no Tribunal da Propriedade Intelectual, Juízo da Propriedade Intelectual de Lisboa - Juiz 2, sob o n.º 203/22.7YHLSB, relativamente à executada / embargante “A..., Lda.”.
As custas da ação serão suportadas na proporção de ½ pela embargante “B..., S.A.”. A restante proporção de custas a pagar será fixada em momento posterior, após decisão a proferir na referida ação que corre termos sob o n.º 203/22.7YHLSB.
Registe e notifique.”
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B..., SA co embargante apelou, concluindo nas suas alegações:
1) A apelante é fiadora da dívida exequenda.
2) Não obstante ter renunciado ao benefício da excussão prévia, a apelante pode recusar o pagamento, conquanto tenha o direito de fazer extinguir a dívida por compensação com um crédito do devedor que afiançou.
3) O Tribunal reconheceu a existência de um crédito do devedor sobre os exequentes, a dirimir na ação pendente no Tribunal da Propriedade Industrial, e por isso mesmo suspendeu a instância a aguardar a decisão desse outro processo judicial, no que concerne à co executada A....
4) Foi precisamente esse crédito da devedora principal que a apelante invocou em seu benefício, pretendendo ambas as embargantes, conjuntamente, valer- se do direito de compensação desse outro crédito com aquele que vem reclamado pelos exequentes nesta execução, para dessa forma extinguir este último.
5) Idêntica decisão de suspensão da instância se impunha que tivesse tomado quanto à aqui apelante, uma vez que esta pode opor esse crédito da devedora principal aos exequentes.
6) Ao decidir que, relativamente à aqui apelante, os embargos improcederiam, a sentença a quo desrespeitou o comando normativo do nº 1 do artº 642º do Código Civil e, como tal, está ferida do vício de violação de lei substantiva.
Termos em que deve a douta sentença recorrida ser revogada parcialmente, no que concerne ao segmento decisório em que julgou improcedente a oposição à execução deduzida pela apelante, devendo tal decisão ser substituída por acórdão que determine que a instância aguarde, suspensa, o desfecho da ação que corre termos no Tribunal de Propriedade Industrial, relativamente a ambas as executadas.

Nas Contra alegações BB e outro ampliaram o objeto de recurso e concluíram:
A) Improcedem in totum as alegações de recurso apresentadas;
Subsidiariamente,
B) Caso se entenda dever proceder o Recurso, por cautela, deve ser ampliado o respetivo objeto.
C) O crédito invocado pela Recorrente não se encontra suportado nem titulado em qualquer documento.
D) De resto, trata-se de crédito litigioso não se encontrando também titulado em documento com força executiva.
E) Pelo que não poderão, nesta sede, os Executados servir-se de tal pretenso (embora inexistente) crédito para pretender a extinção da presente execução por compensação.
F) Por maioria de razão quando, atenta a factualidade por si invocada nos Embargos, tal contracrédito a existir será oponível a uma sociedade comercial C..., Unipessoal Lda, absolutamente estranha aos presentes autos.
G) Revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se esta por outra que julgue improcedentes os Embargos in totum, ordenando o prosseguimento dos autos executivos.
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A matéria de facto fixada no tribunal recorrido.
a) Os autos principais declarativos iniciaram-se como providência cautelar de suspensão de deliberações sociais e terminaram com o litígio, em termos definitivos, por transação das partes iniciais e interveniente acidental, com as cláusulas e condições que constam do documento por todos subscrito e junto àqueles autos a 18-01-2022, que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
b) Na transação aludida em a), consta, nomeadamente, que os aqui embargados cederam à executada embargante "B... SA", pelo preço de 30.000€ a integralidade das quotas de que eram titulares na sociedade "A... Lda.", bem como ficou acordado que o preço e a compensação fixados pelas partes nas cláusulas terceira e sexta, seriam pagos aos intervenientes nos seguintes termos: A “B... S.A.” entregaria, naquela data da transação, à interveniente CC a quantia de € 1.470,00, através de transferência bancária para a conta com o IBAN ... da Banco 1..., de que a referida interveniente conferia a respetiva quitação após crédito em conta; ao aqui embargado BB entregaria a quantia de € 1.470,00, através de transferência bancária para a conta com o IBAN ... da Banco 1..., de que o requerido conferia a respetiva quitação após crédito em conta; a embargante “A..., Lda.” entregaria à aqui embargada AA a quantia global de 13.530,00€ nos seguintes termos: uma prestação de 1.030,00€ naquela data; cinco prestações iguais, mensais e sucessivas, no montante de 2.500,00€ cada uma, vencendo-se a primeira prestação no dia 17 de fevereiro de 2022 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes; todos os pagamentos seriam concretizados através de transferência bancária para a conta com o IBAN ... da Banco 1..., de que a interveniente conferia a respetiva quitação após crédito em conta; ao embargado BB, ainda, a quantia global de 13.530,00€, nos seguintes termos: uma prestação de 1.030,00€ naquela data; cinco prestações iguais, mensais e sucessivas, no montante de 2.500,00€ cada uma, vencendo-se a primeira prestação no dia 17 de fevereiro de 2022 e as restantes em igual dia dos meses subsequentes; todos os pagamentos seriam concretizados através de transferência bancária para a conta com o IBAN ... da Banco 1..., de que o ora embargado conferia a respetiva quitação após crédito em conta;
c) Mais consignaram as partes na referida transação que outorgaram: "12 O não pagamento de qualquer das prestações acordadas na cláusula anterior (11) conduz ao automático e imediato vencimento da integralidade das demais, sem qualquer necessidade de prévia interpelação.";
d) Até ao momento, e na sequência da referida transação, as embargantes executadas pagaram a quantia correspondente a 15.000€, não tendo pago a prestação vencida em abril de 2022, nem as restantes;
e) Da mesma transação, na cláusula 13.º, consta que "13. A agora sócia única da “A..., Lda.”, … “B..., S.A.”, constitui-se junto com a primeira, que controla integralmente, e por efeito da presente transação, como devedora e obrigada principal pelo pagamento da compensação prevista na cláusula 11 desta transação, podendo os requeridos, em caso de incumprimento de qualquer das prestações acordadas, de imediato e sem necessidade de qualquer interpelação prévia, promover qualquer diligência de cobrança, pela integralidade do valor em dívida e até integral pagamento, seja contra a “B..., S.A.”, seja contra a “A..., Lda.” ou contra ambas, sem necessidade de prévia excussão do património desta última.";
f) A transação aludida de a) a e) foi homologada por sentença, a 19-01-2022, tendo as partes e o Ministério Público prescindido de recurso, tendo a mesma transitado em julgado;
g) Os aqui embargados instauraram, por apenso àquela ação declarativa, a execução que constitui o apenso “A”, dando à mesma, como título executivo, a transação aludida de a) a e), peticionando o montante global líquido de € 15.000 por conta de capital em dívida (vencimento da integralidade da dívida remanescente); 7.500€ devidos à interveniente AA e 7.500€ devidos ao Exequente BB; juros de mora vencidos até àquela data, no valor de 126,28€; juros compulsórios vencidos até àquela data no valor de 125,00€; juros moratórios e compulsórios vincendos, à taxa anual respetivamente de 4% e 5%, desde a data da apresentação do requerimento executivo até efetivo e integral pagamento;
h) A aqui embargante “A..., Lda.” instaurou ação declarativa de condenação contra “C..., Unipessoal Lda.”, DD, EE, BB, CC e AA, que corre termos no Tribunal de Propriedade Intelectual, Juízo da Propriedade Intelectual de Lisboa - Juiz 2, sob o n.º 203/22.7YHLSB, pedindo a condenação dos ali réus, nomeadamente, a absterem-se de todo e qualquer uso da marca ...”; a absterem-se de produzirem e venderem produtos com o design criado pela autora; a absterem-se do uso de quaisquer alusões à marca ou site da marca ...”, nomeadamente a utilização da descrição do site da autora; à cessação do uso de fotos, desenhos e produtos da marca ...”, nos catálogos ou em quaisquer outros meios publicitários e promocionais dos réus; a retirarem imediatamente do mercado todos e quaisquer elementos que materializem o mencionado nas alíneas anteriores; solidariamente, a pagarem à autora uma indemnização de valor não inferior a 70.000€ por todos os prejuízos causados com a sua conduta ilícita”;
i) A ação aludida em h) encontra-se pendente;
j) A embargante “A..., Lda.” foi notificada pelo Instituto de Segurança Social para o pagamento da quantia de € 22.123,19, respeitante à restituição de prestações desemprego indevidamente pagas, datada de 22-04-2022, ali se referindo que “informamos que de acordo com a comunicação anteriormente enviada, foi apurado o valor correspondente à totalidade do período de atribuição da prestação de desemprego que foi paga ao (s) seguinte(s) trabalhador(es): FF. Mais ali era referido o prazo para responder, para o caso de não concordar com o valor em dívida e a forma de o fazer, nos termos que constam do documento cuja cópia foi junta com o requerimento inicial, e que aqui se dá por reproduzido.
Os restantes factos alegados pelas partes não relevam para a decisão a proferir nestes embargos de executado, nesta fase.
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O recurso.
O recurso delimita-se pelas conclusões das alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 640º n.ºs 1 e 3 do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), em tudo o mais transita em julgado.
Nos presentes autos de embargos de executado, em que o título executivo é uma sentença, foi excepcionada a compensação de créditos pelas embargantes/executadas com vista a extinguir o crédito exequendo. A sentença recorrida considerou verificados os requisitos do instituto da compensação, admitiu a defesa, todavia porque o crédito a compensar está a ser discutido em ação declarativa, suspendeu a instância unicamente quanto à executada A..., Lda, por entender que só esta executada era a titular do contra crédito invocado, devendo a execução prosseguir quanto à B..., SA.
Delimitado o objeto de recurso pelas conclusões das alegações as questões a decidir consistem em saber:
- Se, se encontram verificados os requisitos da ampliação do objeto do recurso formulado pelos exequentes, AA e BB nas suas contra alegações;
- Se a suspensão da execução quanto à executada A..., Lda, fiadora abrange também executada B..., SA, devedora principal;
- Se estão verificados nestes autos os requisitos do instituto da compensação de créditos.
Analisando.
Os embargados/ exequentes, AA e BB, podem considerar-se vencedores nesta ação, uma vez que a execução prossegue quanto a uma das executadas, e, procedendo o recurso da co-executada/embargante, B..., fica a execução suspensa “in totum”. A sentença contém pluralidade de fundamentos. Estão, pois, preenchidos os requisitos da ampliação do objeto de recurso previsto no artº 636º do CPC.
Conhecendo o recurso (por força da ampliação efectuada nas contra alegações).
Conforme deflui da matéria de facto a devedora principal é a Sociedade a A..., Lda, sendo a B..., SA a sua fiadora – cfr e) da matéria de facto e artº 627º do C. Civil.
A fiadora constituiu-se principal pagadora e renunciou ao benefício de excussão – cfr. e) da matéria de facto e alínea a) do artigo 640 º do C. Civil.
Sabemos que, obrigação do fiador é acessória da do devedor; que efectuado o pagamento por aquele, fica de acordo com o disposto no artigo 644.º, sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos; que fica, assim, o fiador a dispor, contra o devedor, do crédito que o credor inicial tinha para com este.
No entanto as embargantes vieram exercer o direito potestativo de compensação previsto no artº 847º do C. Civil, direito que foi acolhido na sentença recorrida unicamente quanto à executada A..., por só esta ser titular do contra crédito invocado com vista à extinção da obrigação exequenda.
Em recurso, a B..., co-executada, pretende a suspensão da instância na totalidade, porquanto entende ser fiadora da A..., o que lhe permite nos termos do artº 642º do CC recusar o pagamento até que a invocada compensação com o crédito exequendo se torne efectiva.
Cremos que lhe assiste razão pelos seguintes motivos:
1.Apesar da renúncia à prévia excussão, as embargantes, embora sociedades distintas, têm entre si ligações societárias posto que a B..., SA detém quotas da A... conforme podemos extrair da b) da matéria de facto, e foram as duas que invocaram o direito de compensação;
Com a compensação, a obrigação exequenda vai ser extinta (foi invocada a extinção total), o que vai determinar a extinção da obrigação da B... SA nos termos do artigo 651º do CC;
Por isso, de acordo com o artigo 642º, nº 1 do CC a B... SA, na qualidade de fiadora, pode recusar o cumprimento enquanto o direito do credor puder ser satisfeito por compensação com um crédito do devedor ou este tiver a possibilidade de se valer da compensação com uma dívida do credor.
2.Nos termos do art.º 272º, nº 1 do CPC, “O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
Comtempla este normativo duas situações que podem levar à suspensão da instância, uma, a existência de causa prejudicial, outra, a existência de outro motivo justificado.
Vejamos a primeira e a que analisamos no caso dos autos, a causa prejudicial.
“Uma causa é prejudicial em relação a outra, quando a decisão daquela pode destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda”, como ensina Alberto dos Reis in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, pág. 268.
Neste caso a decisão de uma causa depende do julgamento de outra, quando nesta acção - prejudicial- se aprecia uma questão, cujo resultado possa afetar a decisão da acção principal, definindo ou limitando o seu objecto.
Este mecanismo tem ínsitas razões de economia e coerência de julgamentos por forma a evitar a existência de decisões incompatíveis relativamente a matérias conexas - Alberto dos Reis ob. cit., pág. 272.
Acresce que a compensação de créditos na medida em que se traduz num acerto de contas, permitindo a extinção da obrigação invocada com um contra crédito que o devedor/Réu detém sobre o Autor, tem também na base razões de economia processual, permitindo que se discuta na ação uma relação jurídica diferente.
Deste modo a suspensão a existir deveria ser total, ou seja, referente às duas executadas/embargantes, uma vez que a decisão da ação prejudicial iria destruir o fundamento desta execução, ou seja, a extinção da obrigação exequenda por compensação, e a razão de ser da execução.
Acresce ainda que, a prosseguir a execução quanto à fiadora, correr-se-á o risco de se obter o pagamento antes mesmo da decisão na ação prejudicial e da sua decisão nestes autos, tornando a compensação, invocada inútil.
Devem proceder as alegações do recurso de apelação.
3.Desta feita cumpre avaliar o fundamento da ampliação do objeto do recurso formulado nas contra alegações, que se traduz, no conhecimento dos fundamentos da ação principal – admissibilidade da compensação de créditos invocada pelas embargantes.
Estamos de acordo com a douta sentença recorrida que dissecou todos os argumentos respeitantes à problemática do instituto da compensação de créditos no âmbito dos embargos de executado e com os quais concordamos.
Sabemos que a compensação é modo de extinção das obrigações.
Realiza -se através da declaração de uma das partes, à outra, de acordo com o disposto no art.º 848, n.º1, do C. Civil, extinguindo obrigação no momento em que os créditos se tornarem compensáveis, art.º 854, também do C. Civil.
Para este efeito é necessário que se verifiquem os requisitos previstos no art.º 847, nº 1 do C. Civil do mesmo diploma legal, a saber, que o crédito do declarante seja exigível judicialmente e que não proceda contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material, no entendimento que a verificação de tal requisito depende de no momento em que o declarante pretende operar a compensação, esteja em condições de opor ao devedor a realização coativa do seu crédito, bem como terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
A oposição à execução por embargos admitida nos termos do art.º 728º do CPC tem os fundamentos previstos no art.º 729, visto que estamos perante um título executivo baseado em sentença. Dentro destes fundamentos interessa-nos os previstos na alínea g) “Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio” e na alínea h) “Contra crédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos.
Esta última alínea está relacionada com a possibilidade de reconvenção na ação declarativa de acordo com o disposto no artº art.º 266, n.º1 e 2, c) que preceitua “Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o autor”. A alínea h) tem a especificidade própria da ação executiva.
Assim tal como se diz na sentença recorrida, se o réu não excepciona a compensação na ação com dedução de pedido reconvencional onde ocorreu a sua condenação, fica precludido que em sede de embargos de executado o possa fazer, perante o caráter necessário que toda a defesa deve ser deduzida na contestação – cfr artº 573º, nº 1 do CPC. A entender-se o contrário seria violação do caso julgado material cristalizado na sentença que se executa. Claro que sempre poderá ser aplicável a alínea g) do art.º 729, se a existência do contra crédito ocorresse posteriormente ao encerramento da discussão no processo de declaração onde foi proferida a sentença, com a exigência de prova por documento.
A parte pode ainda fazer valer o seu direito, em ação declarativa autónoma. Foi o que aconteceu nestes autos. O contra crédito constitui a causa de pedir e pedido da ação prejudicial que motivou a suspensão da instância.
Assim, recapitulando, se o réu estiver em condições de invocar o crédito a que se arroga sobre o autor no momento da contestação, deve deduzir pedido reconvencional, desse modo assegurando a respetiva apreciação e reconhecimento, e assim o efeito compensatório.
O crédito invocado nestes autos constitui-se em momento posterior à prolação da sentença condenatória daí ser admissível a exceção da compensação como fundamento nestes embargos de executado, nos termos em que poderia ter sido invocado na ação declarativa, com o reconhecimento do crédito e os subsequentes efeitos, compensatórios, e apenas estes (não sendo obviamente admitida a reconvenção no âmbito de embargos de executado).
Não é necessário que o crédito que se pretende compensar – contra crédito – conste de documento nos termos do artº 729º, g) do CPC tal como pretendem os embargados/recorridos. Esta alínea prevê outro tipo de defesa e fundamento de embargos de executado. E muito menos que tal documento tenha força executiva (pretende-se apenas a extinção da obrigação exequenda).
Também se entende que a exigibilidade judicial prevista no artigo 847º do C. Civil não tem subjacente a necessidade de constar de sentença com trânsito em julgado.
É judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento ou à execução do património do devedor – cfr artº 817º do C. Civil.
Esta questão da exigibilidade judicial tem sido debatida na doutrina e jurisprudência, sendo a tese dominante a de que não é necessário o prévio reconhecimento judicial, mas apenas que o crédito a compensar esteja nas condições exigidas no citado art. 817º do C. Civil.
O contra crédito é exigível, apesar de no momento em que é oposto ainda não estar reconhecido, nem judicialmente, nem pelo credor, mas tem aptidão de conduzir, a uma decisão judicial que os reconheça. O legislador apenas impõe que o contra-crédito seja passível de ser invocado, com vista ao seu reconhecimento pelo tribunal, mas deverá neste caso de ser susceptível de ser invocado na ação que se invoca e apreciado simultaneamente com o crédito do autor. Se o crédito está a ser discutido em outra ação pendente, estamos no âmbito de um crédito litigioso que mesmo assim não lhe retira o requisito da exigibilidade exigida pelo artigo 847º do C. Civil.
Não é necessário ser na própria ação, onde é deduzida a compensação, que devem estar preenchidos os seus requisitos do contra-crédito, para se operar a compensação. Este crédito pode já estar a ser discutido em ação judicial pendente.
Neste caso tal como decidiu a sentença recorrida ocorre uma situação de causa prejudicial a dar lugar à suspensão da instância, como refere o ac. Rel. Lx de 10-05-2018, in www.dgsi.pt, - que explicita de forma exaustiva a dinâmica da compensação na ação declarativa e executiva e ao qual aderimos - “se na acção declarativa anterior se discute o crédito compensante, como objecto da acção ou da reconvenção, na nova acção declarativa, se se pretender discutir de novo o crédito compensante, como objecto da acção ou da reconvenção, o que existe é uma litispendência a impedir essa discussão na segunda acção, e não uma inexigibilidade judicial do crédito (note-se que a questão coloca-se de forma diferente sendo a segunda acção uma execução, pois aí o que haveria era uma prejudicialidade)”.
Na procedência das alegações de recurso da apelação e improcedente a ampliação do objeto do recurso, revoga-se no segmento recorrido a douta sentença recorrida, decidindo-se:
- Determinar que a instância dos embargos aguarde, suspensa, o desfecho da ação que corre termos no Tribunal da Propriedade Intelectual, Juízo da Propriedade Intelectual de Lisboa - Juiz 2, sob o n.º 203/22.7YHLSB quanto a ambas as executadas.
-Custas pelos apelados.
Sumária:
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Porto, 18/6/2024
Maria Eiró
Alexandra Pelayo
João Ramos Lopes