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ORDEM DOS ADVOGADOS
CONFLITO DE INTERESSES
MANDATO FORENSE
IRREGULARIDADE
Sumário
O conflito de interesses previsto no artº 99º, nº 1 do EOA, o que determina a irregularidade de mandato de acordo com o disposto no artigo 48º, nº 1 do CPC, o qual deverá ser cumprido.
Texto Integral
Apelação nº 1680/20.6T8VCD-A.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
Nos autos de inventário nº 1680/20.6T8VCD instaurado por óbito de AA e nos quais desempenha as funções de cabeça de casal BB foram proferidas as seguintes decisões: “Por requerimento de 19/02/2023, veio a Cabeça-de-casal sustentar que o quinhão hereditário de AA se encontra penhorada, não tendo, por conseguinte, os seus filhos CC e de DD legitimidade para intervir nos presentes autos. Em resposta, os aludidos Interessados pugnaram pela ausência de verificação de tal ilegitimidade. Cumpre apreciar. A penhora consiste numa diligência antecipatória à venda judicial, em sede de processo de execução. Ainda que a penhora possa envolver a entrega dos bens a um fiel depositário, a mesma não corresponde, de imediato, à perda do exercício do direito de propriedade sobre tais bens. Ao invés, os mesmos encontram-se onerados com tal penhora – que, no caso de registo, prevalece inclusivamente sobre o direito de terceiro adquirente. No caso, encontram-se penhorados o quinhão hereditário de AA, do qual CC e de DD são herdeiros em virtude do direito de representação. O quinhão hereditário é, assim, um dos bens que compõe a herança deixada por óbito do aludido AA, podendo haver outros bens idóneos para o pagamento da dívida que fundamentou a penhora. Em suma, enquanto a penhora não der lugar à venda executiva, o direito sobre o quinhão hereditário continua a poder ser exercido por CC e de DD, onde se inclui o direito a estar presente no respectivo processo de inventário. Caso assim não se entendesse, poderia um eventual fiel depositário de um direito à herança, que nada tem a ver com a mesma, decidir a concretização do quinhão penhorado. No entender do Tribunal, tal extravasa, em muito, a função do fiel depositário. Deste modo, não se verifica a invocada ilegitimidade de CC e de DD, pelo que se indefere a mesma. Custas do incidente pela Cabeça-de-casal, fixando-se a taxa de justiça em 2UC’s.
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No que concerne ao invocado conflito de interesses, não só vislumbra o Tribunal qual o concreto conflito de interesses existente entre o Exequente numa determinada acção e o Interessado nos presentes autos, porquanto as posições são tidas em processos totalmente distintos. No mais, conforme refere o Ilustre Mandatário na sua resposta de 05/05/2023, a apreciação do conflito de interesses não é da competência do Tribunal, mas apenas da Ordem dos Advogados. Por tal motivo, igualmente não se aprecia o requerido. Notifique.
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Neste momento, impõe-se regularizar determinadas questões colocadas na relação de bens e respectivas reclamações. Assim, num primeiro ponto, no que concerne aos valores das verbas n.ºs 1, 2 e 3 do activo, os mesmos encontram-se correctamente determinados. De facto, o art.º 1098.º, n.º 1, aliena a), do Cód. Proc. Civil, determina que o valor a indicar para os bens imóveis é o valor tributável. Resultando dos autos que a Cabeça-de-casal indicou tal valor, não se mostra necessária a realização de qualquer correcção. No que tange ao passivo, quanto à verba n.º 1, o mesmo não advém simplesmente da prova documental (nomeadamente, do contrato-promessa junto), uma vez que é questionado quem é o responsável pelo incumprimento do mesmo, questão que extravasa o âmbito do presente inventário. Deste modo, nos termos do art.º 1106.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, remete-se para os meios comuns a existência de tal dívida. A verba n.º 3 do passivo igualmente carece de demais prova. De facto, embora tenha sido junta uma confissão de dívida pela Cabeça-de-casal, a verdade é que a mesma fundamenta tal dívida nos vinte anos em que tratou de tudo o que era relacionado com os Inventariados, sendo que os Interessados impugnam a veracidade de tal confissão. Ora, sendo a pretensa confissão de dívida fundada na contrapartida por uma prestação de assistência entre uma filha e os seus pais, suscita a maiores dúvidas a este Tribunal que a mesma tenha, efectivamente, ocorrido, não sendo a mera confissão de dívida suficiente para o Tribunal suprir tais dúvidas. Por outro lado, conforme se aludiu, os demais interessados reclamam contra existência ia de tal dívida. Por esse motivo, igualmente se remete a verba n.º 3 do passivo para os meios comuns, nos termos do art.º 1106.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil. Por via disso, igualmente se determina, desde já, a sua exclusão. No que concerne á verba n.º 2 do passivo, a mesma corresponde a construções levadas a efeito após o decesso de ambos os inventariados, motivo pelo qual não é uma dívida da herança e somente pode ser exigida a título de prestação de contas. No que tange à verba n.º 4, pelos mesmos motivos, deverá a mesma ser reduzida os valores de IMI desde o ano de 2005 até 2012, porquanto tal foi a data de falecimento da Inventariada. Relativamente à falta de relacionamento das rendas do arrendamento rural, invocadas na reclamação do Interessado CC, igualmente as mesmas devem ser exigidas a título de prestação de contas, e não de activo da herança.
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Tendo em conta a redução das verbas em discussão resultantes deste despacho, bem como do despacho de 20/03/2023, bem assim como os ofícios bancários entretanto remetidos, notifique os Interessados para em dez dias, querendo, alterarem os seus requerimentos probatórios. Vila do Conde, 17 de Julho de 2023”
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Estas decisões foram objeto de apelação interposta pela cabeça de casal BB, a qual concluiu nas suas alegações:
1ª. A alegação, no despacho recorrido, de que, por requerimento da cabeça-de-casal, aqui apelante, de 19/02/2023 (sob a ref. 44773600), esta teria invocado a ilegitimidade dos interessados CC e DD para intervir nestes autos, em consequência da penhora do quinhão hereditário de AA nas heranças de seus pais, não tem qualquer fundamento de facto nem de Direito.
2ª. Esse requerimento da apelante destinou-se ao exercício do contraditório sobre o impetrado nos requerimentos de 05/02/2023 e de 06/02/2023, de CC e DD, pelos quais estes pretenderam que fosse fixada uma renda ou compensação a pagar pela cabeça-de-casal pelo facto de habitar na casa aí identificada.
3ª. O único excerto desse requerimento da apelante onde se alega que está penhorado o quinhão hereditário do falecido herdeiro AA, de que aqueles interessados são filhos e que, por força dessa penhora, não têm eles a disponibilidade sobre o direito às heranças ilíquidas e indivisas, daí resultando a ilegitimidade do que pretendem alcançar com os seus requerimentos e a inadmissibilidade das suas pretensões, é nos artºs 2º 4º do mesmo.
4ª. A alegada ilegitimidade refere-se à pretensão daqueles beneficiarem de uma renda ou compensação a pagar pela cabeça-de-casal, concluindo esta, não com o pedido de que os mesmos fossem julgados partes ilegítimas para este Inventário, mas tão-só que fosse indeferido o que ambos haviam requerido.
5ª. O despacho recorrido aprecia, assim, uma questão que não foi suscitada, pelo que assenta numa inexactidão devida a lapso manifesto quanto à concreta questão suscitada, com pronúncia sobre um pressuposto processual que não foi invocado e, por isso, de que não era devido o conhecimento de mérito, o que constitui nulidade do despacho recorrido, nos termos previstos no artºs 615º, nº 1, al. d), por força do artº 613º, nº 3, ambos do CPC, nada justificando concluir pelo pretenso incidente, que não foi suscitado, nem a consequente condenação da apelante em custas, antes se impondo a sua revogação.
6ª. A apelante veio invocar, no seu requerimento de 20/04/2023, sob a ref. 45348980, que nos autos executivos nº 8271/16.4T8PRT, Juízo de Execução do Porto - Juiz 5, o aí exequente, EE, é patrocinado pelo mesmo ilustre mandatário que nestes autos patrocina o incapaz DD - conforme resulta do teor do requerimento inicial executivo, que aí se juntou como doc. 5.
7ª. Mais foi dado conhecimento de que esse incapaz, juntamente com os demais irmãos e mãe, foi chamado a intervir como parte principal nessa execução, por ser contitular da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de AA, para aí ocupar a posição processual oposta à daquele exequente, como resulta do requerimento de intervenção provocada de cada um dos herdeiros, para assumirem a posição de executados, que se juntou a esse requerimento como doc. 6.
8ª. E foi aí alegado que, por força do previsto no artº 99º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09 de setembro, da factualidade invocada e demonstrada resulta um claro conflito de interesses por parte do ilustre mandatário do incapaz destes autos, nos termos previstos nos nºs 1, 2 e 4 daquela norma legal.
9ª. Existe, assim, manifesto conflito de interesses entre a representação forense do incapaz nestes autos e do exequente nos autos executivos referidos na conclusão 6ª, uma vez que naquela execução, esse incapaz ocupa a posição processual de executado, obviamente oposta à do aí exequente, não podendo eles ser representados pelo mesmo mandatário, que deve cessar de agir por conta e no interesse de ambos os constituintes, nos dois processos cuja conexão entre si se centra na penhora do quinhão hereditário do falecido pai do incapaz nas heranças dos aqui inventariados.
10ª. Um advogado que representa um credor contra os sucessores do devedor num processo executivo, ao representar um desses sucessores do devedor no Inventário cujo quinhão hereditário daquele devedor está penhorado à ordem dessa execução, não pode exercer os seus mandatos de forma livre e independente, em defesa dos melhores interesses de cada um dos representados, face à posição processual de cada um deles e à conexão de interesses, obviamente conflituantes entre si.
11ª. Esta factualidade constitutiva do invocado conflito de interesses é relevante para a dignificação da função e dos deveres do advogado, tem expressa previsão legal e sobre a mesma o Mmº Juiz a quo decidiu não apreciar o requerido, quando era seu dever pronunciar-se sobre a questão e, em cumprimento desse dever, determinar que dos factos invocados e documentados fosse dado conhecimento à Ordem dos Advogados para os devidos efeitos disciplinares, nos termos e para os efeitos previstos no artº 115º da referida Lei n.º 145/2015, de 09 de Setembro, por força do estipulado no artº 121º, nº 1 do mesmo diploma legal.
12ª. Sobre esta questão suscitada pela apelante, também o despacho recorrido não conheceu de questão que tinha o dever legal de conhecer, o que constitui a nulidade prevista no artº 615º, nº 1, al. d) por força do artº 613º, nº 3, ambos do CPC, impondo-se a sua revogação e substituição por outra decisão que se pronuncie sobre a matéria nos termos impetrados.
13ª. Pronuncia-se o despacho recorrido, quanto à verba n.º 1 do passivo, considerando que esse passivo não advém simplesmente da prova documental (nomeadamente, do contrato promessa junto), uma vez que é questionado quem é o responsável pelo incumprimento do mesmo, entendendo ser questão que extravasa o âmbito do presente inventário, pelo que, nos termos do art.º 1106.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, determinou a remessa para os meios comuns da questão da existência de tal dívida.
14ª. Porém, a esse respeito, os interessados CC, FF e DD, por requerimentos de 13/01/2020 e 13/02/2020, limitaram-se a impugnar essa verba 1 do passivo alegando, nos artºs 13º a 20º da reclamação do primeiro, em resumo, que o crédito em questão não é devido porque o contrato-promessa celebrado com os falecidos GG e HH impunha ao II o agendamento da escritura definitiva, no prazo máximo de trinta dias a contar da autorização camarária e, se há incumprimento, este deve-se ao mesmo II, que lhe é imputável, já que, nenhum dos falecidos foi notificado do agendamento de dia e hora, para a marcação da escritura prometida.
15ª. Do alegado pelos reclamantes contra essa verba do passivo resulta claro que os mesmos não reconhecem que o crédito emergente do contrato-promessa junto à relação de bens seja devido, tão-só porque desse contrato resulta o dever do credor agendar a escritura em 30 dias a contar da autorização camarária, o que o mesmo alegadamente não terá feito, por nenhum dos falecidos ter sido notificado desse agendamento.
16ª. Ora, os reclamantes não impugnaram o vínculo contratual celebrado entre os inventariados e o terceiro, mas tão-só suscitaram a questão desse direito de crédito do terceiro não estar vencido, pelo que a prova a produzir sobre o vencimento ou não do crédito de basta-se com a notificação da Câmara Municipal ... para que informe se o actual Plano Director Municipal ou plano de pormenor da zona a que respeita o prédio objecto da promessa permite ou não ser requerido o destaque da parcela aí em causa. E, se a resposta for afirmativa, bastará mandar notificar o credor desse contrato-promessa para informar se notificou ou não os inventariados ou os seus sucessores para requererem à Câmara Municipal o pedido de autorização de destaque da parcela objecto dessa promessa.
17ª. Bastará a prova documental da informação camarária e a prova da informação a prestar pelo credor da promessa para se concluir com segurança sobre se esse passivo está ou não vencido e de que modo o mesmo é exigível, uma vez que toda essa matéria resulta clara do teor do contrato-promessa de dação em pagamento, o que pode e deve ser esclarecido em sede deste Inventário, nada justificando a remessa das partes para os meios comuns.
18ª. Os reclamantes contra a verba 1 do passivo não alegaram que o contrato-promessa padecesse de qualquer vício intrínseco que o tornasse inválido, pelo que o mesmo se deve ter por aceite e reconhecida a existência da obrigação, sendo que a questão do alegado interesse das obras não ser dos inventariados mas da cabeça-de-casal, como o dizem os reclamantes, é matéria de facto que não afecta a validade e eficácia jurídica desse contrato-promessa, nem o direito de crédito e as correspondentes obrigações que dele emergem.
19ª. Dado tratar-se de prova simples, a obter por via documental, sobre a viabilidade de licenciamento camarário do destaque da parcela de terreno aí em causa e sobre a notificação para o seu cumprimento, agora aos sucessores dos inventariados, não se verifica complexidade da matéria de facto subjacente à questão que torne inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, pelo que não cabe essa questão na previsão do artº 1093.º, nº 1 do CPC, não se justificando a remessa dos interessados para os meios comuns.
20ª. Atento o teor desse contrato-promessa, do qual resulta a verba 1 do passivo, torna-se claro que esse passivo decorre do texto do contrato-promessa que o suporta, cuja validade e eficácia não foi posta em causa pelos reclamantes, mas apenas o vencimento ou não da obrigação, pelo que deve ser revogado esse segmento decisório do despacho recorrido e substituído por decisão que, reconhecendo a existência da verba 1 do passivo e mantendo-o relacionado, ordene a produção de prova para apurar se a obrigação assumida pelos inventariados se mostra ou não vencida, prova essa de simples produção no âmbito deste Inventário, porque de natureza documental.
21ª. A verba 3 do passivo está documentada por uma escritura pública, outorgada em Cartório Notarial, pela qual a Notária aí identificada declarou que, perante si, compareceu a inventariada HH, que aí devidamente identificou e que a mesma declarou confessar-se devedora à sua filha BB, da quantia de quarenta mil euros, correspondente aos serviços de assistência pessoal e doméstica que a mesma tem vindo a prestar diariamente a ela outorgante, sua mãe, e mesmo ainda em vida de seu marido, GG, ao longo de mais de vinte anos, dispondo do seu tempo a favor dos referidos pais, tendo inclusivamente deixado de trabalhar por conta de outrem para dedicar esse tempo à prestação dos necessários cuidados de assistência pessoal e doméstica de seus pais. E que, se em vida da outorgante, a mesma não tiver condições financeiras de proceder ao pagamento daquela quantia à sua referida filha, a mesma constituirá um crédito a favor da indicada filha, a cobrar da herança da outorgante à sua morte, valor esse que deverá ser tido em conta aquando da partilha dos seus bens.
22ª. Os interessados reclamantes opuseram-se a essa dívida alegando, no essencial, nos artºs 31º a 36º do articulado do interessado CC, de 13/01/2020, subscrito pela interessada FF e DD nos precisos termos daquele, que impugnavam a verba 3 do passivo já que, se há alguém que deve dinheiro aos falecidos é a cabeça de casal e requerente nos autos, que vivia das pensões de reforma e subsistência dos pais, na casa dos mesmos sem pagar renda, água, luz e/ou quaisquer despesas. E que, tanto assim o foi que, como forma de retribuir a filha pelos cuidados prestados, a falecida HH elaborou um testamento público a 04 de Agosto de 2005, poucos dias antes do marido falecer, instituindo-a herdeira da sua quota disponível. E que deixavam impugnada a confissão de dívida quanto ao seu teor e conteúdo, porquanto, a falecida HH assinava, fazia e dizia tudo o que a filha queria, sem ter noção que, com isso, estava a “deserdar” o outro filho, à data vivo, o que sempre foi pretensão da cabeça de casal, já que, inventa dívidas e créditos que não existem, nunca existiram e não são devidos à herança, mas à mesma BB e ao marido, a título pessoal.
23ª. Perante os fundamentos de impugnação dessa verba 3 do passivo, o despacho recorrido errou na apreciação da matéria de facto e na solução de Direito, na medida em que goza de força probatória plena a confissão extrajudicial de dívida, exarada em documento autêntico (escritura pública), que seja feita com identificação da pessoa do credor, nos termos previstos no artº 358º, nº 2 do Cód. Civil, sendo que a força probatória plena dessa confissão significa, nessas circunstâncias, que a prova do facto confessado, ou seja, a dívida cuja natureza e origem seja descrita nesse documento, só pode ser ilidida com base na falsidade do documento, nos termos previstos nos artºs 347.º e 372.º, n.º 1, do Cód. Civil, ou mediante a invocação de factos integrativos de falta ou de vício da vontade que determinem a nulidade ou anulação da confissão.
24ª. Não tendo os reclamantes invocado a falsidade da escritura nem alegado qualquer facto de onde resultasse a falta ou vício da vontade da confitente da dívida declarada nesse título, a verba 3 do passivo deveria ter sido declarada como reconhecida, pois que a declaração prestada num documento autêntico, em que é confessada a existência de uma dívida cuja causa ou origem aí é declarada, constitui confissão extrajudicial dotada de força probatória plena, nos termos dos arts. 352º e 358º, nº 2, do Cód. Civil, cuja impugnação se teria que defrontar com as limitações ao nível do direito probatório material, no que concerne à apresentação de prova testemunhal ou ao uso de presunções judiciais (arts. 347º, 351º e 393º, nº 2 do Cód. Civil).
25ª. Face ao teor da matéria impugnatória alegada pelos reclamantes, entende a apelante que as dúvidas que, no despacho recorrido, se diz existir quanto à escritura que documenta a verba 3 do passivo, não têm qualquer fundamento legal, antes resultam de uma incorrecta interpretação normativa da questão e violam as disposições legais supra citadas, pelo que se justifica plenamente que esse segmento decisório seja revogado e substituído por outro que considere legalmente reconhecida essa verba 3 do passivo e determine a manutenção do seu relacionamento.
Nestes termos, nos melhores de Direito aplicáveis e sempre com o mui douto suprimento de V. Excias., deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por douta decisão que:
A - Revogue o segmento decisório que se pronunciou sobre o pressuposto processual da ilegitimidade de CC e DD e condenou a apelante em custas pelo incidente, revogando-o e dando o mesmo sem efeito;
B - Revogue o segmento decisório que decidiu não conhecer da questão do conflito de interesses suscitada a respeito do ilustre mandatário do interessado DD e determine que dos factos invocados e documentados seja dado conhecimento à Ordem dos Advogados para os devidos efeitos disciplinares, nos termos e para os efeitos previstos no artº 115º da referida Lei n.º 145/2015, de 09 de Setembro, por força do estipulado no artº 121º, nº 1 do mesmo diploma legal;
C – Revogue o segmento decisório que decidiu remeter os interessados para os meios comuns quanto à verba 1 do passivo, substituindo-o por douta decisão que, reconhecendo a existência da verba 1 do passivo, determine a sua manutenção na relação de bens e ordene a produção de prova para apurar se a obrigação assumida pelos inventariados se mostra ou não vencida;
D – Revogue o segmento decisório respeitante à verba 3 do passivo, substituindo-o por douta decisão que considere reconhecida essa verba 3 do passivo, nos termos legais aplicáveis e determine a manutenção do seu relacionamento,
Tudo com as demais consequências legais, por ser de inteira JUSTIÇA!
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Os factos provados são os que constam do relatório.
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O recurso.
O recurso delimita-se pelas conclusões das alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 640º n.ºs 1 e 3 do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), em tudo o mais transitando em julgado.
As questões que se colocam neste recurso consistem em saber: se ocorreu nulidade da decisão recorrida por omissão e excesso de pronúncia quanto à questão da legitimidade dos interessados CC e DD; da existência de conflito de interesses entre o advogado que patrocina o interessado nestes autos, incapaz, DD e simultaneamente mandatário do exequente EE, na execução nº 8271/16.4T8PRT porquanto foi nesta execução penhorado o quinhão hereditário deste DD na herança aberta do executado AA, e por morte deste, juntamente com os seus irmãos e mãe, são executados no lugar do referido EE execução na qual se encontra penhorado o quinhão hereditário objeto da partilha; saber se as questões suscitadas quanto às questões sobre as verbas nºs 1 e 3 devem ser conhecidas no âmbito do inventário ou remetidas para os meios comuns.
Comecemos pela primeira questão da legitimidade dos interessados CC e DD.
Se bem se percebe a cabeça de casal nas alegações de recurso invoca que suscitou a ilegitimidade para um incidente dos autos traduzido no pedido de contrapartida económica pelo uso da habitação integrante do acervo hereditário e não a legitimidade dos interessados neste inventário.
Como sabemos, a legitimidade em sentido processual consiste na suscetibilidade de ser parte em determinado processo. Este pressuposto afere-se em relação ao objeto do processo (a capacidade e personalidade são pressuposto subjetivos), sendo em princípio partes legítimas os sujeitos da relação material controvertida tal como o autor a configura.
Assim sendo como bem se diz na decisão recorrida a legitimidade afere-se pelo escopo processual, que no caso de inventário consiste na partilha de bens sendo partes legítimas todos os interessados que sejam titulares do acervo indiviso a partilhar, e não pelos incidentes que se vão suscitando ao longo dos tramites processuais.
Como assim não procede este ponto das alegações de recurso não se vislumbrando a invocada nulidade de decisão.
Também não deve proceder o ponto em que a apelante pretende que o tribunal conheça no próprio inventario das questões controvertidas referentes á verba nº 1 e 3. Na verdade como refere a decisão recorrida, a existência do crédito (passivo) referente á verba nº 1 emerge do incumprimento de contrato promessa cujo doc. foi junto aos autos, sendo controvertida a matéria de facto atinente aos requisitos que integram a responsabilidade do incumprimento. Não se mostra líquida esta matéria sendo necessária a sua averiguação. Quanto à verba nº 3 embora exista a confissão judicial plasmada em documento, a verdade é que a mesma foi objeto de impugnação pelos interessados, sendo também matéria controvertida. O inventário visa a partilha dos bens. Se não for pacífica a existência destes bens, no todo ou em parte, como fazendo parte do acervo a partilhar, e, se for necessário uma averiguação mais aprofundada para este efeito, devem os interessados ser remetidos para os meios comuns, sob pena de se transformar o inventário, num meio processual alternativo ao comum para a resolução de questões com a sua consequente delonga, e também de algum modo com menos garantias para os interessados.
No caso concreto afigura-se que as questões suscitadas quanto às verbas nºs 1 e 3 envolvem uma prova mais profunda que extravasa o escopo do inventário, não se compaginando com a resolução que implique uma investigação simplificada levada a cabo neste processo.
Devem improceder neste ponto as alegações.
Vejamos agora o ponto referente ao conflito de interesses do advogado que patrocina o interessado DD.
Os advogados estão sujeitos às regras deontológicas previstas no Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2020, de 6 de julho, que no seu artº 99º regulamenta a matéria respeitante ao conflito de interesses, prevendo as situações em que o advogado deve abster-se do patrocínio.
Preceitua o artigo 99.º da EOA com a epigrafe “Conflito de interesses”:
“1 – O advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.
2 – O advogado deve recusar o patrocínio contra quem, noutra causa pendente, seja por si patrocinado.
3 – O advogado não pode aconselhar, representar ou agir por conta de dois ou mais clientes, no mesmo assunto ou em assunto conexo, se existir conflito entre os interesses desses clientes.
4 – Se um conflito de interesses surgir entre dois ou mais clientes, bem como se ocorrer risco de violação do segredo profissional ou de diminuição da sua independência, o advogado deve cessar de agir por conta de todos os clientes, no âmbito desse conflito.
5 – O advogado deve abster-se de aceitar um novo cliente se tal puser em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente aos assuntos de um anterior cliente, ou se do conhecimento destes assuntos resultarem vantagens ilegítimas ou injustificadas para o novo cliente.
6 – Sempre que o advogado exerça a sua atividade em associação, sob a forma de sociedade ou não, o disposto nos números anteriores aplica-se quer à associação quer a cada um dos seus membros.”
Esta norma tem por objetivo acautelar a violação de deveres deontológicos atinentes aos princípios que devem pautar a conduta dos advogados como sejam a tutela dos princípios da independência, do segredo profissional, da dignidade, da lealdade, confiança e ética.
Este preceito tem ínsito o conceito que o advogado, nas relações com o seu cliente tem o dever de recusar o patrocínio em ação referente a questões em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade, ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.
No caso concreto o advogado do interessado DD é simultaneamente advogado do exequente em ação onde este DD é co executado e onde está penhorado o seu quinhão hereditário objeto de partilha nestes autos.
Existe uma conexão entre as duas ações por força desta penhora realizada, assumindo o patrocínio o advogado posições antagónicas, na execução é mandatário do exequente, e, neste inventário é mandatário de interessado que é executado naquela ação, justamente onde se encontra penhorado o quinhão hereditário, ou seja, patrocinando interesses contrários.
A execução visa a cobrança coerciva da dívida dos executados para com o exequente, através do património penhorado. O inventário tem por objetivo a partilha dos bens.
Como pode o mandatário defender os interesses do exequente e do executado, neste inventário? Irá ver a partilha na perspetiva do que é melhor para o exequente na ação executiva, em função da penhora realizada, ou a partilha em benefício do interessado, executado nesta ação?
Cremos que o mandatário defende interesses contraditórios podendo ver a partilha unicamente como meio de satisfação do interesse do crédito exequendo e não os interesses do interessado DD.
Esta situação cai diretamente no disposto no artº 99º, nº1 do Estatuto da Ordem dos Advogados – o advogado deve recusar o patrocínio de uma questão em que já tenha intervindo em qualquer outra qualidade ou seja conexa com outra em que represente, ou tenha representado a parte contrária.
Como assim, exercendo o advogado do DD o patrocínio em duas causas conexas e em que assume o patrocínio de duas partes que constituem partes contrárias, não obstante não se ter verificado esse conflito em concreto (não existem factos de atuação do advogado neste sentido), a verdade é que em tese ocorre este conflito de interesses preenchendo a previsão artº 99, nº 1 do EOA.
A violação deste preceito fere de irregularidade o mandato aceite pelo advogado, irregularidade que pode ser suscitado pelas partes ou conhecida oficiosamente pelo tribunal conforme dispõe o artigo 48º, nº1 do CPC.
Assim deverá cumprir-se o disposto no artigo 48º, nº2 do CPC e bem assim do artigo 87º da EOA.
Nesta conformidade julgo parcialmente procedente a alegação de recurso revoga-se parcialmente a decisão recorrida julgando-se verificado o conflito de interesses previsto no artº 99º, nº 1 do EOA, o que determina a irregularidade de mandato de acordo com o disposto no artigo 48º, nº 1 do CPC, o qual deverá ser cumprido.
Em consequência deverá cumprir-se o disposto no artº 48º, nº 2 do CPC e 87º do EOA.
Custas na proporção de 2/3 para a apelante e 1/3 para os apelados.
Sumário:
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Porto, 24/9/2024
Maria Eiró
Anabela Miranda
João Ramos Lopes