ARROLAMENTO
OPOSIÇÃO AO ARROLAMENTO
MEIOS DE PROVA
Sumário

I - A opção pela dedução de oposição nos termos previstos no art. 372.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, como meio de reação perante o decretamento de providência cautelar de arrolamento sem prévio contraditório, só tem efeito útil se os factos novos ou os meios de prova não tidos em conta pelo tribunal poderem determinar o afastamento dos fundamentos da providência decretada ou a sua redução.
II - É irrelevante a produção dos meios de prova arrolados na oposição, para contraprova de matéria que, apesar de indiciariamente provada, não integra o núcleo factual essencial e suficiente que foi considerado para a decisão de decretamento da providência de arrolamento requerida; de igual modo, é irrelevante a produção de meios de prova sobre novos factos alegados se os mesmos não permitirem afastar os fundamentos da providência decretada, ou fundamentar a sua redução.
III - Mostrando-se inútil a produção de novos meios de prova para contraprova de matéria de facto acessória considerada indiciariamente provada e para prova de novos factos que não permitem afastar os fundamentos da providência decretada nem fundamentar a sua redução, não há omissão de pronúncia no não conhecimento dessa impugnação e dessa matéria de facto.
IV - Atenta a finalidade do arrolamento – providência cautelar de garantia ou de natureza conservatória, que visa especificamente assegurar a permanência de bens que devem ser objeto de especificação no processo principal ou assegurar a manutenção de certos bens litigiosos enquanto subsistir a discussão sobre a titularidade do direito desses bens na ação principal –, os pretensos direitos de posse/detenção da requerida sobre os bens a arrolar não têm qualquer efeito impeditivo do decretamento da providência cautelar de arrolamento, que consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens, estando em consonância com tal finalidade e natureza do arrolamento o regime regra estabelecido no art. 408.º do Cód. Proc. Civil de nomeação como depositário do próprio possuidor ou detentor dos bens, salvo caso de manifesto inconveniente em que lhe sejam entregues.

Texto Integral

Processo 206/24.7T8VNG.P1 – Apelação
Tribunal a quo Juízo Local Cível de Marco de Canaveses
Recorrente(s) AA
Recorrido(a/s) BB

Sumário:
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Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório

Identificação das partes e indicação do objeto do litígio

BB intentou em 09-01-2024 procedimento cautelar de arrolamento contra AA, alegando que, em conjunto com outro, é herdeiro e cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do seu pai, da qual fazem parte, designadamente, um prédio urbano e o seu recheio, e que a requerida, que convivia de forma esporádica com o falecido, interpelada para sair do referido prédio urbano – que foi legado ao requerente pelo de cujus –, não o fez, impedindo o requerente e o irmão de visitar e aceder ao interior do referido prédio urbano assim impedindo também o acesso e controlo do respetivo recheio, que integra a casa de morada de família do falecido, o que impediu o requerente de efetuar a participação fiscal dos referidos bens na AT, por desconhecer a natureza e quantidades de tais bens, causando-lhe prejuízo patrimonial com tal ocupação e obstaculizando a partilha da herança.
O requerente teme a deterioração do imóvel e o eventual descaminho do recheio, face à referida atuação da requerida, que permite o acesso de terceiros ao prédio urbano mas não do requerente e irmão, únicos herdeiros do falecido, o que torna necessário o arrolamento dos bens imóveis e bens móveis que integram a herança.
Concluiu peticionando que, sem prévia audição da requerida, seja ordenado o requerido arrolamento, nomeando-se fiel depositário dos bens o requerente.
Por despacho de 26-01-2024, considerou-se que “os bens indicados no requerimento inicial são de fácil ocultação, dado tratarem-se de bens móveis, pelo que, estando tais bens na posse da requerida, a audição da mesma porá em risco a eficácia da providência”, determinando-se a produção dos meios de prova arrolados sem prévia audição da requerida.

Produzida a prova, foi proferida, em 08-02-2024, a seguinte decisão:
Pelo exposto, julgo a presente providência cautelar totalmente procedente, por provada e, em consequência, ordeno o arrolamento requerido, dos seguintes bens:
I) Bens imóveis
A) Casa de Habitação de R/Ch e 1.º andar, inscrita na matriz respetiva sob o art.º..., sita no Lugar ..., mais precisamente na Rua ... ... ... - Marco de Canaveses.
B) “Quinta ...” conexa ou imóvel relacionado em A) com a área de 3010m2, inscrito sob o art.º ..., sito em ..., ..., Concelho de Marco de Canaveses, a confrontar a Norte com Caminho e outro, a Sul com CC Herdeiros e outros, a Nascente com DD e a Poente com EE.
II- Bens móveis:
C) Todo o recheio dos imóveis supra, constituídos estes por eletrodomésticos, vários móveis (cozinha, sala de jantar e estar, quartos, hall etc,), cortinados, porcelanas, faqueiros, louças, bibelots, computadores, ferramentas, etc.
III - Bens móveis:
D) Alianças em ouro, relógios e demais objetos pessoais (em ouro e prata) do
falecido
2º - O arrolamento será feito nos termos do art.º 406.º do Código de Processo Civil.
3º - Nomeia-se fiel depositário dos ditos bem (com a sua entrega efetiva e guarda(remoção) o Requerente, BB, com domicilio na Praceta ..., ... – 3.ºEsq.º - ... / ... Vila Nova de Gaia.
4º - A diligência será levada a cabo por Oficial de Justiça.
5º - Desde já se autoriza o recurso à força policial, caso seja oposta qualquer resistência. (…).

Em 22-02-2024 foi junto ao processo, cumprido, o mandado para arrolamento.

Em 26-03-2024 foi junto ao processo termo de constituição do requerente como depositário dos dois imóveis cujo arrolamento foi decretado e “as suas pertenças, frutos e rendimentos”.

Citada, a requerida apresentou oposição, impugnando parcialmente os factos alegados no requerimento inicial, alegando que vive desde 02/01/2000 no prédio urbano cujo arrolamento foi decretado, tendo uma residência secundária em Vila Nova de Gaia, onde pontualmente permanece e permanecia com o de cujus, a qual está arrendada desde 2023, e alegando que é proprietária de alguns dos bens do auto de arrolamento, que descreve.
Alegou ainda – qualificando a matéria como exceção perentória – que viveu com o falecido em união de facto desde setembro de 1995 até 01/01/2000 no seu imóvel sito em Vila Nova de Gaia e a partir de 02/01/2000 e até ao falecimento do de cujus no prédio urbano arrolado, aí permanecendo após o óbito deste e até 20/02/2024, dada a execução do arrolamento, pelo que a mesma é titular de um direito real de habitação sobre o referido imóvel e de um direito de uso sobre a parte do recheio do imóvel propriedade do falecido, nos termos do art. 5.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, tendo tais direitos uma duração de 25 anos, alegando ainda que é proprietária de alguns dos bens móveis arrolados e de outros bens não identificados no auto de arrolamento
Mais alegou que do depoimento da testemunha inquirida resulta que a mesma não tem conhecimento direto do relacionamento entre a requerida e o falecido.
Concluiu requerendo que seja:
1. (…) julgado procedente, por provada, a exceção perentória deduzida pela requerida;
2. (…) julgado improcedente, por não provada, a presente providência cautelar e, consequentemente, ser determinado a revogação da mesma providência cautelar com as respetivas consequências legais;
3. (…) ordenado a retificação do auto de arrolamento em função do expendido no ponto III A. 2 da presente oposição; (…)

Em 06-05-2024 foi proferido despacho que, apreciando “(…) a questão [suscitada pela requerida na oposição] da existência de uma união de facto entre si e o de cujus, configurando-a como exceção (…)”, decidiu nos seguintes termos:
“Cremos não assistir razão à requerida. Conhecer da existência da união de facto, não altera a decisão a proferir nestes autos, na medida em que, o que aqui releva é assegurar a manutenção dos bens que compõem a herança, com vista à sua posterior partilha.
Saber se o de cujus e a requerida viveram em união de facto, será relevante para aferir do direito da requerida a permanecer no imóvel, já que não tem a qualidade de herdeira. Tal questão pertence ao inventário, não a estes autos, onde o requerente se propôs provar de forma indiciária, a probabilidade da existência do direito relativo aos bens a arrolar e o justificado receio do seu extravio, ocultação ou dissipação.
Em face do exposto, uma vez que a questão de saber se a requerida viveu unida de facto com o pai do requerente, não permite afastar os fundamentos da providência cautelar, nem determina a sua redução, não cabendo nos fundamentos que conformam o articulado de oposição, tal como decorre da al. b) do n.º 1 do artigo 372º do CPC, decido indeferir liminarmente a exceção inominada invocada pela requerida.
Face ao agora decidido convido a requerida a esclarecer se pretende ouvir as testemunhas por si arroladas sobre a matéria que o tribunal foi chamado a decidir - propriedade sobre os bens arrolados.”

Em 20-05-2024 foi proferido despacho que, por já ter considerado, no tocante à probabilidade da existência do direito relativo aos bens, “estar indiciariamente demonstrado quais os bens que integram o acervo hereditário do pai do requerente, resultando ainda demonstrado o justificado receio do seu extravio, ocultação ou dissipação (artºs 403º nº 1 e 405º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).”, afirmando que em oposição “a requerida pretende demonstrar que alguns dos bens arrolados lhe pertencem e como tal não integram o acervo hereditário”, indicou como objeto de decisão saber se devem ser retirados do auto de arrolamento os bens que aí se identificam, admitindo requerimento de alteração de meios de prova e ordenando oportuna conclusão para a designação de data para produção da prova testemunhal arrolada.

Inconformada com o despacho de 06-05-2024, a requerida interpôs recurso de apelação, concluindo, no essencial:
1. O presente recurso é sobre a matéria de Direito e incide sobre o douto despacho que, por um lado, julgou totalmente improcedente a exceção perentória, deduzida pela recorrente, na respetiva oposição, e que, por outro, não se pronunciou sobre os factos articulados nos art.º 1.º a 10.º, na parte da impugnação, da mesma oposição e sobre o respetivo segundo pedido deduzido, na mesma oposição. Ora, salvo o devido respeito, a ora recorrente não pode conformar-se com tal decisão, uma vez que entende que se verifica, por um lado, a mesma exceção perentória e, por outro, que o Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre os factos articulados nos art.º 1.º a 10.º, na parte da impugnação, da mesma oposição, deduzida pela mesma, e sobre o respetivo segundo pedido deduzido, na mesma oposição.
2. Consta do douto despacho, de que se recorre, o seguinte: “A requerida AA pretende por via da oposição que apresentou ver apreciada a questão da existência de uma união de facto entre si e o de cujus, configurando-a como exceção. Cremos não assistir razão à requerida. Conhecer da existência da união de facto, não altera a decisão a proferir nestes autos, na medida em que, o que aqui releva é assegurar a manutenção dos bens que compõem a herança, com vista à sua posterior partilha. (…) Tal questão pertence ao inventário, não a estes autos, onde o requerente se propôs provar de forma indiciária, a probabilidade da existência do direito relativo aos bens a arrolar e o justificado receio do seu extravio, ocultação ou dissipação.(…) Face ao agora decidido convido a requerida a esclarecer se pretende ouvir as testemunhas por si arroladas sobre a matéria que o tribunal foi chamado a decidir - propriedade sobre os bens arrolados.
3. Todavia, a recorrente, para além de ter deduzido a exceção perentória, impugnou também maioria dos factos articulados na petição da providencia cautelar, em apreço, e referiu o que, no nosso entendimento, efetivamente ocorreu (cf. art.º 1.º a 10.º da oposição), sendo certo que o douto Tribunal a quo não se pronunciou sobre estas questões e acerca do respetivo segundo pedido deduzido, na oposição apresentada.
4. No caso em apreço - conforme consta da oposição deduzida, na parte da impugnação e na parte da exceção perentória, e do documento n.º 1 junto (Atestado emitido Exma. Senhora Presidente da Junta de Freguesia ..., ... e ..., FF) -, a partir de 2/1/2000 até ao falecimento de GG, a recorrente viveu em União de Facto na rua ... ... ... (Freguesia ..., ... e ...) e, após o falecimento, a recorrente continuou a residir na mesma residência, até ao dia 20/2/2024, visto ter ocorrido a execução do presente arrolamento, tendo sido arrolados todos os bens existentes, sem prejuízo de existirem um número significativo de bens móveis que a recorrente é proprietária,. e o requerente foi nomeado fiel depositário (cfr. art.º 11 e 12.º da oposição deduzida, auto de arrolamento e despacho datado de 8/2/2024).
5. Por outro lado, conforme referido na oposição, depois do falecimento de GG, o requerente e o irmão HH (testemunha do requerente) efetuaram ameaças à requerida/recorrente, que tem atualmente 83 anos de idade, tendo uma postura agressiva com ela e exigindo, numa primeira fase, que ela saísse da residência e, numa segunda fase, que ela pagasse uma renda de 1000 euros para permanecer na sua residência anteriormente referida, pelo que, por essa razão, acabou por não os deixar aceder à residência. (…)
7. No douto despacho, datado 8/2/2024, que decretou o presente arrolamento, é referido o seguinte “B) - Que haja fundado receio de que outrem antes de proferida decisão de mérito, ou porque a acção não está sequer proposta ou porque ainda se encontra pendente, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito. Indiciado que a requerida se furta a permitir o acesso da Requerente aos bens, dúvidas não restam da verificação também deste requisito.
8. De acordo com o n.º 3 do art. 613.º do C.P.Civil: 3 - O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.
9. Segundo al. d) do n.º 1 e n.º4 art.º 615.º do C.P. Civil:- É nula a sentença quando: d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;” (…) 4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades. (…)
11. Face ao exposto, com o devido respeito, na nossa opinião, é iniludível que, no caso sub judice, o Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre os factos articulados nos art.º 1.º a 10.º (causa de pedir), na parte da impugnação, da oposição deduzida pela recorrente, e sobre o respetivo segundo pedido, da mesma oposição, pelo que tal situação constitui uma nulidade nos termos dos preceitos normativos anteriormente referidos.
12. Segundo o n.º 1 do art.º 403.º do C.P. Civil: “1 - Havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles.” (…)
14. Nesse sentido, salvo o devido respeito, no nosso entendimento, é inexorável que o simples facto da requerida não permitir ao requerente de ter acesso aos bens em causa (cfr. despacho datado de 8/2/2024 que decretou o presente arrolamento e mencionado na parte dos factos do presente recurso), pelas razões aludidas anteriormente (Cfr. na parte dos Factos do presente recurso), não permite demonstrar objetivamente e concretamente que esse alegado receio de extravio ou dissipação de bens é real e sério. (…)
20. Com efeito, o facto do de cujus ter falecido em 15/9/2020 e o requerente ter apresentado uma interpelação extrajudicial, concretizada em 14/2/2023, revelam bem que não havia um receio real, efetivo e eminente, pois, caso contrário, a presente providência já teria sido instaurada, sendo que, entretanto, não sucederam quaisquer alegados factos preparatórios relevantes nesse sentido, que tornem muito provável a ocorrência da alegada lesão a qualquer momento.
21. Por outro lado, desde 15/9/2000 (data de falecimento do de cujus), a ação principal poderia perfeitamente decorrer e chegar ao fim sem que a alegada lesão se verificasse.
22. Nesse sentido, salvo o devido respeito, na nossa opinião, é ineludível que, no caso em apreço, foram violadas as normas jurídicas previstas nos artigos 403.º n.º 1 e 362.º n.º 1, este último ex vi art.º 376.º, todos do C.P. Civil, pois não foram interpretadas e aplicadas no sentido exposto anteriormente.
23. Segundo o n.º 3 do art.º 576.º do C. P. Civil: “As exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.” (…)
29. Com efeito, a requerente sustenta o seu alegado receio de extravio, dos bens em questão, no facto da recorrente/requerida alegadamente ter tomada posse de forma ilícita os bens em apreço, pois supostamente não vivia em união de facto com o falecido, e o facto da mesma não permitir o acesso aos respetivos bens.
30. Todavia, conforme consta da oposição deduzida e do documento junto, a recorrente/requerida, com atualmente 83 anos de idade, viveu em União de facto cerca de 29 anos (cerca de 25 anos na residência em Marco de Canavezes e mais cerca de 4 anos antes) com o falecido, pelo que tinha pleno direito em permanecer na casa e usar o recheio, pelo que, face às ameaças e atitude do requerente, é compreensível que não os deixasses aceder à sua residência.
31. Nesse sentido, salvo o devido respeito, a presente exceção perentória justifica a licitude da posse, o uso dos bens apreço pela recorrente e o facto da mesma não permitir o acesso aos respetivos bens pelas razões aludidas anteriormente, pelo que a mesma impede o efeito pretendido pela requerente.
32. Face ao exposto, salvo o devido respeito, na nossa opinião, é ineludível que, no caso em apreço, foram violada as normas jurídicas previstas nos artigo 576.º n.º 3 do C.P. Civil e nos n.º 1 e 2 do art.º 5.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, pois não foram interpretadas e aplicadas no sentido exposto anteriormente.

Nestes termos e nos demais de Direito (…) deve ser dado provimento ao presente Recurso e, por via dele, declarar-se nulo o despacho proferido, datado de 6/5/2024, e todo o processado posteriormente e/ou revogar-se o mesmo douto despacho que julgou improcedente a exceção perentória deduzida pela recorrente/requerida, na respetiva oposição, e substituir-se por outro que julgue procedente a mesma exceção perentória e consequente despacho de revogação da providência cautelar - arrolamento – decretada (…).

Não foi apresentada resposta às alegações de recurso.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II – Objeto do recurso:

Sendo as conclusões das alegações de recurso que – exceto quanto a questões de conhecimento oficioso – delimitam o objeto e âmbito do recurso, nos termos do disposto nos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil, cumpre apreciar:
1. Nulidade da decisão por omissão de pronúncia
2. Discordância da decisão que decretou o arrolamento quanto ao preenchimento do requisito do justo receio de extravio, ocultação ou dissipação.
3. União de facto enquanto exceção impeditiva do decretamento do arrolamento.
Acresce a responsabilidade por custas.

III – Fundamentação

De facto
A matéria de facto relevante para a apreciação do recurso é a referida no relatório que antecede.

Análise dos factos e aplicação da lei

São as seguintes as questões de direito a abordar:
1. Fundamentos de oposição subsequente ao decretamento do arrolamento
2. Nulidade por omissão de pronúncia da decisão recorrida
2.1. Impugnação de matéria de facto alegada no requerimento inicial
2.2. Matéria de facto nova alegada na oposição
2.3. Conclusão quanto à nulidade do despacho recorrido
3. Não preenchimento do requisito do justo receio de extravio, ocultação ou dissipação.
4. Exceção impeditiva do decretamento do arrolamento – união de facto
5. Responsabilidade pelas custas

1. Fundamentos de oposição subsequente ao decretamento do arrolamento

Quando, como sucedeu no caso em análise, a providência cautelar é decretada sem prévio contraditório da parte demandada, esta, nos termos previstos no art. 372.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, pode optar entre um de dois meios de defesa:
a) interpor recurso da decisão que decretou a providência, quando considere que, face aos elementos apurados, a mesma não devida ter sido decretada;
b) deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução.
A aqui requerida optou pela dedução de oposição.
A oposição com efeito útil pressupõe, assim, que os factos novos ou os meios de prova não tidos em conta pelo tribunal possam determinar o afastamento dos fundamentos da providência decretada ou a sua redução.
No caso, a requerida pretende, através da oposição deduzida, em primeiro lugar (pontos 1. e 2. da parte final do requerimento de oposição) a revogação da providência de arrolamento decretada: quer com fundamento na invocação de factos atinentes a uma situação de união de facto com o falecido – que configura como matéria de exceção, impeditiva do arrolamento peticionado –, quer com fundamento na impugnação parcial de matéria de facto alegada pelo requerente, seja por falsidade, quanto a determinados factos, seja por desconhecimento, quanto a outros, tendo arrolado meios de prova.
Assim, para obter a revogação do arrolamento decretado, a oposição funda-se, por um lado, na alegação de factos novos (e junção de meios de prova) que – no entender da requerida –, integrando matéria de exceção, impedem o decretamento da providência de arrolamento e, por outro lado, na impugnação parcial de factos alegados pelo requerente (e junção de novos meios de prova) para produção de (contra)prova de tais factos.
Em segundo lugar (ponto 3. da parte final do requerimento de oposição) pretende a requerida (com efeito útil no âmbito de uma redução do âmbito do arrolamento decretado) a exclusão do auto de arrolamento de bens que alega serem sua propriedade (está aqui em causa também a alegação de factos novos, desta feita como fundamento de pretensão de exclusão de determinados bens do arrolamento efetuado). Para a apreciação desta matéria foi determinado o prosseguimento dos autos, como resulta com absoluta clareza do despacho proferido em 20-05-2024 (ref. 95329256), estando pendente a apreciação de tal matéria pelo tribunal de primeira instância.

Quanto aos fundamentos da oposição deduzida pela requerida, descritos sob o ponto III A. A1 da oposição, os mesmos apenas poderiam constituir fundamento para a interposição de recurso da decisão que decretou o arrolamento, nos termos previstos na al. a) do n.º 1 do art. 372.º do Cód. Proc. Civil, e não fundamento para a dedução de oposição, nos termos previstos na al. b), meio de reação esse pelo qual a requerida optou, pelo que é irrelevante tal alegação e fundamentação no âmbito da oposição deduzida – a pretensão de mera reponderação dos meios de prova produzidos pelo requerente integrará fundamento de recurso com impugnação da decisão de facto, cabendo na al. a) do n.º 1 do art. 372.º do Cód. Proc. Civil.

Atendendo à finalidade da oposição deduzida, tal como foi configurada pela requerida, o provimento do recurso interposto do despacho proferido em 06-05-2024 estará sempre dependente da formulação do juízo de relevância para o afastamento dos fundamentos da providência – nos termos considerados e valorados na decisão que decretou o arrolamento – dos novos factos alegados na oposição, e da impugnação (efetuada na oposição) de parte da factualidade alegada no requerimento inicial.

2. Nulidade por omissão de pronúncia da decisão recorrida

Alega a apelante que o tribunal a quo omitiu pronúncia sobre a impugnação, efetuada pela requerida, da maioria dos factos articulados na petição da providência cautelar, e sobre o alegado pela apelante quanto ao que efetivamente ocorreu – o que a requerida fez nos arts. 1.º a 10.º da oposição.
No art. 1.º da oposição, a requerida e aqui apelante impugnou “os factos articulados nos artigos 2.º (na parte que refere ao alegado “valioso recheio”), 3.º, 4.º (na segunda parte, a partir de “não obstante (…)”, 5.º, 7.º (na primeira parte, até “status quo”), 8.º (na segunda parte, a partir de “ e por essa via (…)”, 9.º, 10.º, 11.º (na primeira parte, até “que não lhe pertence”), 12.º, 14.º (na parte do “absurdo silêncio”), 15.º, 16.º (na primeira parte, até “mais gravemente”, 17.º (na primeira parte, até “ sujeitos a partilha”), 18.º a 33.º do requerimento de arrolamento, por serem falsos.”
O que consta do art. 2.º da oposição não integra qualquer alegação ou impugnação de matéria de facto.
É o seguinte o teor do art. 3.º da oposição: “Impugna-se o documento n.º 6 por não estar comprovado o alegado envio por correio e a receção do mesmo pela requerida.”
No art. 4.º da oposição, a requerida impugnou “os factos articulados nos artigos 6.º (na segunda parte, a partir de “também tem obstado (…)”, 11.º (na segunda parte, a partir de “bem como o envio (…)”, 17.º (na segunda parte, a partir de “não permitiu o Requerente, (…)”), por se desconhecer se são verdadeiros.”
No art. 6.º da oposição, a requerida alegou que reside desde 02/01/2000 no prédio urbano arrolado e que “desde essa data tem uma residência secundária sita na Rua ... ... ... em Vila Nova de Gaia, onde pontualmente e esporadicamente permanece, e permanecia com falecido, por curtos períodos de alguns dias e, que desde 2023, está arrendado, conforme se pode comprovar no documento que ora se junta (doc. 1 cujo teor se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais)”.
No art. 7.º da oposição, alegou que “depois do falecimento de GG, o requerente e o irmão HH efetuaram ameaças à requerida, tendo uma postura agressiva com ela e exigindo, numa primeira fase, que ela saísse da residência e, numa segunda fase, que ela pagasse uma renda de 1000 euros para permanecer na sua residência anteriormente referida, pelo que, por essa razão, acabou por não os deixar aceder à residência.”
No art. 8.º da oposição alegou que “numa dessas ocasiões, a requerida e o requerente pediram a intervenção da GNR que se deslocou à sua residência e a requerida transmitiu, ao Senhor Guarda da GNR, que a mesma tinha direito em permanecer na sua residência, por ter vivido muito anos em união de facto com o falecido, sendo certo que o requerente e o irmão HH ouviram tal informação e o Senhor Guarda da GNR não duvidou das declarações da requerida;”
No art. 9.º alegou que “nesse dia, a requerida entregou, ao requerente e ao irmão HH, o veículo Renault ..., os respetivos documentos e uma arma propriedade do falecido (esta última, para que fosse entregue às Autoridades).”
No art. 10.º alegou que “que os filhos e os netos da requerida, naturalmente e pontualmente, por períodos curtos de cerca de dois dias - durante os fins de semana/ feriados -, permaneciam, antes do falecimento e depois do falecimento de GG, na mesma residência.”

2.1. Impugnação de matéria de facto alegada no requerimento inicial

Defende a apelante que, tendo impugnado a ‘maioria dos factos articulados na petição da providência cautelar’, tinha o tribunal a quo que se ter pronunciado ‘sobre os factos articulados nos art.º 1.º a 10.º, na parte da impugnação, da oposição deduzida pela recorrente, e sobre o respetivo segundo pedido, da mesma oposição’.
Com tais fundamentos, argui a nulidade do despacho recorrido, por omissão de pronúncia, nos termos dos arts. 615.º, n.º 1, al. d), e n.º 4 e 613.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil.

Como resulta do supra referido em 1., só se poderá falar de omissão de pronúncia se uma eventual reapreciação da matéria de facto do requerimento inicial, que foi impugnada na oposição, for passível de fundamentar uma alteração da decisão que decretou o arrolamento, por colocar em causa o juízo formulado na referida decisão quanto à verificação dos pressupostos do arrolamento decretado.
Assim, apenas poderá assumir relevância a impugnação dos factos (alegados no requerimento inicial) que foram considerados indiciariamente provados na decisão que decretou o arrolamento.
Ora, no caso em análise, verifica-se que na oposição deduzida não foi impugnada a seguinte matéria de facto que consta indiciariamente provada na decisão que decretou o arrolamento:
– que o requerente e o irmão são os únicos herdeiros da herança ilíquida e indivisa deixada por óbito do seu pai, falecido em 15/09/2020, o qual deixou vários prédios rústicos e um prédio urbano – Casa de Habitação de R/Ch e 1.º andar, inscrita na matriz respetiva sob o art.º..., sita no Lugar ..., mais precisamente na Rua ... ... ... - Marco de Canaveses –, no qual se encontram bens móveis do falecido;
– que o referido prédio urbano foi legado em testamento pelo falecido ao requerente;
– que a requerida se encontra a ocupar a referida casa de habitação Rua ... ... ... - Marco de Canaveses, e que a mesma foi interpelada pelos herdeiros para sair do imóvel, o que não fez;
– que a requerida impede o requerente e o irmão de visitar e aceder ao interior do prédio urbano aqui em apreço, o mesmo sucedendo com o efetivo não acesso aos demais cómodos e anexos do mesmo imóvel, (que integram desde sempre a casa de morada de família do de cujus);
– que o requerente, em 17/12/2021, requereu Notificação Judicial Avulsa da requerida, concretizada em 14/02/2023, para a mesma «num prazo nunca superior a 8 dias após a receção da notificação, e com cominação de aplicação de sanção pecuniária compulsória no valor de € 1.500,00 por cada Mês que subsista a ocupação, desocupe de pessoas e bens o imóvel onde vem atualmente residindo, sito na Rua ... ... ... - Marco de Canaveses, e por essa via e após prévia vistoria do requerente, proceda à entrega ao requerente de todas as chaves de acesso/franquia ao referido imóvel, com a simultânea entrega de todo o valioso recheio que integra o mencionado imóvel, que era propriedade do de cujus, e que faz parte do acervo hereditário da herança indivisa, e que indemnize o requerente dos danos por si causados, de cerca de € 12.000,00 e os que se vierem a apurar, também à razão de € 1.000,00 por mês, pela não permitida e não consentida ocupação do supra citado imóvel, em prejuízo do requerente e da herança indivisa»;
– que a requerida nada disse ou respondeu a esta notificação judicial avulsa.

E, no que concerne à matéria de facto considerada indiciariamente provada na decisão que decretou o arrolamento, de que a requerida tem ‘residência própria em Vila Nova de Gaia’, resulta da leitura oposição deduzida que a requerida admite que tem tal imóvel em Vila Nova de Gaia – que a mesma qualifica, na oposição deduzida, como ‘secundária’, por a requerida entender e defender que, por força da união de facto com o falecido que invoca na oposição deduzida, tem direito real de habitação sobre o prédio urbano que foi arrolado –, alegando ainda que esse seu imóvel de Vila Nova de Gaia se encontra arrendado desde 2023.

Lida a decisão que decretou o arrolamento, verifica-se que a mesma se bastou com tal factualidade (não impugnada na oposição deduzida) para o decretamento do arrolamento.
Tal resulta claramente da leitura do seguinte segmento da fundamentação de direito da decisão que decretou o arrolamento:
(…) Nos termos do art.º 403.º do Código de Processo Civil, havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles, sendo o arrolamento dependência da acção à qual interessa a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas - n.ºs 1 e 2.
Com a petição oferecerá, o requerente, prova sumária do direito ameaçado e justificará o receio da lesão - art.º 365.º, n.º 1 e 405.º, n.º 1 - devendo convencer o Tribunal da provável procedência do pedido da acção principal.
São requisitos para o seu deferimento:
A) - Que muito provavelmente exista o direito ameaçado - objecto da acção declarativa, ou que venha a emergir de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor.
No caso dos autos, a probabilidade da existência do direito do requerente é elevadíssima. Na verdade, é de presumir que os imóveis e os bens móveis pertencente à herança indivisa de GG lhe pertencem pois que o requerente é seu herdeiro e este deixou-lhe os seus bens em testamento.
B) - Que haja fundado receio de que outrem antes de proferida decisão de mérito, ou porque a acção não está sequer proposta ou porque ainda se encontra pendente, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito.
Indiciado que a requerida se furta a permitir o acesso da Requerente aos bens, dúvidas não restam da verificação também deste requisito.
C) - Que a providência requerida seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
Está precisamente em causa o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens móveis, fundamento específico do arrolamento.
D) - Que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se quis evitar.
Tendo a Requerida uma casa em Gaia, não se afigura que a providência traga qualquer inconveniente sério para esta, muito menos superior ao direito do requerente.

Daqui resulta a clara irrelevância da produção de prova quanto à matéria de facto do requerimento inicial impugnada na oposição deduzida, uma vez que o decretamento do arrolamento se fundou e bastou com a matéria de facto indiciariamente provada, supra referida, que não se encontra impugnada na oposição deduzida em contraditório subsequente ao decretamento da providência.
Sendo irrelevante a produção dos meios de prova arrolados para contraprova de matéria que, apesar de indiciariamente provada, não integra o núcleo factual essencial e suficiente que foi considerado para a decisão de decretamento do arrolamento requerido, temos de concluir pela inutilidade de produção de novos meios de prova para contraprova de matéria de facto acessória considerada indiciariamente provada e, consequentemente, pela inexistência da arguida omissão de pronúncia quanto à matéria de facto impugnada pela requerida na oposição subsequente deduzida.

2.2. Matéria de facto nova alegada na oposição

Quanto ao alegado pela requerida e aqui apelante nos arts. 8.º, 9.º e 10.º da oposição, é apodítica a irrelevância da matéria de facto em causa quer para a alteração da factualidade essencial considerada indiciariamente provada na decisão que decretou o arrolamento, quer para fundamentar qualquer alteração dos pressupostos considerados na decisão recorrida para o decretamento do arrolamento (quando muito, da prova do alegado no art. 10.º poderia resultar a concretização de quem são os terceiros alheios à herança referidos no n.º 19. da decisão proferida em 08/02/2024 – os filhos e os netos da requerida –, o que em nada altera a factualidade relevante constante do ponto 19., ou seja, que a requerida não permite aos herdeiros o acesso aos bens do falecido pai).
Tratando-se de matéria irrelevante, não tem, não deve nem pode haver qualquer pronúncia sobre a mesma, pelo que não há qualquer omissão de pronúncia.
Quanto à matéria alegada no art. 6.º, a mesma só assume relevância no âmbito da situação de união de facto, que foi invocada pela requerida, na oposição por si deduzida, como obstáculo ao decretamento do arrolamento, com fundamento no invocado direito real de habitação e de uso do recheio ao abrigo da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio (Proteção das Uniões de Facto). Ora, o tribunal recorrido, ao pronunciar-se no despacho objeto deste recurso pela irrelevância de tal factualidade e da respetiva subsunção jurídica da mesma efetuada pela requerida para afastar o deferimento do pedido de arrolamento formulado pelo requerente (matéria qualificada pela requerida, na oposição, como matéria integrante de exceção perentória), emitiu expressa pronúncia sobre tal matéria. Se a matéria em causa não é relevante, ainda que provada ficasse, a realização de atos instrutórios para a respetiva prova revela-se um ato inútil e violador do dever de gestão processual previsto no art. 6.º do Cód. Proc. Civil. A considerar-se que tal matéria é relevante como meio de defesa útil para afastar os pressupostos da decisão que decretou o arrolamento, o que haverá será um erro de julgamento, e não uma omissão de pronúncia.
Resta a matéria alegada no art. 7.º da oposição [(…) depois do falecimento de GG, o requerente e o irmão HH efetuaram ameaças à requerida, tendo uma postura agressiva com ela e exigindo, numa primeira fase, que ela saísse da residência e, numa segunda fase, que ela pagasse uma renda de 1000 euros para permanecer na sua residência anteriormente referida, pelo que, por essa razão, acabou por não os deixar aceder à residência.]
Aqui alega a requerida uma explicação para a sua conduta de recusa de acesso dos herdeiros do falecido ao prédio urbano sito na Rua ... ... ... - Marco de Canaveses, que integra a herança aberta por óbito do pai dos mesmos.
A eventual prova de tal factualidade seria claramente insuficiente para afastar os funcamentos da decretada providência de arrolamento. O requerente, na qualidade de herdeiro (juntamente com o seu irmão) da herança aberta por óbito do pai de ambos, é titular, juntamente com aquele, da referida herança indivisa, pelo que, nessa qualidade, tem interesse (enquanto herdeiro) na especificação dos bens que integram tal herança, estando suficientemente indiciada a existência do seu direito (enquanto herdeiro) aos bens que integram a herança indivisa. A requerida está na posse/detenção daquele prédio urbano que integra tal herança, no qual se encontram bens móveis que também eram propriedade do falecido, e impede o acesso dos herdeiros ao referido imóvel. Tal posse/detenção da requerida sobre o referido imóvel e o recheio do mesmo é feita contra a vontade dos herdeiros, e a atuação da requerida, impedindo os herdeiros de acederem ao imóvel onde se encontram bens que integram a herança, e que a mesma usa, constitui por si só fundamento bastante para se poder considerar justificado o receio de perda, dissipação ou ocultação dos bens móveis que integram a herança, para mais quando tal situação se verifica desde o óbito do de cujus, ocorrido em 15/09/2020 e a requerida invoca – como o fez na oposição deduzida – ser titular de um direito real de habitação do prédio urbano e de direito de uso do recheio do mesmo, com fundamento na alegação de uma situação de união de facto com o requerido.
A matéria alegada neste artigo 7.º da oposição é, assim, insuscetível de afastar a prova sumária do direito do requerente aos bens que integram a herança ilíquida e indivisa e do seu justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos mesmos, perante a impossibilidade de verificar a existência e estado dos mesmos e a posse/detenção da requerida sobre os mesmos, com fundamento nos invocados direitos que opõe aos herdeiros, e que lhe dão total disponibilidade sobre os bens móveis (quanto aos imóveis, disponibilidade material – que não jurídica – sobre os mesmos, passível de afetar a sua conservação). Dito de outra forma, a alegada conduta dos herdeiros de exigirem, num primeiro momento, que esta saísse da residência e num segundo momento, que a mesma pagasse renda para permanecer na residência é insuscetível de afastar a verificação dos pressupostos do direito do requerente a obter o arrolamento dos bens que integram a herança aberta por óbito do seu progenitor (que tem o mesmo e o irmão como únicos herdeiros).
Concluímos, assim, que também não existe omissão de pronúncia na ‘falta de conhecimento’ da matéria de facto alegada nos arts. 6.º a 10.º da oposição, uma vez que tal matéria é insuscetível, por si, de afastar os pressupostos em que se fundou a decisão que decretou o arrolamento.

2.3. Conclusão quanto à nulidade do despacho recorrido

Uma vez que nem a impugnação (efetuada na oposição apresentada pela requerida após a notificação da decisão que decretou o arrolamento) de parte dos factos do requerimento inicial, nem os factos alegados nos arts. 6.º a 10.º da oposição, assumem relevância que permita o afastamento dos fundamentos da providência, nos termos considerados e valorados na decisão que decretou o arrolamento, não se verifica, no despacho recorrido, qualquer omissão de pronúncia quanto a tal matéria, improcedendo a nulidade arguida, bem como a invocada relevância da referida matéria para afastamento do pressuposto do justo receio.

3. Não preenchimento do requisito do justo receio de extravio, ocultação ou dissipação.

Nas conclusões 12. a 22. do recurso de apelação invoca a apelante que a decisão que decretou o arrolamento errou ao considerar verificado/preenchido o requisito do justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, com base no simples facto da requerida não permitir ao requerente o acesso aos bens em causa, e defende que os factos indiciariamente provados na decisão que decretou o arrolamento, quanto à data de falecimento do de cujus e quanto à data da apresentação e concretização da notificação judicial avulsa, revelam a inexistência de qualquer receio real, efetivo e eminente, afastando tal requisito.
Tal constitui discordância da consideração, na decisão que decretou o arrolamento, face aos factos aí indiciariamente considerados provados sob os pontos 1., 7., 8. e 12., da verificação/preenchimento do pressuposto do justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens.
Tal fundamenta-se em razões puramente jurídicas – erro na subsunção jurídica dos factos indiciariamente provados efetuada na decisão que decretou o arrolamento – de discordância da decisão que decretou o arrolamento, pelo que o meio processual próprio para reagir, com tal fundamento, contra a decisão que decretou o arrolamento era a interposição de recurso dessa decisão, nos termos do disposto no art. 372.º, n.º 1, al. a), do Cód. Proc. Civil.
Como já acima ficou dito, a requerida não interpôs recurso da decisão que decretou o arrolamento, antes tendo optado por deduzir oposição, nos termos previstos na al. b) do n.º 1 do art. 372.º do Cód. Proc. Civil. De resto, na oposição deduzida a requerida não invocou – e bem, porque o não podia fazer através da dedução de oposição, mas apenas através da interposição de recurso – o que agora vem invocar, nos referidos n.os 12. a 22. das conclusões, como fundamento do recurso.
Daqui resulta ser inadmissível qualquer pronúncia deste tribunal ad quem, no âmbito do recurso aqui em apreciação – que é um recurso interposto do despacho proferido em 06-05-2024 e não um recurso da decisão que decretou o arrolamento –, sobre a referida matéria, por não ter a mesma sido objeto do despacho recorrido, sendo que a discordância da requerida quanto a tal matéria tinha que ter sido feita valer através da interposição de recurso do despacho que decretou o arrolamento. Não o tendo feito, não podia tal discordância constituir fundamento da oposição deduzida (nem nela foi alegada), pelo que não pode a mesma ser suscitada nem apreciada no âmbito do recurso aqui em apreciação, o qual tem por único objeto o despacho de 06-05-2024 – não fazendo parte das questões decididas ou deixadas de decidir nesse despacho o (só agora, em sede de recurso) suscitado erro de julgamento da decisão que decretou o arrolamento.

4. Exceção impeditiva do decretamento do arrolamento – união de facto

Pretende a apelante a revogação do despacho recorrido na parte em que julgou manifestamente improcedente a invocação, efetuada pela requerida na oposição, da existência de uma situação de união de facto entre a requerida e o falecido, como impeditiva do decretamento a providência de arrolamento.
Defende a apelante que tal alegada união de facto – por lhe atribuir o direito de real de habitação do prédio urbano sito em Marco de Canaveses e o direito de uso do recheio, com fundamento no regime previsto no art. 5.º, n.º 1 e n.º 2, da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio –, justifica a licitude da sua posse sobre o imóvel e o uso dos bens em apreço pela apelante, e a recusa da mesma em permitir o acesso dos herdeiros aos referidos bens.
Sendo certo que, por força do regime aprovado pela Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, que adotou medidas de proteção das uniões de facto, a existência da alegada situação de união de facto é passível de, nos termos das normas invocadas, fundamentar a invocada titularidade pela requerida de um direito real de habitação sobre o referido imóvel e de um direito de uso do recheio, não é menos certo que tais supostos direitos em nada obstam ou contendem com o decretamento do arrolamento de tais bens, atenta a natureza e finalidades desta providência cautelar.
O procedimento cautelar especificado de arrolamento encontra-se previsto e regulado nos arts. 403.º a 409.º do Cód. Proc. Civil, podendo ser requerido quando exista justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, ficando o arrolamento na dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas – art. 403.º do Cód. Proc. Civil –, e consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens – n.º 1 do art. 406.º do Cód. Proc. Civil.
A finalidade do arrolamento é garantir a existência e preservação de certos bens para que, proposta e vencida ação adequada, eles subsistam e se lhes dê o destino legal, em que o requerente há-de ter interesse. – cfr. sumário do AC. do STJ de 17-04-1997, sumários do STJ (Boletim) – Cível, https://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=7368&codarea=1.
Tratando-se de uma providência cautelar de garantia ou de natureza conservatória, a mesma visa especificamente assegurar a permanência de bens que devem ser objeto de especificação no processo principal ou assegurar a manutenção de certos bens litigiosos enquanto subsistir a discussão sobre a titularidade do direito desses bens na ação principal.
No âmbito do procedimento cautelar de arrolamento não se discute nem relevam os pretensos direitos – posse/detenção – da requerida sobre os bens a arrolar, não tendo tais alegados direitos qualquer efeito impeditivo do decretamento da providência cautelar de arrolamento. O objetivo do arrolamento «(…) é manter o bem nos exactos termos em que ele existe, saber onde o mesmo se encontra e descrevê-lo de forma a que não possa sobre o mesmo serem praticados actos que o modifiquem ou tornem impossível saber do seu paradeiro. Ou seja, visa a conservação do bem nos exactos termos para que, mesmo que posteriormente sofra qualquer acto voluntário ou involuntário, se considerar o mesmo da forma como foi descrito. E é a descrição que caracteriza o arrolamento. (…)» cfr. Ac. do TRL de 11 de maio de 2023, proc. n.º 30852/22.7T8LSB.L1-2.
Em consonância com tal finalidade e natureza do arrolamento, resulta do disposto no art. 408.º do Cód. Proc. Civil que, por regra, o depositário é o próprio possuidor ou detentor dos bens, salvo caso de manifesto inconveniente em que lhe sejam entregues.
Assiste assim inteira razão ao despacho recorrido, quando nele se afirma que «Conhecer da existência da união de facto, não altera a decisão a proferir nestes autos, na medida em que, o que aqui releva é assegurar a manutenção dos bens que compõem a herança (…)», face ao que «(…) a questão de saber se a requerida viveu unida de facto com o pai do requerente, não permite afastar os fundamentos da providência cautelar, nem determina a sua redução, não cabendo nos fundamentos que conformam o articulado de oposição, tal como decorre da al. b) do nº1 do artigo 372.º do CPC (…)».
Concluímos, deste modo, pela improcedência dos fundamentos do recurso.

5. Responsabilidade pelas custas

A decisão sobre custas da apelação, quando se mostrem previamente liquidadas as taxas de justiça que sejam devidas, tende a repercutir-se apenas na reclamação de custas de parte (art. 25.º do Reg. Custas Processuais).
A responsabilidade pelas custas da apelação cabe a apelante, por ter ficado vencida (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).

IV – Dispositivo

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão apelada.
Custas a cargo da apelante, por ter ficado vencida (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).
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Notifique.
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Porto, 10/10/2024
(data constante da assinatura eletrónica)
Ana Luísa Loureiro
Paulo Duarte Teixeira
Ana Vieira