I - Para cumprimento formalismo previsto pelo art.º 403., n.º 3 do Código do Trabalho, o empregador pode optar por fazer uma só comunicação na qual invoca os factos constitutivos do abandono ou os factos constitutivos da presunção e conclui pela cessação do contrato que decorre daquele, ou pode optar por fazer duas comunicações separadas no tempo invocando na primeira os factos constitutivos do abandono ou os factos constitutivos da presunção de abandono e só na segunda a cessação do contrato decorrente do abandono.
II - Independentemente da verificação dos requisitos do abandono, não se subsume a um despedimento ilícito, por não consubstanciar a invocação da cessação do contrato, a mera comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos da presunção de abandono e de que só decorrido o prazo concedido para prova dos factos demonstrativos de motivo de força maior impeditivos da comunicação da ausência, seria, se fosse o caso, invocada a cessação do contrato, não chegando a ocorrer tal invocação.
(Da Responsabilidade da Relatora)
Acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Relatório
AA intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra A... - Sociedade Unipessoal Lda.", pretendendo que, na procedência da ação, deveria declarar-se ilícito o seu despedimento, condenando-se a R. a reintegrá-la no seu posto de trabalho ou a indemnizá-la conforme opção a exercer até à sentença; condenar-se a ré a pagar-lhe a retribuição de férias e respetivo subsídio, férias não gozadas, subsídio de Natal e ser, ainda, a ré condenada a pagar-lhe indemnização por danos morais que lhe causou com o despedimento ilícito e ilegal, tudo acrescido de juros legais vencidos e vincendos, até integral pagamento.
Alegou, que foi admitida pela R. em 08/03/2022, através de contrato individual de trabalho sem termo, para prestar os serviços e as tarefas próprias da categoria profissional de Empregada de Balcão, mediante retribuição e subsídio de alimentação diário e que, em 26/05/2023, recebeu carta registada com a/r a comunicar o abandono do posto de trabalho, à qual respondeu em 14/06/2023, na sequência do que a ré efetuou a comunicação datada de 22/06/2023, na qual afirma não a ter despedido. Alegou ainda que a ré não ilidiu a presunção a que se refere o art.º 403.°, n° 3, do Código do Trabalho (doravante CT), o que determina a total ilicitude do seu despedimento face ao que dispõe o art.º 381°, alínea c) do CT; que, aquando da cessação do contrato de trabalho, não recebeu da R. a retribuição das férias e subsídio de férias relativamente ao trabalho prestado, não tendo, de igual forma, gozado qualquer dia de férias; que, com o despedimento de que foi alvo, viu abalada a sua saúde e o seu equilíbrio psicoemocional
Frustrada a conciliação em audiência de partes a ré contestou
Referiu, para além do mais, que a autora esteve na situação de incapacidade temporária para o trabalho, por gravidez de risco, desde 22/11/2022 até 30/03/2023, conforme certificados que apresentou, sendo que, após o termo do período de incapacidade, a autora não lhe deu quaisquer notícias, desconhecendo a situação em que a mesma se encontrava; que a ausência prolongada de notícias levou-a, em 26/05/2023, a enviar a carta referida pela autora, nos termos e para efeitos do disposto no art.º 403.°, do CT, em especial para o vertido nos n.°s 3 e 4 de tal artigo, sendo que a A. respondeu dando a conhecer que a filha nasceu a 07/04/2023, que se encontra a gozar a licença parental desde o dia 30/03/2023, mas que se havia olvidado de a informar da duração da licença e início respetivo.
Mais alega que respondeu àquele comunicação da autora por carta registada com a/r datada de 22/06/2023, afirmando que a missiva de 26/05/2023 não constitui comunicação da cessação do contrato de trabalho, antes teve como principal objetivo dar à autora a possibilidade de justificar a ausência dela e ausência de notícias e só depois, se esta o não fizesse, é que se procederia com a comunicação de denúncia nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 403.°, do CT, pelo que, não fez cessar o contrato da A. e tanto assim é que, apesar de a licença parental ter terminado em 04/09/2023 e de a autora ainda não ter regressado ao trabalho, a mesma continua a constar na segurança social como sua trabalhadora.
Quantos aos créditos reclamados a ré alegou que em setembro de 2022, a autora gozou 15 dias de férias e recebeu o respetivo subsídio e, em dezembro de 2022, foi processado e pago o subsídio de Natal.
Foi proferido o despacho saneador, no âmbito do qual, foi fixado o valor da causa em € 7.866,16 (sete mil oitocentos e sessenta e seis euros e dezasseis cêntimos) e foi proferido o despacho a que alude o art.º 596.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (doravante CPC).
Realizada a audiência final foi proferida sentença na qual o tribunal julgou a ação improcedente, absolvendo a ré de todos os pedidos.
Para tanto formulou as seguintes conclusões:
“1. A douta sentença não se afigura correta no que concerne à matéria de direito, ao considerar não ser possível concluir que a A. foi objeto de um despedimento ilícito por facto imputável ao trabalhador, por não ter sido precedido do respetivo procedimento, por parte da R.
2. O Tribunal a quo considerou que a carta mencionada no ponto 4.º dos factos provados traduz a comunicação dos factos constitutivos da presunção de abandono de trabalho e não a invocação da cessação do contrato com base na presunção do abandono de trabalho, por na mesma missiva ter sido incluída a expressão “se no prazo de 8 dias não apresentar essa prova”, entre outras que considerou, nomeadamente “iremos” e “procederemos”, futuro do verbo “ir” e “proceder”.
3. Conclui que o que se extrai da citada carta da R. é que só vai considerar as faltas da A. injustificadas e proceder à denúncia do contrato de trabalho na hipótese de, no prazo de 8 dias, a A. não apresentar a prova da ocorrência do motivo de força maior impeditivo da comunicação da sua ausência.
4. De acordo com a factualidade que ficou assente, a A. entrou de baixa de gravidez de risco em 21.11.2022 com termo em 30.03.2023 e pós o termo da incapacidade temporária não deu quaisquer notícias à R., desconhecendo esta a situação em que aquela se encontrava.
5. A ausência de notícias levou a R. a enviar à A. a carta mencionada em 4.º e A. enviou à R. a carta mencionada em 5.º, na qual indica estar em gozo de licença parental, concluindo que a presunção estabelecida é abusiva.
6. A R. enviou à A. a carta mencionada em 6.º, na qual refere que apenas fez uma advertência e convite para justificação das faltas.
7. A Autora faltou ao trabalho nos dias indicados (de 31 de março até 7 de abril), e que só depois gozou de licença parental inicial.
8. Desde 21 de novembro de 2022 e até ao dia 30 de março de 2023, a Autora encontrou-se de baixa por doença, o que era do conhecimento da Ré, já que, para tanto, aquela lhe tinha enviado os correspondentes atestados médicos.
9. De acordo com o Artigo 296.º CT, determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto respeitante ao trabalhador que não lhe seja imputável e se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença, acidente ou facto decorrente da aplicação da lei do serviço militar.
10. O impedimento temporário por facto imputável ao trabalhador determina a suspensão do contrato de trabalho nos casos previstos na lei.
11. A doença por mais de um mês determinava a suspensão do contrato de trabalho, mantendo-se durante esta, e para o trabalhador, os deveres de respeito, urbanidade e lealdade, mas não os de informar ou justificar as faltas.
12. A regra do n.º 4 do art. 253.º CT visa tornar claro que o dever de comunicar as faltas se mantém quando a ausência se prolonga para além do período inicialmente comunicado ou constante do documento apresentado para prova da natureza justificativa da falta.
13. No entanto, este dever de comunicação apenas subsiste enquanto a ausência do trabalhador for juridicamente havida como falta.
14. Se o impedimento à prestação de trabalho se prolongar por período superior a um mês, entrar-se-á no regime da suspensão do contrato de trabalho, pelo que a partir desse momento o trabalhador já não se encontra em regime de faltas justificadas e não tem, por conseguinte, de as comunicar.
15. O n.º 4 do art. 253.º CT (atual redação), visou afastar quaisquer dúvidas quanto à necessidade ou não de comunicar a ausência do trabalhador quando esta se prolongue para além do período inicialmente comunicado ou constante do documento justificativo da falta, afirmando essa necessidade de justificação; porém, o mesmo preceito não visou sobrepor-se ao regime de suspensão do contrato de trabalho por impedimento temporário imputável ao trabalhador, de modo a impor a justificação das faltas mesmo nas situações em que o contrato se encontra suspenso.
16. Com efeito, o Código do Trabalho limita-se a mandar aplicar o regime da suspensão da prestação do trabalho aos casos previstos na alínea d) do artigo 249, n.º 2 (…) se o impedimento do trabalhador se prolongar efetiva ou presumivelmente para além de um mês.
17. Embora o contrato de trabalho seja, quer na constituição quer na execução, um negócio jurídico sinalagmático – dele emergindo, pois, para ambas as partes, direitos e obrigações recíprocas e interdependentes, o que determina a aplicação dos princípios gerais quanto ao cumprimento e incumprimento dos contratos (vide, designadamente, art. 227.º e 798.º e segts, do CC) –, a falta justificada do trabalhador constitui um risco que corre por conta do empregador (na medida em que, por princípio, não determina a perda ou prejuízo de quaisquer direitos do trabalhador), o que (também) justifica que as regras aplicáveis não sejam idênticas às dos princípios gerais em matéria contratual, designadamente quanto ao princípio da boa fé.
18. Encontrando-se a Autora de baixa por doença – o que era do conhecimento da Ré – e, por isso, o contrato de trabalho suspenso que não se encontrava obrigada a justificar as faltas dadas subsequentemente.
19. Nesta sequência, não poderia, como fez o Tribunal a quo, que fez tábua rasa de tudo quanto antecede, concluir que a missiva da R. apenas continha o convite à justificação das faltas.
20. Se assim fosse, e não é, a mencionada carta da R. não teria, por despiciendo, que fazer qualquer referência ao abandono de trabalho. Sendo ainda certo que a ausência de qualquer telefonema da A., encontra igual reciprocidade na R., que também o poderia ter feito.
21. Ora, no caso, a Autora encontrava-se de baixa médica por gravidez de risco há mais de um mês, tendo havido várias justificações apresentadas; face a esse período (prolongado) de doença, a um empregador razoável não se apresentaria como surpresa que, findo o mesmo, e por um lado, o trabalhador pudesse prolongar a baixa médica, e, por outro, que se encontrasse a gozar de licença parental.
22. Ainda que as faltas da Autora se considerassem injustificadas, as mesmas não se apresentavam suficientemente graves de modo a pôr em causa a subsistência da relação laboral, com a comunicação, a que o Tribunal a quo, apelida de advertência, e que na realidade é a comunicação do abandono de trabalho presumido.
23. Na lei, não se encontra prevista a figura do abandono de trabalho presumido, condicionado à justificação de faltas.
24. A sentença recorrida entendeu que emerge da carta mencionada nos pontos 6.º e 12.º dos factos provados, que a R. aceitou o que consta da carta mencionada nos pontos 5.º e 11.º, como a prova da ocorrência do motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência da A., e nem considerou as faltas da A. injustificadas, nem procedeu à denúncia do contrato de trabalho.
25. Da carta da R., retirou a A. a consequência típica do abandono de trabalho, ou seja, a cessação do contrato de trabalho.
26. Propôs a ação competente, na qual alegou um despedimento ilícito.
27. O despedimento ilícito, ainda que alegado (injustificado, proferido sem processo disciplinar, ou na sequência de um processo disciplinar inválido) constitui uma declaração negocial receptícia que é plenamente eficaz e determina a imediata cessação do contrato de trabalho, com a consequente paralisação do dever de prestar trabalho e do dever de pagar a retribuição.
28. Cessando o contrato de trabalho em 26 de maio de 2023, data em que, no caso, se presume inilidivelmente recebida pelo trabalhador a comunicação do seu despedimento por abandono de trabalho (art. 224.º do Código Civil), é irrelevante a declaração posterior da R., pois o contrato já havia cessado.
29. A comunicação traduz-se numa declaração receptícia, nos termos do n.º 1 do art. 224.º do CC, tornando-se eficaz e, por conseguinte, invocável logo que chegue ao poder do destinatário ou possa ser conhecida por aquele.
30. Não é possível atribuir validade às declarações emanadas pela R. na sequência da carta inicialmente enviada à A. e subsequente resposta, atendendo ao efeito jurídico extraído de tal declaração pela A., e que foi a comunicação de abandono de trabalho presumido, cessando o contrato de trabalho.
31. O Tribunal a quo, transmuta a interpretação dada pela A. à carta rececionada, numa justificação do motivo de força maior justificativo da ausência ao trabalho.
32. A recorrente apenas alegou a situação de licença parental, tendo omitido qualquer alegação sobre eventual motivo que a tenha impedido de cumprir o dever imposto pelo n.º 4, do art.º 253.º, até porque tal facto era notório e do conhecimento da R.
33. O Tribunal a quo, absolveu a Recorrida, considerando que o peticionado pressupunha ou a cessação do contrato de trabalho ou a cessação de tal contrato por a A. ter sido objeto de um despedimento ilícito.
34. E para o Tribunal a quo o contrato de trabalho não cessou, permanecendo a A. como trabalhadora da R., por constar como tal na Segurança Social.
35. A decisão proferida pelo Tribunal a quo, radica no facto de não resultar dos factos provados uma qualquer atuação da R., por ação ou omissão, da qual se possa inferir que a mesma fez cessar o contrato de trabalho, o que não corresponde à realidade dos factos, erradamente dado como provados.
36. A decisão deverá ser substituída por outra, que considere ilícito o despedimento da A.”
“A. Alega a Recorrente, nas suas doutas alegações de recurso que o contrato da A., aqui recorrente se encontrava suspenso.
B. Todavia, essa alegação só é feita nas presentes alegações de recurso da Recorrente.
C. Com efeito, essa questão não faz parte do objecto do processo, pois não foi incluída na petição inicial/contestação, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida. É uma nova questão que o recorrente se lembrou de trazer agora em sede de recurso.
D. Ora, por definição, a figura do recurso exige uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido. Só se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido.
E. Não sendo uma situação de conhecimento oficioso, não pode o Tribunal superior apreciar uma questão nova, por pura ausência de objecto: em bom rigor, não existe decisão de que recorrer.
F. É um caso de extinção do recurso por inexistência de objecto.
G. Assim, este Tribunal da Relação não deverá conhecer dessa questão, por impossibilidade legal.
H. Destarte, logo por esta via deve o presente recurso improceder.
Sem prescindir,
I. A A. entrou de baixa por gravidez de risco em 22 de novembro de 2022, tendo entregado à Ré o respetivo certificado de incapacidade temporária para o trabalho.
J. O certificado atestava que a incapacidade da A. para o trabalho era de 129 dias, com início a 22 de novembro de 2022 e termo a 30 de março de 2023.
K. Após o termo do período de incapacidade a A. não deu quaisquer notícias à Ré. A ausência prolongada de notícias, levou a Ré, em 26 de maio de 2023, quase dois meses depois do termo da incapacidade para o trabalho, a enviar a carta registada C/AR, que a A. transcreve no artigo 8o do seu petitório.
L. Conforme se atenta do seu teor, a missiva foi enviada, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 403° do C. do Trabalho, em especial para o vertido nos números 3 e 4 deste preceito legal.
M. A A. respondeu, e informou que se havia olvidado de informar a Ré da duração da licença e início respetivo. A A. assume perentoriamente que se esqueceu de avisar a R. da duração da licença e respetivo início.
N. A A. alega ainda que a Ré presumiu abusivamente a intenção de não retomar o trabalho, o que é manifestamente falso, tendo andado bem a MM juiz na sentença ora recorrida.
Pois,
O. A Ré, por carta registada C/AR, datada de 22 de junho de 2023, respondeu à A., comunicando-lhe que a missiva de 26 de maio não constitui comunicação da cessação do contrato de trabalho, como ela quer fazer crer. A Ré foi clara e inequívoca!
P. Mais uma vez e contrariamente ao alegado nas doutas Alegações da A. a MM Juiz entendeu e ponderou bem o conteúdo e alcance da missiva enviada pela R. à A. onde não consta qualquer comunicação da cessação do contrato de trabalho.
Q. A comunicação da Ré, numa primeira fase dá a conhecer à A. que esta não comparece ao trabalho, nem dá notícias desde a data do termo da incapacidade para o trabalho, das consequências dessa ausência, e de seguida dá-lhe a saber que a presunção de abandono do posto de trabalho pode ser ilidida.
R. Mais claro, de resto, a R. não poderia ser. Não há aqui margem para qualquer dúvida ou sequer, informação contrária que dê nota da cessação do contrato de trabalho como quer fazer parecer a A., aqui recorrente.
S. Com essa comunicação a Ré dá ainda à A. a possibilidade de, no prazo de 8 dias, apresentar prova justificativa da comunicação da ausência, sob pena de considerar as faltas injustificadas e proceder à denúncia do contrato, por abandono do trabalho.
T. Veja-se que a comunicação da Ré refere "...se, no prazo de 8 dias, não apresentar essa prova, iremos considerar as suas faltas injustificadas e procederemos".... está na primeira pessoa plural do futuro do indicativo de proceder.
U. Andou bem, mais uma vez, a MM Juiz na douta sentença recorrida onde refere que "a expressão "se, no prazo de 8 dias, não apresentar essa prova" constante de tal carta indica a ideia de possibilidade e as expressões "iremos" e "procederemos" constantes da aludida carta correspondem, respetivamente. ao futuro do verbo "ir" e ao futuro do verbo "proceder". Logo, o que se extrai da citada carta é que a R. só vai considerar as faltas da A. injustificadas e proceder à denúncia do contrato de trabalho da A. na hipótese de a A. no prazo de 8 dias. não apresentar a prova da ocorrência do motivo de forca maior impeditivo da comunicação da sua ausência.", (negrito e sublinhado nosso)
V. Dúvidas não restam, pois, que a comunicação de 26 de maio tem como principal objetivo de dar à A. a possibilidade de justificar a sua ausência e ausência de notícias, e só depois, se esta o não fizesse, é que se procederia com a comunicação de denúncia do trabalho, nos termos do disposto no n°. 2 do artigo 403°., do Código do Trabalho.
W. Na resposta a Ré lamenta todo o sucedido, de responsabilidade integral da A., à qual bastava um mero telefonema para a informar da sua situação, o que a ter sido feito, mas não foi, evitaria toda a troca de correspondência.
X. Por fim, na mesma missiva, deseja à A. que tenha um bom período pós-parto e que a espera assim que terminar a licença parental pelo nascimento do filho.
Y. A Ré na resposta, não podia ser mais clara: "Por fim, desejamos que tenha um bom período pós-parto e cá a esperamos, assim que terminar a licença parental pelo nascimento do filho.
Z. A expressão "cá esperamos" não deixa, mais uma vez, margem para duvidas que a R. contava, à data, com a A. para o exercício das suas funções.
AA. A mui douta decisão recorrida não viola nenhum dos preceitos legais, normas jurídicas ou princípios gerais do direito, ou quaisquer outros, invocados pela Recorrente e no sentido por esta pretendido, tendo a MM Juiz feito uma análise perfeita dos factos e decido em conformidade, com a melhor aplicação do direito.”
“A sentença em crise, tal como certeiramente o demonstra a recorrida, não padece de qualquer dos vícios que a recorrente lhe aponta, para além de que a impugnação da matéria de facto - o que na nossa perspetiva se extrai das alegações - é passível de ser rejeitada, por incumprimento do triplo ónus previsto impugnatório previsto no art°. 640°. do CPC.
Assim, a ilustre julgadora "a quo" esteve habilitada a não declarar procedente a presente ação, por, como é referido na douta sentença, não ter ocorrido a cessação do contrato de trabalho ou a cessação de tal contrato ocorreu por a A. ter sido objeto de um despedimento por facto imputável ao trabalhador ilícito, por não ter sido precedido do respetivo procedimento, por parte da R., pelo que, nenhuma das "conclusões" da sua alegação - da Recorrente -, subsiste perante a argumentação que foi expendida na douta decisão "sub iudice'.
Consequentemente, a decisão recorrida é passível de ser mantida na ordem jurídica.”
Notificadas as partes, não se pronunciaram.
Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).
Assim, as questões a decidir são:
1 - impugnação (eventual) da matéria de facto;
2 – despedimento da autora pela ré.
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
“1°- A R. dedica-se ao comércio a retalho de material ótico, fotográfico, cinematográfico e de instrumentos de precisão, em estabelecimentos especializados.
2°- A A. foi admitida pela R., em 08.03.2022, através do escrito, intitulado "CONTRATO DE TRABALHO SEM TERMO", cuja cópia consta de fls. 7 a 8 verso e, aqui, se dá por integralmente reproduzida, para, sob a direção e orientação da R., prestar trabalho como empregada de balcão.
3°- Em tal escrito, está referido o seguinte: "(...) O período de trabalho da segunda outorgante é de 40 horas por semana (...) Como contrapartida do trabalho prestado será pago à segunda outorgante a retribuição mensal ilíquida de 705,00 € (setecentos e cinco euros), passível dos descontos legais, acrescida de subsídio de refeição, no montante de 7,63 € (sete euros e sessenta e três cêntimos), por cada dia de trabalho efectivo. (...)".
4°- A 26.05.2023, a A. recebeu a carta, datada de 26.05.2023 e enviada pela R. sob registo e com aviso de receção, cuja cópia consta de fls. 9 e, aqui, se dá por integralmente reproduzida, na qual está referido o seguinte: "(...) Desde o passado dia 30 de março de 2023, data em que terminou a sua incapacidade temporária para o trabalho, V. Exa não compareceu ao serviço, nem deu quaisquer notícias ou apresentou justificação para a sua ausência, o que nos leva a crer que não faz intenção de retomar o trabalho. A ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, dez dias úteis seguidos, sem que a entidade empregadora tenha recebido comunicação do motivo da ausência, o que se verifica no seu caso, leva à presunção do abandono do trabalho, conforme preceitua o disposto no n.º 2 do artigo 403.° do Código do Trabalho - Lei n° 7/2009, de 12 de fevereiro, presunção esta que pode ser ilidida mediante prova da ocorrência do motivo de força maior impeditivo da comunicação da sua ausência. Assim, vimos pela presente comunicar a V. Exa que se, no prazo de 8 dias, não apresentar essa prova, iremos considerar as suas faltas injustificadas e procederemos, nos termos do disposto do n.º 3 do citado preceito legal, à denúncia do seu contrato de trabalho por abandono do posto de trabalho, com as legais consequências, nomeadamente as previstas no artigo 401.° do Código do Trabalho (...)".
5°- A A. respondeu a tal carta, através da carta, enviada à R. sob registo e com aviso de receção no dia 14.06.2023, cuja cópia consta de fls. 9 verso a 12 verso e, aqui, se dá por integralmente reproduzida.
6°- Após, a R. enviou à A., sob registo e com aviso de receção, a carta, datada de 22.06.2023, cuja cópia consta de fls. 13 verso a 14 e, aqui, se dá por integralmente reproduzida, na qual está referido o seguinte: "(...) a nossa missiva não comunica a cessação do contrato de trabalho, por abandono, como quer fazer crer. (...)".
7°- A gravidez da A., motivo de ausência ao trabalho e da licença após o nascimento da filha.
8°- A A. entrou de baixa por gravidez de risco em 22.11.2022, tendo entregue à R. o escrito, intitulado "CERTIFICADO DE INCAPACIDADE TEMPORÁRIA PARA O TRABALHO" cuja cópia consta de fls. 31 e, aqui, se dá por integralmente reproduzida, no qual está referido o seguinte: "(...) Data de início 2022-11-22 Data do termo 2023-03-30 N° de dias 129 (dias) (...)".
9°- Após o termo da incapacidade temporária para o trabalho a que se alude no escrito mencionado em 8°, a A. não deu quaisquer notícias à R., desconhecendo esta a situação em que aquela se encontrava.
10°- A ausência de notícias por parte da A. levou a R. a enviar à A., sob registo e com aviso de receção, a carta mencionada em 4°.
11°- A A. enviou à R. a carta mencionada em 5°, na qual está escrito o seguinte: "(...) Acuso a receção da vossa carta, datada de 26 de maio de 2023, na qual comunicam o abandono de trabalho. Como é do vosso pleno conhecimento, estava grávida, tendo nascido a 7 de abril a minha filha. Remeti o competente Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho, mod. 14110, por me encontrar em estado de impedimento para o trabalho das beneficiárias grávidas. Desde o dia 30 de março de 2023, ou seja, desde o termo da baixa médica que me encontro a gozar a licença parental inicial, tendo efetivamente olvidado de informar V. Ex.as da duração da licença e do início do respetivo período, mas este é um facto notório e que não podem ignorar. Pelo exposto, presumiram abusivamente que a minha intenção é não retomar o trabalho, abusivamente. (...)".
12°- A R. enviou à A., sob registo e com aviso de receção, a carta mencionada em 6°, na qual está referido o seguinte: "(...) a nossa missiva não comunica a cessação do contrato de trabalho, por abandono, como quer fazer crer. (...) a nossa comunicação não foi, em momento algum, a comunicação da cessação do contrato por abandono do posto de trabalho, foi só e tão só uma advertência e convite para que apresentasse justificação para a ausência, pois, ao contrário do que alega, não temos como saber o que se passa na sua vida, não sabíamos se o bebé já tinha nascido, ou onde estava. Não sabíamos, nem tínhamos como saber, se estava no país ou se se tinha ausentado. (...) Bastava um mero telefonema da sua parte, o que nunca se dignou fazer, para sabermos o que se passava. (...) desejamos que tenha um bom período pós-parto e cá a esperamos, assim que terminar a licença parental pelo nascimento do seu filho. (...)".
13°- A A. não fez um telefonema para a R. a informar da sua situação.
14°- Apesar de a licença parental ter terminado em setembro de 2023 e a A. ainda não ter regressado ao trabalho, a A. continua a constar na Segurança Social como trabalhadora da R..
15°- Em setembro de 2022, a A. gozou 15 dias de férias e recebeu o respetivo subsídio e, em dezembro de 2022, foi-lhe pago o subsídio de Natal.”
E foram considerados não provados os seguintes factos:
“1°- Com o despedimento de que foi alvo, a A. viu abalada a sua saúde e o seu equilíbrio psico-emocional, sofrendo com o afastamento do seu meio profissional onde desenvolvia o seu trabalho.
2°- Meio onde foi fazendo amigos e enraizando amizades junto de colegas de trabalho e utentes, de cujo convívio foi afastada.
3°- A própria alteração da sua rotina social e profissional foi sentida pela A. como uma espécie de marginalização compulsiva e até de segregação.
4°- O que afectou a capacidade da A. de descansar, de dormir e de encontrar equilíbrio face à injustiça de que foi alvo e de que se sente vítima.
5°- O sofrimento causado pela R. à A., consistente na privação do seu trabalho e, consequentemente, do seu salário, que muito a penaliza.”
1.ª questão: Identificámos acima como questão a decidir a impugnação (eventual) da matéria de facto. E entendemos que se trata de questão eventual pois, apesar de a autora começar as suas alegações por afirmar que “No essencial, a douta sentença não se afigura correta no que concerne à matéria de facto na parte em que julgou provado que "...a carta mencionada no ponto 4.°, dos factos provados, a mesma traduz a comunicação à A., pela R., dos factos constitutivos da presunção de abandono de trabalho e não também a invocação pela R., da cessação do contrato de trabalho suprarreferido com base na presunção do abandono do trabalho.", não se vislumbra quer do corpo das alegações, quer das conclusões do recurso, que tenha sido requerida qualquer modificação da matéria de facto provada.
De resto, o excerto da sentença a que a autora se refere quando conclui que a “douta sentença não se afigura correta no que concerne à matéria de facto na parte em que julgou provado (…)”, não integra o elenco dos factos provados, mas antes a fundamentação de direito da sentença.
De todo o modo, mesmo que se considerasse que a pretensão de impugnação da matéria de facto está implícita na alegação da recorrente, tal como bem salienta o Ministério Público no seu parecer, nunca a mesma poderia ser considerada procedente já que a recorrente não indica os meios probatórios concretos, nem transcreve ou concretiza as passagens dos depoimentos que considera relevantes para a alteração da matéria de facto, nem tão pouco indica qualquer decisão alternativa, incumprindo, por isso, os ónus a que se refere o art.º 640.º do CPC, máxime os previstos pela als. b) e c) do n.º 1 do citado preceito pelo que sempre a impugnação, a existir, teria de ser rejeitada.
A matéria de facto a atender é, assim, a fixada pela Mm. ª Juiz “a quo”.
Está em causa nos autos saber se o contrato de trabalho que vinculava a autora à ré desde 08/03/2022 cessou por despedimento ilícito consumado no dia 26/05/2023, como invocado pela autora, o que, na sua perspetiva se verifica por não estarem verificados os requisitos do abandono do trabalho invocado pela ré.
É aplicável à situação dos autos o CT aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02 que entrou em vigor em 17 de fevereiro de 2009, na sua versão em vigor à data do início do contrato de trabalho, sendo irrelevantes, no caso concreto, as alterações posteriores.
As formas de cessação do contrato de trabalho encontram-se previstas pelo art.º 340º do CT.
Nos termos da alínea h) do citado artigo 340.º, uma das formas de cessação do contrato é a denúncia pelo trabalhador, à qual se reconduz o abandono do trabalho[1], tal como configurado no art.º 403.º do mesmo código.
Dispõe este artigo:
«1. Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço acompanhado de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de o não retomar.
2. Presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência.
3. O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de recepção para a última morada conhecida deste.
4. A presunção estabelecida no nº 2 pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência.
5. (…)».
Trata-se de uma denúncia tácita que se infere da ausência injustificada do trabalhador que denote a sua intenção de não retomar o trabalho (art.º 403.º, n.º 1 do CT), intenção que se presume se a ausência do trabalhador ao serviço se prolongar durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência (art.º 403.º, n. º 2 do CT).
Estando em causa uma forma de cessação do contrato da iniciativa do trabalhador, o empregador que se queira dela prevalecer está dispensado da instauração de processo disciplinar para ver cessado o contrato. Impõe-se-lhe ainda assim, o cumprimento do formalismo previsto pelo art.º 403.º, n.º 3 do CT, só sendo a cessação do contrato invocável pelo empregador após a comunicação ali prevista.
Tal comunicação do empregador constitui, assim, mera condição de atendibilidade ou invocabilidade pelo empregador.
Como refere João Leal Amado[2]“[s]ó o empregador poderá invocar tal abandono e, ademais, só após ter satisfeito as exigências estabelecidas no n.º 3, do art.º 403º, comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de receção, para a última morada conhecida deste. Esta comunicação […] não se traduz numa declaração de vontade extintiva proferida pelo empregador, mas sim numa condição de eficácia da extinção do vínculo imputável ao trabalhador.”
A invocação do abandono do trabalho pelo empregador, poderá, no entanto, desembocar num despedimento ilícito, nos casos em que não se verificam os requisitos previstos pelo art.º 403.º, nº 1 ou 2 do CT, ou seja, quando a situação invocada não constitua abandono[3].
É essa a alegação da autora, que, considerando não ter abandonado o trabalho, entende que a comunicação que a empregadora lhe endereçou em 26/05/2023, consubstancia um despedimento ilícito por não ter sido precedido de processo disciplinar.
Por sua vez a recorrida considera que a comunicação de 26 de maio teve como principal objetivo dar à recorrente a possibilidade de justificar a sua ausência e ausência de notícias, e só depois, se esta o não fizesse, é que se procederia com a comunicação de denúncia do trabalho, nos termos do disposto no n°. 2 do artigo 403°. do Código do Trabalho o que, atentos os termos em que a recorrente respondeu àquela missiva, acabou por não acontecer como resulta da sua comunicação de 22/06/2023.
Daí que, antes da questão da verificação ou não, em concreto, dos requisitos do abandono do trabalho pela recorrente, importa perceber se a comunicação da recorrida de 26/05/2023 constitui em si mesma, a invocação da cessação do contrato por abandono.
Ora, o despedimento promovido pela entidade empregadora, constitui uma declaração negocial recetícia, tornando-se eficaz logo que seja levada ao conhecimento do trabalhador (cfr. art.º 224.º do Código Civil), momento a partir do qual se torna irrevogável[4].
Essa declaração, que terá de ser inequívoca[5], há-de ser interpretada segundo o critério enunciado no art.º 236.º do Código Civil, pelo que “vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
Conforme resulta dos factos provados, o teor da comunicação em causa, é o seguinte:
"(...) Desde o passado dia 30 de março de 2023, data em que terminou a sua incapacidade temporária para o trabalho, V. Exa não compareceu ao serviço, nem deu quaisquer notícias ou apresentou justificação para a sua ausência, o que nos leva a crer que não faz intenção de retomar o trabalho. A ausência do trabalhador ao serviço durante, pelo menos, dez dias úteis seguidos, sem que a entidade empregadora tenha recebido comunicação do motivo da ausência, o que se verifica no seu caso, leva à presunção do abandono do trabalho, conforme preceitua o disposto no n.º 2 do artigo 403.° do Código do Trabalho - Lei n° 7/2009, de 12 de fevereiro, presunção esta que pode ser ilidida mediante prova da ocorrência do motivo de força maior impeditivo da comunicação da sua ausência. Assim, vimos pela presente comunicar a V. Exa que se, no prazo de 8 dias, não apresentar essa prova, iremos considerar as suas faltas injustificadas e procederemos, nos termos do disposto do n.º 3 do citado preceito legal, à denúncia do seu contrato de trabalho por abandono do posto de trabalho, com as legais consequências, nomeadamente as previstas no artigo 401.° do Código do Trabalho (...)".
Pois bem, como referimos acima, ao empregador que se queira prevalecer da denuncia do contrato de trabalho por abandono do trabalho impõe-se o cumprimento do formalismo previsto pelo art.º 403.º, n.º 3 do CT, segundo o qual o abandono do trabalho só pode ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo.
Para cumprimento de tal formalismo o empregador pode optar por fazer uma só comunicação (procedimento mais usual), na qual invoca os factos constitutivos do abandono (para os efeitos previstos pelo art.º 403.º, n.º 1 do CT) ou os factos constitutivos da presunção (para os efeitos previstos pelo art.º 403.º, n.º 2) e conclui pela cessação do contrato que decorre daquele.
Ou pode optar por cumprir o dito formalismo mediante duas comunicações separadas no tempo (o que se adequa sobretudo nas situações de invocação do abandono presumido). Na primeira invoca os factos constitutivos do abandono ou os factos constitutivos da presunção de abandono e só na segunda invoca a cessação do contrato decorrente do abandono.
É neste sentido que, a propósito do procedimento para a declaração de abandono, refere Furtado Martins[6] que “A letra da lei parece pressupor a existência de uma dupla actuação do empregador: primeiro comunica os factos que evidenciam o abandono, e depois invoca a cessação do contrato daquele decorrente. Mas nada impede que as coisas se passem simultaneamente, constando da comunicação dos factos também a invocação da extinção do contrato, como é usual.”
No caso dos autos, analisada a carta da recorrida de 26/05/2023 supratranscrita, não pode haver dúvidas de que a recorrida optou por não fazer apenas uma comunicação.
Na verdade, como bem se concluiu na sentença recorrida “(…) a dita carta traduz a comunicação à A., pela R., dos factos constitutivos da presunção do abandono do trabalho e não também a invocação, pela R., da cessação do contrato de trabalho suprarreferido com base na presunção do abandono do trabalho.
A expressão "se, no prazo de 8 dias, não apresentar essa prova" constante de tal carta indica a ideia de possibilidade e as expressões "iremos" e "procederemos" constantes da aludida carta correspondem, respetivamente, ao futuro do verbo "ir" e ao futuro do verbo "proceder".
Na verdade, o único sentido possível da mencionada declaração, analisada no seu conjunto, é o de que, se decorrido o prazo de 8 dias, a trabalhadora não apresentasse prova da ocorrência do motivo de força maior impeditivo da comunicação da sua ausência, a empregadora lhe comunicaria a cessação do contrato por abandono do trabalho.
De facto, através da carta de 26/05/2023 a recorrida comunica que:
- a trabalhadora não voltou a comparecer ao trabalho desde 30/03/2023 e não deu quaisquer notícias ou apresentou justificação para a sua ausência - invocou, pois, os factos constitutivos da presunção a que alude o art.º 403.º, n.º 2 do CT;
- aguardaria pelo prazo de 8 dias que a trabalhadora apresentasse prova de que esteve impedida de comunicar a ausência – concedeu a possibilidade à recorrente de ilidir a presunção de abandono (art.º 403.º, n.º 4 do CT);
- se decorrido aquele prazo a prova não fosse apresentada, consideraria as faltas injustificadas e procederia à comunicação da cessação do contrato por abandono do trabalho – afirmou que a invocação da cessação do contrato por abandono só seria feita, depois de decorrido o prazo fixado e só no caso de a prova não ser apresentada, fazendo depender a invocação da cessação do contrato de uma ulterior comunicação.
E no caso, tal segunda comunicação não chegou a existir.
Com efeito, a recorrente dirigiu à recorrida uma carta em 22/06/2023, (enviada em resposta à comunicação da recorrente de 14/06/2023), mas nela a recorrida não só não comunica à recorrente a cessação do contrato por abandono desta, como é clara no sentido de inverso.
É o seguinte o seu teor:
"(...) a nossa missiva não comunica a cessação do contrato de trabalho, por abandono, como quer fazer crer. (...) a nossa comunicação não foi, em momento algum, a comunicação da cessação do contrato por abandono do posto de trabalho, foi só e tão só uma advertência e convite para que apresentasse justificação para a ausência, pois, ao contrário do que alega, não temos como saber o que se passa na sua vida, não sabíamos se o bebé já tinha nascido, ou onde estava. Não sabíamos, nem tínhamos como saber, se estava no país ou se se tinha ausentado. (...) Bastava um mero telefonema da sua parte, o que nunca se dignou fazer, para sabermos o que se passava. (...) desejamos que tenha um bom período pós-parto e cá a esperamos, assim que terminar a licença parental pelo nascimento do seu filho. (...)".
De tudo, conclui-se que a recorrida através da carta de 26/05/2023, se limitou a cumprir a primeira parte do formalismo legalmente previsto para invocação da cessação do contrato por abandono; que a recorrente, como qualquer outra pessoa nas mesmas circunstância, não podia interpretar o teor da dita carta no sentido de que a recorrida lhe estava a comunicar que considerava o contrato cessado; que a recorrida não chegou a completar o formalismo exigível para a atendibilidade da invocação da cessação do contrato de trabalho por abandono.
Daí que, no caso concreto, independentemente da verificação ou não dos requisitos do abandono do trabalho, cuja apreciação fica prejudicada (art. 608.º, n.º 2 do CPC), tal comunicação nunca poderia consubstanciar um despedimento, pois, desde logo, não contém qualquer declaração da empregadora, da qual se possa extrair que através da carta de 26/05/2023 deu a conhecer à trabalhadora que considerava o contrato cessado.
Diferente seria se, após a resposta da autora de 14/06/2023, a recorrida tivesse tomado a opção de comunicar à recorrente que considerava o contrato cessado por abandono do trabalho.
Nesse caso, e só nesse momento, se poderia considerar que a recorrente teria invocado a cessação do contrato decorrente do abandono do trabalho e, por isso, só nessa situação seria relevante apreciar as questões relativas à relevância do motivo invocado pela trabalhadora (mero esquecimento de comunicar o nascimento do filho) para explicar a falta de comunicação do motivo de ausência[7] e à relevância do facto de a empregadora saber que a ausência inicial da trabalhadora se devia a uma gravidez de risco[8], com vista a aferir se estavam verificados os requisitos do abandono presumido ou se a recorrente, como pretende, tinha sido ilicitamente despedida.
Acresce que, da matéria de facto provada, não resulta demonstrado qualquer outro comportamento da recorrida do qual se pudesse inferir, inequivocamente, a vontade exteriorizada de pôr fim ao contrato de trabalho, que releve enquanto “despedimento de facto”[9]. De resto, quer a comunicação de 22/06/2023, supratranscrita, quer o facto de, apesar de a licença parental ter terminado em setembro de 2023 e de a recorrente ainda não ter regressado ao trabalho, continuando a constar na Segurança Social como trabalhadora da recorrida apontam claramente no sentido contrário.
Consequentemente, nenhum reparo merece a sentença recorrida, que julgou a ação improcedente por não ser possível concluir que a autora foi objeto de um despedimento, o que, nos termos supra expostos, se acompanha, com a consequente improcedência do recurso.
Por todo o exposto acorda-se julgar o recurso totalmente improcedente, mantendo-se, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, por ter ficado totalmente vencida – art.º 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, atentando-se, contudo a que litiga com apoio judiciário.
Maria Luzia Carvalho (relatora)
Sílvia Saraiva
Teresa Sá Lopes
(assinaturas eletrónicas nos termos dos arts. 132º, n.º 2, 153.º, n.º 1, ambos do CPC e do art.º 19º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08)_______________
[1] Como refere Pedro Romano Martinez, em Direito do Trabalho, 7.ª ed.-2015, pp. 969-970 «[o] abandono do trabalho constitui uma denúncia ilícita que importa responsabilidade para o trabalhador, nos mesmos termos estabelecidos para a denúncia sem aviso prévio», sendo certo que, neste caso, «a denúncia manifesta-se mediante um comportamento concludente, a ausência do trabalhador ao serviço», verificando-se «uma denúncia tácita resultante da falta de comparência ao serviço»,
[2] Contrato de Trabalho, 4.ª ed., pág. 457/458.
[3] Acs. RL de 17/11/2010, de 06/04/2011 w de 19/06/2013, Ac. RE de 07/01/2016, Ac. STJ de 20/10/2008 e de 21.09.2022, Proc. nº 1211/19.0T8BJA.E1.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[4] Ac. RP de 05/06/2023, proc. n.º 7604/20.T8PRT.P1, Ac. RE de 14/08/2017, proc. n.º 1983/16.4T8PTM-A.E1, Acs. STJ de 12/09/2013, proc. n.º 605/09.4TTFAR.E1.S.1 e Ac. STJ de 17/03/2022, proc. n.º 16995/17.2T8LSB.L2.S1, entre outros, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[5] Ac. do STJ de 11/04/2018, proc. n.º19318/16.4T8PRT.P1.S1, Ac. do STJ de 17/03/2016, proc. n.º 216/14.2TTVRL.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt. acessíveis em www.dgsi.pt.
[6] Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª ed. Revista e atualizada, pág. 617.
[7] Concluindo que o afastamento da presunção apenas pode ser feito pela prova de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência, não bastando a demostração das razões para a não comparência vd. Furtado Martins, ob. cit. Pág. 607 e João Leal Amado, Direito do Trabalho, Reação individual, 2.ª ed. revista e atualizada, pág. 1421. No mesmo sentido se pronunciou o Ac. do STJ de 03/10/2013, proc. n.º 8/11.0TTSTS, acessível em www.dgsi.pt.
[8] Na verdade, como refere Furtado Martins, ob. cit., págs. 606/607 não é lícito em usar a presunção “(…) nas situações em que o empregador tem conhecimento do motivo que leva o trabalhador a não comparecer ao serviço, quer por este assim o ter anunciado quer porque, perante as circunstâncias do caso, era exigível que o empregador conhecesse as razões da ausência e, por isso, o trabalhador não estava obrigado a informar qual o motivo da não comparência.»
[9] Entre outro o Ac. do STJ de 27/08/2023, proc. n.º 3369/21.0T8STR.E1.S1, acessível em www.dgsi.pt.