QUESTÕES NOVAS EM SEDE RECURSIVA
LEGITIMIDADE DE SINDICATO/INTERESSE COLETIVO
Sumário

I - Configura uma questão integralmente nova sobre a qual o tribunal de recurso está impedido de se pronunciar, a pretensão deduzida em sede de recurso de procedência do pedido formulado na petição inicial, quando a decisão recorrida pôs fim ao processo no despacho saneador, julgando procedente a exceção da ilegitimidade do autor, não chegando, por isso, o tribunal a pronunciar-se sobre o mérito da causa.
II - Um sindicato, face ao disposto pelo art.º 5.º, n.º 1 do CPT, tem legitimidade para, em nome próprio, intentar uma ação com vista ao reconhecimento de um direito relativo a todos os trabalhadores, ou a uma categoria de trabalhadores, seus associados, para salvaguarda dos interesses que não são os individuais dos trabalhadores, mas os abstratos e próprios dos associados representados e também da categoria profissional cuja representatividade reivindicam.
III - Constitui interesse coletivo para aqueles efeitos, a harmonização do procedimento de avaliação aplicável aos enfermeiros, associados do autor, independentemente dos diferentes modos pelos quais tal procedimento se repercuta na situação individual de cada um.

(da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Proc. n.º 20156/23.3T8PRT.P1
Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 1


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Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

Sindicato dos Enfermeiros, com sede à Rua... – ..., Porto, intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra Centro Hospitalar A..., EPE com sede à Alameda... - ... Porto, pretendendo que este seja condenado a dar cumprimento ao disposto no Dec. Lei n.º 80-B/ 2022, de 28/11, como seja, aplicar a avaliação de desempenho dos enfermeiros vinculados por Contrato Individual de Trabalho, independentemente de ser Contrato a Termo e/ou Por Tempo Indeterminado, mas sempre retroagida à data do respetivo início de funções, independentemente de este ter coincidido, seja com o primeiro, seja com o segundo semestre, do ano a que respeite.

Alegou, em síntese, que as entidades empregadoras, a operarem dentro do Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente, o réu, não estão a dar cabal cumprimento ao Dec. Lei n.º 80-B/2022, de 28/11, diploma que estabeleceu “ … os termos da contagem de pontos em sede de avaliação do desempenho dos trabalhadores enfermeiros à data da transição para as carreiras de enfermagem, e especial de enfermagem … “, designadamente ao disposto pelo art.º 3.º, n.º 2, que prevê que aos enfermeiros, independentemente da natureza do vínculo contratual, seja por Contrato de Trabalho em Funções Públicas, seja por Contrato Individual de Trabalho, são atribuídos 1,5 pontos entre 2004 e 2014, e 1 ponto, nos anos subsequentes, procurando fazer interpretação restritiva daquela norma, o que penaliza inúmeros associados do autor, sobremaneira, os detentores de vínculo laboral enquanto contrato individual de trabalho por tempo indeterminado.

Considera o autor que, ao contrário do entendimento do réu, que exige a aplicação dos 6 (seis) meses previstos na Lei n.º 66-B/2007, de 28/12, a avaliação do desempenho dos enfermeiros com contrato individual de trabalho retroaja à data do início das suas funções, independentemente de essa se ter iniciado no primeiro ou no segundo semestre do ano a que respeite.

E refere que pretende tão só que venha a ser decretada douta providência, através da qual seja satisfeito o interesse primário dos seus muitos associados, e lesados pelo comportamento das suas entidades empregadoras, não sendo despicienda a situação de facto objetivamente existente; que continua a receber inúmeros pedidos vindos dos seus muitos associados, a solicitar esclarecimentos relacionados com a aplicação do Dec. Lei n.º 80-B/2022, de 28/11, mormente, para com os que detêm contrato individual de trabalho sendo que a questão principal suscitada se prende com a não atribuição de pontos no primeiro ano de início do contrato, sempre que a data de outorga deste coincida, ou haja coincidido, com o segundo semestre do ano a que respeita.

Frustrada a conciliação em sede de audiência de partes, o réu contestou, arguindo, além do mais, a ilegitimidade do autor, alegando que não estão identificados os trabalhadores associados/representados do autor, não sendo os mesmos determináveis; que não estão verificados os pressupostos de aplicabilidade quer do art.º 4.º, quer do art.º 5.º do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT), pois o pedido formulado respeita à interpretação de normas jurídicas e que não estão verificados os pressupostos do art.º 5.º do mesmo Código, pois atenta a causa de pedir invocada, a qual, para a aplicação das normas em causa, exigirá detalhar a situação específica de cada trabalhador virtualmente abrangido, estando os mesmo em situações diferentes, o que não dispensa, antes exige, a apreciação casuística da situação de facto e da manifestação eventual de vontade dos interessados.

O autor respondeu à exceção da ilegitimidade, alegando ser parte legitima porque a questão trazida a juízo, é uma questão de direito coletivo, na medida em que se discute a aplicação do previsto no Dec. Lei n.º 80-B/2022, a todos os seus associados vinculados por contrato individual de trabalho, estando, por isso, verificados os pressupostos do art.º 5.º, n.º 1 do CPT e que, mesmo que assim se não entendesse, sempre o autor é parte legítima, tendo em conta o disposto no n.º 2 do art.º 5.º do mesmo Código, uma vez que a causa de pedir e pedido respeitam à violação pelo réu com carácter de generalidade de direitos individuais de natureza idêntica de trabalhadores enfermeiros, e seus associados.

Foi realizada audiência prévia, na qual o autor reiterou o teor da resposta à contestação, na sequência do que o tribunal proferiu decisão que julgando procedente a exceção da ilegitimidade do autor, absolveu o réu da instância.

Inconformado, o autor interpôs o presente recurso de apelação, pretendendo que o apelado seja condenado no pedido formulado, para o que formula as seguintes conclusões:

“I - Haverá, pois, que decorrer dos presentes autos, que assiste ao Apelante plena legitimidade para intervir nos presentes autos, na qualidade como o faz, em defesa de interesses coletivos dos associados que representa;

II - Os associados do Apelante têm direito a verem a sua avaliação do desempenho, no período de 2004 a 2014, avaliada em 1,5 pontos por ano, independentemente de terem iniciado funções no primeiro ou segundo semestre do ano a que respeitem.”

O réu não apresentou contra-alegações.

Cumprido o disposto pelo art.º 87.º, n.º 3 do CPT, o Ministério Público não emitiu parecer alegando estar em causa uma questão eminentemente processual.

Notificadas, as partes não se pronunciaram


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Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.

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Delimitação do objeto do recurso

Resulta das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).

Resulta do supra exposto que o autor através do presente recurso pretende que o apelado seja condenado no pedido formulado, resultando das conclusões que apresentou que, para tanto, considera que este tribunal se deverá pronunciar sobre a questão da legitimidade (conclusão I) e ainda sobre a questão de fundo que corresponde ao pedido formulado na petição inicial (conclusão II).

A decisão recorrida, contudo, limitou-se à verificação da exceção dilatória da ilegitimidade do autor e à consequente absolvição do réu da instância, ficando prejudicada a apreciação do mérito da pretensão deduzida pelo autor, sobre o qual o tribunal não se pronunciou, nem atenta a decisão proferida, que pôs fim ao processo logo no despacho saneador, estava obrigado a pronunciar-se (cfr. art.º 608.º, n.º 2 do CPC).

Ora, o regime consagrado entre nós para os recursos ordinários é de «(…) reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la, como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último.»[1].

Daqui decorre que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, os recursos não podem conhecer de questões novas, no sentido de não terem sido colocadas perante o Tribunal recorrido ou de não terem sido objeto da decisão recorrida.

Como refere António Santos Abrantes Geral[2] «A diversidade de graus de jurisdição determina que, em regra, os Tribunais Superiores apenas devem ser confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios.», relevando ainda que os recursos se destinam à apreciação de questões já decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram antes submetidas ao contraditório e decididas[3].

Acresce que, caso o Tribunal de recurso se visse na contingência de, ressalvando as questões do conhecimento oficioso, ter de decidir questões pela primeira vez, tal equivaleria à supressão de pelo menos um grau de recurso, ao arrepio do nosso sistema de recursos.

De resto, trata-se de matéria relativamente a qual a jurisprudência é unânime, referindo-se a título meramente exemplificativo o Ac. do STJ de 15/12/2022, proc. n.º 125/20.6T8TND.C1-A.S1 e os Acs. da RP de 29/04/2024, proc. n.º 19039/21.6T8PRT.P1, de 20/06/2024, proc. n.º 6962/22.0T8MAI.P1 e de 09/10/2023, proc. n.º 6263/18.88PRT.P1[4].

Revertendo estas considerações para o caso dos autos resta concluir que a questão suscitada pelo autor na conclusão II do requerimento de interposição do recurso, destinada a obter a procedência do pedido formulado na petição inicial, configura uma questão integralmente nova, já que a mesma, dado que a decisão recorrida pôs fim ao processo no despacho saneador, julgando procedente a exceção da ilegitimidade do autor, não chegou sequer a ser apreciada pelo tribunal.

Nessa medida, está vedado a este tribunal pronunciar-se sobre tal questão, motivo pelo qual não se conhecerá do recurso nessa parte.

Assim, a única questão a decidir é a da legitimidade processual do autor.


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Fundamentação de facto

Os factos são os resultantes do relatório supra.


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Apreciação

Está em causa saber se o autor tem legitimidade para intentar a presente ação.

Nos termos do art.º 30º do CPC o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer expresso pela utilidade derivada da procedência da ação, sendo que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como a mesma é configurada pelo autor.

No caso em apreço sendo o autor um sindicato, a própria lei, no art.º 5.º do CPT, consagra uma regra específica relativa à legitimidade processual, conferindo legitimidade ativa às associações sindicais, logo aos sindicatos (cfr. art.º 442.º, n.º 1, al. a) do Código do Trabalho) em ações relativas a determinados interesses e direitos dos trabalhadores que representam.

Das hipóteses previstas pelo referido art.º 5.º, considerando a causa de pedir e o pedido formulado, apenas relevam nos autos e se discutem na apelação, as previsões dos n.ºs 1 e 2, al. c) daquele preceito, nas quais se dispõe que:

“1 - As associações sindicais e de empregadores são partes legítimas como autoras nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam.

2- As associações sindicais podem exercer, ainda, o direito de acção, em representação e substituição de trabalhadores que o autorizem:

(…)

c) Nas ações respeitantes à violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores seus associados.”

O tribunal “a quo” considerou que o autor era parte ilegítima podendo ler-se na decisão recorrida que “… o interesse que aqui veio o Autor representar, poderia traduzir-se isso sim, num somatório de interesses individuais, e aí estaria legitimado para representar os trabalhadores que são seus associados, desde de que obtivesse a respetiva autorização, e enquadrando a situação no artigo 5° n°2 al. c) do CPT.

Uma vez que o Autor não invoca sequer quais os trabalhadores que representa, não os identifica, nem, sequer alega ter obtido a respetiva autorização para a interposição da presente ação, entendemos que o somatório dos direitos individuais que resultariam da interpretação desta norma jurídica, não pode genericamente ser aqui demandada pelo Autor, dado que não configura um interesse coletivo no sentido que lhe é atribuído pelo art.º 5 n°1 do mesmo diploma legal, aqui em apreço.”

No caso, é manifesto que não estão reunidos os requisitos da legitimidade de intervenção ao abrigo do n.º 2, alínea c), do mencionado artigo 5º, já que não podemos concluir que o autor esteja munido da necessária autorização dos trabalhadores seus associados a exercer funções no réu, nem tal foi sequer alegado, como bem se refere na decisão recorrida.

Resta-nos assim apreciar se a situação se integra no nº 1 do mencionado preceito.

Ali estabelecem-se dois requisitos cumulativos da legitimidade ativa das associações sindicais, no caso do sindicato:

a) que se trate de ações respeitantes à defesa de interesses coletivos;

b) que essa defesa se inscreva no âmbito da representação do sindicato autor.

A resposta à questão objeto do recurso radica, pois, antes de mais, em saber se o interesse que o autor pretende acautelar é um interesse coletivo, o que nos remete para a questão de saber o que são, afinal, os interesses coletivos a que se refere o art.º 5.º, n.º 1 do CPT.

A este propósito, pela sua pertinência, transcrevemos (sem inclusão das notas de rodapé) as palavras Ac. do STJ de 22/04/2015, proc.º n.º 729/13.3TTVNG.P1.S.1[5], no qual se pode ler:

«Os interesses coletivos poderão ser definidos como sendo interesses transindividuais ou metaindividuais, isto é, pertencem a um grupo, classe ou categoria indeterminada, mas determinável de sujeitos, ligados entre si pela mesma relação jurídica básica. São interesses de uma categoria, grupo ou classe de pessoas.

Mas apesar do cariz transindividual, não perdem a sua dimensão individual, já que é neste plano que se insere o respetivo gozo.»

Como refere Monteiro Fernandes[6], também citado no Ac. do STJ acima identificado “A noção do interesse colectivo há-de delinear-se em função do específico modo por que, no seio das colectividades profissionais organizadas (maxime do sindicato) se transita das pretensões individuais dos respectivos membros – nem sempre coincidentes entre si – para a identificação dos fins da acção colectiva, ou, noutros termos, daqueles interesses que pertencem à pluralidade desses membros e são (ou passam a ser) sentidos por cada um deles enquanto elementos do grupo e não como pessoas isoladas.

(…)

O interesse colectivo não se reduz ao mero somatório dos interesses individuais dos membros do grupo: pode, eventualmente, existir uma pretensão coincidente e simultânea de todos eles, mas pode também (e será a regra) verificar-se divergência, se não conflito, de interesses individuais no seio da colectividade. A organização profissional (um sindicato, por exemplo) não constitui um dispositivo de representação cuja legitimidade se cinja aos casos de coincidência (ou complementaridade) originária de pretensões dos seus associados. «O interesse colectivo sindical é o interesse unitário do grupo; unidade no sentido de unificação de vontades, ainda que dissidentes; o contrário, por isso, da soma ou da uniformidade»”.

Assim, o interesse coletivo, podendo ou não ser coincidente com o interesse individual, não afasta este, pelo que, o seu reconhecimento pode ser acionado pelos sindicatos, independentemente de autorização individual, mas o seu reconhecimento pode igualmente ser requerido em juízo por cada um dos indivíduos integrantes do grupo para defesa do seu interesse individual – neste sentido se pronunciou o Ac. do STJ de 03/03/2016, proc. n.º 3704/12.1TTLSB.L1[7].

Significa isto que a legitimidade processual coletiva, deferida às associações sindicais, em nome próprio, aquela a que se refere o citado art.º 5.º, n.º 1 do CPT, e a legitimidade processual individual, deferida a cada um dos trabalhadores, se situam em dois níveis distintos.

A primeira num nível supra individual, que agrega o conjunto de uma pluralidade de interesses idênticos, ou de igual sentido, cujos titulares estão reunidos por uma organização, que permita ou facilite a sua prossecução, destinada ao nivelamento e harmonização das condições de trabalho de um grupo. Neste caso, os interesses individuais perdem a sua autonomia, fundindo-se num interesse coletivo que lhes confere uma maior força e que, pela sua importância, justifica a respetiva tutela por entidade distinta.[8]

A segunda num nível estritamente individual, no sentido da defesa dos direitos de que cada trabalhador é titular, nas suas especificidades relativamente aos demais, e à efetivação de tais direitos em cada caso.

Nas palavras de Monteiro Fernandes[9]: “… o interesse da categoria apontará no sentido do nivelamento das condições de trabalho, ao passo que o do indivíduo será o da diferenciação.”

Por isso, o sindicato, face ao disposto pelo art.º 5.º, n.º 1 do CPT, terá legitimidade para, em nome próprio, intentar uma ação com vista ao reconhecimento de um direito relativo a todos os trabalhadores, ou a uma categoria de trabalhadores, seus associados, para salvaguarda dos interesses que não são os individuais dos trabalhadores, mas os abstratos e próprios dos associados representados e também da categoria profissional cuja representatividade reivindicam.[10]

Na situação dos autos, o autor, Sindicato dos Enfermeiros, intentou a ação pedindo que o réu, Centro Hospitalar A..., EPE, seja condenado a aplicar a avaliação de desempenho dos enfermeiros vinculados por contrato individual de trabalho, independentemente de ser contrato a termo ou por tempo indeterminado, retroagida à data do respetivo início de funções, independentemente de este ter coincidido, seja com o primeiro ou com o segundo semestre, do ano a que respeite, alegando que essa é a interpretação adequada do disposto pelo art.º 3.º, n.º 2 do DL n.º 80-B/2022 de 28/11 e que a interpretação restritiva daquela norma feita pelo réu penaliza inúmeros associados do autor, sobremaneira, os detentores de vínculo laboral enquanto contrato individual de trabalho por tempo indeterminado.

E refere que pretende tão só que venha a ser decretada providência, através da qual seja satisfeito o interesse primário dos seus muitos associados.

Ora, é evidente que cada um dos trabalhadores do referido grupo tem o seu interesse individual em que a norma jurídica em causa seja interpretada e lhe seja aplicada de determinada maneira, dado o impacto na progressão salarial de cada um o que, em concreto, dependerá da demonstração de que a situação específica de cada trabalhador se subsume ao âmbito de aplicação da norma em causa.

Mas tal interesse individual não exclui a existência de um interesse coletivo, nascido não da mera soma, mas da pluralidade de interesses de cada trabalhador elemento de um determinado do grupo profissional, no caso os enfermeiros: o interesse na harmonização do procedimento de avaliação aplicável a todos os elementos da categoria ou grupo profissional, independentemente dos diferentes modos pelos quais tal procedimento se repercuta na situação individual de cada um.

Deste interesse coletivo é titular o sindicato autor, e a sua defesa insere-se no seu âmbito de representação.

Na verdade, e conforme dispõe o nº 1 do artigo 56º da CRP, compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam, tendo o direito de iniciar e intervir em processos judiciais quanto a interesses dos seus associados, nos termos da lei, como decorre do artigo 443º, n.º 1, al. d) do Código do Trabalho.

Donde concluirmos, que na situação em apreço estão verificados ambos os requisitos de que depende a atribuição de legitimidade ao autor, pois o pedido formulado destina-se à concretização do supra identificado interesse coletivo dos seus associados cuja defesa cabe na sua representação.

O autor, é, pois, parte legitima face ao disposto pelo art.º 5.º, n.º 1 do CPT, impondo-se revogar a decisão recorrida e determinar o prosseguimento dos autos, com vista à apreciação do mérito da pretensão por aquele deduzida.

No que respeita às custas, sendo o recurso totalmente procedente, atento o disposto pelo art.º 527.º do CPC, são da responsabilidade da parte vencida, no caso o réu.


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Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto julgar procedente o presente recurso de apelação interposto pelo autor, revogando a decisão recorrida, determinando-se, em consequência, o prosseguimento dos autos.


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Custas pelo recorrida sendo a taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao Regulamento das Custas Processuais, atento o disposto pelo art.º 7º, nº 2 do dito Regulamento.

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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.

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Notifique.

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Porto, 14/10/2024

Maria Luzia Carvalho

Germana Ferreira Lopes

Sílvia Gil Saraiva

(assinaturas eletrónicas nos termos dos arts. 132º, n.º 2, 153.º, n.º 1, ambos do CPC e do art.º 19º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08)

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[1] José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 3º, Tomo I, 2ª edição, 2008, Coimbra Editora, pág. 7/8.
[2] Recursos em Processo Civil, 7.ª Edição Atualizada, pág. 141.
[3] Cfr. Lebre de Freias e Ribeiro Mendes, CPC anot., vol. III, t. I, 2.ª ed., pág. 8.
[4] Todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[5] Idem.
[6] Direito do Trabalho, 14.ª ed., pág. 689.
[7] Acessível em www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Ac. do TRP de 22/02/2021, proc. n° 366/20.6T8PRT.P1 e Ac. do STJ de 24/02/1999, proc. 98S005, acessíveis em www.dgsi.pt
[9] Ob. cit., pág. 688/689.
[10] Bernardo Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, pág. 196.