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CONTRATO DE COMPRA E VENDA
REDUÇÃO DO PREÇO
Sumário
Para que, ao abrigo do disposto no artigo 911.º do Código Civil, se proceda à redução do preço estabelecido num contrato de compra e venda de um bem vendido com defeitos é necessário que se faça prova de que o comprador, caso os conhecesse, sempre o teria comprado por um valor mais baixo. E é igualmente preciso que se prove que o valor da coisa, por causa dos defeitos, independentemente do custo para os reparar, é inferior ao preço convencionado.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
I
EMP01..., Unipessoal L.da instaurou a presente ação, que corre termos no Juízo de Competência Genérica de ... e que se iniciou como procedimento de injunção, contra EMP02... L.da, formulando o pedido de condenação desta no pagamento do montante de 6.978,48 €, acrescido de juros comerciais vencidos no valor de 108,05 € e de 600,00 € a título de outras quantias, de acordo com o art.º 7.º do DL 62/2013 de 10 de Maio, o que totaliza 7.788,53 €.
Alegou, em síntese, que vendeu à ré um veículo automóvel ... pelo preço de 27.367,50 € e que lhe prestou "serviços extra" no valor de 3.110,98 €.
Deste total a ré já pagou 23.500,00 €.
A ré contestou afirmando, em suma, que o veículo foi vendido com vários defeitos, cuja reparação ascende a 11.064,84 €, e que não contratou quaisquer "serviços extra".
A ré deduziu ainda reconvenção em que formula o pedido de condenação da autora "a reembolsar à Reconvinte a quantia de 7.197,34 € (sete mil, cento e noventa a sete euros e trinta e quatro cêntimos), em consequência da redução do preço da compra e venda dos autos, titulado pela fatura n.º ...; ou, caso se entenda ser devida a quantia titulada pela fatura n.º ... referente a alegados serviços extra, no que se não concede, a reembolsar a Reconvinte pela quantia de 4.086,36 € (quatro mil e oitenta e seis euros e trinta e seis cêntimos), em consequência da redução do preço da compra do veículo dos autos titulado pela fatura ... e da compensação operada nessa hipótese com o alegado crédito titulado pela fatura n.º ...".
Realizou-se julgamento, após o qual foi proferida sentença em que se decidiu:
"Em face do exposto, e nos termos do direito invocados, julgam-se os pedidos deduzidos pela Autora parcialmente procedentes e os pedidos deduzidos pela Reconvinte totalmente improcedentes e, em consequência, decide-se:
a) Condenar a Ré EMP02..., Lda. a pagar a Autora a quantia de € 3.867,50 (três mil, oitocentos e sessenta e sete euros e cinquenta cêntimos), a título de capital, acrescida de juros de mora comerciais, à taxa de 8% ao ano, vencidos entre 19.03.2022 e 23.06.2022, no montante de € 81,38 (oitenta e um euros e trinta e oito cêntimos).
b) Condenar a Ré EMP02..., Lda. a pagar a Autora EMP01..., Unipessoal, Lda. o montante de 40,00 (quarenta euros), a título de outras quantias.
c) Absolver a Ré EMP02..., Lda. do demais peticionado.
d) Absolver a Reconvinda EMP01..., Unipessoal, Lda. dos pedidos formulados pela Reconvinte EMP02..., Lda.
e) Mais se condena as partes no pagamento das custas processuais, na proporção do decaimento, que se fixa a 24,84% para a Autora e a 75,16 % para a Reconvinte/Ré."
Inconformada com esta decisão, a ré dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, findando a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:
1.ª Entre a Apelante e a Apelada foi celebrado um contrato de compra e venda, tendo por objeto um veículo automóvel, tendo a Apelada entregue à Apelante um veículo que, na data da entrega, apresentava defeitos que impediam a sua utilização para o fim a que se destina, sendo tais defeitos do conhecimento do gerente da Apelada, o qual tentou mesmo ocultá-los, verificando-se, assim, uma compra e venda de bem defeituoso;
2.ª A Apelante, confrontada com a venda de um bem defeituoso, procedeu à denúncia imediata dos correspondentes defeitos e, atenta a circunstância de ter adquirido um veículo que não se encontrava apto para a realização do fim a que é destinado e de não possuir as características que lhe haviam sido asseguradas pela Apelada, manifestou o interesse na manutenção do negócio mediante a redução do preço;
3.ª Para tanto, alegou e demonstrou que o valor do veículo dos autos, no estado em que se encontrava aquando da sua entrega, tinha um valor objetivo/mercantil não superior a 2.100 €, valor da proposta mais alta que a Apelante conseguiu obter pela sua venda;
4.ª Não obstante o valor objetivo do veículo ser inferior, a Apelante aceitou que o desvalor apresentado pelo veículo, resultante da existência de tais defeitos, fosse fixado tomando em consideração o montante necessário para o colocar em condições de realizar o fim a que se destina, tendo-se apurado que para esse efeito é necessário um montante não inferior a 11.064,84 €, valor que corresponde ao da reparação dos defeitos apresentados;
5.ª A Apelante não estava adstrita à observância de uma qualquer sequência lógica para tutelar o seu direito, antes tendo optado pela figura da redução do preço por este se afigurar como um meio adequado para a defesa dos seus interesses no caso sub judice, atenta a circunstância de a Apelada nunca ter demonstrado qualquer interesse quer na reparação dos defeitos de que o veículo padecia, quer no reembolso do preço;
6.ª Não se verifica no caso sub judice qualquer "sobreposição de meios jurídicos", atenta a circunstância de a Apelante não ter optado pela cumulação da redução do preço com uma indemnização pelos danos causados pela compra de um veículo defeituoso à data da sua entrega, limitando-se a peticionar a redução do preço, atentos os vícios que o desvalorizavam;
7.ª A invocação da figura da redução do preço não importa para a Apelante o surgimento de um ónus de prova da manutenção do seu interesse na aquisição do veículo, bastando para o efeito peticionar a respetiva redução do preço, como efetivamente fez;
8.ª Caso se entenda que os presentes autos não fornecem elementos para fixar o desvalor do veículo decorrente dos defeitos apresentados, a fixação do montante do preço a reduzir deveria ser realizada mediante o recurso ao instituto da equidade ou da liquidação em execução de sentença, conforme seja ou não possível determinar o valor exato da redução (ut artigo 566.º, n.º 3, do CC e artigo 609.º, n.º 2, do CPC;
9.ª Não obstante, tendo-se verificado a venda pela Apelante do veículo dos autos, a relegação para liquidação em execução de sentença não se revela adequada, atenta a impossibilidade prática de proceder à avaliação do montante a reduzir;
10.ª Posto isto, impunha-se ao Tribunal a quo recorrer ao critério da equidade, previsto no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil, operando um reajustamento das contraprestações através de uma redução global do preço previsto no contrato, devendo o valor da redução fixar-se em montante não inferior ao necessário para eliminar os defeitos do veículo e, assim, colocá-lo nas condições asseguradas pela Apelada e necessárias para a sua utilização para o fim a que se destina, isto é, 11.064,84 €.
11.ª Atento o poder-dever previsto no artigo 5.º, n.º 3 do CPC, segundo o qual "o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito", entendendo-se na decisão em crise que a Apelante estava a reivindicar uma indemnização correspondente ao valor da reparação dos danos apresentados pelo veículo dos autos e não a exercer a faculdade de obter a redução do respetivo preço, impunha-se ao Tribunal a quo proceder à convolação do pedido de redução do preço em pedido de condenação da Apelada no pagamento de indemnização pelo incumprimento da obrigação de reparar a coisa defeituosa, julgando-se procedente o pedido reconvencional e condenando-se a Apelada a pagar à Apelante o montante não inferior a 11.064,84 €, correspondente ao valor mínimo necessário para eliminar os defeitos apresentados pelo veículo dos autos, nos termos das disposições conjugadas constantes dos artigos 5.º, n.º 3 do CPC, e 911.º e 913.º do CC;
12.ª Para a hipótese de se proceder à mencionada convolação, a Apelante, desde já e para os devidos efeitos, declara parcialmente compensado o valor da indemnização que venha a ser fixada nos presente autos com o crédito da Apelada correspondente ao remanescente do preço não pago pela Apelante;
13.ª A sentença ora em crise, ao reconhecer à Apelada o direito de auferir integralmente o valor correspondente ao preço do veículo dos autos - como se tivesse cumprido escrupulosamente o contrato em apreço -, não obstante ter procedido, de forma dolosa, à venda de um veículo cujas características estavam em desconformidade com as asseguradas e não permitiam a realização do fim a se destinava, tendo mesmo tentado ocultá-las, configura uma situação de manifesto abuso de direito por violação das regras imposta pela boa fé (ut artigo 334.º do CC);
14.ª Tendo-se provado que o veículo dos autos apresentava, na data da sua entrega, defeitos impeditivos da sua utilização para o fim a que se destinava, que o gerente da Apelada adotou uma conduta dolosa, sendo conhecedor e ocultando os defeitos apresentados, e que a reparação de tais defeitos importa em montante não inferior a 11.000,00 €, o Tribunal a quo estava obrigado, para obstar à verificação de uma situação de abuso de direito, a absolver a Apelante do pedido de condenação no pagamento à Apelada do remanescente do preço e, julgando procedente o pedido reconvencional, condenar a Apelada a pagar à Apelante o valor correspondente ao desvalor apresentado pelo veículo dos autos, repondo, dessa forma, um equilíbrio contratual conforme com as mais elementares regras da boa fé;
15.ª A sentença em crise violou, para além de outras, as disposições constantes dos artigos 334.º, 566.º, n.º 3, 884.º, 910.º, 911.º e 913.º do Código Civil, bem como dos artigos 5.º, n.º 3, 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
A ré contra-alegou sustentado que "a sentença recorrida deve ser mantida por não sofrer de qualquer vício ou violação legal, negando-se por isso provimento ao recurso".
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil , delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:
a) "atento o poder-dever previsto no artigo 5.º, n.º 3 do CPC, (…) entendendo-se na decisão em crise que a Apelante estava a reivindicar uma indemnização correspondente ao valor da reparação dos danos apresentados pelo veículo dos autos e não a exercer a faculdade de obter a redução do respetivo preço, impunha-se ao Tribunal a quo proceder à convolação do pedido de redução do preço em pedido de condenação da Apelada no pagamento de indemnização pelo incumprimento da obrigação de reparar a coisa defeituosa" ;
b) "caso se entenda que os presentes autos não fornecem elementos para fixar o desvalor do veículo decorrente dos defeitos apresentados, a fixação do montante do preço a reduzir deveria ser realizada mediante o recurso ao instituto da equidade ou da liquidação em execução de sentença" ;
c) "a sentença ora em crise, ao reconhecer à Apelada o direito de auferir integralmente o valor correspondente ao preço do veículo dos autos (…) configura uma situação de manifesto abuso de direito" .
II
1.º
Estão provados os seguintes factos:
1. A Autora é uma sociedade comercial que se dedica, designadamente a «Importação, exportação, intermediação, representação, agente de comércio por grosso e a retalho, compra venda de: veículos ligeiros, comerciais, pesados, novos e usados, maquinas industriais, agrícolas, caravanas, autocaravanas, reboques, semirreboques, motociclos, ciclomotores, suas peças e acessórios, novas e usada, pneus. Atividades de mecânica e reparação de veículos. Transportes de veículos e serviços de reboque/pronto socorro "Nacionais e Internacionais". Aluguer de veículos comerciais, máquinas industriais e equipamentos industriais. Máquinas e equipamentos e produtos para a construção civil. Construção civil em Geral (edifícios residenciais e não residenciais). Venda de todo o tipo de equipamentos industriais. (…).»
2. A Autora foi constituída em 19.05.2021 e tem como gerente AA e como sócio única BB, ambos com domicílio no Loteamento ....
3. Em data não concretamente apurada, mas anterior a ../../2021, a Autor publicou, através da plataforma ..., um anúncio para venda de veículo de marca ..., modelo ..., juntando para esse efeito várias fotografias do veículo.
4. A Ré entrou em contacto com a Autora para comprar a mencionada viatura, cujas fotos se encontravam publicadas no referido anúncio do ..., tendo sido informada pelo representante da Autor que a carrinha anunciada no ... já tinha sido vendida.
5. A Autora informou a Ré que tinha outra carrinha igual à anunciada, que esta se encontrava em bom estado de conservação, com menos quilómetros, mas que estaria a ser pintada e na qual seria colocada uma caixa basculante nova.
6. Em ../../2021, a Autora, no âmbito da sua atividade comercial, acordou com a Ré a venda pela primeira e a compra pela segunda do veículo marca ..., modelo ..., com o quadro n.º ..., pelo valor de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros), mais IVA, perfazendo um valor global de € 27.367,50 (vinte e sete mil, trezentos e sessenta e sete euros e cinquenta cêntimos), tendo a Autora emitido para o efeito a sua fatura n.º ..., no referido montante.
7. A Autora obrigou-se a entregar o veículo nas instalações da Ré após o seu carroçamento e legalização, indicando como prazo previsto para o efeito o período de 45 dias, a contar da data da emissão da fatura, «dependendo sempre do carroçamento e da homologação do IMT.»
8. Em 30.12.2021, a Ré procedeu ao pagamento à Autora da quantia de € 13.500,00 (treze mil e quinhentos euros) por conta do preço pelo acordo que celebrou com a Autora.
9. As partes acordaram que o remanescente do preço seria pago contra a entrega do veículo.
10. Na sua fatura n.º ..., a Autora enunciou as seguintes caraterísticas e serviços objeto do acordo celebrado entre as partes:
«Fornecimento de Veículo marca:
...
Modelo/ Série: M35.33-
Distância entre Eixos: 3.350 mm
Motorização: D-4D de 3.
Chassi n.º: ...
Data da primeira matrícula:
12/07/2008
Km Percorridos: 99.250
(Garantidos ao cliente)
Descrição pormenorizada do equipamento proposto ao cliente
Carroçaria Basculante (Tri – Lateral) Nova (VeP)
Estrutura metálica em aço Domex 460
Cavalete em chapa perfurada
Piso em chapa lisa de 4 mm de espessura
Taipais metálicos lisos de 2 mm de espessura X 450 mm de altura
Taipal traseiro com abertura automática
Sistema Hidráulico com centralina de 12 Volt
Cilindro Hidráulico com capacidade de elevação para 8 Toneladas
Caixa de ferramentas em PVC com C/canhão e chaves
Suporte da roda suplente alterado para a lateral do lado esquerdo do chassi
Comando do interior da cabine
Cavas de rodas/Pará lamas em PVC com palas anti-spray
Pintura com primário de zinco e esmalte de dois componentes à COR/RAL a indicar pelo cliente
Entrega de termo e certificado de conformidade do carroceiro
Fornecimento dos litros para revisão
Nota: Fica por conta do cliente a limpeza/renovação do interior da cabine e mão de obra em relação a revisão/serviço mecânico
Veículo devidamente legalizado com as seguintes caraterísticas a mencionar no livrete;
Caixa aberta/ Estrado Basculante C/S Cobertura
Veículo entregue ao cliente após carroçamento e devidamente legalizado com uma data "PREVISTA" não superior a 45 dias (dependendo sempre do carroçamento e da homologação do IMT)
Pintura Geral (Cabine, Chassi e Jantes)
Medidas à escolha do cliente desde que cumpram as medidas legais de homologação e desde que o carroçamento cumpra o respetivo "centro de gravidade" na estrutura do chassi, conforme normais legais.»
11. Na referida fatura constava, ainda, que: «Veículo vendido/dispensado para USO PROFISSIONAL, SEM GARANTIA, por mútuo acordo, atendendo ao equipamento do mesmo.»
12. Em 18.02.2022, o gerente da Autora entrou em contacto com a Ré informando que o veículo estava pronto para entrega.
13. Nesse mesmo dia, o gerente da Autora apresentou-se nas instalações da Ré, sem a carrinha, solicitando o pagamento da parte remanescente do preço e informando que tinha contratado um reboque para proceder à entrega da carrinha no dia seguinte.
14. Perante a insistência do gerente da Autora, que inclusive alegou necessidade de dinheiro para comprar uma cama para o filho, a Ré acedeu em efetuar um pagamento adicional no dia 18.02.2022.
15. Em 18.02.2022, a Ré entregou à Autora a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) por conta do preço acordado, permanecendo por pagar o remanescente € 3.867, 50 (três mil, oitocentos e sessenta e sete euros e cinquenta cêntimos)
16. Ainda, no mesmo dia, a Autora entregou à Ré requerimento de registo automóvel, com a assinatura reconhecida do seu legal representante, no qual estavam assinaladas as opções «Registo inicial de propriedade» e «Declaração para registo de propriedade (Contrato verbal de compra e venda)», bem como certificados de inspeção técnica periódica e de aprovação em inspeção técnica para matrícula tendo por objeto o veículo dos autos.
17. Os mencionados certificados de inspeção foram elaborados com base em inspeção efetuada em 18.02.2022, pelas 16h33, constando dos mesmos a indicação «Aprovado», referindo-se no certificado de inspeção periódica «Ausência de anotações de deficiências significa a conformidade do veículo com a regulamentação em vigor, no momento em que foi inspecionado.»
18. No dia 19.02.2022, pelas 10h, a carrinha adquirida pela Ré foi entregue pela Autora mediante recurso a um reboque.
19. O condutor do reboque informou a Ré que tinha ordens para não descarregar a carrinha sem o prévio pagamento do serviço de reboque por parte da Ré.
20. A Ré acabou por aceder a efetuar o respetivo pagamento apesar de ter sido acordado que a Autora seria a responsável pela entrega do veículo.
21. No próprio dia 19.02.2022, a Ré verificou o estado de conservação da carrinha ... entregue pela Autora.
22. Ainda no dia 19.02.2022, a Ré enviou um email para a Autor com o seguinte teor:
«Bom dia AA,
Conforme falamos ontem a carrinha chegou às nossas instalações hoje pelas 10h.
Entretanto já tivemos a oportunidade de verificar algumas coisas que não estão de acordo com oque falamos. Relativamente a toda a ferrugem e mau trato que está borrada pela tinta que dizias não existir e vou enviar algumas fotos para que vejas por ti mesmo. (…)
As baterias estão soltas porque o suporte devido à ferrugem está todo podre. (…)
O espelho do lado esquerdo está a cair e a danificar a pintura da cabine. O do lado direito está preso e não trabalha. (…)
Os bancos estão furados. As borrachas das portas todas rasgadas e o friso do vidro partido. O tapete do chão está conforme podes ver. (...)
O pneu suplente vinha neste estado (nenhuma das jantes foi pintada, tal como o chassi foi borrado sem limpar sequer ou despolir). Vai também foto do suporte do pneu. Como podes ver não há forma de colocar lá o pneu suplente. Falta algum mecanismo. (…)
O seletor de velocidade está amarrado e os cabos de travão de mão presos devido a ferrugem e com a agravante da tinta que encharcaram para cima da ferrugem. Nem sequer da para conduzir doutra forma pode danificar a caixa de velocidades. (…)
Os piscas que tem estão completamente baços (fora os que não traz sequer). (…)
A carrinha deverá ainda ter algum problema elétrico porque os médios não desligam. Estão permanentemente acessos.
Tudo isto que vi a olho um. Entretanto aguardo pela documentação para poder corrigir todos os problemas que a carrinha trás e caso aches necessário podes e deves vir verificar tudo isto aqui nas nossas instalações. Um abraço.
Relativamente a contratares um serviço de reboques para entregar ao cliente a viatura e o reboque não descarregar sem nós (que não temos nada a ver com isso), pagarmos o valor de reboque, não te fica nada bem. Mas não te preocupes que tal como em tudo o resto depois acertamentos o valor. Um abraço.
CC.»
23. O mencionado email foi acompanhado de fotografias ilustrativas do estado de conservação do veículo tiradas pelo gerente da Ré no próprio dia 19.02.2022.
24. Na data da entrega do veículo à Ré, o gerente da Autora tinha conhecimento dos problemas apresentados pelo veículo.
25. A Autora tentou ocultar os problemas apresentados pelo veículo colocando tinta por cima da ferrugem, sem previamente remover essa mesma ferrugem.
26. No dia 19.02.2022, o gerente da Autora, AA, respondeu através de email ao gerente da Ré, com o seguinte teor:
«Boa tarde caro CC/DD
Em relação a este assunto já falamos pessoalmente ontem!
Volto a referir que a nossa empresa não vendeu o veículo novo, mas sim um veículo com 14 anos!!!!
A nossa empresa cumprirá com o proposto que já foi faturado!
O dever e obrigação da nossa empresa é fornecer, nada mais, nada menos do que está mencionado na fatura!
Houve serviços que ficaram à responsabilidade do comprador, tal como está mencionado na fatura!
Volto a repetir, a nossa empresa vendeu um veículo com 14 anos e não um veículo novo!!!
A nossa empresa decidiu dar um "kit de embraiagem" que nos custou cerca de 270€ para atenuar as despesas na reparação de algumas mazelas na pintura do chassi em relação a alguma ferrugem em componente do aço/ferro devido à idade….
No acordo de venda nada foi acordado a entrega do veículo, nem nada que se refira aos interiores da cabine, nem mão de obra mecânica!!!
Esta situação ocorreu devido à descida de preço e de acordo com a negociação com o teu pai, Sr. DD!
Tudo tem um preço e para salvaguardar certo tipo de situações mencionamos o acordo na fatura de venda.
A nossa empresa entregou o veículo devidamente e recentemente inspecionado sem qualquer tipo de anotações, e responsabilizamo-nos por o pagamento da mola que está partida, lâmpada de marcha-atrás e bom funcionamento da alavanca das velocidades, isto com orçamento prévio para nossa aprovação!
Em relação ao resto está tudo de acordo com o que foi contratado e negociado entre mim e o teu pai, Sr. DD.
Espero que tenhamos ficado esclarecidos em relação ao negócio que foi acordado, contratado e redigido na fatura!
Sem outro assunto de momento,
Subscrevo com máximo de consideração.
Atenciosamente.
AA»
27. Em 21.02.2022, a Ré solicitou a uma oficina da ..., sita na Estrada ..., ..., ... ..., um orçamento para a substituição das peças do veículo danificadas e necessárias para colocar o veículo em condições de circulação, importando as mesmas o valor global de € 3.469,66 (três mil, quatrocentos e sessenta e nove euros e sessenta e seis cêntimos), mais IVA, correspondendo ao valor total de € 4.167,68 (quatro mil, cento e sessenta e sete euros e sessenta e oito euros).
28. O referido orçamento não contemplava mão de obra, nem a substituição da mola partida e a remoção da ferrugens e pintura do chassis.
29. Em 09.03.2022, o gerente da Autora, AA, remeteu um email para a Ré com o seguinte teor:
«Bom dia Exmos. Senhores
Serve o presente email para informar a empresa EMP02... que já foi informada por várias vezes que o processo de legalização do veículo está concluído e que até então a vossa empresa não se dignou a cumprir o acordo de pagamento, como previsto e inicialmente acordado.
Atendendo a esta situação, a V/empresa fica desde já informada/notificada que se não proceder até ao final do dia de hoje ao pagamento restante referente à venda/ acordo de venda do veículo ..., conforme a N/fatura Nr. ... onde nesta ficou redigido "especificamente" o acordo de fornecimento de;
Um veículo de marca ...,
Um equipamento/carroçaria NOVA Basculante "Tri – Lateral" específico,
Entre outros serviços extras, mencionados na fatura/ acordo de venda, SOLICITADOS PELO CLIENTE e que foram pagos pela nossa empresa, este cessará por incumprimento e quebra de contrato!!!
Se o pagamento não se verificar tomaremos as medidas legais para resolver de forma célere este problema, sem por em risco os prejuízos causados à nossa empresa com um investimento de equipamentos e serviços extra de "valor elevado" que foram suportados pela tesouraria da nossa empresa, solicitados pelo cliente!
Voltamos a referir, que;
Caso não seja efetuado o pagamento do valor restante em dívida o negócio ficará SEM EFEITO imediato por quebra de contrato e incumprimento!!!
Sem outro assunto de momento
Subscrevo-me com o máximo de consideração
Atenciosamente,
BB»
30. Em 11.03.2022, o gerente da Autora enviou um e-mail para o gerente da Ré com o seguinte teor:
«Boa tarde Exmos Senhores
Como é do vosso inteiro conhecimento a nossa empresa:
EMP01..., UNIPESSOAL LDA fez um acordo de venda/negócio, conforme menciona a N/fatura NR: ... à data de ../../2021, acordo esse que NÃO FOI cumprido pela empresa compradora por falta de pagamento, má fé e com o intuito e intenção de danos e prejuízos à nossa sociedade.
Ou seja;
Os responsáveis da empresa compradora foram informados para procederem ao cumprimento do acordo estabelecido entre as partes e o mesmo ignoraram!
Atendendo a isso, acresce que;
Tomamos o conhecimento por parte da empresa/ parceira comercial com quem fazemos alguns dos serviços de encarroçamento e equipação de alguns veículos comerciais para uso profissional que o um dos responsáveis se deslocou à fabrica a solicitar os serviços extras ao acordo de equipamentos que estavam adjudicados e que após os serviços a empresa EMP02... tinha devolvido a fatura e que respondeu que está nunca tinha sido solicitado nenhum serviço, o que para nós foi de lamentar….
Atendendo à situação de incumprimento como à intenção deste ter intenção de prejudicar a N/empresa ao estar a exigir serviços extra que não foram acordados formos obrigados a romper a relação comercial com a empresa compradora e a estar no direito de não prosseguir com o negócio para a frente, tal como temos vindo a informar à cerca de uma semana!
Com isto;
Serve o presente e-mail para informar a sociedades
EMP02... Lda, com sede na Estr. Exterior Circunvalação ... ... ...,
Que têm o prazo de 5 dias úteis para fazer a remoção de todos os equipamentos e serviços extra, que estejam reversíveis no veículo.
Equipamento e serviços que foram solicitados na adjudicação do acordo /contrato de negócio que a N/empresa teve o cuidado de descriminar na N/fatura de venda e proceder à entrega/devolução do veículo ... o número de chassi n.º ...52 pertencente à nossa sociedade.
Após a entrega será imitida uma nota de crédito referente ao veículo, seguindo de acerto de contas.
Caso não recebamos informações/ instruções no prazo estipulado referente à entregado do veículo seremos obrigados a tomar as medidas legais necessárias para resolver este assunto, sempre acrescido de futuras indemnizações em consequência de problemas e prejuízos que a N/sociedade possa vir a ter com esta situação.
Mais informamos que;
O veículo vai ser posto novamente à venda!
Sem outro assunto de momento,
Subscrevo-me com o máximo de consideração.
Atenciosamente;
AA»
31. Em 18.03.2022, o gerente da Autora comunicou por email à Ré que estava agendada para o dia 22.03.2022 a retoma do veículo dos autos, em hora a agendar por contato telefónico a efetuar pela empresa de reboques.
32. A Ré não aceitou que o veículo fosse retomado pela Autora.
33. A Autora não assumiu qualquer compromisso no sentido de proceder ao reembolso das quantias entregues pela Ré para pagamento do preço.
34. Em 30.03.2022, a Ré submeteu o veículo a uma inspeção na «EMP03..., Lda.», empresa que se dedica à inspeção de veículos, tendo sido identificados os seguintes problemas:
«4.7.1.3 – Luz da chapa da matrícula – Fonte luminosa múltipla – defeituosa, mas com alguma luz (Esquerda)
4.13.2 – Bateria (s) – Mal fixada (s), com risco de curto – circuito (Corrosão no suporte de fixação)
3.3.6 – Espelhos ou dispositivo retrovisor – Muito danificado (Exterior Esquerda (Espelho partido.)
5.3.3.5 – Componentes danificadas (1.º Eixo) (estabilizadores) (Casquilhos barra estabilizadora)
8.4.1.2 Fuga de fluido – Excessiva, com formação de pingos, suscetível de prejudicar o ambiente ou de representar um risco para a segurança dos outros utilizadores das vias públicas (Carter)
5.3.1.5 – Elemento de mola danificado (2.º Eixo) (Direita) Feixe de mola partido)
5.2.3.10 Pneus de dimensão (tipo) diferente, no mesmo eixo ou em rodado duplo (2.º Eixo) (Direita) (Pneu Exterior)
6.1.1.9 – Quadro – Chapas de reforço soltas (Retaguarda) (Pequena corrosão junto ao segundo eixo)
4.13.3 – Bateria (s) – Com fugas (Baterias com pequena deformação)
6.2.7.1. Comandos de condução – Mau funcionamento não garantido uma utilização segura do veículo (Dificuldades de engrenar as velocidades.)
6.1.3.5 – Tampão do local de enchimento de combustível inexistente (Inadequado)
4.12.1 – Luzes não obrigatórias – Montagem não regulamentar
4.1.4.6 – Máximos e médios – Diferença entre intensidade luminosa de luzes do mesmo tipo superior a 30% (Médios)
4.1.2.1 – Alinhamento dos médios – Inclinação fora dos limites: Altura do farol <= 0,8m: Limites entre – 3,0% e -0,3 % (Direita)
2.4.3 – Alinhamento das rodas direcionais – Na ausência de dados do fabricante, desvio superior a 12 m/km (1.º Eixo)
OBSERVAÇÕES COMPLEMENTARES:
Na realização da presente inspeção facultativa foram aplicados procedimentos de inspeção idênticos aos previstos para as inspeções periódicas.
De acordo com os critérios legalmente estabelecidos para essas inspeções, o presente veículo seria REPROVADO.
As eventuais deficiências detetadas, deverão ser rapidamente corrigidas, de modo a salvaguardar a segurança do veículo.»
35. Em 08.04.2022, a Autora enviou para a Ré uma nova fatura, com o n.º ..., no qual imputou à Ré diversos serviços no montante total de € 3.110, 98 (três mil, cento e dez euros e noventa e oito euros), a saber:
«Serviços extras referente a ... emitida em ../../2021
Serviço de transporte do veículo ... desde a sede da N/empresa (...)para a fabrica EMP04..., Lda, sita em ... (...): 476 km x 1,65€ /km Fornecimento e Aplicação de Gancho/Bola de Reboque
Fornecimento e Aplicação de Gancho /Bola de Reboque
Fornecimento e Aplicação de Suporte de cavilha/ Gancho mecânico para o transporte de betoneiras /Gerador
Aplicação de filha elétrica e 7 pinos mais kit elétrico
Fornecimento de Kit de Embraiagem (...).»
36. No dia 11.04.2022, a Ré devolveu à Autora, por correio e por email, a mencionada fatura, uma vez que os serviços discriminados, na mesma não correspondiam a quaisquer serviços por si contratados.
37. A carta remetida pela Ré para a Autora em 11.04.2022, para a morada que corresponde à sua sede, a saber, Loteamento ... Lote ..., ... ..., foi devolvida com a indicação «objeto não reclamado».
38. Em 21.04.2022, a solicitação da Ré, foi elaborado um orçamento por parte da concessionária da marca ..., sita na Estrada ..., ..., ..., para a reparação dos danos apresentados pelo veículo dos autos, importando a mesma no montante de € 8.995,80 ( oito mil, novecentos e noventa e cinco euros e oitenta cêntimos), ao qual acresce IVA, perfazendo o montante total de € 11.064,84 ( onze mil, sessenta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos), incluindo o fornecimento de peças e a realização dos trabalhos a seguir discriminados:
Estimativa de reparação sem desmontagem – pode sofrer alteração
A viatura a parte inferior apresenta vários pontos corrosão que se nota que foi repintada por cima esta corrosão
decapagem + galvanizar
prato embraiagem
rolamento embraiagem
disc assy, clutch
rolamento
correia distribuição
tensor
filtro ar
bateria
ecovalor baterias – 0, 35000€
bateria
cilindro fecho comb.
farol elétrico
anilha
lâmpada
massa molytex 1 kg
reparação molas
terminal positivo
terminar bateria beg
bligagem ventoinha
suporte filtro
filtro combustível
195/70r15 104/102r
ecovalor comercial - 1,5600€
casquilho
casquilho
travessa
suporte
suporte
parafuso
travessa bateria
interruptor
espelho esq.
junta sensor
fêmea
parafuso
fêmea
cabo
cabo
degrau
degrau
suporte pneu
tapete
borracha porta frt.
calha vidro
refletir
vidro farolim
correia de distribuição (r&l)
disco de embraiagem – r&u
bateria /suporte/caixa baterias – r&l
tampão do depósito de combustível – r&l
farol (um lado) – r&l
alimento direção
filtro ou bomba de combustível – r&l
casquilhos barra estabilizadora
radiador ventoinha – outros – r&l
desmontar/montar chassis
reparar e pintar chassis
reparar e pintar chassis
substituir 4 pneus (com equilíbrio)
farol/farolins – outros – r&l
chassis/longarina – outros – r&l»
39. O orçamento elaborado pela concessionaria da marca ... foi elaborado sem que previamente se tivesse procedido à desmontagem da viatura, pelo que se salvaguardou a possibilidade de esse mesmo orçamento sofrer alterações.
40. Atendendo que os custos da reparação dos problemas do veículo seriam superiores aos constantes do referido orçamento, não sendo possível assegurar que o veículo funcionaria normalmente após essa reparação, a Ré decidiu não efetuar a mencionada reparação, procedendo a venda do veículo no estado em que o mesmo se encontrava.
41. Quando foi apresentada a fatura ... à Ré, pela empresa de carroçarias, aquela recusou-se a pagar a mesma.
42. A Ré nada acordou ou solicitou à empresa de carroçarias, tendo sido a Autora que encomendou junto dessa empresa os serviços que bem atendeu para dotar o veículo dos autos com as caraterísticas que havia assegurado à Ré.
43. Na fatura ... a Autora imputa ainda à Ré os custos de um «Fornecimento de kit de Embraiagem (...)»
44. Aquando da entrega do veículo, a Autora entregou à Ré um kit de embraiagem.
45. O Kit de embraiagem só foi entregue porque a Autora reconheceu que a embraiagem instalada no veículo não estava em condições de funcionar.
46. No email de 19.02.2022, a Autora assegurou que decidiu dar um kit de embraiagem, que lhe custou cerca de € 270,00, para «atenuar as despesas na reparação de algumas mazelas na pintura do chassi em relação a alguma ferrugem em componente de aço/ferro devido à idade (…)»
47. A Ré vendeu o veículo dos autos pelo preço de € 2.100,00 (dois mil e cem euros), valor da melhor proposta que recebeu.
*
E não se provaram os seguintes factos:
a) A Ré é uma sociedade comercial que se dedica, designadamente ao «Comércio, importação e instalação de aparelhos de ar condicionado e frio.»
b) E a Ré obrigou-se a pagar a totalidade do preço, antes de proceder ao registo do veículo.
c) Para fazer o registo a Autora tinha que lhe enviar a declaração aduaneira do veículo.
d) O Gerente da Ré foi ver o veículo ao ... e foi ele próprio que em representação da Ré solicitou os serviços extras referentes a ... emitida em ../../2021:
«Fornecimento e Aplicação de Gancho/Bola de Reboque
Fornecimento e Aplicação de Suporte de cavilha/Gancho mecânico para transporte de betoneiras/Gerador
Aplicação de ficha elétrica de 7 pinos mais kit elétrico.»
e) A entrega do veículo através do recurso a reboque deveu-se a incapacidade do veículo para circular.
f) A Autora ao colocar tinta por cima da ferrugem, sem previamente remover essa ferrugem, afetou com essa pintura o funcionamento do seletor de velocidade e do travão de mão.
g) À data do email referido no ponto 30., o veículo era propriedade da Ré.
h) A Ré fez o registo do veículo em seu nome sem contactar a Autora.
2.º
Considerando a questão a que a autora se refere nas conclusões a) a j) que formula nas suas contra-alegações, é oportuno começar por deixar claro que no recurso interposto pela ré não foi colocado em causa o julgamento da decisão sobre a matéria de facto. Isso não consta, designadamente, nas respetivas conclusões.
3.º
A ré defende que, "atento o poder-dever previsto no artigo 5.º, n.º 3 do CPC, (…) entendendo-se na decisão em crise que a Apelante estava a reivindicar uma indemnização correspondente ao valor da reparação dos danos apresentados pelo veículo dos autos e não a exercer a faculdade de obter a redução do respetivo preço, impunha-se ao Tribunal a quo proceder à convolação do pedido de redução do preço em pedido de condenação da Apelada no pagamento de indemnização pelo incumprimento da obrigação de reparar a coisa defeituosa" .
Com o devido respeito, há aqui um equívoco.
Na verdade, na decisão recorrida não se considerou que "a Apelante estava a reivindicar uma indemnização correspondente ao valor da reparação dos danos apresentados pelo veículo dos autos e não a exercer a faculdade de obter a redução do respetivo preço". Entendeu-se, sim, que a ré pretendia, como realmente pretende, a redução do preço em virtude dos defeitos de que padece o bem que comprou à autora. E não se acolheu essa pretensão dizendo-se que:
"No caso em apreço, a Ré pretende que o preço de compra do veículo seja reduzido a um valor não inferior a € 11.064,84 (…), incluindo IVA, uma vez que é esse o valor da reparação dos defeitos do veículo.
(…)
In casu, a Ré não alegou, para poder provar, que havia diferença entre o preço que pagou na aquisição do veículo e o que este valeria, objetivamente, com os defeitos que apresentava, nem qual o valor dessa diferença.
A Ré apenas alegou que o veículo tinha defeitos à data da entrega, sendo que era sobre si que recaía o ónus da prova de que existia diferença entre o preço que pagou pela aquisição do veículo e o preço que esteve valeria, bem como o valor dessa diferença, porquanto a prova desses factos são constitutivos do seu direito (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Deste modo, não tendo a Ré provado o desvalor do veículo, resultante da diferença entre o preço que pagou pela sua compra e o valor objetivo do mesmo, não pode exigir a redução do preço."
E que "a Ré nada alegou no sentido de que os vícios que a coisa padecia não influiriam na sua decisão de adquirir do bem, mas apenas no preço que estaria disposta a dar por ele".
Por conseguinte, não há que recorrer ao "poder-dever previsto no artigo 5.º, n.º 3".
4.º
Na perspetiva da ré, "caso se entenda que os presentes autos não fornecem elementos para fixar o desvalor do veículo decorrente dos defeitos apresentados, a fixação do montante do preço a reduzir deveria ser realizada mediante o recurso ao instituto da equidade ou da liquidação em execução de sentença" .
Na sentença recorrida deixou-se dito que:
"Ante o exposto, conclui-se que estamos perante uma venda de um bem defeituoso, na medida em que o veículo de marca ..., modelo ... apresentava à data da entrega vícios que a desvalorizam".
Este segmento da decisão não foi posto em crise. Aliás, a autora até o aceita, pelo menos tacitamente, nas suas contra-alegações.
Temos, portanto, por assente que estamos na presença de "uma venda de um bem defeituoso" e que esses "vícios (…) desvalorizam" o veículo objeto do negócio.
Como acima se disse, o tribunal a quo considerou não haver lugar à redução do preço, por que a ré não fez "prova de que existia diferença entre o preço que pagou pela aquisição do veículo e o preço que esteve valeria" e por que "nada alegou no sentido de que os vícios que a coisa padecia não influiriam na sua decisão de adquirir do bem, mas apenas no preço que estaria disposta a dar por ele".
Vejamos.
O n.º 1 do artigo 911.º do Código Civil dispõe que "se as circunstâncias mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por preço inferior, apenas lhe caberá o direito à redução do preço, em harmonia com a desvalorização resultante dos ónus ou limitações, além da indemnização que no caso competir".
Deste modo, "é necessário que as circunstâncias mostrem que o comprador, mesmo conhecendo os ónus ou limitações, teria adquirido os bens" ; "que a vontade conjetural do comprador seja no sentido de manter a aquisição embora por preço inferior" .
No nosso caso, a ré nada alegou quanto a esta matéria; não disse que, se conhecesse os concretos defeitos do veículo, sempre o teria comprado por um valor mais baixo; que, ainda assim, mantinha interesse no negócio.
Nesta parte o mais que se provou foi que a ré teve conhecimento dos defeitos do veículo a 19-2-2022 (cfr. factos 21 e 22), que cerca de um mês depois, quando a autora lhe "comunicou (…) que estava agendada para o dia 22.03.2022 a retoma do veículo dos autos", "não aceitou que o veículo fosse retomado pela Autora" (cfr. factos 31 e 32) e que nessa altura "a autora não assumiu qualquer compromisso no sentido de proceder ao reembolso das quantias entregues pela Ré para pagamento do preço" (cfr. facto 33).
Contudo não se provou o exato motivo desta recusa, designadamente que foi porque a ré teria a vontade de adquirir o veículo, por preço inferior, se conhecesse antecipadamente os defeitos. A recusa na devolução do veículo não pode, por si só, ser interpretada nesse sentido. Aliás, as declarações dos representantes legais das partes encaminham-nos noutra direção. Veja-se que na fundamentação da decisão deste segmento da matéria de facto a Meritíssima Juiz deu nota de que "o representante legal da Ré referiu que não aceitou que a Autora retomasse o veículo porque aquela apenas queria a devolução do veículo, mas sem a caixa vascular, sendo que a Ré não queria ficar com a caixa vascular. Disse, ainda, que a Autora nunca falou sobre a devolução do preço. O representante legal da Autora também referiu que a Ré não quis devolver o veículo à Autora e que, caso a Ré devolvesse o veículo, a Autora não ia reembolsar as quantias que já havia sido pagas pela Ré."
Neste contexto, não se pode ter por demonstrado que, sem erro ou dolo, a ré teria igualmente adquirido o veículo, mas por preço inferior, o que é suficiente para inviabilizar a desejada redução do preço.
De qualquer modo, no que respeita "à redução do preço, em harmonia com a desvalorização resultante dos ónus ou limitações", regista-se que a ré entende que essa diminuição deve equivaler ao custo da reparação dos defeitos, ou seja, a 11.064,84 € .
Porém, não é isso que resulta do n.º 1 do artigo 911.º do Código Civil, visto que "a redução do preço (…) não corresponde ao custo da eliminação dos defeitos, porque se assim fosse haveria uma sobreposição de meios jurídicos para prevenir a situação. A redução do preço depende de vários fatores, entre os quais o mais relevante é a diminuição do valor mercantil da coisa. Para determinar o montante do preço a reduzir, por via de regra, é de seguir o critério objetivo consistente na diferença entre o preço acordado e o valor objetivo da coisa, com defeito" . Com efeito, "a redução do preço não corresponde a uma indemnização, nem ao custo da eliminação dos defeitos, e está sujeita a dois limites - deve ser proporcional à diminuição do valor e não pode exceder o preço acordado" .
E uma vez que "a redução do preço (…) não visa objetivo ressarcitório, mas antes o reajustamento das prestações, evitando o desequilíbrio contratual" , pois "encontra a sua justificação na diminuição do valor da coisa adquirida" , há que (alegar e) provar que o valor objetivo da coisa com o defeito é inferior ao preço acordado. O mais provável é que assim seja, mas não podemos ficar por um mero juízo de probabilidade, pois também é possível que o vendedor, conhecendo o defeito da coisa, possa ter proposto um preço tendo já em conta a diminuição do valor que daí decorre.
Como se diz na decisão recorrida, a ré não fez "prova de que existia [uma efetiva] diferença entre o preço que pagou pela aquisição do veículo e o preço que esteve valeria" com os defeitos de que padecia. Neste capítulo, ao contrário do que a ré afirma na conclusão 3.ª, não podemos extrair do facto 47 que o "valor objetivo/mercantil não [era] superior a 2.100 €", dado que não sabemos, nomeadamente, quanto tempo depois é que o veículo foi vendido pela ré, qual o seu estado nesse momento, o número de pessoas interessadas na compra ou durante quanto tempo o mesmo esteve à venda. Aliás, seguindo o raciocínio da ré, se para si a viatura, por causa dos defeitos, valia (27.367,50 € - 11.064,84 € =) 16.302,66 €, na ausência de uma explicação razoável, não se percebe como é que a vem mais tarde a vender por quase oito vezes menos.
Aqui chegados, verifica-se que quanto à pretendida redução do preço há uma clara insuficiência de alegação por parte da ré, a qual, naturalmente, conduziu a uma carência de factos provados e, consequente, à improcedência desta pretensão.
5.º
Por último, a ré advoga que "a sentença ora em crise, ao reconhecer à Apelada o direito de auferir integralmente o valor correspondente ao preço do veículo dos autos (…) configura uma situação de manifesto abuso de direito" .
Como se viu, não há lugar à redução do preço, pelo que a autora, na sua qualidade de vendedora, tem direito ao recebimento da totalidade do preço acordado, cfr. artigo 874.º do Código Civil.
Desta forma, não se encontra aqui qualquer abuso do direito, qualquer "utilização manifestamente anormal, excessiva do direito" .
Convém não esquecer que perante os defeitos da coisa o comprador tem a possibilidade de, para além de solicitar a redução do preço, recorrer à anulabilidade do contrato ou pedir uma indemnização, cfr. artigos 905.º, 908.º e 909.º do Código Civil. Estas ferramentas legais são suficientes para, demonstrados os respetivos pressupostos, o comprador impedir o vendedor de obter uma eventual vantagem indevida.
III
Com fundamento no atrás exposto julga-se improcedente o recurso e mantém-se a decisão recorrida.
Custas pela ré.
Notifique.
António Beça Pereira
Eva Almeida
António Figueiredo de Almeida