CONTRATO DE SEGURO
INOPONIBILIDADE DA NULIDADE DO CONTRATO AO TERCEIRO LESADO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Sumário


I - “A válida celebração de um contrato de seguro exige o preenchimento do requisito do interesse (que se entende comumente ser de natureza económica) na cobertura de um determinado risco”.
II - Assim se compreende que o n.º 1 do artigo 43º do RJCS consagre que o segurado tenha um interesse digno de proteção legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato, e que o n.º 1 do artigo 21º do DL n.º 291/2007, de 21/08 estabeleça que o contrato de seguro cesse os seus efeitos com a alienação do veículo.
III – Assim, a falta de interesse originário determina a nulidade do contrato nos termos do artigo 43.º, n.º 1, do RJCS, e a falta de interesse superveniente determina a cessação dos efeitos (ineficácia) do contrato nos termos do artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 291/2007, de 21/08.
IV. Estando em causa determinar se a nulidade do contrato de seguro ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, do RJCS, ou a sua ineficácia ao abrigo do artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 291/2007, são oponíveis ao lesado, terceiro em relação ao contrato de seguro, é de concluir que a interpretação do direito português em conformidade com o DUE (cfr. Acórdão do TJUE de 20-07-2017), impõe que se considere que, num contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel o requisito legal do interesse, previsto no n.º 1 do artigo 43.º do RJCS (e subjacente ao n.º 1 do art. 21.º do DL n.º 291/2007), se encontra derrogado pela possibilidade de o contrato ser celebrado por terceiro, prevista no n.º 2 do artigo 6.º do DL n.º 291/2007.
V - Tendo o Autor, à data do acidente, 41 anos de idade e tendo ficado a padecer de tetraplegia AIS D nível motor C6/nível sensitivo C5/nível de lesão neurológica e ausência de equilíbrio em pé e afetado por um défice de integridade física e psíquica de 60 pontos; trabalhando à data do acidente, como “operador de montagem de peças 1.º ano” e auferindo, em função do seu trabalho, a quantia de 600,00/mês, tendo visto o seu vínculo laboral ser terminado, em 16/01/2020, por denúncia comunicada por carta registada de 13/12/2019; considerando ainda que as sequelas de que ficou a padecer, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, são impeditivas do exercício da sua profissão habitual, bem como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, repercutindo-se tais limitações negativamente na capacidade do Autor desempenhar tarefas pessoais e profissionais, designadamente na sua capacidade de trabalho, sendo impeditivas do exercício da sua profissão habitual, e de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, mas sendo também suscetíveis de influir negativamente na possibilidade de exercer atividades económicas alternativas, o que se prevê que perdure ao longo da vida expetável e atendendo aos valores que vêm sendo atribuídos pela jurisprudência para casos similares, entendemos como justo e adequado fixar em €250.000,00 a indemnização por danos patrimoniais futuros (dano biológico na sua dimensão patrimonial).
VI - Tendo em atenção a gravidade das lesões sofridas pelo Autor,, acompanhada do medo da própria morte, bem como os tratamentos a que o Autor foi sujeito, com particular destaque para o período temporal em que esteve afetado, com as inerentes dores e incómodos que teve de suportar, com um quantum doloris de grau 6 (numa escala de 0 a 7) e as sequelas de que ficou a padecer, tendo ainda em atenção que fruto dessas sequelas ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 60 pontos, uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 6 (numa escala de 0 a 7), uma repercussão permanente na atividade sexual de grau 6, numa escala de 0 a 7 e um dano estético permanente de grau 5, numa escala de 0 a 7, tendo ficado a carecer de ajudas técnicas permanentes, medicamentosas, médicas, de adaptação domicílio, adaptação de local de trabalho ou veículo e ajuda de terceira pessoa para tarefas pessoais, tais como o banho; considerando ainda, que o Autor se vê “chegado ao meio da sua vida, com grande parte da sua autonomia afetada, tendo que conviver permanentemente com a dor e com a perda das suas faculdades motoras”, formulando o necessário o juízo de equidade e considerando os valores que vêm sendo definidos pela jurisprudência para casos similares, afigura-se-nos adequada a indemnização no valor de €175.000,00 arbitrada a título de danos não patrimoniais pelo tribunal a quo.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

AA intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra EMP01... – Companhia de Seguros, S.A., Fundo de Garantia Automóvel, BB e CC pedindo a condenação dos Réus a pagar ao Autor a quantia de €54.463,97, acrescida de juros, à taxa legal, a partir da citação e até efetivo e integral pagamento e no que se vier a liquidar em execução de sentença a título de:

a) Diferenças e perdas remuneratórias;
b) Despesas com internamento hospitalar e em unidades de cuidados continuados e integrados, tratamentos fisiátricos e acompanhamento médico, nas especialidades de ortopedia, medicina interna, fisiatria e psiquiatria e ainda com os respetivos honorários médicos;
c) Acompanhamento médico psiquiátrico futuro;
d) Despesas com futuras intervenções cirúrgicas, hospitalares, médicas e medicamentosas;
e) Despesas futuras com medicamentos, roupa e sua lavagem, cremes, equipamento ortopédico, mormente cadeiras de rodas, canadianas, calçado ortopédico, meias de contenção elásticas, cintas abdominais e afins;
f) Despesas com a adaptação da sua residência, nomeadamente entradas de acesso, corredores, quartos, sala, cozinha e casas-de-banho, por forma a permitir a deambulação mais do que previsível do A. com cadeira de rodas ou canadianas bem assim o uso das suas comodidades sem embaraço ou obstáculos de construção físicos impossíveis de contornar sem a devida reabilitação em função da sua situação física;
g) Ressarcimento dos danos não patrimoniais futuros;
h) Ressarcimento dos danos patrimonial e biológico futuros do A., incluindo o da eventual necessidade de acompanhamento de uma terceira pessoa.
Sem prejuízo do pedido anterior, pede que seja a Ré Seguradora condenada no pagamento ao Autor da quantia de €13.300,00, acrescida de juros, desde a citação, até efetivo e integral pagamento.
Alega, para tanto e em síntese, que no dia 3 de novembro de 2019, pelas 09h02m, na Autoestrada A..., entre o km 25,280 e o 25,130, na União das Freguesia ... e ..., ..., ocorreu o acidente de viação em que foram intervenientes o Réu BB, conduzindo o veículo ligeiro de passageiros matrícula ..-..-PD, sua propriedade e/ou da Ré CC e, entre outros, o Autor, na qualidade de passageiro/ocupante desta viatura, que se fazia transportar no banco traseiro, tendo o acidente ocorrido por culpa exclusiva do condutor do veículo “PD”, e tendo os proprietários(s) do veículo transferido a responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação para a Ré Seguradora, mediante a Apólice n.º ...56.
Que a Ré Seguradora, em 6/04/2020, ainda não tinha assumido a responsabilidade, razão pela qual o Autor instaurou uma providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, a correr seus termos sob o n.º 2036/20...., do Juiz ... do Juízo Local Cível de ....
Mais alega que o Autor, em consequência do acidente sofreu diversos danos patrimoniais e não patrimoniais, necessitando, futuramente, de acompanhamento constante de terceira pessoa, mormente para os atos da vida diária, isto é, confeção de alimentos, lida da casa com a respetiva limpeza, ajuda na higiene pessoal e em trajar-se, entre outros., bem como de adaptação da sua residência, nomeadamente entradas de acesso, corredores, quartos, sala, cozinha e casas-de-banho, por forma a permitir a deambulação mais do que previsível do Autor com cadeira de rodas ou canadianas bem assim o uso das suas comodidades sem embaraço ou obstáculos de construção físicos impossíveis de contornar sem a devida reabilitação em função da sua situação física.
Alega ainda que o acidente foi participado à Ré Seguradora no dia do mesmo, mas esta só tomou posição, comunicando a não assunção da responsabilidade, após interpelação judicial no âmbito da identificada providência cautelar, pelo que nos termos do disposto no artigo 40º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, se constituiu devedora para com o lesado e para com o Instituto de Seguros de Portugal, em partes iguais, de uma quantia de 200,00 euros por cada dia de atraso.
Citado para o efeito, o Instituto da Segurança Social, IP, deduziu pedido de condenação dos Réus no reembolso das quantias por si pagas ao Autor, acrescidas de juros de mora legais, vencidos e vincendos, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Alegou, para tanto, que o Autor DD é beneficiário do Instituto de Segurança Social de ..., com o n.º ...19... e que, em consequência das lesões sofridas resultantes do acidente esteve com baixa médica subsidiada de 03/11/2019 a 11/06/2020; por tal facto, pagou ao Autor a título de subsídio de doença, a quantia de €2.837,82, a que acresce a prestação compensatória de subsídio de Natal/19, no valor de €60,12, perfazendo o total de €2.897,94.
A Ré EMP01... – Companhia de Seguros, S.A. contestou alegando que a tomadora do seguro nunca foi proprietária do veículo interveniente no acidente, nunca o teve na sua posse, não contratou nenhum seguro com a Ré relativo a esse veículo e nem tinha qualquer interesse na celebração do mesmo, razão pela qual o contrato de seguro encontra-se ferido de nulidade ab initio, nunca tendo produzido qualquer efeito.
Mais alega que tendo o veículo sido alienado no dia 30/10/2019 o contrato de seguro sempre teria cessado os seus efeitos às 24 horas do dia 30/10/2019.
O Réu Fundo de Garantia Automóvel contestou, impugnando parcialmente a matéria alegada na Petição Inicial e invocando a improcedência e inopobilidade da defesa por exceção deduzida pela Ré EMP01... – Companhia de Seguros, S.A..
A Ré CC contestou, tendo a sua Contestação sido mandada desentranhar por despacho de 25/01/2021.
O Autor exerceu o contraditório relativamente à defesa por exceção deduzida pela Ré EMP01... – Companhia de Seguros, S.A. pugnando pela sua improcedência e invocando a inoponibilidade das exceções deduzidas.
O Autor deduziu incidente de liquidação, pedindo também a correção de um erro aritmético no pedido inicialmente formulado, concluindo por pedir os seguintes valores:
a) €1.080.000,00, quanto à ajuda de terceira pessoa:
b) €800.000,00, quanto aos danos patrimoniais resultantes do acidente dos autos, na vertente de dano biológico;
c) €250.000,00, a título de danos não patrimoniais;
d) €198.567,70, quanto a danos patrimoniais respeitantes a tratamentos de fisioterapia, medicamentosos e de psicologia;
e) €9.500,00, a título de perdas remuneratórias; e
f) €13.380,00, quanto a ajudas técnicas e de adaptação de habitação;
O que perfaz o valor global de €2.351.447,70.
Manteve por liquidar o vertido em b a d) do pedido primitivo, atendendo a que presentemente não é previsível qual o montante das despesas que daqueles pedidos podem derivar e nomeadamente porquanto os mesmos não são, por ora, expectáveis.
O Fundo de Garantia Automóvel deduziu oposição ao incidente de liquidação, impugnando a matéria nele alegada.
A Ré EMP01... – Companhia de Seguros, S.A. deduziu também oposição ao incidente de liquidação, defendendo-se por exceção nos termos que já constavam da Contestação, mais impugnando o alegado pelo Autor.
O incidente de liquidação foi admitido por despacho de 8/05/2023 para ser julgado conjuntamente com a causa principal.
O Fundo de Garantia Automóvel exerceu o contraditório relativamente à defesa por exceção deduzida pela Ré EMP01... – Companhia de Seguros, S.A., pugnando pela sua improcedência.
O Instituto da Segurança Social, IP, veio ampliar o pedido de reembolso inicialmente formulado, pedindo a condenação dos Réus a pagar a quantia de €5.005,37, acrescida de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Alega, para tanto, que para além do período constante do pedido inicial, o Autor/Beneficiário, se manteve em situação de baixa médica subsidiada, até à consolidação médico-legal das lesões sofridas na sequência do acidente, fixada em 16/11/2020, pelo que ao valor anteriormente peticionado, acresce a quantia de €2.107,43, que pagou ao Autor/Beneficiário a título de subsídio de doença, no período compreendido entre 12/06/2020 e 11/11/2020.
A Ré EMP01... – Companhia de Seguros, S.A., contestou o pedido de reembolso formulado pelo Instituto da Segurança Social, IP, remetendo para os termos da sua Contestação.
O Fundo de Garantia Automóvel impugnou o pedido de reembolso formulado pelo Instituto da Segurança Social, IP, alegando que o legislador, entendeu por bem limitar o âmbito de aplicação da responsabilidade do FGA, criando um normativo legal que consagra os limites especiais à sua responsabilidade, artigo 51.º, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, cujos nºs 3 e 4 excluem a sua responsabilidade pelo pagamento das quantias reclamadas.
Por despacho proferido na sessão de julgamento de 24 de janeiro de 2024 foi admitida a ampliação do pedido de reembolso requerida pelo Instituto da Segurança Social, IP.
Foi dispensada a realização da audiência prévia, proferido despacho saneador e despacho a identificar o objeto do processo e a enunciar os temas da prova.
Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Nestes termos e face ao exposto, julgo parcialmente procedente a ação e, em consequência:
a) Condeno a Ré, “EMP01... – Companhia de Seguros, S.A.”, a pagar ao Autor, AA, a quantia de € 7.371,85, acrescida de juros vencidos desde a data da citação e vincendos até integral e efetivo pagamento, sobre o capital de € 7.371,85 à taxa legal de 4%;
b) Condeno a Ré, “EMP01... – Companhia de Seguros, S.A.”, a pagar ao Autor, AA, a quantia de € 560.000,00, deduzida das quantias que hajam sido pagas em cumprimento da providência cautelar decretada por apenso e acrescida de juros vencidos desde a data da presente sentença e vincendos até integral e efetivo pagamento, sobre o capital de € 560.000,00 à taxa legal de 4%;
c) Condeno a Ré, “EMP01... – Companhia de Seguros, S.A.”, a pagar ao Autor, AA, a quantia que se vier a liquidar a título de indemnização correspondente ao custo de assistência de terceira pessoa ao Autor nas suas deslocações e atividades da vida diária;
d) Condeno a Ré, “EMP01... – Companhia de Seguros, S.A.”, a pagar ao Instituto da Segurança Social, I.P., a quantia de € 4.941,25, acrescida dos juros vencidos desde a data da notificação dos respetivos pedidos de reembolso e vincendos até integral e efetivo pagamento, sobre o capital de € 4.941,25 à taxa legal de 4%;
e) Absolvo a Ré “EMP01... – Companhia de Seguros, S.A.” do restante peticionado;
f) Absolvo dos pedidos os Réus Fundo de Garantia Automóvel, BB e CC.

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Custas pelo Autor e pela Ré “EMP01...” na proporção do respetivo decaimento, no que concerne às alíneas a), b) e e), sendo em partes iguais pelo Autor e pela referida Ré que se refere à alínea c) e a cargo exclusivo da Ré no que concerne à alínea d) do dispositivo – Cfr., art.º 527.º, do Código de Processo Civil.
                                                           *
Notifique e registe.”

Inconformada, apelou a Ré da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“1ª - A douta sentença de fls. julgou a presente ação parcialmente procedente, condenando a R. EMP01... a indemnizar o A.;
2ª - A R. não se conforma com a decisão proferida, nem quanto à responsabilidade, nem quanto aos montantes indemnizatórios arbitrados na douta sentença em crise e pugna pela sua revogação.
3ª - Conclui o Tribunal “a quo”, no final da extensa fundamentação de direito (ponto II.), que “não é oponível ao Autor qualquer vício decorrente da eventual prestação de declarações inexatas quanto à propriedade do veículo ou condutor habitual do veículo de matrícula ..-..-PD ou, ainda, da falta originária de interesse segurável, o mesmo sucedendo com extinção do contrato por falta subsequente de interesse, decorrente da alienação de veículo. Cumpre, por isso, concluir pela improcedência da defesa por exceção deduzida pela Ré “EMP01...”.
4ª - Em oposição ao decido pelo Tribunal “a quo”, foi decidido, por Sentença proferida em 05/04/2024, já transitada em julgado, o Procº nº 4936/22...., que correu termos no Juízo Local Cível de ... – Juiz ..., que é A. o Hospital ..., EPE, e R. a EMP01..., ação julgada improcedente a a R. EMP01... absolvida do pedido.
5ª - O Tribunal “a quo” tratou de forma igual os dois fundamentos da defesa da R. EMP01..., que têm enquadramentos e consequências jurídicas diferentes (invalidade do contrato / cessação do mesmo).
6ª - A defesa da R. EMP01... centrou-se na questão da validade do contrato de seguro obrigatório referende ao veículo PD, em dois pontos essenciais: a nulidade do contrato de seguro fundada na inexistência de interesse da parte do tomador do seguro e a caducidade do contrato de seguro por força da transmissão do direito de propriedade.
7ª – Consagra o artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21 de Agosto, a obrigação se segurarem causa.
8ª - O artigo 6.º, n.ºs 1 e 2 do referido DL dispõe que a obrigação de segurar impende sobre o proprietário do veículo, excetuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, em que a obrigação recai, respetivamente, sobre o usufrutuário, adquirente ou locatário; contudo, se qualquer outra pessoa celebrar, relativamente ao veículo, contrato de seguro que satisfaça o disposto no diploma legal, fica suprida, enquanto o contrato produzir efeitos, a obrigação das pessoas referidas no número anterior.
9ª - O artigo 21.º, n.º 1 do referido DL dispõe que o contrato de seguro não se transmite em caso de alienação do veículo, cessando os seus efeitos às 24 horas do próprio dia da alienação, salvo se for utilizado pelo tomador do seguro inicial para segurar novo veículo.
10ª - Nos termos do artigo 22.º do referido DL, para além das exclusões ou anulabilidades que sejam estabelecidas no mesmo, a empresa de seguros apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do n.º 1 do artigo anterior, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do acidente.
11ª - No artigo 43.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, prevê-se que o segurado deve ter um interesse digno de proteção legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato.
12ª - Mesmo que se conclua não ter sido feita prova cabal de inexistência de interesse em segurar por parte do tomador do seguro, considerando-se a presunção decorrente da inscrição no registo (em relação à data de celebração do contrato de seguro, que é a que importa quanto à questão da alegada nulidade fundamentada na falta de interesse em segurar) e a discussão sobre a oponibilidade ao A.,
13ª - Conclusão diferente se retirará relativamente à também invocada questão da caducidade ao abrigo do artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 291/2007, uma vez que o outro fundamento da defesa da R. EMP01... se prende com a transmissão da propriedade e alteração do registo – assim, com o regime dos artigos 21.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 291/2007.
14ª -À data do acidente, 03/11/2019, o veículo PD constava como registado em nome, ainda, a R. CC, tomadora do seguro de responsabilidade civil obrigatório.
15ª - No dia 30/10/2019, foi apresentado, via informática, requerimento de registo automóvel no qual a R. CC declarou ter, nessa data, vendido o veículo ao R. BB.
16ª - A alienação do automóvel objeto do seguro não implica a transmissão do contrato de seguro, o qual, nos termos do artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 291/2007, caduca às 24 horas do dia da alienação.
17ª - A alienação do veículo pode ser onerosa ou gratuita, pelo que não relava a circunstância de o R. BB não ter efetuado qualquer pagamento à R. CC.
18ª - A caducidade do contrato de seguro pode ser oposta pela seguradora ao terceiro lesado, conforme dispõe o artigo 22.º do referido DL, desde que o seu fundamento seja anterior ao da ocorrência do sinistro.
19ª -Na participação de acidente de viação, o R. BB não teve qualquer dúvida em declarar-se como proprietário do veículo.
20ª - Embora os efeitos do registo automóvel apenas se produzam perante terceiros após a sua inscrição, não há dúvidas que o Decreto-Lei n.º 292/2007 refere expressamente, sem margem para outras interpretações ou ambiguidades, que a caducidade do contrato ocorre com a própria alienação do veículo, e não com o eventual registo.
21ª - O registo automóvel não tem caráter constitutivo, mas apenas declarativo.
22ª - Neste sentido da oponibilidade ao lesado da caducidade do contrato de seguro por alienação de veículo, vd., a título de exemplo:
- Acórdão da Relação de Coimbra de 22/10/2013, Apelação nº 132011.4TBLRA.C1;
- Acórdão da Relação do Porto de 25/03/2010, Apelação nº 332/08.0TBETR.P1;
- Acórdão da Relação de Lisboa de 26/02/2013, Apelação nº 5202/11.1TBSXL.L1-7;
- Acórdão da Relação do Porto de 16/01/2012, Apelação nº 182/08.3TBVLP.P1.
23ª - Tendo a R. EMP01... provado que no dia 30/10/2019 se verificou a transmissão da propriedade do veículo da R. CC para o R. BB, condutor do mesmo em 03/11/2019, data do acidente, com base na declaração de ambos documentada pelo pedido de registo,
24ª - Há que considerar que o contrato de seguro caducou às 24 horas do dia 30/10/2019, pelo que na data do acidente, 03/11/2019, já não existia contrato de seguro válido.
25ª – A caducidade do contrato de seguro automóvel é invocável pela R. EMP01... e oponível ao A. e ao Instituto de Segurança Social, IP.
Sem prescindir,
26ª - O acidente de viação ocorreu no dia 03/11/2019, tendo então o A. 41 anos de idade.
27ª – O A. trabalhava e auferia o salário de € 600,00 por mês.
28ª - O valor arbitrado de € 310.000,00 afigura-se elevado e não fundamentado.
29ª - Considerando: os 60 pontos de incapacidade; a idade de 41 anos à data do acidente; a idade de reforma de 70 anos; a esperança média de vida fixada nos 78 anos de idade; a circunstância da indemnização ser paga de uma só vez; o valor do salário mínimo nacional em 2019 de € 600,00 / mês;
30ª – Meso fazendo um cálculo aritmético tendo em conta 29 anos de vida ativa, o valor fixado afigura-se excessivo;
31ª - Ao A. assiste o direito a ser ressarcido pela incapacidade de que padece, traduzida na diminuição da sua condição física.
32ª - O chamado “dano biológico” justifica uma indemnização com vista a compensar as consequências negativas futuras que esse dano determina na vida do lesado em geral.
33ª - O dano biológico do A. deve ser compensado, apenas, enquanto dano não patrimonial, ou, no limite, ter em conta na fixação do montante indemnizatório pelo dano patrimonial o défice de 60 pontos, assumindo especial relevo os critérios de equidade.
34ª - Porém, a equidade não equivale ao arbítrio, surgindo mesmo como a sua negação.
35ª - Na ponderação do quantum da indemnização, o julgador não pode deixar de ter em consideração alguns elementos, por exemplo, as tabelas financeiras de cálculo de danos patrimoniais que se repercutam no futuro, que podem servir como critério coadjuvante, permitindo aferir o máximo da indemnização que seria devida para o caso de se verificar uma efetiva perda de rendimentos.
36ª - E não será de desprezar o contributo dos critérios estabelecidos na legislação respeitante à quantificação das indemnizações devidas pelas Seguradoras na fase extrajudicial em resultado de um acidente de viação.
37ª - De facto, tais critérios, fixados nas aludidas portarias e aplicáveis por força do DL 291/2007, decorre um efeito de grande utilidade para o julgador, que é, precisamente o de densificar e esclarecer os critérios da equidade na determinação da indemnização.
38ª - À data do acidente, o A. tinha 41 anos de idade e ficou afetado de um dano biológico de 60 pontos.
39ª - De acordo com os critérios estabelecidos na Portaria 679/2009, a compensação do dano biológico do A. deve situar-se em quantia inferior a € 225.000,00.
40ª - Quanto às tabelas financeiras, numa perspetiva de ressarcimento de uma efetiva perda de rendimentos, considerando uma retribuição anual de € 8.400,00, uma esperança de vida ativa de 29 anos, uma taxa de crescimento salarial anual de 3/4%, uma incapacidade de 60 pontos e uma taxa de capitalização de 3%, chegaríamos a verba inferior a € 170.000,00.
41ª - Como tal, não pode a R. aceitar o cômputo da indemnização atinente ao dano biológico do A. o valor que foi fixado, manifestamente excessivo.
42ª - Tendo em conta os critérios supra enunciados, de cálculo matemático, de equidade e de proporcionalidade, justifica-se a redução da indemnização pelo dano patrimonial futuro em valor nunca superior a € 225.000,00.
43ª - A indemnização por danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não tivesse verificado o evento, mas sim compensar de alguma forma o lesado pelas dores físicas e morais e também sancionar a conduta do lesante.
44ª - Tendo em conta os danos sofridos em consequência do sinistro, merecedores de tutela jurídica e, como tal, indemnizáveis, e atento o sofrimento físico e moral que provocaram no A., deverão ser considerados de considerável gravidade.
45ª - Tendo em conta os factos dados como provados e os valores indemnizatórios normais fixados pela jurisprudência em circunstâncias similares, bem como as indemnizações pela perda do direito à vida, a fixação de uma indemnização a títulos não patrimoniais, no valor de € 175.000,00, é excessiva.
46ª - As indemnizações por dano não patrimonial devem ter em conta um conjunto de elementos que vão desde a idade do acidentado, às lesões por si sofridas e respetivas sequelas, ao sofrimento que lhe provocaram e às consequências que advieram para a sua vida futura.
47ª - Tudo isto deve ser analisado de modo equilibrado e equitativo de modo a que não caiamos em indemnizações miserabilistas e desprestigiantes para os Tribunais nem em indemnizações que por tão excessivas não tenham correspondência com a realidade e correspondam por isso a um enriquecimento ilegítimo.
48ª - Fazendo um paralelismo com as indemnizações que vêm sendo arbitradas pelo direito à vida, muito próximas dos critérios fixados pelas Portarias 377/2008 e 679/2009, deve considerar-se exagerado o montante indemnizatório atribuído pelo Tribunal “a quo” a tal título e revogada a sentença, substituindo-se por um montante equitativo e, como tal, consideravelmente inferior, nunca superior a € 80.000,00, de acordo com o disposto no nº 3 do art. 496º do Código Civil.
49ª - Relativamente à assistência médica e medicamentosa futura, bem como ajudas técnicas, tento em conta a imprevisibilidade das despesas meramente orçamentadas, a durabilidade dos equipamentos considerando uma utilização prudente e conservadora dos mesmos, a incerteza quanto à periodicidade de consultas, e efetiva concretização das mesmas, bem como das sessões de fisioterapia, a antecipação do pagamento de despesas futuras e eventuais, mas incertas, afigura-se que o valor indemnizatório global de € 50.000,00, a este título, é justo e equitativo.
50ª - Ao decidir como decidiu, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos arts. 4º, 6º, 21º e 22º do DL nº 291/2007, no art. 43º do DL 72/2008, bem como o disposto nos arts. 342º, 349º, 483º, 496º, 505º, 562º, 563º, 564º, 566º e 570º do Código Civil.”
Pugna a Ré pela procedência do recurso e pela revogação da sentença recorrida.
O Autor apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida.
O Réu Fundo de Garantia Automóvel pugnando também pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado por CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes:
1 - Saber se deve ser alterada a decisão quanto à responsabilidade pelo pagamento da indemnização ao Autor;
 2 - Saber se deve ser alterado o montante indemnizatório atribuído a título de dano biológico e de dano não patrimonial.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:
1- No dia 3 de novembro de 2019, pelas 9h02m, o Réu BB conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-PD, na autoestrada A..., entre o km 25,280 e o 25,130, na União das Freguesia ... e ..., concelho ....
2- Na ocasião referida em 1, o Autor era transportado como passageiro no veículo de matrícula ..-..-PD, no banco traseiro direito.
3- No local referido em 1 e atento o sentido ...-..., a faixa de rodagem configura uma curva para a esquerda, que antecede uma recta.
4- No referido sentido, a faixa de rodagem tinha a largura total de 7,20m, era constituída por duas vias e era bordejada por uma berma com cerca de 2,00 m de largura.
5- O dia estava chuvoso, nublado e existia algum nevoeiro.
6- O piso da via era em asfalto betuminoso e encontrava-se molhado.
7- O veículo ..-..-PD circulava na faixa de rodagem destinada ao trânsito no sentido ...-... e seguia em direção ao ....
8- O Réu BB tripulava a indicada viatura a uma velocidade não concretamente apurada, mas situada entre 100 km/h e 120 km/h.
9- Ao chegar ao km 25,280, quando circulava pela via de trânsito da direita, atento o seu sentido de marcha, e descrevia a curva referida em 3, o Réu BB, deixou o veículo deslizar em direção às guardas metálicas de segurança existentes na berma do lado direito da via.
10- Nesse momento, perdeu o controlo da viatura, que, ao Km 25,280, embateu nas guardas metálicas de segurança referidas em 9.
11- E, depois, ao Km 25,130, embateu na barreira acústica situada desse lado da via.
12- Imobilizando-se cerca de 150 metros após o embate inicial, referido em 10, sobre as guardas metálicas, com a parte frontal direcionada para os painéis da barreira acústica referida em 11.
13- Acabando algumas peças do veículo e da barreira acústica por ser projetadas contra o portão de entrada da residência de EE, sita à Rua ..., na freguesia ..., concelho ....
14- O Réu BB quis imprimir ao veículo por si conduzido a velocidade referida em 8 e sabia que as condições atmosféricas e da via eram as referidas em 5 e 6.
15- A Ré “EMP01...” recebeu a participação do sinistro/acidente de viação ocorrido referido em 1 a 14.
16- Consta da referida participação que o veículo envolvido no acidente tinha a matrícula ..-..-PD, sendo o proprietário BB e estando o mesmo seguro na Ré pela apólice de seguro de responsabilidade civil automóvel n.º ...56....
17- Em 10.10.2019 foi emitida uma apólice de seguro com o n.º ...56, relativa à responsabilidade civil pelos danos sofridos por terceiros em resultado da circulação do veículo de matrícula ..-..-PD, na qual figura como “tomadora” a Ré CC, tendo intervindo como mediador FF.
18- Em 6.11.2019, a Ré CC enviou à Ré “EMP01...” um e-mail com o seguinte teor:
“Venho por este meio informar que foi efetuada uma apólice de seguro em meu nome, CC, no veículo com a matrícula ..-..-PD. Declaro que o veículo pertence a outra pessoa, não sendo meu pertence. Desta forma, nunca foi feita nenhuma apólice de seguro por mim, não dei autorização para tal, não assinei contrato algum e não tinha conhecimento da apólice feita.
O veículo foi comprado por BB e no ato de registo automóvel, BB não tinha sua identificação. Assim, eu, que estava com o comprador, emprestei a minha identificação para que pudesse proceder com a compra, visto que estávamos em .... BB concordou que faria o registo automóvel para seu nome logo que possível. Ele nunca fez qualquer alteração de proprietário, tendo eu que lhe pedir, constantemente, a alteração, ou, em alternativa a apreensão do carro. Assinamos duas declarações de venda, ao qual envio em anexo. A primeira não teve efeito feita no posto GNR, sendo que na segunda tentativa feita no dia 30 de novembro, ele afirma que o sistema ainda não tinha feito atualização. No dia 20 de setembro BB teve neste mesmo carro sete contraordenações. No passado dia 3 de novembro BB teve um acidente muito grave, provocando 2 feridos muito graves e uma morte. O veículo está assegurado pela vossa companhia em meu nome sem eu ter qualquer conhecimento até ao dia 4 de novembro, no qual BB informou-me ter feito a apólice e ter pago a mesma.
Este veículo não me pertence, nunca dei autorização para fazer qualquer tipo de seguro e desde agosto que BB me entrega requerimentos de registo sem nunca os ter pago.
Declaro que nunca tive a posse do veículo e nunca dei autorização ou fiz qualquer apólice de seguro, não aceitando os prejuízos do acidente que BB teve. Portanto, faço esta reclamação graciosa para que este acidente não afete e nem agrave a minha pessoa”.
19- Em 21.11.2019, no decurso de averiguação efetuada por iniciativa da Ré “EMP01..., A Ré CC prestou as seguintes declarações:
“O veículo ..-..-PD pertence a outra pessoa, não sendo meu pertence. Desta forma, nunca foi feita nenhuma apólice de seguro por mim, não dei autorização para tal, não assinei contrato nenhum e não tinha conhecimento da apólice feita. O veículo foi comprado por BB e no ato de registo automóvel, BB não teria sua identificação. Assim, eu, que estava com o comprador, emprestei a minha identificação para que pudesse proceder com a compra, visto que estávamos em .... BB concordou que faria o registo automóvel para seu nome logo que possível. Ele nunca fez qualquer alteração de proprietário, tendo eu que lhe pedir, constantemente a alteração, ou, em alternativa a apreensão do carro. Assinamos duas declarações de venda. A primeira não teve efeito, feita no posto GNR, sendo que na segunda tentativa feita no dia 30 de novembro, ele afirma que o sistema ainda não tinha feito atualização. No dia 20 de setembro BB teve neste mesmo carro sete contraordenações. No passado dia 3 de novembro BB teve um acidente muito grave, provocando dois feridos muito graves e uma morte. O veículo está assegurado pela vossa companhia em meu nome sem eu ter qualquer conhecimento até ao dia 4 de novembro, no qual BB informou-me ter feito a apólice e ter pago a mesma. Este veículo não me pertence, nunca dei autorização para fazer qualquer tipo de seguro e desde agosto que BB me entrega requerimentos de registo sem nunca os ter pago. Declaro que nunca tive a posse do veículo e nunca dei autorização ou fiz qualquer apólice de seguro, não aceitando os prejuízos do acidente que BB teve. Portanto, faço esta reclamação graciosa para que este acidente não afete e nem agrave a minha pessoa.
BB é meu ex-companheiro e temos uma filha em comum. Na altura que BB adquiriu o carro, ele tinha uma condução bastante abusiva e fui forçada a pedir a BB que fizesse a alteração por esse mesmo motivo. Tivemos problemas devido ao veículo e a nossa relação acabou por atos violentos na minha habitação com a nossa filha, pelo que deu resultado em autos de violência doméstica. BB saiu de casa há cerca de três meses por ser uma pessoa abusiva com a família, BB tenta causar-me distúrbios, visto que não aceita o fim da nossa relação e só peço para que estes atos de BB não sejam postos em causa na minha pessoa, pois pretendo seguir com a minha vida só e este acidente iria causar transtornos nas minhas verdadeiras apólices de seguro”.
20- E em 21.11.2019, o Réu BB declarou o seguinte:
“De referir que a 30 ou 31 de outubro de 2019, fui à agência ViviLopes e passei o veículo para o meu nome uma vez que tinha sido eu que o tinha comprado só que teria ficado em nome da minha ex-companheira CC, não existindo portanto troca de valor monetário. O veículo já foi para abate na ... em ...”.
21- A Ré “EMP01...” questionou o mediador de seguros, FF, pois não tinha na sua posse, nem no arquivo físico, nem em suporte informático, qualquer documentação que tivesse servido de base à emissão da apólice, designadamente, proposta assinada, documentação da viatura e da tomadora.
22- Em resposta, o mediador informou que não tinha ficado com cópia da proposta, mas que a mesma teria sido enviada à Ré “EMP01...” e enviou cópia do documento único automóvel, do certificado de inspeção, do cartão de cidadão da tomadora e da carta de condução da tomadora.
23- O certificado de inspeção periódica referido em 22 está datado de 14.10.2019.
24- A carta de condução da Ré CC foi emitida pela Confederação Suíça.
25- A apólice referida em 17 foi emitida pelo próprio mediador, numa plataforma informática, conforme procedimento habitual e instituído com a Ré “EMP01...”, não tendo este procedido à digitalização da documentação.
26- A apólice referida em 17 foi emitida com a morada “Rua ...”.
27- A morada completa da Ré CC é “Rua ...”.
28- Em 27.11.2019, a Ré “EMP01...” informou a Ré CC de que mantinha diligências para averiguar a reclamação que apresentara no sentido de não ter efetuado nenhum seguro relativo ao veículo matrícula ..-..-PD e de ter havido utilização abusiva dos seus dados pessoais.
29- No dia 30.10.2019, foi apresentado, por via informática, requerimento de registo automóvel no qual a Ré CC declarou ter, nessa data, vendido o veículo de matrícula ..-..-PD ao Réu BB.
30- Em 22.07.2019, a propriedade do veículo de matrícula ..-..-PD foi inscrita no registo automóvel em nome da Ré CC. 
31- Na data referida em 1, a propriedade do veículo de matrícula ..-..-PD ainda se encontra inscrita no registo automóvel em nome da Ré CC.
32- Em 5.11.2019, a propriedade do veículo de matrícula ..-..-PD foi inscrita no registo automóvel em nome do Réu BB. 
33- Na data referida em 30, os Réus CC e BB viviam em condições análogas às dos cônjuges, dormiam juntos, tomavam refeições juntos e estabeleciam relações sexuais das quais resultou o nascimento de uma filha em comum.
34- O veículo de matrícula ..-..-PD foi adquirido para transporte de ambos, nos diversos afazeres da sua vida doméstica e profissional, mormente passeios de lazer, idas aos mercados para aquisição de víveres e outros produtos domésticos e deslocações de e para os locais de trabalho.
35- A Ré CC também usava o veículo de matrícula ..-..-PD.
36- Na data referida em 1, os Réus CC e BB encontravam-se desavindos e viviam separadamente, tendo a primeira exigido ao segundo que registasse o veículo em nome deste.
37- Na apólice referida em 17, a Ré CC consta como “condutor habitual” do veículo de matrícula ..-..-PD e não como sua proprietária.
38- Em 6.04.2020, a Ré “EMP01...” ainda não tinha assumido a responsabilidade pelo sinistro referido em 1 a 14.
39- O Autor intentou, contra a Ré “EMP01...”, o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória apenso aos presentes autos.
40- Uma vez citada, a Ré “EMP01...” deduziu Oposição, da qual o Autor foi notificado em 30.04.2020, na qual invocou a nulidade do contrato de seguro relativo à apólice referida em 17, por falta de interesse económico da tomadora na sua celebração e, sem prescindir, a cessação dos efeitos da apólice de seguro às 24h do dia 30.10.2019, em virtude de ato translativo da propriedade do veículo de matrícula ..-..-PD.
41- O acidente referido em 1 a 14 foi participado à Ré “EMP01...”.
42- A Ré “EMP01...” só tomou posição sobre o acidente, comunicando a não assunção da responsabilidade, na Oposição referida em 40.
43- Tal posição somente foi do conhecimento do Autor em 30.04.2020.
44- Como consequência do acidente descrito em 1 a 14, o Autor sofreu: traumatismo crânio-encefálico ligeiro, escala Glasgow de 15 inicial, sem agravamento; traumatismo vertebro-medular cervical e dorsal com défice motor esquerdo maior que direito, com limitação da preensão palmar à esquerda e paresia grau 0 do membro inferior esquerdo, com diminuição da sensibilidade táctil associada (nível motor C6, nível sensitivo C5); trauma torácico-abdominal, com pneumotórax abdominal, hemotórax à esquerda e múltiplas fraturas costais à esquerda; laceração do baço com hemoperitoneu de pequeno volume.
45- Lesões às quais foi socorrido, primeiramente, no Centro Hospitalar Universitário ..., EPE, vulgarmente designado de Hospital ..., na cidade ....
46- Após o que, em 18.11.2019, foi transferido para o serviço de ortopedia do Centro Hospitalar ..., EPE, vulgarmente designado de Hospital ..., em ....
47- Naquela unidade foi submetido a artrodese cervical posterior C5-C7 e fixação dorsal D3-D4-D6.
48- Mercê das lesões referidas em 44, o Autor iniciou tratamento de reabilitação, bem como o uso diário de meias de contenção elásticas e cinta abdominal.
49- Iniciou o tratamento de reabilitação no serviço de medicina física e de reabilitação do Centro Hospitalar ... (Hospital ...), em ..., para onde foi transferido oriundo do Hospital ....
50- E daí foi para o Centro de Reabilitação ..., ao abrigo do Centro Hospitalar .../..., EPE, sito em ..., ....
51- O Autor apresentava as seguintes sequelas: a) Tetraplegia AIS D nível motor C6/nível sensitivo C5/nível de lesão neurológica C4; b) Assume posição de sedestação com ajuda; c) Razoável equilíbrio sentado, tanto estático como dinâmico; d) Assume posição ortostática com ajuda máxima; e) Sem equilíbrio em pé; f) Coordenação: sem alterações nas provas cerebolosas; g) Deambulação: CR autónomo em pisos regulares e curtas distâncias.
52- Foi-lhe elaborado um plano de recuperação funcional com os seguintes objetivos: a) Exploração do potencial de reabilitação neuromotora e funcional, nomeadamente autonomia na deambulação em cadeira de rodas manual, para longas distâncias, em piso regular e irregular; b) Autonomia nas atividades da vida diária, mormente alimentação, vestir, higiene e banho; c) Avaliação e abordagem neurológica/vesicoesfincteriana; d) Avaliação e treino de deglutição; e) Melhoria do estado psico-social; f) Estudo e prescrição de produtos de apoio; g) Avaliação da capacidade de condução no Centro de Mobilidade; h) Reintegração profissional.
53- Posteriormente, fez tratamento na UCCI da Santa Casa de Misericórdia de ..., onde esteve internado, para continuação de cuidados e reabilitação motora.
54- O Autor, à data do acidente, trabalhava como “operador de montagem de peças 1.º ano” na sociedade comercial “EMP02..., Lda.”, sita à Zona Industrial ..., em ..., ..., auferindo, em função do seu trabalho, quantia de 600,00/mês.
55- O Autor viu o seu vínculo laboral ser terminado, 16.01.2020, por denúncia comunicada por carta registada de 13.12.2019.
56- O Autor necessitará, futuramente, de acompanhamento constante de terceira pessoa, mormente, para os atos da vida diária, tais como: confeção de alimentos, lida da casa com a respetiva limpeza, ajuda na higiene pessoal e em trajar-se.
57- O Autor nasceu em ../../1978.
58- O Autor era, à data do sinistro, uma pessoa saudável, alegre, confiante, bem-parecido e jovial.
59- Em consequência das sequelas de que ficou a padecer, o Autor perdeu quase por completo a sua autoestima e sente tristeza.
60- Não se conformando com a sua situação em que se encontra, sem a sua autonomia e mobilidade.
61- O Autor sente dores, apenas suportáveis com o recurso a analgésicos.
62- Vive atormentado com a sua ineficiência física
63- O Autor esteve na rede de cuidados continuados do Serviço Nacional de Saúde, desde a data do acidente.
64- O Autor pretende continuar a realizar os tratamentos a que vem sido sujeito.
65- O Autor sofreu dores durante o acidente.
66- Receou que o desfecho de tal acidente pudesse ser a sua morte.
67- Sentiu desespero ao ser assistido e transferido de umas unidades clínicas para outras.
68- O Autor viu o seu corpo e espírito a definhar.
69- Mergulhou em profunda tristeza e nervosismo.
70- Chegando ao ponto de referir que preferia ter falecido a ver-se no estado para que o acidente o atirou.
71- Sente apreensão e ansiedade pelo seu futuro pessoal e profissional.
72- Não consegue participar com o seu filho GG, nascido em ../../2012, relativamente ao qual tinha um regime de guarda partilhada com a mãe do mesmo.
73- Enquanto esteve internado, e durante a situação de estado de emergência e, posteriormente, de calamidade, devido à situação de pandemia de Covid 19, o Autor ficou impedido de contactar com a sua família, nomeadamente, com a mãe e irmã.
74- Na sequência do acidente descrito em 1 a 14, o Autor foi admitido no serviço de urgência do Centro Hospitalar ... (Centro Hospitalar ...) a 3.11.2019, aí se observando o seguinte:
a) Traumatismo crânio-encefálico ligeiro com escala de coma de Glasgow de 15/15, sem agravamento. No internamento, após suspender sedação a 8/11, ECG de 15.
- Relatório de TAC cerebral, datado de 03/11/2019, revela lâmina hemática subdural posterior direita, 3 mm, sem efeito de massa e pequeno foco de sangue subracnoideu na cisterna interpeduncular.
b) Traumatismo vertebro-medular:
- Na admissão, neurologicamente com défice motor e sensitivo nos membros inferiores (força muscular grau 0 bilateralmente), com perda de sensibilidade até nível inguinal e arreflexia;
- Relatório de TC da coluna vertebral, datado de 03/11/2019, revela fraturas de C4, C6 e C7, contusão medular no plano do corpo de C7 e fraturas de D3, D4 e D5;
- Relatório de RMN da coluna cervical, datado de 03/11/2019, revela: “(...) contusão medular com componente hemorrágico focal central paramediano esquerdo no plano do corpo C7, com expansão e hipersinal centrifugo cranial e caudal atribuível a edema. (...) lesão traumática de C6-C7, que se traduz por hipersinal discal em T2 e STIR e ligeiro alargamento da vertente anterior do espaço intersomático, a que se associa a conhecida fratura da vertente anterior da plataforma vertebral superior de C7 (...) fratura dos componentes do maciço articular esquerdo, há fina lâmina hemática epidural circunferencial que se prolonga entre os planos de C4 e C7 (...) no plano de C6 e do disco C6-C7 há deformação do saco tecal, com atenuação do espaço subaracnoideu e moldagem da medula (...) Em C3-C4, C4-C5, C5-C6 há abaulamento circunferencial dos discos (...)”;
- Intervencionado cirurgicamente a 03/11 - artrodese cervical posterior
C5-C7 e fixação dorsal D3-D4-D6;
- Admitido na UCIP no pós-operatório imediato, sedado;
- Após levante da sedação, apresenta défice motor esquerdo > direito, com limitação da preensão palmar à esquerda e parésia grau 0 do membro inferior esquerdo, com diminuição da sensibilidade tátil associada (nível motor C6, nível sensitivo C5).
c) Trauma toraco-abdominal:
- Na admissão, hemodinamicamente estável e eupneico, SpO2: 100%. Drenado pneumotórax bilateral, retirados drenos torácicos a 5 e 6/11. No internamento, tentativa de extubação a 9/11, com falência ventilatória por secreções brônquicas e reintubação;
- Nova tentativa de extubação a 14/11 com sucesso sem intercorrências;
- No internamento, hemodinamicamente estável, anemia por perdas com necessidade de transfusão no total de 2 UGr (ultima transfusão a 07/11).
- Relatório de TC toraco-abdomino-pélvico, datado de 03/11/2019, revela: pneumotórax bilateral, hemotórax à esquerda, múltiplas fraturas de arcos costais à esquerda (4ª anterior, 5ª lateral com desalinhamento e espicula óssea adjacente, 6ª e 7ª posterior e lateral com desalinhamento e 8ª posterior em dois locais e lateral com desalinhamento), laceração pulmonar 10 mm no lobo médio e contusão pulmonar associadas. Pequena laceração do baço (lesão grau II) e hemoperitoneu de pequeno volume.
75- Durante o período de internamento no Centro Hospitalar ... decorreram as seguintes intercorrências de relevo: rabdomiólise, sem lesão renal aguda associada; desenvolvimento de úlceras de pressão sagrada (categoria 2) e occipital (categoria 3); sobreinfeção da contusão pulmonar, submetido a antibioterapia; registo ainda de antecedentes pessoais de ex-toxicodependente (haxixe, heroína e cocaína) em programa de desabituação, mantendo tratamentos neste sentido.
76- Após transferência para o serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar ... (Centro Hospitalar ...) a 18.11.2019, o Autor apresentava, no dia 21.11.2019, agravamento do pneumotórax à esquerda pelo que foi colocado dreno torácico, retirado no 28.11/2019.
77- Em 3.12.2019, o Autor foi transferido para o serviço de Medicina Física e de Reabilitação do Centro Hospitalar ..., para continuação de cuidados de reabilitação.
78- À data de transferência desta instituição, o Autor apresentava tetraplegia AIS D nível sensitivo C5 à direita e C4 à esquerda – NN C4, bexiga neurogénica – em algaliação contínua, intestino neurogénico.
79- Funcionalmente, necessitava de ajuda mínima na alimentação, ajuda moderada no banho, para se vestir e nas transferências e sem capacidade de marcha.
80- E apresentava-se com produtos de apoio: cinta abdominal e meias elásticas.
81- Foi realizado TC cervical ao Autor, cujo relatório, datado de 12.12.2019, revelou: “(...) sinais de abordagem cirúrgica por via posterior, com artrodese C5-C7 e corporectomia de C6, observando-se área radiolucente rodeando os parafusos transsomáticos de C7, aspeto poderá refletir ausência de fixação. (...) O canal vertebral é pouco amplo no plano de C5-C6, aspeto que relacionamos com a anteposição discreta do arco posterior de C6 à esquerda”.
82- O Autor foi transferido para o Centro de Reabilitação ... a 17.12.2019.
83- Tendo, nessa sequência, sido detetado o seguinte:
a) Síndrome miofascial Teres minot + Teres major + Dorsalis major esquerdos, para o qual foi submetido a bloqueio miofascial ecoguiado a 27/01/2020 a 10/02/2020;
b) Algaliado continuamente, em drenagem livre; treino intestinal já instituído no internamento prévio, sem registo de perdas;
c) Com tetraplegia AIS D nível motor C6/nível sensitivo C4 /nível de lesão neurologia C4.
84- Teve alta a 9.03.2020, apresentando autonomia na deambulação em cadeira de rodas manual, para longas distâncias em piso regular e irregular, autonomia na alimentação, higiene pessoal e vestir/despir em sedestração.
85- O Autor foi transferido para a Unidade de Média Duração da UCCI de ... a 9.03.2020, para reabilitação funcional e tratamento de feridas.
86- Aí foi observado o seguinte: “Recebeu, em Julho de 2020, a ortótese para o membro superior esquerdo, que tem utilizado com a ajuda da fisioterapia e equipa de enfermagem. Administrado botox para bexiganeurogénica a 23/09/2020 no Hospital ..., tendo alta deste no 1º dia pós-operatório (23/09/2020). Alta a 16/11/2020, apresentando “melhorias razoáveis com obtenção de considerável autonomia (…) utente dependente em grau reduzido nos autocuidados; dependente em grau moderado no autocuidado uso do sanitário (...) independente na deambulação em CR e na alimentação”.
87- Em consulta de reabilitação de lesões medulares do Centro Hospitalar .../E, com relatório datado de 6.01.2021, foi observado o seguinte: utilização de ortótese punho-mão; queixas álgicas com necessidade frequente de medicação SOS; algaliação contínua; treino intestinal com bisacodilo oral e supositórios em dias alternados, eficaz e regular, sem perdas entre treinos; melhoria do nível de autonomia funcional, referindo conseguir fazer marcha para pequenas distâncias com andarilho ou canadianas, passadeira e subir/descer escadas.
88- No Centro Hospitalar .../..., segundo relatório datado de 18.11.2021, foi constatado, relativamente ao Autor, o seguinte: “(...) primeira e única até ao momento consulta de Dor Crónica a 20/07/2021 na Unidade de Tratamento de Dor Crónica no Centro Hospitalar .../.... (...)Plano: Tridural 300 mg noite; Zilpen 8/8 em SOSO; ADT 25 noite; mantém gabapentina 600 3x/dia; baclofeno 25 12/12; fentanilo 50 transdérmico. Mantém seguimento nesta Unidade”.
89- Posteriormente, ainda no Centro Hospitalar .../..., em relatório datado de 3.01.2022, foi constatado, em relação ao Autor, o seguinte: “doente com traumatismo vertebro-medular, seguido no Centro de Reabilitação .... Não é seguido por Urologia”.
90- O Autor foi acompanhado na Unidade de Saúde Familiar ..., com a primeira consulta efetuada em 16.08.2021, aí se observando que “Tem mantido incapacidade para o trabalho desde então, prorrogada nesta Unidade pela sua situação clínica.”
91- Após o acidente referido em 1 a 14 e até à atualidade, o Autor não especificou qualquer queixa psíquica, verbalizando sobretudo sentimentos de tristeza pela sua incapacidade física e pela morte do amigo.
92- O Autor não apresenta patologia psíquica sequelar permanente decorrente do acidente referido em 1 a 14, não carecendo, neste momento, de intervenção específica pela especialidade de psiquiatria.
93- Em consequência do acidente referido em 1 a 14, o Autor apresenta hemiparesia esquerda, com força distal grau 1/2, com alterações da sensibilidade, da qual decorre um Défice Permanente da Integridade Psico-Física valorizável de 60 (sessenta) pontos, impeditivo do exercício da sua atividade profissional habitual, bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.
94- O Autor teve alta definitiva a 16.11.2020.
95- Das lesões que o Autor sofreu no acidente referido em 1 a 14, resultaram as seguintes sequelas:
a) Crânio: na linha média da região occipital, área de alopecia de orientação transversal, com 1 por 4.5 cm de maiores dimensões;
b) Pescoço: na face lateral esquerda, terço inferior, cicatriz cirúrgica, linear, nacarada e normotrófica, oblíqua e de orientação descendente medial, com 1 por 5 cm de maiores dimensões;
c) Ráquis: na linha média da região dorsal, região interescapular, cicatriz cirúrgica linear, normotrófica e normocrómica, longitudinal, com 1.5 por 17 cm de maiores dimensões;
d) Tórax: na face lateral do hemitórax esquerdo, cicatriz irregular, normotrófica e normocrómica, com 2 por 2.5 cm de maiores dimensões; na face lateral do hemitórax direito, cicatriz irregular, normotrófica e normocrómica, com 0.5 por 1.5 cm de maiores dimensões;
e) Abdómen: na região da crista ilíaca anterior esquerda, cicatriz cirúrgica linear, normotrófica e normocrómica, de oritneação oblíqua descendente medial e 4 cm de comprimento;
f) Períneo: encontra-se algaliado;
g) Membro superior direito: limitação no movimento de extensão do 2º dedo da mão;
h) Membro superior esquerdo: mobilidade e força do ombro preservadas; mobilidade do cotovelo preservada, com força de flexão de grau 3/5 e força de extensão de grau 4+/5; dedos da mão em posição de flexão por espasticidade, com limitação passiva da sua extensão;
i) Membro inferior esquerdo: hiposensibilidade à estimulação tátil de todo o membro inferior; arco de mobilidade do joelho de 0º-90º, com força na flexão de grau 3/5 e força na extensão de grau 4/5; limitação da mobilidade e força global do tornozelo e pé.
96- Tais sequelas repercutem-se, a nível funcional (posturas, deslocamentos e transferências), do seguinte modo:
a) O Autor desloca-se habitualmente em cadeira de rodas, embora consiga dar alguns passos com apoio de uma canadiana no domicílio; consegue, com dificuldades, levantar-se da posição em decúbito e transferir-se para a cadeira de rodas sem ajuda de terceiros;
b) O A. manifesta dificuldade em permanecer sentado por longos períodos sem apoio dorsal, pelas queixas álgicas despoletadas;
97- Ao nível da manipulação e preensão, o Autor demonstra:
a) Incapacidade de manipular objetos com a mão esquerda, não conseguindo pegar na faca para cortar os alimentos, tendo de ser ajudado por terceira pessoa para esse efeito;
b) Utiliza habitualmente uma luva/tala na mão esquerda, uma vez que esta permanece habitualmente cerrada.
98- Ao nível de cognição e afetividade, o Autor, embora não tivesse procurado obter apoio psicológico:
a) Faz uso de medicação para dormir, com melhoria, mas acorda durante a noite por dor despoletada no braço esquerdo;
b) Inicialmente, teve pesadelos com o acidente, o que já não sucede.
99- Ao nível do controlo de esfíncteres, o Autor encontra-se:
a) Permanentemente algaliado, trocando mensalmente o indicado dispositivo no posto médico de ...;
b) Atualmente, defeca normalmente, sem necessidade de ajuda ou de uso de fralda;
c) É independente nas suas atividades mais simples de higiene pessoal.
100- Ao nível da sexualidade e procriação, tem ereção peniana.
101- O Autor experimenta, ainda, fenómenos dolorosos, mormente, dor na região lombar e cervical e no braço esquerdo, "em aperto" e de carácter constante, que agrava com os esforços, nomeadamente, a caminhar e na posição de sentado, o que o obriga a ser medicado com “Tramadol”, em duas tomas diárias (200 mg noite e 100 mg manhã).
102- A consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 16.11.2020, sendo o défice funcional temporário total de 380 dias.
103- Mercê do acidente, o Autor ficou a padecer de tetraplegia AIS D nível motor C6/nível sensitivo C5/nível de lesão neurológica e ausência de equilíbrio em pé.
104- O Autor sofreu, por causa do acidente referido em 1 a 14, um quantum doloris de grau 6, numa escala de 0 a 7, em grau crescente de gravidade.
106- Em consequência do acidente referido em 1 a 14, o Autor ficou a padecer de um défice da integridade física e psíquica de 60 pontos.
107- As sequelas de que ficou a padecer, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, são impeditivas do exercício da sua profissão habitual, bem como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.
108- O Autor ficou a padecer, em resultado do acidente descrito em 1 a 14, de um dano estético permanente de grau 5, numa escala de 0 a 7, em grau crescente de gravidade.
109- E sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 6, numa escala de 0 a 7, em grau crescente de gravidade.
110- Ainda por causa do acidente referido em 1 a 14, o Autor sofreu uma repercussão permanente na atividade sexual de grau 6, numa escala de 0 a 7, em grau crescente de gravidade.
111- O Autor ficou a carecer de ajudas técnicas permanentes, medicamentosas, médicas, de adaptação domicílio, adaptação de local de trabalho ou veículo e ajuda de terceira pessoa para tarefas pessoais, tais como o banho.
112- O Autor, atualmente, carece de acompanhamento de terceira pessoa para os atos da vida diária, estando a ser ajudado pelos pais, com quem vive.
113- O Autor tem necessidade de consultas de especialidade, medicamentosas e técnicas, tais como fisioterapia, calçado especial e cirurgias.
114- No que concerne às ajudas técnicas permanentes e adaptação do domicílio, o Autor necessita de: almofada para prevenção de escaras; alteador de sanita; barra de apoio para sanita; cadeira de duche; cadeira de rodas manual ativa; cama articulada; canadiana; colchão para prevenção de escaras; ortótese para membro inferior; poltrona; rampa; tala para membro superior; unidade de propulsão elétrica.
115- No que respeita aos tratamentos médicos regulares, o Autor terá necessidade de consultas de Medicina Física e Reabilitação, de forma a manter funções neuro-músculo-esqueléticas, numa cadência de pelo menos duas consultas anuais, com um custo de € 100,00 cada uma.
116- Na sequência dessas mesmas consultas, o Autor necessitará de fisioterapia, na quantidade de 60 sessões anuais, no valor de € 20,00 cada.
117- O Autor necessita permanentemente de recurso a medicação regular – analgésicos, antiespasmódicos ou antiepilépticos –, sem a qual não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações da vida diária.
118- Bem como de medicação para regulação do trânsito intestinal, mais concretamente, de dois comprimidos diários de “Dulcolax”.
119- O “Tramadol” tem um custo de cerca de € 5,00 cada caixa, necessitando o Autor de, pelo menos, seis caixas mensais.
120- Quanto ao “Dulcolax”, necessita de três embalagens mensais, cada uma com vinte comprimidos, com um custo de cerca de € 8,00 cada embalagem.
121- A almofada para prevenção de escaras tem custo unitário médio de € 50,00 e uma durabilidade máxima de dois anos.
122- O alteador de sanita tem um custo unitário médio de € 40,00 e durabilidade máxima de dez anos.
123- A barra de apoio para sanita tem um custo unitário médio de € 100,00 e durabilidade máxima de vinte anos.
124- A cadeira de duche tem um custo unitário médio de € 75,00 e durabilidade máxima de dez anos no máximo.
125- A cadeira de rodas manual ativa tem um custo unitário médio de € 500,00 e durabilidade máxima de vinte anos no máximo.
126- A cama articulada tem com um custo unitário médio de € 750,00.
127- As canadianas têm um custo unitário médio de € 50,00 o par e durabilidade máxima de vinte anos.
128- O colchão para prevenção de escaras tem um custo unitário médio de € 200,00 e durabilidade máxima de cinco anos no máximo.
129- A ortótese para o membro inferior tem um custo unitário médio de € 250,00 e durabilidade máxima de cinco anos.
130- A poltrona tem com um custo unitário médio de € 300,00 e durabilidade máxima de vinte anos.
131- A rampa tem um custo unitário médio de € 150,00.
132- A tala para membro superior tem um custo unitário médio de € 75,00 e durabilidade máxima de cinco anos.
133- A unidade de propulsão elétrica tem um custo unitário médio de € 2.000,00.
134- O calçado especial tem um custo unitário médio de € 50,00 e durabilidade máxima de cinco anos.
135- A algália tem com um custo unitário médio de € 5,00, com necessidade de duas por mês.
136- O Autor reside com os seus pais e com um filho.
137- O Autor sente-se apoiado pela sua família.
138- Habitualmente dorme até às 12h.
139- No seu dia a dia, vê televisão e joga "no telemóvel", apanha sol e caminha por casa.
140- Mão sendo frequentes as saídas do domicílio, apenas saindo para conviver com a família, em idas ao supermercado ou a festas de anos.
141- Antes do acidente passava mais tempo com o filho, iam ao café e chutavam a bola.
142- ainda não manteve qualquer relacionamento amoroso após o acidente.
143- Deixou de jogar futebol com os amigos, o que antes fazia, pelo menos uma vez por semana.
144- O Autor beneficiará com a realização de sessões de intervenção psicológica, com uma cadência trimestral, para reabilitação cognitiva e para evitar um descontrolo ou descompensação psiquiátrica.
145- Por média, as mesmas têm um custo nunca inferior a € 75,00.
146- O Autor necessita de ajudas de terceira pessoa para os atos da sua vida diária e nas deslocações de longo percurso, bem como de vigilância nas atividades de higiene pessoal.
147- Necessita de ajuda na preparação do banho – preparação da roupa e dos objetos para o banho – preparação na medicação e alimentação, ajuda para cortar alimentos nas refeições – porquanto alimenta-se apenas com a utilização da mão direita – ajuda no momento de se vestir e na escolha das roupas com que se vai trajar, ajuda na lida da casa – mormente no asseio da casa –, na aquisição de bens alimentares e outros bens de uso diário/quotidiano, na confeção de refeições e nas deslocações de e para supermercados, centros de saúde, locais de lazer e outros.
148- O Autor apresenta restrições em pegar e manusear objetos com a mão esquerda, e na realização de atividades bi-manuais, como abotoar e preparar os alimentos – cortar e descascar.
149- Nas restantes atividades da vida diária, foi forçado a adquirir novas aprendizagens para a realização das atividades de auto-cuidados: a maioria das atividades são realizadas na posição de sentado; fá-las com mais esforço, apresentando dores constantes, e/ou demorando mais tempo.
150 O Autor viu-se privado de auferir qualquer salário mensal, bem como dos respetivos subsídios de férias e de Natal desde a data do acidente até à data da alta.
151- O Autor despendeu, até à data da alta, durante o internamento a que foi sujeito em ..., os seguintes valores:
a) € 114,27, no mês de março de 2020;
b) € 149,70, no mês de abril de 2020;
c) € 154,69, no mês de maio de 2020;
d) € 149,70, no mês de junho de 2020;
e) € 154,69, no mês de julho de 2020;
f) € 154,69, no mês de agosto de 2020;
g) € 144,71, no mês de setembro de 2020;
h) € 154,69, no mês de outubro de 2020;
i) € 74,85, no mês de novembro de 2020.
152- Despendeu, ainda, a quantia de € 35,22 em transportes.
153- Ao nível das despesas medicamentosas, o Autor despendeu:
a) No ano de 2020: € 181,56;
b) No ano de 2021: € 917,93;
c) No ano de 2022: € 1.069,19;
d) No ano de 2023: € 266,50.
154- O Autor despenderá uma média de € 100,00 mensais em medicamentos.
155- O Autor viu, por via do acidente referido em 1 a 14, desmoronar-se a perspetiva de um dia ter uma relação amorosa ou mesmo vir a casar-se.
156- O Autor DD é beneficiário do Instituto de Segurança Social de ..., com o n.º ...19....
157- Em consequência das lesões sofridas resultantes do acidente referido em 1 a 14, o Autor esteve com baixa médica subsidiada de 3.11.2019 a 11.06.2020.
158- Por tal facto, o Instituto da Segurança Social, I.P., pagou ao Autor a título de subsídio de doença, a quantia de € 2.837,82, bem como a prestação compensatória de subsídio de Natal/19, no valor de € 60,12.
159- Além do período referido em 153, o Autor manteve-se em situação de baixa médica subsidiada até à consolidação médico-legal das lesões sofridas na sequência do acidente, fixada em 16.11.2020.
160- Por esse motivo, além do valor referido em 154, o Instituto da Segurança Social, I.P., pagou ao Autor a quantia de € 2.107,43, a título de subsídio de doença, no período compreendido entre 12.06.2020 e 11.11.2020.
161- Por sentença proferida em 25.05.2023 e já transitada em julgado, no processo comum singular n.º 5/20...., que correu termos no Juízo Local Criminal de ... – J..., o Réu BB foi condenado pela prática, entre outros, dos factos descritos nos pontos 1 a 14 dos Factos Provados, constando do dispositivo dessa sentença o seguinte:
“1. Condeno o arguido, BB, como autor da prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário com agravação, p. e p. pelos arts. 291º, n.º 1, al. a), 285º e 294º, n.º 3, e 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal (este crime em concurso aparente com o crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo art. 137º, n.º 1, do Código Penal), na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão;
2. Condeno o arguido, BB, como autor da prática de um crime de ofensa à integridade física por negligencia, p. e p. pelos arts. 148º, n.ºs 1 e 3 e 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão;
3. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas em 1. e 2., condeno o arguido, BB, na pena única de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão;
4. Ao abrigo do disposto no art. 50º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, suspendo a execução da pena única de prisão aplicada ao arguido, em 3., pelo período de 3 (três) anos e 9 (nove) meses;
5. Determino que a suspensão da execução da pena única de prisão aplicada ao arguido, em 4., seja acompanhada de regime de prova, assente num plano de reinserção social (que deve conter os objetivos de ressocialização a atingir pelo condenado, as atividades que este deve desenvolver, o respetivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adotar pelos serviços de reinserção social) a elaborar pela DGRSP e a ser homologado pelo Tribunal (com especial incidência para a consciencialização dos deveres do arguido perante a lei e regras estradais e seja motivador do arguido a manter-se afastado da prática do mesmo tipo de crimes ou de outros crimes estradais), e executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, pelos serviços de reinserção social - e, ainda, ficando o arguido sujeito durante o aludido período de suspensão da execução da pena única de prisão aos seguintes deveres/obrigações/regras de conduta: a) ao cumprimento, por parte do mesmo, do dever de pagar aos Bombeiros Voluntários ..., e dentro do prazo de dois anos, a quantia de 1.000,00 (mil) euros - cfr. art. 50º, n.º 2 e art. 51º, n.º 1, al. c), do Código Penal; - b) ao cumprimento, por parte do arguido, da regra de conduta de frequência de um programa de responsabilidade e segurança estradal e designadamente as seguintes ações que integram o mesmo - frequência de um curso sobre condução segura dinamizado por entidade, em data e local a indicar ao arguido pela DGRSP; - frequência de um curso sobre comportamento criminal e estratégias de prevenção da reincidência dinamizado pela DGRSP, em data e local a indicar ao arguido por tal entidade – cfr. art. 52º, n.º 1, als. b) e c), do Código Penal; - c) à obrigação de realização de entrevistas com Técnico da DGRSP, com a periodicidade por este definida - cfr. art. 52º, n.º 1, al. c), do Código Penal; - d) à regra de conduta de sujeitar-se a consulta médica de avaliação de dependência de consumo de estupefacientes, álcool e/ou substancias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, e caso venha a constatar-se tal dependência sujeitar-se a tratamento médica/medicamentoso que venha a ser prescrito – sendo que o arguido deu o seu consentimento para o efeito (cfr. art. 52º, n.º 3, do Código Penal); e) inscrever-se no centro de emprego e demonstrar tal factualidade de três em três meses na DGRSP ou caso venha a inserir-se profissionalmente demonstrar tal factualidade de três em três meses na DGRSP (cfr. art. 52º, n.º 1, al. c), do Código Penal); - E em conformidade, serão remetidos a este processo relatórios pela DGRSP – de 4 em 4 meses -, decidindo este Tribunal, oportunamente, e com fundamento nas informações assim carreadas aos autos, da revogação ou não das obrigações supra referidas e da revogação ou não da suspensão da execução da pena de prisão.
6. Condeno o arguido, BB, na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos a motor pelo prazo de 1 (um) ano e 8 (oito) meses, nos termos do art. 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal;
7. Condeno o arguido, BB, na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos a motor pelo prazo de 6 (seis) meses, nos termos do art. 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal;
8. Operando o cúmulo jurídico das penas acessórias parcelares aplicadas em 6. e 7., condeno o arguido, BB, na pena acessória única de proibição de conduzir quaisquer veículos a motor pelo prazo de 1 (um) ano e 11 meses de prisão;
9. Condeno o arguido no pagamento das custas, fixando a taxa de justiça devida no mínimo, atenta a sua confissão e nos demais acréscimos legais que fixo no mínimo”.
***
Factos considerados não provados em Primeira Instância:

Artigo 6.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “e escorregadio”.
Artigo 14.º da Petição Inicial – “Ultrapassando-as.”
Artigo 15.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “Acabando a referida viatura a quedar-se já junto do portão”.
Artigo 41.º da Petição Inicial – “Não tem acesso presentemente a qualquer subsídio social”.
Artigo 54.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “e psiquiatria”. 
Artigo 60.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “e depressão”.
Artigo 62.º da Petição Inicial – “Sem massa muscular nos membros afetados”.
Artigo 65.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “como intelectual”.
Artigo 66.º da Petição Inicial – “O que justifica a necessidade futura de tratamentos psiquiátricos”.
Artigo 69.º da Petição Inicial – “Embora se encontre em ..., pretende sair para uma unidade mais próxima da sua residência e mormente da sua família”.
Artigo 86.º da Petição Inicial – “Achando-se deprimido”.
Artigo 90.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “Deixou de conviver com o seu filho menor”.
Artigo 99.º da Petição Inicial – Na parte em que se diz “no dia do mesmo”. 
Artigo 8.º da Contestação da Ré “EMP01...” – Na parte em que se diz “que nunca a recebeu”.
Artigo 10.º da Contestação da Ré “EMP01...” – Na parte em que se diz “nem ao envio da mesma à R.”.
Artigo 15.º da Contestação da Ré “EMP01...” – “Nunca o teve na sua posse”.
Artigo 16.º da Contestação da Ré “EMP01...” – “Não contratou nenhum seguro com a R. relativo ao veículo acidentado”.
Artigo 17.º da Contestação da Ré “EMP01...” – “Nem tinha qualquer interesse na celebração do mesmo”.
Artigo 5.º da Resposta do Autor – Na parte em que se diz “constando atualmente que a R. CC se encontra novamente de esperanças de mais um filho do R. BB”.
Artigo 9.º da Resposta do Autor – “O que, atualmente, já não assim sucede, vivendo novamente em situação idêntica àquela que tinham aquando da aquisição da viatura”.
Artigo 10.º da Resposta do Autor – Na parte em que se diz “que a reverberava a pessoas familiares e amigas, fazendo-as sentir o seu desgosto em relação ao R. BB.”.
Artigo 13.º da Resposta do Autor – Na parte em que se diz “não sendo da lavra da R. CC, foi redigido por alguém que não se apresenta”.
Artigo 19.º da Resposta do Autor – na parte em que se diz “a viatura foi adquirido para o casal”.
Artigo 54.º do Requerimento de Liquidação – Na parte em que se diz “pelos menos dezasseis horas diárias e a remuneração de duas pessoas, que, no mínimo, deverá situar-se em € 850,00 x 14 meses x 2 pessoas”.
Artigo 55.º do Requerimento de Liquidação – “Ou seja, € 1.000,000,00 para suportar pelas ajudas referentes neste domínio”.
Artigo 56.º do Requerimento de Liquidação – “Reclama a indemnização destinada a suportar o custo das atividades de lazer e férias, durante o período de férias, considerando a necessidade de conceder o direito a férias às demais trabalhadoras e contratar alguém em sua substituição, em critérios idênticos e usados supra, ao longo de toda a sua vida, no montante de € 80.000,00”.
***
3.2. Reapreciação da decisão de mérito da ação

3.2.1. Da responsabilidade pelo pagamento da indemnização devida ao Autor
De salientar em primeiro lugar que não se encontra impugnada a decisão sobre a matéria de facto.
Por outro lado, também não vem questionado nos autos que a responsabilidade na produção do acidente recai sobre o condutor do veículo de matricula ..-..-PD e nem que se verificam os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, geradora da obrigação de indemnizar o Autor.
O que a Recorrente EMP01... – Companhia de Seguros, S.A. questiona é a sua própria responsabilidade no pagamento dessa indemnização, invocando que o contrato de seguro não se encontrava em vigor, seja por força da nulidade decorrente da tomadora não ser proprietária do veículo e não ter um interesse segurável, seja porque o seguro se não transmite em caso de alienação do veículo, cessando os seus efeitos às 24 horas do próprio dia da alienação, entendendo, por isso, que quer a nulidade quer a alienação são oponíveis ao lesado, aqui Autor.
Em sentido contrário, foi decidido pelo tribunal a quo que “não é oponível ao Autor qualquer vício decorrente da eventual prestação de declarações inexatas quanto à propriedade ou condutor habitual do veículo de matrícula ..-..-PD ou, ainda, da falta originária de interesse segurável, o mesmo sucedendo com extinção do contrato por falta subsequente de interesse, decorrente da alienação do veículo”.
Vejamos então se lhe assiste razão.
Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto (que aprovou o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel) toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um título específico e seus reboques, com estacionamento habitual em Portugal, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta tal responsabilidade, nos termos do presente decreto-lei.
Decorre do preceituado no artigo 6.º do mesmo diploma legal que a obrigação de segurar impende sobre o proprietário do veículo, excetuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, em que a obrigação recai, respetivamente, sobre o usufrutuário, adquirente ou locatário (n.º 1) e que, se qualquer outra pessoa celebrar, relativamente ao veículo, contrato de seguro que satisfaça o disposto no presente decreto-lei, fica suprida, enquanto o contrato produzir efeitos, a obrigação das pessoas referidas no número anterior (n.º 2).
Conforme decorre da matéria de facto provada (ponto 17) em 10/10/2019 foi emitida uma apólice de seguro com o n.º ...56, referente à garantia, pela Ré “EMP01...”, da responsabilidade civil pelos danos sofridos por terceiros em resultado da circulação do veículo de matrícula ..-..-PD, na qual figura como “tomadora” a Ré CC, tendo intervindo como mediador FF”.
Contudo, a Recorrente invoca a nulidade do contrato de seguro nos termos do disposto no artigo 43º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril (que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro, de ora em diante RJCS), onde se estabelece que o segurado deve ter um interesse digno de proteção legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato.
E, em face do preceituado no artigo 21º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 291/2007 (que dispõe que o contrato de seguro não se transmite em caso de alienação do veículo, cessando os seus efeitos às 24 horas do próprio dia da alienação, salvo se for utilizado pelo tomador do seguro inicial para segurar novo veículo) sustenta ainda que o seguro não se transmitiu com a alienação do veículo, verificando-se a caducidade do mesmo.
Estamos perante uma causa de cessão do contrato de seguro por caducidade, que opera de forma automática, ipso iure, pelo simples efeito da verificação da alienação.
Importa salientar que a válida celebração de um contrato de seguro exige o preenchimento do requisito do interesse (que se entende comumente ser de natureza económica) na cobertura de um determinado risco; veja-se que o risco é elemento do tipo do contrato de seguro, estabelecendo o artigo 1.º do RJCS que por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem.
Assim se compreende que o referido n.º 1 do artigo 43º consagre que o segurado tenha um interesse digno de proteção legal relativamente ao risco coberto, sob pena de nulidade do contrato, e que o citado n.º 1 do artigo 21º estabeleça que o contrato de seguro cesse os seus efeitos com a alienação do veículo.
Interesse, no contrato de seguro, é o “interesse em que não se verifique o evento adverso (em si mesmo ou pelas despesas que desencadeia [...]. A maior ou menor intensidade do interesse (ou mesmo a sua dispensa) é questão de política legislativa, que, sob este aspeto, se tem preocupado em especial com o uso do seguro cuja finalidade se aproxima do jogo [...] e com a prevenção de vantagem fraudulenta à custa do segurador e da desgraça alheia. Na lei portuguesa vigente (artigo 43.º), como nas antecedentes [...], a falta de um interesse digno de proteção legal relativamente ao risco coberto é sancionada com a nulidade do contrato, embora fosse mais correto (julgo) atribuir-lhe ineficácia stricto sensu, como é, em geral, próprio da legitimidade” (Ferreira de Almeida, Contratos III – Contratos de Liberalidade, de Cooperação e de Risco”, 2015, 2.ª ed., Almedina, p. 239).
Como sustenta José Vasques (v. Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, p. 142 a 143) o interesse consistirá na relação económica existente entre um sujeito (o segurado) e o bem exposto ao risco, a qual assumirá uma feição jurídica, na medida em que releva a relação jurídica que lhe está subjacente.
Neste sentido podemos ler no sumário do acórdão da Relação do Porto de 18/05/2017 (Processo n.º 2059/12.9T2AVR.P1, Relatora Judite Pires, disponível para consulta, bem como todos os demais que se irão citar, em www.dgsi.pt) que “II - O interesse para o efeito relevante haverá de traduzir-se, em termos de expressão de valia económica, numa relação entre quem celebra o contrato de seguro e o bem exposto ao risco que se pretende tutelar, de forma a compensar os prejuízos derivados da frustração das utilidades patrimoniais que esse bem proporciona ao sujeito em causa.
III - Inexiste interesse segurável relevante quando, e especificamente em caso de acidente de viação, dele não resulte qualquer risco patrimonial de responsabilidade civil para quem no contrato de seguro figura como segurado
IV - A falta de interesse, com os contornos acima definidos, determina a nulidade do contrato de seguro”.
Em todo o caso, mostra-se necessário que recaia sobre o segurado o risco que o seguro se destina a cobrir e que, como consequência desse risco, a cobertura tenha para ele alguma utilidade, “Não se exige do segurado que tenha «interesse» na coisa ou pessoa exposta ao risco primário. Exige-se que seja titular «daquele interesse» que as partes estipularam como o objeto da cobertura no contrato de seguro por elas concretamente segurado” (Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Coimbra Editora, 2010, p. 773 e 774, apud o citado acórdão da Relação do Porto).
Analisemos então se inexiste no caso concreto tal interesse, e se devemos concluir pela nulidade ou pela caducidade do contrato de seguro, conforme previsto nos citados artigos 43º e 21º, respetivamente.
Vejamos.
Decorre dos pontos 18) a 37) dos Factos Provados que:
- Em 6/11/2019, a Ré CC enviou à Ré “EMP01...” um e-mail com o seguinte teor: “Venho por este meio informar que foi efeituada uma apólice de seguro em meu nome, CC, no veículo com a matrícula ..-..-PD. Declaro que o veículo pertence a outra pessoa, não sendo meu pertence. Desta forma, nunca foi feita nenhuma apólice de seguro por mim, não dei autorização para tal, não assinei contrato algum e não tinha conhecimento da apólice feita.  O veículo foi comprado por BB e no ato de registo automóvel, BB não tinha sua identificação. Assim, eu, que estava com o comprador, emprestei a minha identificação para que pudesse proceder com a compra, visto que estávamos em .... BB concordou que faria o registo automóvel para seu nome logo que possível. Ele nunca fez qualquer alteração de proprietário, tendo eu que lhe pedir, constantemente, a alteração, ou, em alternativa a apreensão do carro. Assinamos duas declarações de venda, ao qual envio em anexo. A primeira não teve efeito feita no posto GNR, sendo que na segunda tentativa feita no dia 30 de novembro, ele afirma que o sistema ainda não tinha feito atualização. No dia 20 de setembro BB teve neste mesmo carro sete contra-ordenações. No passado dia 3 de novembro BB teve um acidente muito grave, provocando 2 feridos muito graves e uma morte. O veículo está assegurado pela vossa companhia em meu nome sem eu ter qualquer conhecimento até ao dia 4 de novembro, no qual BB informou-me ter feito a apólice e ter pago a mesma. Este veículo não me pertence, nunca dei autorização para fazer qualquer tipo de seguro e desde agosto que BB me entrega requerimentos de registo sem nunca os ter pago. Declaro que nunca tive a posse do veículo e nunca dei autorização ou fiz qualquer apólice de seguro, não aceitando os prejuízos do acidente que BB teve. Portanto, faço esta reclamação graciosa para que este acidente não afete e nem agrave a minha pessoa”;
- Em 21/11/2019, no decurso de averiguação efetuada por iniciativa da Ré “EMP01..., A Ré CC prestou as seguintes declarações: “O veículo ..-..-PD pertence a outra pessoa, não sendo meu pertence. Desta forma, nunca foi feita nenhuma apólice de seguro por mim, não dei autorização para tal, não assinei contrato nenhum e não tinha conhecimento da apólice feita. O veículo foi comprado por BB e no ato de registo automóvel, BB não teria sua identificação. Assim, eu, que estava com o comprador, emprestei a minha identificação para que pudesse proceder com a compra, visto que estávamos em .... BB concordou que faria o registo automóvel para seu nome logo que possível. Ele nunca fez qualquer alteração de proprietário, tendo eu que lhe pedir, constantemente a alteração, ou, em alternativa a apreensão do carro. Assinamos duas declarações de venda. A primeira não teve efeito, feita no posto GNR, sendo que na segunda tentativa feita no dia 30 de novembro, ele afirma que o sistema ainda não tinha feito atualização. No dia 20 de setembro BB teve neste mesmo carro sete contra-ordenações. No passado dia 3 de novembro BB teve um acidente muito grave, provocando dois feridos muito graves e uma morte. O veículo está assegurado pela vossa companhia em meu nome sem eu ter qualquer conhecimento até ao dia 4 de novembro, no qual BB informou-me ter feito a apólice e ter pago a mesma. Este veículo não me pertence, nunca dei autorização para fazer qualquer tipo de seguro e desde agosto que BB me entrega requerimentos de registo sem nunca os ter pago. Declaro que nunca tive a posse do veículo e nunca dei autorização ou fiz qualquer apólice de seguro, não aceitando os prejuízos do acidente que BB teve. Portanto, faço esta reclamação graciosa para que este acidente não afete e nem agrave a minha pessoa. BB é meu ex-companheiro e temos uma filha em comum. Na altura que BB adquiriu o carro, ele tinha uma condução bastante abusiva e fui forçada a pedir a BB que fizesse a alteração por esse mesmo motivo. Tivemos problemas devido ao veículo e a nossa relação acabou por atos violentos na minha habitação com a nossa filha, pelo que deu resultado em autos de violência doméstica. BB saiu de casa há cerca de três meses por ser uma pessoa abusiva com a família, BB tenta causar-me distúrbios, visto que não aceita o fim da nossa relação e só peço para que estes atos de BB não sejam postos em causa na minha pessoa, pois pretendo seguir com a minha vida só e este acidente iria causar transtornos nas minhas verdadeiras apólices de seguro”;
- E em 21/11/2019, o Réu BB declarou o seguinte: “De referir que a 30 ou 31 de outubro de 2019, fui à agência ViviLopes e passei o veículo para o meu nome uma vez que tinha sido eu que o tinha comprado só que teria ficado em nome da minha ex-companheira CC, não existindo portanto troca de valor monetário. O veículo já foi para abate na ... em ...”;
- A Ré “EMP01...” questionou o mediador de seguros, FF, pois não tinha na sua posse, nem no arquivo físico, nem em suporte informático, qualquer documentação que tivesse servido de base à emissão da apólice, designadamente, proposta assinada, documentação da viatura e da tomadora;
- Em resposta, o mediador informou que não tinha ficado com cópia da proposta, mas que a mesma teria sido enviada à Ré “EMP01...” e enviou cópia do documento único automóvel, do certificado de inspeção, do cartão de cidadão da tomadora e da carta de condução da tomadora;
- A apólice referida em 17 foi emitida pelo próprio mediador, numa plataforma informática, conforme procedimento habitual e instituído com a Ré “EMP01...”, não tendo este procedido à digitalização da documentação;
- A apólice referida em 17 foi emitida com a morada “Rua ...”;
- A morada completa da Ré CC é “Rua ...”;
- Em 27/11/2019, a Ré “EMP01...” informou a Ré CC de que mantinha diligências para averiguar a reclamação que apresentara no sentido de não ter efetuado nenhum seguro relativo ao veículo matrícula ..-..-PD e de ter havido utilização abusiva dos seus dados pessoais;
- No dia 30/10/2019, foi apresentado, por via informática, requerimento de registo automóvel no qual a Ré CC declarou ter, nessa data, vendido o veículo de matrícula ..-..-PD ao Réu BB;
- Em 22/07/2019, a propriedade do veículo de matrícula ..-..-PD foi inscrita no registo automóvel em nome da Ré CC;
- Em 3/11/2019, a propriedade do veículo de matrícula ..-..-PD ainda se encontrava inscrita no registo automóvel em nome da Ré CC;
- Em 5/11/2019, a propriedade do veículo de matrícula ..-..-PD foi inscrita no registo automóvel em nome do Réu BB;
- Em 22/07/2019 os Réus CC e BB viviam em condições análogas às dos cônjuges, dormiam juntos, tomavam refeições juntos e estabeleciam relações sexuais das quais resultou o nascimento de uma filha em comum;
- O veículo de matrícula ..-..-PD foi adquirido para transporte de ambos, nos diversos afazeres da sua vida doméstica e profissional, mormente passeios de lazer, idas aos mercados para aquisição de víveres e outros produtos domésticos e deslocações de e para os locais de trabalho;
- A Ré CC também usava o veículo de matrícula ..-..-PD;
- Em 3/11/2019 os Réus CC e BB encontravam-se desavindos e viviam separadamente, tendo a primeira exigido ao segundo que registasse o veículo em nome deste;
- Na apólice referida em 17, a Ré CC consta como “condutor habitual” do veículo de matrícula ..-..-PD e não como sua proprietária.”
Perante este enquadramento fáctico, não obstante na data em que foi emitida a apólice de seguro, a propriedade do veículo de matrícula ..-..-PD se encontrar inscrita em nome da Ré CC, e os Réus CC e BB viverem em condições análogas às dos cônjuges (tendo o veículo sido adquirido para transporte de ambos, sendo também usado pela Ré CC), entendemos que a prova aponta no sentido de o verdadeiro proprietário do veículo não ser a Ré CC, mas antes o Réu BB, sendo certo que ainda antes do acidente dos autos este, segundo declarou, foi colocar o veículo em seu nome, uma vez que tinha sido ele que o tinha comprado, sendo certo que foi apresentado em 30/10/2019, por via informática, requerimento de registo automóvel no qual a Ré CC declarou ter, nessa data, vendido o veículo de matrícula ..-..-PD ao Réu BB.
É certo que o artigo 7º, do Código do Registo Predial (aplicável ao registo automóvel, por força do disposto no artigo 29º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de fevereiro), dispõe que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define; porém, tal presunção reveste a natureza de presunção juris tantum, sendo ilidível mediante prova em contrário (artigo 350º n.º 2 do Código Civil, de ora em diante designado apenas por CC).
Entendemos, por isso, que os factos provados apontam no sentido de se considerar tal presunção ilidida, permitindo colocar em causa que o seguro dos autos corresponda a um interesse (de natureza económica) da pessoa que figura como tomadora do seguro e segurada, a Ré CC.
De todo o modo, apontam seguramente para a cessação do contrato de seguro em data anterior à do acidente, pois dos mesmos resulta demonstrado que em 30/10/2019, por via informática, foi apresentado requerimento de registo automóvel no qual a Ré CC declarou ter, nessa data, vendido o veículo de matrícula ..-..-PD ao Réu BB; apesar de ter sido inscrita apenas em 5/11/2019, a propriedade do veículo de matrícula ..-..-PD em nome do Réu BB, como é sabido o registo automóvel não tem natureza constitutiva, destinando-se apenas a dar publicidade ao ato registado, e, portanto, sendo meramente declarativo (v. entre muitos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/02/2004, Processo n.º 2925/03, Relator Ferreira de Almeida, da Relação de Lisboa de 18/05/2017, Processo n.º 1374/13.9TVLSB.L1-2, Relator Ondina Carmo Alves, da Relação de Coimbra de 18/09/2018, Processo n.º 965/15.8T8PTM.C1, Relator António Carvalho Martins e da Relação do Porto de 10/11/2022, Processo n.º 1002/21.9T8GDM.P1, Relator Filipe Caroço).
Ora, como já vimos, o contrato de seguro não se transmite em caso de alienação do veículo, cessando os seus efeitos às 24 horas do próprio dia da alienação, salvo se for utilizado pelo tomador do seguro inicial para segurar novo veículo (cfr. artigo 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 291/2007).
Ou seja, não só a falta de interesse de índole originária, isto é, a falta de interesse da pessoa que figura como tomadora do seguro aquando da celebração do contrato, determinaria a nulidade nos termos do artigo 43º n.º 1 do RJCS, como a falta de interesse de índole superveniente determinaria a cessação dos efeitos do contrato nos termos do artigo 21º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 291/2007.
Porém, a questão essencial que aqui se coloca é se a nulidade ou a referida caducidade, independentemente da sua verificação, são oponíveis ao lesado, aqui Autor (terceiro em relação ao contrato), como pretende a Recorrente, ou se o não são conforme decidido em 1ª Instância.
Vejamos então.
O artigo 22º do Decreto-Lei n.º 291/2007, sob a epigrafe “Oponibilidade de exceções aos lesados”, estabelece que “[p]ara além das exclusões ou anulabilidades que sejam estabelecidas no presente decreto-lei, a empresa de seguros apenas pode opor aos lesados a cessação do contrato nos termos do n.º 1 do artigo anterior, ou a sua resolução ou nulidade, nos termos legais e regulamentares em vigor, desde que anteriores à data do acidente”.
Porém, não pode deixar de se fazer aqui apelo ao Direito da União Europeia que “de há uns anos a esta parte, constitui a verdadeira matriz dos diplomas nacionais acerca do seguro automóvel (obrigação de segurar prevista no artigo 4º, nº 1 do DL 291/2007)” (v. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/01/2024, Processo n.º 52/19.0T8VCT.G1.S1, Relatora Amélia Alves Ribeiro).
E, nesse sentido, perfilhamos também o entendimento seguido pelo tribunal a quo, no sentido de que qualquer vicio resultante quer de eventual prestação de declarações inexatas, quer de falta de interesse de índole originária, gerador de nulidade, quer ainda de falta de interesse de índole superveniente determinante da cessação do contrato, decorrente da alienação do veículo, não são oponíveis aos lesados (terceiros relativamente ao contrato de seguro), logo, não são oponíveis pela Ré ao aqui Autor.
Por isso, acompanhamos também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (de 19/01/2023, Processo n.º 642/12.1TVPRT.P1.S1, Relatora Maria da Graça Trigo), citado na sentença recorrida, cuja argumentação, a propósito de um caso similar aos dos autos, se revela absolutamente pertinente no caso concreto, e em cujo sumário se pode ler o seguinte:
“I. A presunção de titularidade do direito resultante da inscrição no registo automóvel reveste a natureza de presunção juris tantum, sendo ilidível mediante prova em contrário (art. 350.º, n.º 2, do CC).
II. A válida celebração do contrato de seguro exige o preenchimento do requisito do interesse (que se entende comumente ser de natureza económica) na cobertura de um determinado risco (art. 43.º, n.º 1, do RJCS).
III. A falta de interesse originária determina a nulidade do contrato nos termos do art. 43.º, n.º 1, do RJCS, vício que, embora não equacionado nos autos, é de conhecimento oficioso (art. 286.º do CC); a falta de interesse superveniente determina a cessação dos efeitos (ineficácia) do contrato nos termos do art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 291/2007, de 21/08.
IV. Suscitando-se a questão de saber se a nulidade do contrato de seguro ao abrigo do art. 41.º, n.º 1, do RJCS, ou a sua ineficácia ao abrigo do art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 291/2007, são oponíveis aos autores, terceiros lesados em relação ao contrato, verifica-se que a interpretação do direito português em conformidade com o DUE (cfr. Acórdão do TJUE de 20-07-2017), impõe que se considere que, num contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel como o dos autos, o requisito legal do interesse, previsto no n.º 1 do art. 43.º do RJCS (e subjacente ao n.º 1 do art. 21.º do DL n.º 291/2007), se encontra derrogado pela possibilidade de o contrato ser celebrado por terceiro, prevista no n.º 2 do art. 6.º do DL n.º 291/2007.
V. Consequentemente, o facto de se constatar existir uma dissociação entre a tomadora do seguro/segurada e aquele ou aqueles cujo interesse é coberto pelo contrato de seguro, podendo relevar nas relações entre as partes contratantes, não permite seja que se declare oficiosamente a nulidade de tal contrato nos termos do art. 43.º, n.º 1, do RJCS, seja que se declare a cessação dos efeitos do mesmo contrato nos termos do art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 291/2007; razão pela qual não há lugar à aplicação de qualquer dos regimes de oponibilidade aos autores lesados dos meios de defesa da seguradora previstos no art. 22.º do DL n.º 291/2007 e no art. 147.º do RJCS”.
Assim, concluímos também aqui pela aplicação ao caso dos autos da orientação definida pelo Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 20 de julho de 2017, proferido no Processo C‑287/16, e, perante esta decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, entendemos que a interpretação do direito português em conformidade com o Direito da União Europeia, “impõe que se considere que, num contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel como o dos autos, o requisito legal do interesse, previsto no n.º 1 do art. 43.º do RJCS, e subjacente ao n.º 1 do art. 21.º do DL n.º 291/2007, se encontra derrogado pela possibilidade de o contrato ser celebrado por terceiro, prevista no n.º 2 do art. 6.º do DL n.º 291/2007” (v. o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (de 19/01/2023).
Tais circunstâncias (exceções) podendo relevar nas relações entre as partes contratantes, não podem ser oponíveis ao aqui Autor, terceiro lesado, e nem ao Instituto de Segurança Social, IP, improcedendo, por isso e nesta parte, o recurso.
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3.2.2. Do montante da indemnização devida ao Autor
A Recorrente vem ainda questionar o quantum indemnizatório fixado na sentença recorrida, concretamente o valor indemnizatório a fixar a título de dano futuro e de danos não patrimoniais.
Quanto à obrigação de indemnização, o artigo 562º do CC consagra, como principio geral, que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, apenas existindo tal obrigação em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (cfr. artigo 563º do CC).
A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos, e julgando o tribunal equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados, se não puder ser averiguado o valor exato dos danos (cfr. artigo 566º n,º 1, 2 e 3 do CC).
Relativamente ao quantum indemnizatório, estabelece o artigo 564º do CC que a da indemnização compreenderá não só o prejuízo causado ao lesado mas também os benefícios que deixou de auferir em consequência da lesão, isto é o que correntemente se designa por danos emergentes e lucros cessantes, correspondendo os primeiros aos “prejuízos sofridos, ou seja à diminuição do património (já existente) do lesado” e o segundos “aos ganhos que se frustraram, aos prejuízos que lhe advieram por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património” (v. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª Edição, Coimbra Editora, p. 579).
De forma singela podemos dizer que os danos emergentes se traduzirão numa desvalorização do património e os lucros cessantes na sua não valorização; assim, enquanto o dano emergente inclui o prejuízo causado nos bens, ou direitos existentes aquando da lesão, os lucros cessantes compreendem a perda de benefícios que a lesão impediu de auferir e que ainda não tinham existência à data do facto lesivo.
Na sentença recorrida o Tribunal a quo fixou a indemnização devida a titulo de danos futuros (danos emergentes) na quantia de €310.000,00 pelo dano biológico e na quantia de €75.000,00 quanto aos tratamentos que continuará a ter de se submeter e às ajudas técnicas que terá de adquirir, e fixou em €175.000,00 a indemnização devida a título de danos não patrimoniais.
A Recorrente questiona no presente recurso estes valores fixados pelo tribunal a quo, defendendo que a indemnização devida a título de dano biológico deve ser fixada em quantia inferior a €225.000,00, a titulo de danos não patrimoniais deve ser fixada em quantia nunca superior a €80.000,00 e o valor devido pela assistência médica e medicamentosa futura deve ser fixado no valor de €50.000,00.
Vejamos então se assiste razão à Recorrente.
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3.2.2.1. Do montante da indemnização devida a título de danos patrimoniais futuros
Conforme já referimos decorre do preceituado no artigo 564º n.º 2 do CC que na fixação da indemnização o tribunal pode efetivamente atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis. Ao referir-se a danos futuros previsíveis tem a lei em vista aqueles que não estando verificados no momento em que se opera o cálculo da indemnização podem vir a verificar-se depois (ou seja, aqueles que devem ser havidos como certos ou suficientemente prováveis, dentro do mecanismo do nexo causal; v. Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 3ª Edição, p. 393 e 394).
Os danos futuros previsíveis são aqueles que são certos ou altamente prováveis; isto é, a previsibilidade dos danos futuros corresponde a uma probabilidade elevada da sua produção: segundo as regras da experiência, os danos verificar-se-ão.
Ora, vem sendo decidido pela jurisprudência que o dano biológico derivado de incapacidade geral e permanente é suscetível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros, ainda que o mesmo possa não se repercutir na vertente do respetivo rendimento salarial, não sendo necessário que o lesado passe a auferir um salário inferior em consequência da incapacidade sofrida, para que o dano biológico seja indemnizado como dano patrimonial, bastando que tal incapacidade constitua uma substancial restrição às possibilidades/oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, assim, fonte atual de futuros lucros cessantes (neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/12/2017, relatado pela Conselheira Ana Paula Boularot, Processo n.º 505/15.9T8AVR.P1.S1).
Mesmo nos casos em que não ocorre verdadeiramente uma diminuição do rendimento profissional, há que avaliar ainda assim no caso concreto, a previsibilidade de se verificar uma perda patrimonial futura, desde logo por força da perda de capacidade competitiva num mercado de trabalho cada vez mais competitivo e exigente, mas também pela própria repercussão que poderá ter na vida profissional.
Como se afirma no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/03/2023 (Processo n.º 766/19.4T8PVZ.P1.S1, Relator Conselheiro Manuel Capelo) “I - A compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão pelo lesado traduzida em perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o afete mas,  inclui também a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as deficiências funcionais de maior ou menor gravidade que constituem sequela irreversível das lesões sofridas. II - A perda relevante de capacidades funcionais - mesmo que não ou não totalmente refletida no valor dos rendimentos obtidos pelos lesado nomeadamente por este se encontrar já reformado - constitui uma redução no trem de vida quotidiano com reflexos de indemnização em termos patrimoniais uma vez que a esperança de vida não confina à denominação de vida ativa com rebate exclusivo no exercício de uma profissão”.
Importa ainda precisar que, independentemente da utilização como ponto de partida de uma qualquer fórmula matemática, o que está efetivamente em causa é a fixação de uma indemnização com recurso a um critério de equidade, uma vez que a indemnização, não sendo, em regra, passível de ser calculada através da aplicação da fórmula da diferença consagrada no n.º 2 do artigo 566º do CC, deve ser calculada com recurso à equidade nos termos do n.º 3 do mesmo preceito.
Não deve, por isso, recorrer-se simplesmente a uma qualquer fórmula ou cálculo matemático, antes deve fazer-se um juízo de equidade (neste sentido, entre vários, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 24/05/2018, relatado pelo Conselheiro Olindo Geraldes, Processo n.º 7952/09.3TBVNG.P1.S1, de 24/02/2022 e de 30/03/2023, ambos relatados pela Conselheira Maria da Graça Trigo, Processos n.º 1082/19.7T8SNT.L1.S1 e 4160/20.6T8GMR.G1.S1, respetivamente, e de  09/05/2023, Relator Jorge Arcanjo, Processo n.º 7509/19.0T8PRT.P1.S1).
Podemos, então, sintetizar dizendo que a indemnização pela afetação da capacidade geral ou funcional, sendo indeterminável, deve ser fixada com recurso à equidade, ponderando todas as circunstâncias do caso, em função designadamente dos seguintes fatores:
(i) a idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a sua esperança média de vida à data do acidente);
(ii) o seu grau de incapacidade geral permanente;
(iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou atividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências;
(iv) a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da atividade profissional habitual do lesado, assim como de atividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências) (v. o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/02/2022).
Assim, importa em cada caso concreto, considerar casuisticamente todos os elementos objetivos que decorrem da matéria de facto apurada, analisados sob o prisma da equidade e à luz das regras da experiência, tendo ainda em consideração os valores que vêm sendo atribuídos em casos similares pelos Tribunais Superiores.
E tendo em vista aferir dos padrões definidos pela jurisprudência podemos aqui citar a título exemplificativo os seguintes acórdãos (todos também disponíveis em www.dgsi.pt) que se encontram entre os que apreciaram casos respeitantes a danos de maior gravidade:
- do Supremo Tribunal de Justiça de 31/01/2024 (Relatora Maria Olinda Garcia, Processo n.º 3899/17.8T8GMR.G1.S1), onde se considerou não ser inferior aos atuais parâmetros indemnizatórios (antes pelo contrário) o valor de 560.000 Euros atribuído a título de dano biológico ao lesado, que à data do acidente de viação tinha 32 anos, ficou paraplégico e com uma incapacidade parcial permanente de 84 pontos, mas que conseguiu continuou a desempenhar a profissão de Web designer, embora com esforços acrescidos;
- do Supremo Tribunal de Justiça de 07/09/2021 (Relator Pedro Lima Gonçalves, Processo n.º 1436/15.8T8PVZ.P1.S1), no qual estava em causa a reparação dos danos sofridos por um lesado de 25 anos de idade, que ficou com uma incapacidade parcial permanente de 82 pontos, no qual foi confirmada a indemnização de 400.000 Euros pelo dano biológico e de 300.000 Euros pelos danos morais. Este lesado ficou incapacitado de exercer a sua profissão habitual de técnico de instalação e manutenção de sistemas de climatização;
- do Supremo Tribunal de Justiça de 23/10/2018 (Relator Henrique Araújo, Processo n.º 902/14.7TBVCT.G1.S1), respeitante a um lesado que ficou com uma incapacidade de 72 pontos, onde se considerou que o valor de €350.000,00 se mostra adequado a indemnizar o lesado pelos danos patrimoniais futuros, na consideração do seguinte quadro: à data do acidente, o lesado tinha 54 anos; exercia a atividade de serralheiro naval, mecânico e civil; por força do acidente, ficou a padecer de um défice funcional permanente de 72 pontos incompatíveis com a atividade profissional habitual; o grau de incapacidade e as graves limitações funcionais associadas dificultarão ou impossibilitarão o exercício de outra atividade profissional na respetiva área, traduzindo, na prática, uma situação de incapacidade total permanente;
- do Supremo Tribunal de Justiça de 17/11/2021 (Relator Ferreira Lopes, Processo n.º 3496/16.5T8FAR.E1.S1), respeitante a um lesado que ficou com uma incapacidade parcial permanente de 63 pontos, onde se considerou ser adequado para indemnizar o dano biológico de um lesado de 41 anos, trabalhador num empreendimento turístico, auferindo a retribuição mensal ilíquida de €1.040,00, acrescida de €151,00 de subsídio de alimentação, realizando nas folgas, feriados e fins-de-semana trabalhos de construção civil, vigilante e manutenção de vilas por conta própria e para a entidade patronal, auferindo rendimento variável e não concretamente apurado, o montante de 240.000,00, a título de perda de capacidade de trabalho/dano biológico;
- do Supremo Tribunal de Justiça de 19/10/2021 (Relator Manuel Capelo, Processo n.º 7098/16.8T8PRT.P1.S1), onde se considera respeitar “os imperativos de equidade uma indemnização do dano biológico (por dano futuro) no montante de € 300.000,00 referente a um sinistrado que à data do acidente tinha 23 anos, que estava a realizar a sua formação universitária na área da segurança informática e ficou afetado com o membro superior esquerdo completamente paralisado e sem funcionalidade e uma IPG de 62,00 pontos”;
- do Supremo Tribunal de Justiça de 17/09/2024 (Relator António Magalhães, Processo n.º 2481/20.7T8BRG.G1.S1), onde se considera que tendo a lesada 17 anos à data do acidente de viação, uma expectativa de vida de 66 anos (para uma esperança de vida de 83 anos), que ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 35 pontos e que, com a sua futura licenciatura na área de Gestão, ganhará, futura e previsivelmente, uma remuneração mensal de cerca de €1.250,00, é adequada, equitativa e proporcional, uma indemnização de €200.000 pelo dano biológico;
- do Supremo Tribunal de Justiça de 06/02/2024 (Relator Manuel Aguiar Pereira, Processo n.º 21244/17.0T8PRT.P1.S1), respeitante a um lesado com 23 anos de idade, que trabalhava anteriormente como cortador de carnes verdes auferindo então salário mensal de cerca de 591,00 euros, e em que as lesões sofridas lhe causaram em défice de integridade físico-psíquica de 61 pontos com incapacidade total para o exercício da sua anterior atividade profissional, ainda que sem compromisso do eventual exercício de outras profissões compatíveis com a área da sua preparação técnica que não envolvam a execução de tarefas complexas, onde se considerou que o juízo de equidade a formular em relação aos previsíveis danos de natureza patrimonial, nomeadamente por perdas salariais que virá a sofrer no futuro, apontam para o valor de uma indemnização de cerca de 270.000,00;
- do Supremo Tribunal de Justiça de 10/04/2024 (Relator Maria Clara Sottomayor, Processo n.º 551/19.3T8AVR.P1.S1), onde se considera que: “I – Tendo o autor, com 58 anos de idade, à data do acidente, ficado totalmente incapaz para o seu trabalho habitual ou para qualquer outro, padecendo de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 72 pontos e de uma taxa de incapacidade permanente global de 80% atribuída pelo Instituto de Segurança Social, considera-se adequada uma indemnização por danos patrimoniais futuros no valor de 165.000,00, para um salário mensal médio de 990 euros por mês, a receber durante 20 anos de esperança média de vida”;
- neste acórdão citam-se ainda como termo de comparação o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23/10/2018 (Processo n.º 902/14), em que um lesado com 54 anos de idade, Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 72 pontos, e rendimento anual de €18.200,00, obteve uma indemnização pelo dano futuro de 350.000,00 euros, considerando ser explicável o valor mais elevado pelo montante superior dos rendimentos anuais provados (correspondente a um salário mensal cerca do dobro do salário médio que serviu de referência à indemnização arbitrada no Processo n.º551/19.3T8AVR.P1.S1 ); e o acórdão de 28/02/2023 (Processo n.º 651/20.7T8VRL.G1.S1) que considerou justa e equitativa a indemnização por danos patrimoniais de €180.000,00 por danos futuros, atribuída a um lesado, trabalhador agrícola indiferenciado, que tinha 47 anos aquando do acidente, e auferia o equivalente a um salário mínimo nacional, esteve 394 dias até à alta médica com incapacidade absoluta para o trabalho e permaneceu com uma afetação da integridade físico-psíquica de 45 pontos com uma incapacidade total para profissões que exijam esforço/utilização do membro superior esquerdo, como é o caso do trabalho agrícola que o mesmo sempre executou.
In casu, o Autor, à data do acidente com 41 anos de idade, ficou a padecer de tetraplegia AIS D nível motor C6/nível sensitivo C5/nível de lesão neurológica e ausência de equilíbrio em pé e ficou afetado por um défice de integridade física e psíquica de 60 pontos.
O Autor, à data do acidente, trabalhava como “operador de montagem de peças 1.º ano”, auferindo, em função do seu trabalho, quantia de 600,00/mês, tendo visto o seu vínculo laboral ser terminado, em 16/01/2020, por denúncia comunicada por carta registada de 13/12/2019.
As sequelas de que ficou a padecer, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, são impeditivas do exercício da sua profissão habitual, bem como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.
 Tais limitações repercutem-se negativamente na capacidade do Autor desempenhar tarefas pessoais e profissionais, designadamente na sua capacidade de trabalho, sendo impeditivas do exercício da sua profissão habitual, e de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, mas sendo também suscetíveis de influir negativamente na possibilidade de exercer atividades económicas alternativas, o que se prevê que perdure ao longo da vida expetável.
Assim, em face da já referida factualidade e atendendo aos valores que vêm sendo atribuídos pela jurisprudência para casos similares, entendemos como justo e adequado atribuir ao Autor, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros (dano biológico na sua dimensão patrimonial), a quantia de €250.000,00, valor reportado à presente data, em vez dos €310.000,00 arbitrados pelo tribunal a quo.
A Recorrente sustenta ainda que o valor justo e equitativo a atribuir ao Autor a título de indemnização relativamente à assistência médica e medicamentosa futura, estando em causa despesas futuras e eventuais, mas incertas, é de €50.000,00, e não de €75.000,00 conforme considerado pelo tribunal a quo.
Vejamos.
Conforme já referimos, e decorre do estabelecido no artigo 564º n.º 2 do CC, os danos futuros previsíveis são atendíveis.
Estão em causa danos que o lesado ainda não sofreu ao tempo da atribuição da indemnização, mas que muito provavelmente virá a sofrer no futuro; são danos de natureza patrimonial e não se tendo ainda produzido, a sua valoração será efetuada com base em juízos de prognose, mediante um cálculo de verosimilhança ou probabilístico (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/11/2021, Relatora Conselheira Maria João Vaz Tomé, Processo n.º 590/13.8TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).    
O que releva, para estes danos serem indemnizados, é que sejam previsíveis, isto é, altamente certos ou prováveis.; contudo, o grau de certeza que deve existir para que se considere o dano futuro previsível, e como tal indemnizável, não é o mesmo daquela que carateriza o dano presente. Não se tendo ainda verificado o dano futuro no momento da atribuição da indemnização, o que importa é que previsivelmente se venha a produzir “segundo um grau de elevada probabilidade com base no critério do id quod plerumque accidit” (v. o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/11/2021).
As despesas futuras decorrentes de tratamentos médico-cirúrgicos, consultas e medicação que o lesado terá de suportar integram os danos futuros previsíveis desde que da factualidade provada resulte que tais despesas ocorrerão, segundo um critério de razoabilidade e normalidade, com elevada probabilidade.
No presente recurso a Recorrente não questiona a atribuição pelo tribunal a quo de uma indemnização ao Autor a esse titulo, mas apenas o valor fixado de €75.000,00.
Conforme consta da sentença recorrida, importa ter em consideração a seguinte factualidade:
“O Autor ficou a carecer de ajudas técnicas permanentes, medicamentosas, médicas, de adaptação domicílio, adaptação de local de trabalho ou veículo e ajuda de terceira pessoa para tarefas pessoais, tais como o banho (…);
O Autor tem necessidade de consultas de especialidade, medicamentosas e técnicas, tais como fisioterapia, calçado especial e cirurgias (…);
No que concerne às ajudas técnicas permanentes e adaptação do domicílio, o Autor necessita de: almofada para prevenção de escaras; alteador de sanita; barra de apoio para sanita; cadeira de duche; cadeira de rodas manual ativa; cama articulada; canadiana; colchão para prevenção de escaras; ortótese para membro inferior; poltrona; rampa; tala para membro superior; unidade de propulsão elétrica (…);
No que respeita aos tratamentos médicos regulares, o Autor terá necessidade de consultas de Medicina Física e Reabilitação, de forma a manter funções neuro-músculo-esqueléticas, numa cadência de pelo menos duas consultas anuais, com um custo de € 100,00 cada uma (…);
Na sequência dessas mesmas consultas, o Autor necessitará de fisioterapia, na quantidade de 60 sessões anuais, no valor de € 20,00 cada (…);
O Autor necessita permanentemente de recurso a medicação regular – analgésicos, antiespasmódicos ou antiepilépticos –, sem a qual não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações da vida diária (…);
Bem como de medicação para regulação do trânsito intestinal, mais concretamente, de dois comprimidos diários de “Dulcolax” (…);
O “Tramadol” tem um custo de cerca de € 5,00 cada caixa, necessitando o Autor de, pelo menos, seis caixas mensais (…);
Quanto ao “Dulcolax”, necessita de três embalagens mensais, cada uma com vinte comprimidos, com um custo de cerca de € 8,00 cada embalagem (…);
A almofada para prevenção de escaras tem custo unitário médio de € 50,00 e uma durabilidade máxima de dois anos (…);
O alteador de sanita tem um custo unitário médio de € 40,00 e durabilidade máxima de dez anos (…);
A barra de apoio para sanita tem um custo unitário médio de € 100,00 e durabilidade máxima de vinte anos (…);
A cadeira de duche tem um custo unitário médio de € 75,00 e durabilidade máxima de dez anos no máximo (…);
A cadeira de rodas manual activa tem um custo unitário médio de € 500,00 e durabilidade máxima de vinte anos no máximo (…);
A cama articulada tem com um custo unitário médio de € 750,00 (...);
As canadianas têm um custo unitário médio de € 50,00 o par e durabilidade máxima de vinte anos (…);
O colchão para prevenção de escaras tem um custo unitário médio de € 200,00 e durabilidade máxima de cinco anos no máximo (…);
A ortótese para o membro inferior tem um custo unitário médio de € 250,00 e durabilidade máxima de cinco anos (…);
A poltrona tem com um custo unitário médio de € 300,00 e durabilidade máxima de vinte anos (…);
A rampa tem um custo unitário médio de € 150,00 (…);
A tala para membro superior tem um custo unitário médio de € 75,00 e durabilidade máxima de cinco anos (…);
A unidade de propulsão eléctrica tem um custo unitário médio de € 2.000,00 (…);
O calçado especial tem um custo unitário médio de € 50,00 e durabilidade máxima de cinco anos (…);
A algália tem com um custo unitário médio de € 5,00, com necessidade de duas por mês (…);
O Autor beneficiará com a realização de sessões de intervenção psicológica, com uma cadência trimestral, para reabilitação cognitiva e para evitar um descontrolo ou descompensação psiquiátrica (…);
Por média, as mesmas têm um custo nunca inferior a € 75,00 (…);
O Autor despenderá uma média de € 100,00 mensais em medicamentos”
- Cfr., pontos 111, 113 a 135, 144, 145 e 154 dos Factos Provados.”
Tendo por base esta factualidade temos de concluir que o Autor terá, durante toda a sua vida (sendo que a esperança média de vida à nascença em Portugal, no triénio 2021-2023, foi estimada em 78,37 anos para os homens) como despesas fixas anuais o valor global de pelo menos cerca de €3.020,00:
- €200,00 em duas consultas de Medicina Física e Reabilitação;
- €1.200,00 em sessões de fisioterapia (60 sessões anuais a €20,00 cada);
- €120,00 em algálias (duas por mês com um custo médio de €5,00);
- €300,00 em sessões de intervenção psicológica (com uma cadência trimestral e com um custo nunca inferior a €75,00);
- €1.200,00 em medicamentos [€100,00 mensais em média, incluindo-se aqui €360,00 no medicamento “Tramadil” (pelo menos 6 caixas mensais a €5,00 cada) e €288,00 no medicamento “Dulcolax” (3 embalagens mensais a €8,00 cada)].
Assim, considerando apenas o valor global destas despesas fixas anuais, que o Autor tem 46 anos de idade (veja-se que ao Autor foi já arbitrada a quantia de €3.567,70 a título de despesas com tratamentos médicos e medicamentosos, exames e deslocações referentes aos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023) e um período de tempo de cerca de 30 anos, teríamos despesas de cerca de €90.600,00.
A que acrescem ainda todas as despesas supra elencadas em que o Autor terá de incorrer de dois em dois anos, cinco em cinco anos, dez em dez e vinte em vinte, considerando a aí referida durabilidade máxima, e sem esquecer também o previsível aumento do custo de vida, dos bens subjacentes a todas as referidas despesas.
Do exposto decorre ainda que a quantia arbitrada pelo tribunal a quo de €75.000,00 teve já em consideração o princípio do benefício da antecipação, a ponderar no valor indemnizatório, a que se refere a Recorrente, de modo a valorar a vantagem e as prováveis potencialidades de ganho que para o Autor podem decorrer do imediato recebimento do valor global destes danos futuros, temperando esse resultado com uma redução superior a 15%, reflexo da circunstância de receber de uma só vez esse montante.
Improcede, pois, também nesta parte, o recurso.
*
3.2.2.2. Do montante da indemnização devida a título de danos não patrimoniais
Importa agora apurar se deve alterar-se o montante da indemnização fixado pelo tribunal a quo a título de danos não patrimoniais (€175.000,00), questão que vem colocada pela Ré no seu recurso, entendendo que a indemnização deve ser reduzida para montante nunca superior a €80.000,00.
Vejamos se lhe assiste razão.
No que toca aos danos não patrimoniais, dispõe o n.º 4 do artigo 496º do CC que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.
Estabelece-se, pois, um critério de mera equidade, que deve atender ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e do lesado e às demais circunstâncias do caso, designadamente a gravidade e a extensão da lesão.
Assim, o montante da reparação há-de ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
Relativamente a tais danos, o prejuízo, na sua materialidade, não desaparece, mas é economicamente compensado ou, pelo menos, contrabalançado: o dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode este ser contrabalançado, mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima, que de algum modo atenuem ou, em todo o caso, compensem esse dano (v. Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista Portuguesa do Dano Corporal, setembro 1992, n.º 1, 1.º ano, APADAC, p. 20).
Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/04/2022 (Relator Conselheiro Fernando Baptista, Processo n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1) “os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis: não podem ser reintegrados mesmo por equivalente.  Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização.  Não se trata, portanto (como já ensinava o saudoso professor Mota Pinto), de atribuir ao lesado um “preço de dor” ou um “preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal”.
Quanto à fixação da indemnização por danos não patrimoniais, conforme consta da decisão recorrida, relevam no caso concreto, e no essencial, os seguintes factos provados:
“Como consequência do acidente descrito em 1 a 14, o Autor sofreu: traumatismo crânio-encefálico ligeiro, escala Glasgow de 15 inicial, sem agravamento; traumatismo vertebro-medular cervical e dorsal com défice motor esquerdo maior que direito, com limitação da preensão palmar à esquerda e paresia grau 0 do membro inferior esquerdo, com diminuição da sensibilidade táctil associada (nível motor C6, nível sensitivo C5); trauma torácico-abdominal, com pneumotórax abdominal, hemotórax à esquerda e múltiplas fracturas costais à esquerda; laceração do baço com hemoperitoneu de pequeno volume (…):
Lesões às quais foi socorrido, primeiramente, no Centro Hospitalar Universitário ..., EPE, vulgarmente designado de Hospital ..., na cidade ... (…);
Após o que, em 18.11.2019, foi transferido para o serviço de ortopedia do Centro Hospitalar ..., EPE, vulgarmente designado de Hospital ..., em ... (…);
Naquela unidade foi submetido a artrodese cervical posterior C5-C7 e fixação dorsal D3-D4-D6 (…);
Mercê das lesões referidas em 44, o Autor iniciou tratamento de reabilitação, bem como o uso diário de meias de contenção elásticas e cinta abdominal (…);
Iniciou o tratamento de reabilitação no serviço de medicina física e de reabilitação do Centro Hospitalar ... (Hospital ...), em ..., para onde foi transferido oriundo do Hospital ... (…);
E daí foi para o Centro de Reabilitação ..., ao abrigo do Centro Hospitalar .../..., EPE, sito em ..., ... (…);
O Autor apresentava as seguintes sequelas: a) Tetraplegia AIS D nível motor C6/nível sensitivo C5/nível de lesão neurológica C4; b) Assume posição de sedestação com ajuda; c) Razoável equilíbrio sentado, tanto estático como dinâmico; d) Assume posição ortostática com ajuda máxima; e) Sem equilíbrio em pé; f) Coordenação: sem alterações nas provas cerebolosas; g) Deambulação: CR autónomo em pisos regulares e curtas distâncias (…);
Foi-lhe elaborado um plano de recuperação funcional com os seguintes objectivos: a) Exploração do potencial de reabilitação neuromotora e funcional, nomeadamente autonomia na deambulação em cadeira de rodas manual, para longas distâncias, em piso regular e irregular; b) Autonomia nas actividades da vida diária, mormente alimentação, vestir, higiene e banho; c) Avaliação e abordagem neurológica/vesicoesfincteriana; d) Avaliação e treino de deglutição; e) Melhoria do estado psico-social; f) Estudo e prescrição de produtos de apoio; g) Avaliação da capacidade de condução no Centro de Mobilidade; h) Reintegração profissional (...);
Posteriormente, fez tratamento na UCCI da Santa Casa de Misericórdia de ..., onde esteve internado, para continuação de cuidados e reabilitação motora (…);
O Autor nasceu em ../../1978 (…);
O Autor era, à data do sinistro, uma pessoa saudável, alegre, confiante, bem-parecido e jovial (…);
Em consequência das sequelas de que ficou a padecer, o Autor perdeu quase por completo a sua autoestima e sente tristeza (…);
Não se conformando com a sua situação em que se encontra, sem a sua autonomia e mobilidade (…);
O Autor sente dores, apenas suportáveis com o recurso a analgésicos (…);
Vive atormentado com a sua ineficiência física (…);
O Autor esteve na rede de cuidados continuados do Serviço Nacional de Saúde, desde a data do acidente (…);
O Autor pretende continuar a realizar os tratamentos a que vem sido sujeito (…);
O Autor sofreu dores durante o acidente (…);
Receou que o desfecho de tal acidente pudesse ser a sua morte (…);
Sentiu desespero ao ser assistido e transferido de umas unidades clínicas para outras (…);
O Autor viu o seu corpo e espírito a definhar (…);
Mergulhou em profunda tristeza e nervosismo (…);
Chegando ao ponto de referir que preferia ter falecido a ver-se no estado para que o acidente o atirou (…);
Sente apreensão e ansiedade pelo seu futuro pessoal e profissional (…);
Não consegue participar com o seu filho GG, nascido em ../../2012, relativamente ao qual tinha um regime de guarda partilhada com a mãe do mesmo (…);
Enquanto esteve internado, e durante a situação de estado de emergência e, posteriormente, de calamidade, devido à situação de pandemia de Covid 19, o Autor ficou impedido de contactar com a sua família, nomeadamente, com a mãe e irmã (…);
Na sequência do acidente descrito em 1 a 14, o Autor foi admitido no serviço de urgência do Centro Hospitalar ... (Centro Hospitalar ...) a 3.11.2019, aí se observando o seguinte:
a) Traumatismo crânio-encefálico ligeiro com escala de coma de Glasgow de 15/15, sem agravamento. No internamento, após suspender sedação a 8/11, ECG de 15.
- Relatório de TAC cerebral, datado de 03/11/2019, revela lâmina hemática subdural posterior direita, 3 mm, sem efeito de massa e pequeno foco de sangue subracnoideu na cisterna interpeduncular.
b) Traumatismo vertebro-medular:
- Na admissão, neurologicamente com défice motor e sensitivo nos membros inferiores (força muscular grau 0 bilateralmente), com perda de sensibilidade até nível inguinal e arreflexia;
- Relatório de TC da coluna vertebral, datado de 03/11/2019, revela fraturas de C4, C6 e C7, contusão medular no plano do corpo de C7 e fraturas de D3, D4 e D5;
- Relatório de RMN da coluna cervical, datado de 03/11/2019, revela: “(...) contusão medular com componente hemorrágico focal central paramediano esquerdo no plano do corpo C7, com expansão e hipersinal centrifugo cranial e caudal atribuível a edema. (...) lesão traumática de C6-C7, que se traduz por hipersinal discal em T2 e STIR e ligeiro alargamento da vertente anterior do espaço intersomático, a que se associa a conhecida fratura da vertente anterior da plataforma vertebral superior de C7 (...) fratura dos componentes do maciço articular esquerdo, há fina lâmina hemática epidural circunferencial que se prolonga entre os planos de C4 e C7 (...) no plano de C6 e do disco C6-C7 há deformação do saco tecal, com atenuação do espaço subaracnoideu e moldagem da medula (...) Em C3-C4, C4-C5, C5-C6 há abaulamento circunferencial dos discos (...)”;
- Intervencionado cirurgicamente a 03/11 - artrodese cervical posterior
C5-C7 e fixação dorsal D3-D4-D6;
- Admitido na UCIP no pós-operatório imediato, sedado;
- Após levante da sedação, apresenta défice motor esquerdo > direito, com limitação da preensão palmar à esquerda e parésia grau 0 do membro inferior esquerdo, com diminuição da sensibilidade tátil associada (nível motor C6, nível sensitivo C5).
c) Trauma toraco-abdominal:
- Na admissão, hemodinamicamente estável e eupneico, SpO2: 100%. Drenado pneumotórax bilateral, retirados drenos torácicos a 5 e 6/11. No internamento, tentativa de extubação a 9/11, com falência ventilatória por secreções brônquicas e reintubação;
- Nova tentativa de extubação a 14/11 com sucesso sem intercorrências;
- No internamento, hemodinamicamente estável, anemia por perdas com necessidade de transfusão no total de 2 UGr (ultima transfusão a 07/11).
- Relatório de TC toraco-abdomino-pélvico, datado de 03/11/2019, revela: pneumotórax bilateral, hemotórax à esquerda, múltiplas fraturas de arcos costais à esquerda (4ª anterior, 5ª lateral com desalinhamento e espicula óssea adjacente, 6ª e 7ª posterior e lateral com desalinhamento e 8ª posterior em dois locais e lateral com desalinhamento), laceração pulmonar 10 mm no lobo médio e contusão pulmonar associadas. Pequena laceração do baço (lesão grau II) e hemoperitoneu de pequeno volume (…);
Durante o período de internamento no Centro Hospitalar ... decorreram as seguintes intercorrências de relevo: rabdomiólise, sem lesão renal aguda associada; desenvolvimento de úlceras de pressão sagrada (categoria 2) e occipital (categoria 3); sobreinfeção da contusão pulmonar, submetido a antibioterapia; registo ainda de antecedentes pessoais de ex-toxicodependente (haxixe, heroína e cocaína) em programa de desabituação, mantendo tratamentos neste sentido (…);
Após transferência para o serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar ... (Centro Hospitalar ...) a 18.11.2019, o Autor apresentava, no dia 21.11.2019, agravamento do pneumotórax à esquerda pelo que foi colocado dreno torácico, retirado no 28.11/2019 (…);
Em 3.12.2019, o Autor foi transferido para o serviço de Medicina Física e de Reabilitação do Centro Hospitalar ..., para continuação de cuidados de reabilitação (…);
À data de transferência desta instituição, o Autor apresentava tetraplegia AIS D nível sensitivo C5 à direita e C4 à esquerda – NN C4, bexiga neurogénica – em algaliação contínua, intestino neurogénico (…);
Funcionalmente, necessitava de ajuda mínima na alimentação, ajuda moderada no banho, para se vestir e nas transferências e sem capacidade de marcha (…);
E apresentava-se com produtos de apoio: cinta abdominal e meias elásticas (…);
Foi realizado TC cervical ao Autor, cujo relatório, datado de 12.12.2019, revelou: “(...) sinais de abordagem cirúrgica por via posterior, com artrodese C5-C7 e corporectomia de C6, observando-se área radiolucente rodeando os parafusos transsomáticos de C7, aspeto poderá refletir ausência de fixação. (...) O canal vertebral é pouco amplo no plano de C5-C6, aspeto que relacionamos com a anteposição discreta do arco posterior de C6 à esquerda” (…);
O Autor foi transferido para o Centro de Reabilitação ... a 17.12.2019 (…);
Tendo, nessa sequência, sido detetado o seguinte:
a) Síndrome miofascial Teres minot + Teres major + Dorsalis major esquerdos, para o qual foi submetido a bloqueio miofascial ecoguiado a 27/01/2020 a 10/02/2020;
b) Algaliado continuamente, em drenagem livre; treino intestinal já instituído no internamento prévio, sem registo de perdas;
c) Com tetraplegia AIS D nível motor C6/nível sensitivo C4 /nível de lesão neurologia C4 (…);
Teve alta a 9.03.2020, apresentando autonomia na deambulação em cadeira de rodas manual, para longas distâncias em piso regular e irregular, autonomia na alimentação, higiene pessoal e vestir/despir em sedestração (…);
O Autor foi transferido para a Unidade de Média Duração da UCCI de ... a 9.03.2020, para reabilitação funcional e tratamento de feridas (…);
Aí foi observado o seguinte: “Recebeu, em julho de 2020, a ortótese para o membro superior esquerdo, que tem utilizado com a ajuda da fisioterapia e equipa de enfermagem. Administrado botox para bexiganeurogénica a 23/09/2020 no Hospital ..., tendo alta deste no 1º dia pós-operatório (23/09/2020). Alta a 16/11/2020, apresentando “melhorias razoáveis com obtenção de considerável autonomia (…) utente dependente em grau reduzido nos autocuidados; dependente em grau moderado no autocuidado uso do sanitário (...) independente na deambulação em CR e na alimentação” (…);
Em consulta de reabilitação de lesões medulares do Centro Hospitalar .../E, com relatório datado de 6.01.2021, foi observado o seguinte: utilização de ortótese punho-mão; queixas álgicas com necessidade frequente de medicação SOS; algaliação contínua; treino intestinal com bisacodilo oral e supositórios em dias alternados, eficaz e regular, sem perdas entre treinos; melhoria do nível de autonomia funcional, referindo conseguir fazer marcha para pequenas distâncias com andarilho ou canadianas, passadeira e subir/descer escadas (…);
No Centro Hospitalar .../..., segundo relatório datado de 18.11.2021, foi constatado, relativamente ao Autor, o seguinte: “(...) primeira e única até ao momento consulta de Dor Crónica a 20/07/2021 na Unidade de Tratamento de Dor Crónica no Centro Hospitalar .../.... (...)Plano: Tridural 300 mg noite; Zilpen 8/8 em SOSO; ADT 25 noite; mantém gabapentina 600 3x/dia; baclofeno 25 12/12; fentanilo 50 transdérmico. Mantém seguimento nesta Unidade” (…);
Posteriormente, ainda no Centro Hospitalar .../..., em relatório datado de 3.01.2022, foi constatado, em relação ao Autor, o seguinte: “doente com traumatismo vertebro-medular, seguido no Centro de Reabilitação .... Não é seguido por Urologia” (…);
O Autor foi acompanhado na Unidade de Saúde Familiar ..., com a primeira consulta efetuada em 16.08.2021, aí se observando que “Tem mantido incapacidade para o trabalho desde então, prorrogada nesta Unidade pela sua situação clínica.” (…);
Em consequência do acidente referido em 1 a 14, o Autor apresenta hemiparesia esquerda, com força distal grau 1/2, com alterações da sensibilidade, da qual decorre um Défice Permanente da Integridade Psico-Física valorizável de 60 (sessenta) pontos, impeditivo do exercício da sua atividade profissional habitual, bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional (…);
O Autor teve alta definitiva a 16.11.2020 (…);
Das lesões que o Autor sofreu no acidente referido em 1 a 14, resultaram as seguintes sequelas:
a) Crânio: na linha média da região occipital, área de alopecia de orientação transversal, com 1 por 4.5 cm de maiores dimensões;
b) Pescoço: na face lateral esquerda, terço inferior, cicatriz cirúrgica, linear, nacarada e normotrófica, oblíqua e de orientação descendente medial, com 1 por 5 cm de maiores dimensões;
c) Ráquis: na linha média da região dorsal, região interescapular, cicatriz cirúrgica linear, normotrófica e normocrómica, longitudinal, com 1.5 por 17 cm de maiores dimensões;
d) Tórax: na face lateral do hemitórax esquerdo, cicatriz irregular, normotrófica e normocrómica, com 2 por 2.5 cm de maiores dimensões; na face lateral do hemitórax direito, cicatriz irregular, normotrófica e normocrómica, com 0.5 por 1.5 cm de maiores dimensões;
e) Abdómen: na região da crista ilíaca anterior esquerda, cicatriz cirúrgica linear, normotrófica e normocrómica, de oritneação oblíqua descendente medial e 4 cm de comprimento;
f) Períneo: encontra-se algaliado;
g) Membro superior direito: limitação no movimento de extensão do 2º dedo da mão;
h) Membro superior esquerdo: mobilidade e força do ombro preservadas; mobilidade do cotovelo preservada, com força de flexão de grau 3/5 e força de extensão de grau 4+/5; dedos da mão em posição de flexão por espasticidade, com limitação passiva da sua extensão;
i) Membro inferior esquerdo: hiposensibilidade à estimulação tátil de todo o membro inferior; arco de mobilidade do joelho de 0º-90º, com força na flexão de grau 3/5 e força na extensão de grau 4/5; limitação da mobilidade força global do tornozelo e pé (…);
Tais sequelas repercutem-se, a nível funcional (posturas, deslocamentos e transferências), do seguinte modo:
a) O Autor desloca-se habitualmente em cadeira de rodas, embora consiga dar alguns passos com apoio de uma canadiana no domicílio; consegue, com dificuldades, levantar-se da posição em decúbito e transferir-se para a cadeira de rodas sem ajuda de terceiros;
b) O A. manifesta dificuldade em permanecer sentado por longos períodos sem apoio dorsal, pelas queixas álgicas despoletadas (…);
Ao nível da manipulação e preensão, o Autor demonstra:
a) Incapacidade de manipular objetos com a mão esquerda, não conseguindo pegar na faca para cortar os alimentos, tendo de ser ajudado por terceira pessoa para esse efeito;
b) Utiliza habitualmente uma luva/tala na mão esquerda, uma vez que esta permanece habitualmente cerrada (…);
Ao nível de cognição e afetividade, o Autor, embora não tivesse procurado obter apoio psicológico:
a) Faz uso de medicação para dormir, com melhoria, mas acorda durante a noite por dor despoletada no braço esquerdo;
b) Inicialmente, teve pesadelos com o acidente, o que já não sucede (…);
Ao nível do controlo de esfíncteres, o Autor encontra-se:
a) Permanentemente algaliado, trocando mensalmente o indicado dispositivo no posto médico de ...;
b) Atualmente, defeca normalmente, sem necessidade de ajuda ou de uso de fralda;
c) É independente nas suas atividades mais simples de higiene pessoal (…);
Ao nível da sexualidade e procriação, tem ereção peniana (…);
O Autor experimenta, ainda, fenómenos dolorosos, mormente, dor na região lombar e cervical e no braço esquerdo, "em aperto" e de carácter constante, que agrava com os esforços, nomeadamente, a caminhar e na posição de sentado, o que o obriga a ser medicado com “Tramadol”, em duas tomas diárias (200 mg noite e 100 mg manhã) (…);
A consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 16.11.2020, sendo o défice funcional temporário total de 380 dias (…);
Mercê do acidente, o Autor ficou a padecer de tetraplegia AIS D nível motor C6/nível sensitivo C5/nível de lesão neurológica e ausência de equilíbrio em pé (…);
O Autor sofreu, por causa do acidente referido em 1 a 14, um quantum doloris de grau 6, numa escala de 0 a 7, em grau crescente de gravidade (..…);
Em consequência do acidente referido em 1 a 14, o Autor ficou a padecer de um défice da integridade física e psíquica de 60 pontos (…);
O Autor ficou a padecer, em resultado do acidente descrito em 1 a 14, de um dano estético permanente de grau 5, numa escala de 0 a 7, em grau crescente de gravidade (…);
E sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 6, numa escala de 0 a 7, em grau crescente de gravidade (…);
Ainda por causa do acidente referido em 1 a 14, o Autor sofreu uma repercussão permanente na atividade sexual de grau 6, numa escala de 0 a 7, em grau crescente de gravidade (…);
O Autor ficou a carecer de ajudas técnicas permanentes, medicamentosas, médicas, de adaptação domicílio, adaptação de local de trabalho ou veículo e ajuda de terceira pessoa para tarefas pessoais, tais como o banho (…);
O Autor, atualmente, carece de acompanhamento de terceira pessoa para os atos da vida diária, estando a ser ajudado pelos pais, com quem vive (…);
O Autor tem necessidade de consultas de especialidade, medicamentosas e técnicas, tais como fisioterapia, calçado especial e cirurgias (…);
No que concerne às ajudas técnicas permanentes e adaptação do domicílio, o Autor necessita de: almofada para prevenção de escaras; alteador de sanita; barra de apoio para sanita; cadeira de duche; cadeira de rodas manual ativa; cama articulada; canadiana; colchão para prevenção de escaras; ortótese para membro inferior; poltrona; rampa; tala para membro superior; unidade de propulsão elétrica (…);
O Autor necessita permanentemente de recurso a medicação regular – analgésicos, antiespasmódicos ou antiepilépticos –, sem a qual não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações da vida diária (…);
O Autor reside com os seus pais e com um filho (…);
O Autor sente-se apoiado pela sua família (…);
Habitualmente dorme até às 12h (…);
No seu dia a dia, vê televisão e joga "no telemóvel", apanha sol e caminha por casa (…);
Mão sendo frequentes as saídas do domicílio, apenas saindo para conviver com a família, em idas ao supermercado ou a festas de anos (…);
Antes do acidente passava mais tempo com o filho, iam ao café e chutavam a bola (…);
ainda não manteve qualquer relacionamento amoroso após o acidente (…);
Deixou de jogar futebol com os amigos, o que antes fazia, pelo menos uma vez por semana (…);
O Autor necessita de ajudas de terceira pessoa para os atos da sua vida diária e nas deslocações de longo percurso, bem como de vigilância nas atividades de higiene pessoal (…);
Necessita de ajuda na preparação do banho – preparação da roupa e dos objetos para o banho – preparação na medicação e alimentação, ajuda para cortar alimentos nas refeições – porquanto alimenta-se apenas com a utilização da mão direita – ajuda no momento de se vestir e na escolha das roupas com que se vai trajar, ajuda na lida da casa – mormente no asseio da casa –, na aquisição de bens alimentares e outros bens de uso diário/quotidiano, na confeção de refeições e nas deslocações de e para supermercados, centros de saúde, locais de lazer e outros (…);
O Autor apresenta restrições em pegar e manusear objetos com a mão esquerda, e na realização de atividades bi-manuais, como abotoar e preparar os alimentos – cortar e descascar (…);
Nas restantes atividades da vida diária, foi forçado a adquirir novas aprendizagens para a realização das atividades de auto-cuidados: a maioria das atividades são realizadas na posição de sentado; fá-las com mais esforço, apresentando dores constantes, e/ou demorando mais tempo (…);
O Autor viu, por via do acidente referido em 1 a 14, desmoronar-se a perspetiva de um dia ter uma relação amorosa ou mesmo vir a casar-se”.
Tendo em conta esta factualidade, considerando a gravidade das lesões sofridas, acompanhada do medo da própria morte, e os tratamentos a que o Autor foi sujeito, com particular destaque para o período temporal em que esteve afetado, bem como para o quantum doloris de grau 6 (numa escala de 0 a 7) e as sequelas de que ficou a padecer, tendo ainda em atenção que fruto dessas sequelas ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 60 pontos, uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 6 (numa escala de 0 a 7), uma repercussão permanente na atividade sexual de grau 6, numa escala de 0 a 7 e um dano estético permanente de grau 5, numa escala de 0 a 7, tendo ficado a carecer de ajudas técnicas permanentes, medicamentosas, médicas, de adaptação domicílio, adaptação de local de trabalho ou veículo e ajuda de terceira pessoa para tarefas pessoais, tais como o banho; considerando ainda, tal como se refere na sentença recorrida que o Autor se vê “chegado ao meio da sua vida, com grande parte da sua autonomia afetada, tendo que conviver permanentemente com a dor e com a perda das suas faculdades motoras”, formulando o necessário o juízo de equidade e considerando os valores que vêm sendo definidos pela jurisprudência para casos similares, afigura-se-nos adequada a indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais pelo tribunal a quo.
Não podemos ainda desconsiderar o grau de culpa do condutor do veículo ..-..-PD, a que as normas que regulam a responsabilidade civil e a fixação de indemnizações atribuem relevo (v. neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/11/2021, Processo n.º 730/17.8T8PVZ.P1.S1, Relator Conselheiro Abrantes Geraldes), sendo que no caso dos autos o acidente ocorreu por culpa exclusiva do condutor daquele veículo (o qual foi condenado, por sentença transitada em julgado como autor de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário com agravação e um crime de ofensa à integridade física por negligência – cfr. ponto 161 dos factos provados).
Tendo em vista aferir dos padrões definidos pela jurisprudência podemos aqui citar a título de exemplo os seguintes acórdãos:
- do Supremo Tribunal de Justiça de 19/09/2024 (Relator Ferreira Lopes, Processo n.º 347/21.2T8PNF.P1.S1), onde se considerou “justa e equitativo atribuir uma indemnização de €200.000,00 por danos morais ao lesado, vítima de acidente de viação, sem qualquer culpa sua, que à data do acidente tinha 40 anos, era um homem ativo e saudável, que em consequência do acidente ficou paraplégico, que sofreu dores intensas (de grau 7/7), com dano estético permanente de grau 5/7, repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer no grau 6/7, com a vida sexual fortemente limitada por impotência coeundi, por ausência de ereção, tendo ficado afetado de um défice funcional de integridade físico-psíquico de 72 pontos, dependente da ajuda de terceira pessoa para os atos quotidianos, e que ao longo do tempo vai necessitar de consultas e tratamentos, o que tudo lhe provoca sentimentos de angústia, revolta e tristeza”;
- do Supremo Tribunal de Justiça de 17/09/2024 (Relator António Magalhães, Processo n.º 2481/20.7T8BRG.G1.S1), onde se considerou, relativamente a uma lesada com 17 anos à data do acidente de viação, uma expectativa de vida de 66 anos (para uma esperança de vida de 83 anos), que ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 35 pontos, que frequentava o 11º ano de escolaridade, tendo reprovado um ano letivo em consequência das lesões sofridas, “que as lesões de que foi vítima do acidente em 4.6.2017 só atingiram a sua consolidação médico legal em 8.7.2019, período durante o qual foi operada e sujeita a várias sessões de fisioterapia e tratamento fisiátrico, tendo ficado como sequela uma cicatriz cirúrgica a nível da bacia do lado esquerdo com cerca de 20 cm de extensão, que o quantum doloris foi fixado em 5, numa escala crescente de 1 a 7; que a referida cicatriz na mesma escala crescente de 1 a 7, lhe confere um dano estético fixável no grau 4, que tem um prejuízo de afirmação pessoal de 2 (em 5), que as queixas, lesões e sequelas numa escala crescente de 1 a 7 lhe conferem uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7, que as lesões referidas lhe causam uma repercussão permanente na atividade sexual fixável no grau 2/7, que ficou com um défice funcional de 35 pontos, que implicam esforços suplementares e que necessita atualmente e necessitará no futuro de acompanhamento médico periódico nas especialidades médicas de psiquiatria e fisiatria e de realizar tratamento fisiátrico, atribui-se a indemnização por danos não patrimoniais de € 90.000;
- do Supremo Tribunal de Justiça de 06/03/2024 (Relator Luis Espírito Santo, Processo n.º 13390/18.0T8PRT.P1.S1), onde se considerou que “IV – Havendo a A., que contava 22 anos de idade na data do acidente que a vitimou (em 13 de Junho de 2016), sofrido, em consequência daquele, graves lesões físicas que a obrigaram a permanecer na Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente cerca de um mês, com alta em finais desse ano, com transferência para outro hospital em 2 de Fevereiro de 2017, apenas regressando a casa em 18 de Abril de 2019, mas continuando, não obstante, a padecer definitivamente de diversas sequelas; registando um défice funcional total de 1223 dias e um quantum doloris de grau 7 numa escala de 1 a 7, com incapacidade parcial permanente para o trabalho de 76%, impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, embora compatíveis com outras profissões na área da sua preparação técnico profissional; um dano de grau 5 numa escala de 1 a 7; repercussão nas atividades desportivas e de lazer de grau 3 numa escala de 1 a 7; repercussão na atividade sexual de grau 4 numa escala de 1 a 7 e dependência de ajudas técnicas (medicação analgésica em SOS, laxantes, medicação psicofarmacológica, tratamentos de Medicina Física e de Reabilitação (fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da fala); andarilho, poltrona, cadeira de rodas elétrica, adaptação da casa de banho, colocação de barras de apoio para sanita, cadeira de duche, cadeira de rodas de encartar; estrado articulado para a cama, ajuda de terceira pessoa, com a necessidade de orientação e supervisão de terceiros para a organização e realização de todas as tarefas, bem como para a alimentação, cuidados de higiene, acompanhamento nas deslocações (pelas alterações de equilíbrio imprevisíveis) e necessidade de assistência de terceira pessoa total e permanente para os cuidados básicos da vida diária, entende-se adequada, por razoável, equilibrada e equitativa, a fixação a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial da quantia de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros);
- do Supremo Tribunal de Justiça de 06/02/2024 (Relator Manuel Aguiar Pereira, Processo n.º 21244/17.0T8PRT.P1.S1), onde se considerou que “1 – Não diverge de modo flagrante dos padrões de avaliação jurisprudencial do dano de natureza não patrimonial sofrido por um jovem adulto de 23 anos de idade que, num acidente de viação a que não deu causa, sofreu graves lesões físicas com um grau de quantum doloris associado de 6 numa escala de 7, que viriam a demandar até à sua consolidação médico legal um período de cerca de dois anos e meio, a provocar um défice permanente de integridade físico-psíquica de 61 pontos numa escala de 100, e a persistência de dores físicas, incómodo e mal estar que as sequelas das lesões lhe causam, o valor de € 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros).
No caso dos autos, considerando a factualidade provada e a gravidade dos danos que a mesma encerra, o necessário juízo de equidade, e não divergindo a mesma dos valores jurisprudenciais aplicados em casos simulares, sendo certo que, estando em causa um critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando atentem manifestamente contra as regras da boa prudência e do bom senso, e não se enquadrem dentro dos padrões definidos pela jurisprudência para casos idênticos, afigura-se-nos adequada a indemnização de €175.000,00 arbitrada a título de danos não patrimoniais pelo tribunal a quo, devendo a mesma ser mantida.
Improcede, por isso, também nesta parte o recurso da Ré, que pretendia ver reduzido o montante indemnizatório a este título.
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Em face de todo o exposto, na parcial procedência da apelação da Ré, deve a sentença ser alterada quanto ao valor da indemnização devida pelo dano patrimonial futuro (dano biológico na sua vertente patrimonial) que se fixa em €250.000,00, alterando-se em conformidade a alínea b) da parte decisória e condenando-se a Ré no pagamento ao Autor da quantia global de €500.000,00, deduzida das quantias que hajam sido pagas em cumprimento da providência cautelar decretada por apenso e acrescida de juros vencidos desde a data da presente sentença e vincendos até integral e efetivo pagamento, sobre o capital de €500.000,00 à taxa legal de 4%, mantendo-se, no mais, a sentença recorrida.
As custas da presente apelação são da responsabilidade do Autor e da Ré na proporção do respetivo decaimento, (artigo 527º do Código de Processo Civil), mantendo-se o decidido quanto a custas da ação na sentença recorrida.   
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, alteram a sentença recorrida quanto ao valor da indemnização devida pelo dano patrimonial futuro (dano biológico na sua vertente patrimonial) que se fixa em €250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) e, em conformidade, alterando a alínea b) da parte decisória, condenam a Ré no pagamento ao Autor da quantia global de €500.000,00 (quinhentos mil euros), deduzida das quantias que hajam sido pagas em cumprimento da providência cautelar decretada por apenso e acrescida de juros vencidos desde a data da presente sentença e vincendos até integral e efetivo pagamento, sobre o capital de €500.000,00 à taxa legal de 4%, e confirmam, no mais, a sentença recorrida.
As custas da apelação são da responsabilidade da Ré e do Autor na proporção do respetivo decaimento.
Guimarães, 10 de outubro de 2024
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
José Cravo (1º Adjunto)
Alexandra Rolim Mendes (2ª Adjunta)