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RECONVENÇÃO
REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE
CONEXÃO ENTRE OS FACTOS
Sumário
– Quando está em causa a alínea a) do nº 2 do art. 266º, o pedido reconvencional pode-se fundar no todo ou em parte na causa de pedir invocada na petição inicial ou ainda parcial ou totalmente nos factos que o réu invoca como exceção perentória ou quando o réu alega factos diversos dos alegados pelo autor e com estes incompatíveis.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: Relatório:
A presente ação foi intentada por AA e marido, BB contra EMP01..., LDA, pedindo:
a) Que a Ré seja condenada a pagar aos AA., a título de indemnização a quantia de 20.858,34 €, ou a que se vier a apurar na pendência da presente ação, para eliminação dos danos causados no locado, acrescida dos juros de mora legais, desde a data da respetiva citação;
b) Seja a Ré, condenada a pagar aos AA., a despesa de 244 euros (com o registo fotográfico do espaço locado no estado em que o mesmo foi entregue);
c) Seja a R. condenada a pagar o valor de 550 euros, correspondente à renda mensal do mês de agosto/2022, acrescida dos juros de mora legais, desde a data da respetiva citação;
d) Seja a R. condenada a pagar o valor de 1.650 euros, correspondente aos meses decorridos (3) entre a data em que esta entregou o locado nas condições lamentáveis em que o fez e o termo do prazo que lhe foi concedido pelos AA. para realização das ditas obras;
e) Seja a Ré condenada a pagar aos AA. uma indemnização nunca inferior a 1.000 euros, a título de danos morais.
Alegam para tanto que são donos da fração autónoma designada pela letra ..., correspondente a uma loja no rés do chão esquerdo, com entrada pelo nº. ...4 de polícia, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...90- fração ... urbano.
Em 26 de abril de 2013, os Autores, mediante contrato escrito celebrado com CC e seu marido DD, deram a estes de arrendamento a fração autónoma acima identificada (loja no rés- do-chão), para fim comercial.
Tal contrato teve início no dia 1 de outubro de 2013.
A referida CC e seu marido, (e, mais tarde, a própria Ré, na qualidade de inquilina), comprometeram-se “a manter o local arrendado em bom estado de conservação e limpeza, fazendo à sua custa as obras que para o efeito se tornem necessárias.”; e a não “executar obras ou benfeitorias sem o prévio consentimento escrito do senhorio, ficando a pertencer ao prédio sem direito a qualquer indemnização.
Comprometeram-se, igualmente, a reparar “Todos os danos provocados dentro da loja ao longo do período deste arrendamento” e “a entregar a loja da mesma forma que a recebeu à data do contrato”.
Mediante acordo entre as partes (senhorios e inquilinos), a partir do dia 1 de setembro de 2017, a referida CC e seu marido DD, cederam a sua posição contratual à firma EMP01..., Lda.
O contrato de arrendamento celebrado entre aquela entidade e os autores/senhorios cessou no dia 31.08.2022, por força de comunicação escrita de oposição à renovação do contrato de arrendamento por parte dos senhorios.
No passado dia 31.08.2022, a referida CC, na qualidade de sócia gerente da firma EMP01..., Lda, procedeu à entrega das chaves do imóvel objeto de arrendamento.
O imóvel foi entregue aos senhorios em mau estado de conservação e com diversos estragos que descrevem na p.i., o que provocou danos aos AA.
Os RR. contestaram impugnando os factos alegados pelos AA. e alegando que à data de celebração do contrato de arrendamento o imóvel já apresentava vários danos. Deduziram ainda reconvenção, pedindo:
“Mais deve o pedido reconvencional ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, serem os reconvindos condenados a pagar à reconvinte quantia nunca inferior a 5000,00 Euros a título de danos patrimoniais [indiretos], acrescida de juros de mora comercial, desde a data da notificação da contestação/reconvenção.”
Alega, para tanto e em síntese, que no decurso da vigência do contrato de arrendamento, mais concretamente em setembro de 2018, a Autora mulher exigiu-lhe o aumento da renda, que esta não aceitou, na sequência disso, a Autora mulher passou a assediá-la, nomeadamente, colocando lixo à porta do estabelecimento, injuriando-a e difamando-a, cortando-lhe o abastecimento de água, pretendendo com isso, a cessação antecipada do contrato de arrendamento, o que causou transtorno ao desenvolvimento da atividade comercial, mau nome e má imagem da ré, bem como aos seus corpos gerentes e colaboradores, o que lhe causou danos patrimoniais.
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Sobre o pedido reconvencional foi proferido o seguinte despacho:
“O artigo 266 nº 1 do Código de Processo Civil dispõe que “[o] réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor. Contudo, a lei estabeleceu alguns limites, impedindo que o réu formule incondicionalmente pedidos contra o autor e exigindo a verificação de certos requisitos substantivos e formais. No que concerne aos requisitos formais, a reconvenção deve ser deduzida separadamente na contestação, expressamente identificada, expondo-se os fundamentos e concluindo-se pelo pedido, devendo ainda ser declarado o seu valor e paga a taxa de justiça suplementar, nos casos em que for devida (cfr. artigos 583.º, n.º 1 e 2 e 530.º, n.º 2 do Código Processo Civil). Para além disso, e porque configura uma ação cruzada do réu contra o autor, deve o tribunal ser competente nacional, material e hierarquicamente (artigo 93.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e ser a forma de processo da reconvenção idêntica à forma de processo da ação, salvo se a diferença provier do valor dos pedidos (artigo 266.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). No que diz respeito aos requisitos substantivos, exige-se que os pedidos tenham alguma conexão com o pedido formulado pelo autor, apenas se admitindo a reconvenção nos casos expressamente previstos no artigo 266.º, n.º2 do mesmo diploma legal. Ora, neste caso, o pedido reconvencional que a Ré formula, que tem como causa de pedir os alegados transtornos, má imagem e mau nome que lhes causou o comportamento da Autora mulher durante a vigência do contrato, não tem qualquer conexão com a defesa apresentada pelos Ré nem se alicerça nos factos concretos em que os Autores baseiam o seu pedido e, por isso, não emerge dos factos jurídicos que servem de fundamento à ação nem à defesa (alínea a) do n.º 2 do artigo 266.º do Código Processo Civil). Por outro lado, também não emerge das restantes alíneas deste artigo, nomeadamente na alínea c), dado que a Ré não pretender obter a compensação, uma vez que nem sequer reconhece a existência de uma dívida aos Autores. Assim sendo, inexiste fundamento processual para deduzir esse pedido de indemnização por danos patrimoniais a título reconvencional. Face do exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 266.º, n.º 1 e 2, alíneas a) e b) e 583.º, n.º 1 e 2 do Código Processo Civil, não se admite a reconvenção deduzida pela Ré EMP01... Lda.”.
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Inconformada a Ré recorreu formulando as seguintes conclusões:
1. Constituiu objeto do presente recuso a decisão que não admitiu o pedido reconvencional porquanto, “inexiste fundamento processual para deduzir esse pedido de indemnização por danos patrimoniais”.
2. In casu, os recorridos alegam que celebraram com a recorrente um contrato de arrendamento, que cessou por oposição à renovação, e que a inquilina se encontra em mora relativamente a uma renda e o locado foi entregue com danos.
3. Pelo que, peticionam a condenação da recorrente no pagamento de indemnização por danos causados ao locado; despesas de fotografo; renda em falta; indemnização por rendas dos meses decorridos entre a entrega do locado e o termo do prazo concedido para obras; indemnização por danos morais.
4. Por sua vez, a recorrente deduziu pedido reconvencional alegando que no decurso do contrato a que se refere a ação, a recorrida exigiu o aumento da renda, que a assediou colocando lixo à porta do estabelecimento, injuriou e difamou, cortou o abastecimento de água, deixou que fossas enchessem provocando alagamento e mau cheiro no locado, pretendendo a cessação antecipada do contrato e a desocupação do imóvel; o que causou transtorno ao desenvolvimento da atividade comercial, ao bom nome e boa imagem da recorrente.
5. Em consequência, a recorrente peticionou a condenação dos recorridos no pagamento de indemnização a título de danos patrimoniais [indiretos].
6. Desta feita, existe conexão material entre pedido formulado pela recorrente e pelos recorridos, a saber: o contrato de arrendamento não habitacional do qual resultaram danos indemnizáveis de parte a parte.
7. No caso dos autos existe, assim, conexão – identidade - entre o pedido formulado na ação e o pedido formulado na reconvenção, porquanto a ação e a defesa emergem do mesmo facto jurídico – o contrato de arrendamento não habitacional.
8. Existe conexão – identidade - entre o pedido formulado na ação e o pedido formulado na reconvenção, porquanto a ação e a defesa emergem da mesma normal legal – responsabilidade contratual.
9. O pedido reconvencional formulado pela recorrente assente em responsabilidade contratual tem a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido formulado pelos recorridos, o que se traduz na verificação do necessário requisito material do “efeito útil defensivo”.
10. A decisão em crise violou o preceituado no n.º e 2 do art.º 266º do CPC.
TERMOS EM QUE, com o douto suprimento de V/EXELÊNCIAS, deve a decisão que não admitiu a reconvenção deduzida pela recorrida ser revogada, e substituída por outra, que admita a reconvenção deduzida, assim se fazendo a sã e acostumada
JUSTIÇA!
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Os AA. apresentaram contra-alegações pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
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Questão a decidir:
- Analisar se a reconvenção é admissível
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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Os factos a ter em conta para a presente decisão, são os que constam do respetivo relatório.
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Da admissibilidade da reconvenção:
A reconvenção consiste numa contra-ação deduzida pelo Réu contra o Autor.
O exercício do poder reconvencional não pode ser admitido sem que haja qualquer conexão com o objeto da ação pois, “a reconvenção incondicionada abriria portas a quaisquer pedidos formulados pelo réu contra o autor, pedidos que o tribunal teria que conhecer concomitantemente com o pedido formulado por este, que veria assim, o processo marchar morosamente, talvez com inevitáveis e irreparáveis repercussões sobre a sua esfera jurídica (v. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, pág. 172).
Assim, de acordo com o disposto no nº 2 do art. 266º do C. Proc. Civil, a reconvenção é admissível nos seguintes casos:
a) Quando o pedido do réu emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;
b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;
c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação, seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.
d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
A estes limites objetivos, acrescem outros de cariz processual, previstos no nº3 do preceito citado e também no art. 93º do C. Proc. Civil.
No caso "sub judice" não está em causa a observância dos requisitos processuais e é manifesto que a legalidade da presente reconvenção não deriva das alíneas b) e d) citadas e também não se destina a obter a compensação de créditos.
No que respeita à alínea a) citada, a que nos interessa no caso em apreço, temos que o pedido reconvencional se pode fundar no todo ou em parte na causa de pedir invocada na petição inicial ou ainda parcial ou totalmente nos factos que o réu invoca como exceção perentória ou quando o réu alega factos diversos dos alegados pelo autor e com estes incompatíveis (v. José Lebre de Freitas in Introdução ao Processo Civil, conceito e princípios gerais à luz do código revisto, pág. 172-173).
Conforme se diz no Acórdão da Relação do Porto de 16/9/71 (in Col. Jur. T. IV, pág. 247), para que possa considerar-se que o pedido reconvencional em causa tem por base o facto jurídico que serve de fundamento à defesa é necessário que este facto tenha a virtualidade de, a provar-se, reduzir, modificar ou extinguir o pedido dos autores (v. ainda neste sentido J. Rodrigues Bastos in Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, pág. 27)
No Acórdão do STJ de 27-04-2006 (in www.dgsi.pt) diz-se que o requisito substantivo da admissibilidade da reconvenção, da alínea a) do nº 2 do artigo 274º do C. Proc. Civil (que corresponde ao atual artigo 266º) implica que o pedido formulado em reconvenção resulte naturalmente da causa de pedir do autor (ou, até, se contenha nela) ou seja normal consequência do facto jurídico que suporta a defesa, que tem o propósito - regra de obter uma modificação benigna ou uma extinção do pedido do autor.
Conforme explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 302), “O facto jurídico que serve de fundamento à ação (al a)) constitui o ato ou relação jurídica cuja invocação sustenta o pedido formulado, como ocorre com a invocação de um direito emergente de contrato, o qual também pode ser invocado pelo réu para sustentar uma diversa pretensão dirigida contra o autor. O facto jurídico que serve de sustentação à defesa envolve essencialmente a matéria da exceção, mas poderá igualmente assentar em factos que integrem a impugnação específica dos fundamentos da ação. Nestes casos, o réu aproveita a defesa não apenas para se defender da pretensão do autor, mas ainda para sustentar nos mesmos factos uma pretensão autónoma contra aquele”.
Na presente ação, o pedido e a causa de pedir assentam na responsabilidade contratual, pois os AA. alegam que a Ré incumpriu o contrato de arrendamento que com eles foi celebrado, pedindo, consequentemente que a Ré os indemnize no valor dos prejuízos causados com esse incumprimento.
Na contestação a Ré sustenta não ter incumprido o contrato.
No pedido reconvencional a Ré pede a condenação dos AA. no pagamento de uma indemnização por “danos patrimoniais (indiretos)” sofridos em virtude de conduta dos AA. que consideram ilícita e que alegadamente causou à Ré mau nome e imagem, conduta esta que, tendo em conta a relação jurídica tal como é configurada pela Reconvinte, tem por base a responsabilidade civil extracontratual, já que a Reconvinte para fundamentar este pedido não invoca a violação do contrato por parte dos AA., mas sim atos destes que ofenderam a sua personalidade moral (v. art. 484º, do C. Civil).
Considerando o que acima se expôs sobre a figura da reconvenção e sobre a relação jurídica ora em causa, vemos que o pedido reconvencional não emerge do mesmo facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa, não existindo, pois, conexão entre os factos invocados na petição inicial e/ou na contestação com os factos alegados na reconvenção, pelo que temos como não verificado o requisito substantivo exigido na lei processual necessário para que a reconvenção fosse admitida (al. a), do nº 2, do artº 266º, do C. Proc. Civil).
O pedido reconvencional não é, pois, admissível.
Desta forma, improcede o recurso.
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Decisão:
Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação da Ré, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
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Guimarães, 10 de outubro de 2024
Alexandra Rolim Mendes António Beça Pereira José Cravo