TRANSMISSÃO DE UNIDADE ECONÓMICA
VIGILANTES
OPOSIÇÃO À TRANSMISSÃO
“FALTA DE CONFIANÇA”
Sumário


I – Não há razão para se considerar uma sentença recorrida ambígua ou ininteligível, se não se patenteia na mesma qualquer vício lógico susceptível de comprometer a compreensão da decisão.
II - O facto de a transmissária da unidade económica, onde o trabalhador, vigilante, exercia funções, recusar garantir os direitos emergentes do contrato que o liga à transmitente, aceitando admiti-lo mediante assinatura de um contrato novo, constitui facto justificativo da falta de confiança por parte do trabalhador quanto à política de organização do trabalho daquela e, assim, idóneo a fundamentar a oposição do trabalhador à transmissão da posição do empregador no seu contrato.

Texto Integral


Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, com os sinais dos autos, instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra:

- EMP01..., Lda., e
- EMP02..., Soluções de Segurança, S.A., estas nos autos também melhor identificadas,
pedindo que se declare que a resolução do contrato de trabalho operada pela autor, o foi com justa causa, por violação de garantias legais do trabalhador e prática de actos susceptíveis de atentarem contra a sua dignidade e honra, condenando-se solidariamente as rés no pagamento de:
a) Férias não gozadas, proporcionais das férias, do subsídio de férias e do de Natal, no valor de € 1.869,10 (mil oitocentos e sessenta e nove euros e dez cêntimos);
b) Retribuição correspondente ao número mínimo de horas de formação não proporcionada nos últimos 3 anos (105 horas), no valor de € 492,45 (quatrocentos e noventa e dois euros e quarenta e cinco cêntimos);
c) Indemnização por 16 anos e 6 meses de antiguidade no montante de € 20.124,70 (vinte mil, cento e vinte e quatro euros e setenta cêntimos);
d) Tudo mais juros de mora, vencidos e vincendos até integral pagamento, que à data ascendem a € 193,21 (cento e noventa e três euros e vinte um cêntimos).

Para justificar a sua pretensão alegou, em síntese já constante do relatório constante da sentença recorrida, que foi admitido ao serviço da sociedade “EMP03..., S.A.”, em 01.04.2006, para exercer a actividade profissional de vigilante. Sucede que, o contrato do autor com esta sociedade transmitiu-se, por via de um projecto de fusão, para a ré “EMP02..., Soluções de Segurança, S.A.”, onde prestou serviço até ../../2022 e auferia um rendimento mensal de € 812,17.
A 13.09.2022 o autor recebeu uma carta da 2.ª ré a informar a transmissão da unidade de negócio para a 1.ª ré, com início a 1.10.2022, sendo garantida a manutenção de todos os seus direitos.
A 20.09.2022 reuniu com o Sr. BB, apresentado como dono da 1.ª ré e com o supervisor desta, CC, onde foi informado que teria de assinar novo contrato, a produzir efeitos posteriores e que não seriam garantidos todos os seus direitos, designadamente, a manutenção de antiguidade, de retribuição e da categoria profissional. Pelo que, o autor comunicou à 2.ª ré, através de carta de 21.09.2022, não aceitar a transmissão do posto de trabalho, pugnando esta pela legalidade da transmissão, e imputando qualquer responsabilidade à 1.ª ré.
Sucede que, no dia 26.09.2022 recebeu uma carta da 1.ª ré, datada de 21.09.2022, para nesse mesmo dia se apresentar na sua sede sita na Rua ..., ..., a mais de 380km de casa, para levantar fardamento e assinar novo contrato. Ora, o autor nunca conseguiria estar presente, primeiro porque ainda prestava trabalho para a 2.ª ré nessa data e segundo porque não lhe era possível de uma hora para a outra fazer essa viagem. Pelo que, a 27.09.2022, voltou a questionar à 1.ª ré sobre os termos da transmissão do posto de trabalho, informando que no dia 01.10.2022 estaria no seu habitual posto de trabalho para desempenhar as suas funções.
Porém, a 1.10.2022 foi impedido de desempenhar as suas funções, sendo-lhe proibida a entrada no seu local de trabalho pela 1.ª ré, o mesmo tendo sucedido nos dias 2, 3 e 4 de Outubro de 2022, pelo que chamou ao local a PSP.
Acresce que, os elementos que estavam no local a desempenhar as funções, até então executadas pelo autor, já estavam a estagiar nas instalações desde ../../2022.
A 1.ª ré ao impedir que o autor tivesse acesso ao seu posto de trabalho adoptou comportamentos injustificadamente obstativos da prestação efectiva de trabalho, violando culposamente garantias legais do trabalhador e praticando atos susceptíveis de atentarem contra a dignidade e honra do trabalhador. E fê-lo de forma premeditada, uma vez que já estava a formar vigilantes para ocuparem os postos de trabalho do autor e dos seus colegas de trabalho.
O autor trabalhava naquelas instalações há largos anos, sentiu-se envergonhado e humilhado perante todos os que passaram pelo centro comercial e o viram impedido de entrar no seu local de trabalho, pelo que se mostram preenchidos os pressupostos da cessação do contrato, com justa causa, por iniciativa do trabalhador.

Realizada audiência de partes, não foi possível obter a conciliação entre o autor e as rés.
A 1.ª ré apresentou a sua contestação alegando, em suma, que em Setembro de 2022, na primeira vez que seus colaboradores se dirigiram às instalações do ..., por forma a conhecer o local que iria ser objecto dos seus serviços a partir de 01.10.2022, bem como os trabalhadores da 2ª ré, que aí prestavam o seu serviço, contactaram o autor, bem como os demais seus colegas.
Nessa data foi perguntado ao autor quais seriam as suas intenções a partir de 01.10.2022, nomeadamente, se tinha manifestado a sua vontade em manter o seu vínculo com a 2.ª ré, ainda que noutro posto ou, se pretendia iniciar um novo vínculo com a 1.ª ré, mediante a outorga de um novo contrato de trabalho.
Foi ainda comunicado ao autor que, na eventualidade de assinar o contrato de trabalho com a 1.ª ré., iniciaria o seu vínculo nas mesmas condições em que o fazem todos os seus colaboradores.
Dos vigilantes colaboradores da 2.ª ré, que prestaram trabalho no ... até ../../2022, só um começou a trabalhar a favor da 1.ª ré a partir de 1.10.2022, tendo ela alocado ao local quatro trabalhadores que já integravam o seu quadro.
A 1.ª ré iniciou o serviço no ... em 01.10.2022, sem retomar e utilizar qualquer meio técnico e material deixado pela 2.ª ré, pois esta levou consigo todos os meios materiais sua propriedade e que aí utilizava até ../../2022.
A 1.ª ré é associada da “Associação Nacional das Empresas de Segurança” (AESIRF), e entre esta e a “Associação Sindical da Segurança Privada” (ASSP) foi celebrado o CCT publicado no BTE n.º 26, de 15.07.2019, em que se prevê no n.º 2 da cl.ª 14.ª: “Não se enquadra no conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por parte de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador.”
No dia 01.10.2022, para além da reorganização de meios humanos afectos ao local, e por forma aos seus colaboradores realizaram convenientemente o referido serviço, começaram a ser utilizados os meios técnicos e organizativos de propriedade exclusiva da 1.ª ré, nomeadamente, os rádios comunicadores, vestuário, pastas e dossiers contendo formulários, informação tecno-organizativa a implementar e a seguir no posto de trabalho, informação quantos aos procedimentos a adoptar em caso de emergência e necessidade de apoio.
Bem como implementou e transmitiu aos vigilantes afectos aquele local todo o know–how, que caracteriza e individualiza a 1.ª ré, face às demais empresas existentes no seu mercado de actuação.
Em 21.09.2022, cerca de 10 dias antes da ré iniciar a sua prestação de serviço, o autor comunicou, de forma expressa à 2.ª ré, sua entidade patronal, a sua oposição à pretensão de transmissão da posição de empregador, nos termos do previsto no art. 286.º-A do Código do Trabalho invocando, fundamentadamente, a existência de prejuízo sério, pelo facto da 1.ª ré não reconhecer a transmissão, bem como não lhe merecer confiança a política de organização do trabalho da 1.ª ré.
A 07.10.2022, data em que o autor comunicou às rés a resolução do seu contrato de trabalho, a 2.ª ré era a sua entidade patronal.
Sem prescindir, alega que só iniciou a 01.10.2022 a prestação do serviço no local, pelo que ainda se admitisse, por mera hipótese, que ocorrera a transmissão de estabelecimento pretendida pela 2.ª ré, não podia a 1.ª ré, apenas sete dias após o início do serviço ter-se já constituído culposamente perante o autor, por algumas das acções previstas no art. 394.º do Cód. do Trabalho, pelo que não é válida a comunicada resolução do seu contrato de trabalho.
A 2.ª ré também contestou a acção alegando, em síntese, que assegurou ao cliente “EMP04... S.A.”, através de uma equipa especializada de profissionais de segurança, os serviços de segurança e vigilância humana nas seguintes instalações: Centro Comercial ...; Centro Comercial ...; Centro Comercial ...; Centro Comercial ...; Centro Comercial ....
A 2.ª ré prestou serviços de vigilância e segurança, ininterruptamente, nas instalações do cliente, em concreto no ..., entre 2006 e ../../2022.
O autor tinha o seu local de trabalho nas instalações do ..., onde prestou serviço, em conjunto com outros vigilantes, num total de oito, a saber: DD; EE; AA [ora Autor]; FF; GG [Chefe de Grupo]; ...; HH; II.
No referido local de trabalho, os serviços de vigilância e de segurança humana prestados à EMP04..., no ..., eram assegurados pelo autor e demais colegas ao serviço da 2.ª ré do seguinte modo: a) Controlo de entrada e saída de pessoas; b) Registo de acessos em sistema informático e enviado através de correio eletrónico intranet fornecido pelo cliente “..........@.....”; c) Abertura e fecho das instalações, bem como verificação das áreas comuns; d) Aberturas de lojas; e) Elaboração de relatórios de ocorrências diárias em sistema informático e enviado através de correio eletrónico fornecido pelo cliente; f) Controlo e monotorização do sistema de CCTV; g) Verificação do sistema de intrusão; h) Verificação do sistema de incêndio; i) Verificação e controlo do sistema de escadas rolantes; j) Dar apoio a visitantes; k) Efectuar rondas, tanto nas galerias como no parque de estacionamento.
Neste local de trabalho, os referidos serviços de vigilância e de segurança, quer antes quer depois do dia 1.10.2022, foram assegurados por igual número de vigilantes, mantendo-se as necessidades operativas e as cargas horárias.
Os locais da prestação da actividade são os mesmos e correspondem, respetivamente ao local de trabalho do autor e dos demais colegas.
A única alteração que se pode identificar em relação ao serviço anteriormente prestado pela 2.ª ré e o prestado pela 1.ª ré reside, unicamente, na substituição do fardamento utilizado pelos vigilantes que aí exercem funções.
Do conjunto de vigilantes (39) alocados às equipas que asseguravam os serviços nas cinco instalações do cliente EMP04..., a 1.ª ré assegurou a continuidade no mesmo posto de trabalho, integrando pelo menos vinte e sete trabalhadores vigilantes que até dia ../../2022 estavam ao serviço da EMP02....
Dos oito vigilantes a prestar serviço no ..., três deles foram integrados na 1.ª ré, mormente GG (chefe de grupo), HH e II.
Nas instalações comerciais supervisionadas pela estrutura do Norte da 2.ª ré (... e ...), da totalidade dos dezanove vigilantes ali a exercer funções a 1.ª ré integrou e alocou nas mesmas instalações treze vigilantes que trabalharam ao serviço da 2.ª ré EMP02.... Acresce que, na instalação do ..., foi assumido pelo menos um trabalhador/vigilante que exercia as tarefas de chefe de grupo.
A EMP01..., ao garantir que vigilantes seus obtivessem estágio — conforme se passará a explicitar — e ao assumir os vigilantes nos termos acima enunciados, que anteriormente prestavam serviços nas instalações do cliente, tomou conhecimento do exercício da actividade, conhecendo os procedimentos e necessidades do cliente, beneficiando do know how desse vigilante, essencial e indispensável à prossecução do exercício da segurança privada, com as características específicas e adaptadas ao espaço contratado.
Em datas que não pode precisar, mas imediatamente anteriores ao início da prestação de serviços, a 1.ª ré colocou trabalhadores seus naquelas instalações para que, junto dos profissionais da EMP02..., se inteirassem das especificidades da organização de segurança, designadamente das particularidades técnicas das instalações e dos procedimentos de segurança adoptados pela equipa da 2.ª ré.
Para o exercício das funções e execução dos serviços de segurança privada no ..., a equipa de vigilância, onde o autor e colegas estavam inseridos, dispunha na referida instalação dos equipamentos e instrumentos descritos no art. 53.º da petição.
Quando a 1.10.2022 a 1.ª ré iniciou o serviço de segurança e vigilância no ..., continuou a utilizar (retoma) os bens e equipamentos disponibilizados pelo cliente e necessários à prestação dos serviços contratualizados. Meios que foram utilizados pelos vigilantes da 2.ª ré até ao dia ../../2022.
Assim como a 1.ª ré dotou o serviço de segurança e vigilância privada nas referidas instalações de bens, instrumentos e equipamentos do mesmo tipo dos colocados pela 2.ª ré EMP02... até ao dia ../../2022.
A 2.ª ré prestou serviço até às 24h00 do dia ../../2022, tendo a 1.ª ré iniciado funções às 00h00 do dia 01.10.2022, pelo que não ocorreu nenhuma interrupção do serviço de segurança e vigilância prestado ao cliente EMP04... no ....
A tudo acresce que a 2.ª ré é associada da “Associação de Empresas de Segurança” (AES), sendo-lhe aplicável o CCT publicado no BTE n.º 38 de 15.10.2017, com última revisão no BTE n.º 22 de 15.06.2020, por força da Portaria de Extensão n.º 185/2020, de 6.08.2020. Ora, a respectiva cláusula 14.ª, n.º 1, 3 e 4, que alude à sucessão do posto de trabalho, consagrou uma presunção inilidível da ocorrência da transmissão da unidade económica, pelo que ocorre a transmissão do vínculo laboral para a empresa cessionária, dos trabalhadores a prestar funções no posto de trabalho/cliente, só pelo facto de ocorrer uma sucessão das empresas prestadoras do serviço de segurança privada.
A oposição do autor à transmissão contratual, o que comunicou à 2.ª ré por carta de 21.09.2022, atento o disposto no art. 285.º do Cod. do Trabalho, não pode considerar-se motivada, uma vez que aquele não alegou factos que concretizem o prejuízo sério, mormente quanto à solvabilidade da empresa 1.ª ré ou sobre a sua política de organização do trabalho. Além disso, os fundamentos invocados não podem suportar a oposição, uma vez que as invocadas características e condições contratuais laborais devem ser cumpridas pelo cessionário por mera aplicação da lei.
A resolução com justa causa do contrato feita pelo autor ante a 2.ª ré não é válida, ou sequer eficaz, na medida em que a 1.10.2022 a figura e a posição jurídica da empregadora, já não residia em si mas antes na 1.ª ré.
Acresce que, tal cessação pressupõe a verificação de requisitos de natureza objectiva, enunciados no n.º 2 do art. 384.º do Cód. do Trabalho, consubstanciados nos factos que integram os comportamentos aí identificados, o que, no caso, o autor não invocou, já que o facto de ter sido impedido de entrar no ... nos dias 1 a 4.10.2022, na medida em que a contestante já não prestava serviços de vigilância nessas instalações, não sendo já a sua empregadora, não lhe é imputável, pelo que não violou quaisquer deveres para com o autor, nomeadamente o de ocupação efectiva dele.

Prosseguindo os autos, veio a proferir-se sentença com o seguinte diapositivo:
“Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada e, consequentemente
a) condeno a 2.ª ré EMP02... a pagar ao autor a quantia global de 15.747,26 Eur. (quinze mil, setecentos e quarenta e sete euros e vinte e seis cêntimos), sendo:
- 1.869,10 Eur. (mil, oitocentos e sessenta e nove euros e dez cêntimos) por férias não gozadas, proporcionais de férias e de subsídio de férias e de natal;
- 477,36 Eur. (quatrocentos e setenta e sete euros e trinta e seis cêntimos), por créditos de horas de formação;
- e 13.400,80 Eur. (treze mil, quatrocentos euros e oitenta cêntimos), de indemnização por antiguidade.
A aludida quantia global é ainda acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa de juros civil desde a citação (22.12.2022), até efectivo e integral pagamento.
b) absolvo a 1.ª ré EMP01... de todos os pedidos contra si deduzidos.
Custas da acção pela 2.ª ré EMP02....
Registe e notifique.”

Inconformada com esta decisão, dela veio a 2.ª ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

“a. O presente recurso tem como objeto a solução de direito, plasmada na douta sentença proferida nos presentes autos, mais precisamente a incorreta aplicação da norma jurídica que regula e define o direito de oposição que assiste ao trabalhador cedido de ver o seu vínculo laboral alterado no âmbito da transmissão da unidade económica, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 286.º-A do Código do Trabalho;
b. O Tribunal declarou que, não obstante a ocorrência da transmissão do estabelecimento entre as Rés, para efeitos do disposto no artigo 285.º do Código do Trabalho, relativamente ao serviço de segurança e vigilância privada prestado nas instalações comerciais ..., declarou a não transmissão do respetivo contrato de trabalho do Autor pelo facto de ter sido exercido validamente o direito de oposição, nos termos do art. 286.º-A do referido diploma legislativo e, em consequência, condenou a Recorrente pela ocorrência de um alegado despedimento ilícito, com a respetiva condenação no pagamento da indemnização legal;
c. Salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo não fez a devida justiça e, desta forma, cometeu um erro de julgamento na interpretação e aplicação da regra jurídica presente no art. 286.º-A do Código do Trabalho, razão pela qual interpõe o competente recurso de apelação, o qual incidirá sobre uma única questão de direito, sem prejuízo da invocação da nulidade da sentença pelos fundamentos estarem em oposição com a decisão e por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, alíneas c) e e) do CPC.

Da Nulidade da Sentença por excesso de pronúncia
d. O Autor ora Recorrido veio a juízo peticionar que o Tribunal a quo conhecesse e declarasse a cessação do contrato de trabalho por justa causa;
e. Para o efeito, o Autor Recorrido alegou que fez cessar o contrato de trabalho por justa causa, declaração essa que dirigiu a ambas a Rés, ora Recorrente ora Recorrida;
f. Aliás, não só o Autor configurou a causa de pedir da presente lide como uma cessação do contrato de trabalho por resolução com justa causa, como delimitou a sua pretensão jurídica, ora pedido, na condenação da Ré no pagamento de uma indemnização, nos termos do disposto no art. 396.º do C.T.;
g. O Autor, ao abrigo do princípio do dispositivo, delimitou de forma expressa o objeto processual: cessação do contrato de trabalho por resolução com justa causa, por iniciativa do trabalhador, com o consequente pagamento da indemnização legal, nos termos do art. 396.º do CT;
h. O Autor não requereu a alteração e ampliação da causa de pedir e do pedido, nos termos que a lei do processo admite;
i. Não estamos no domínio de direito indisponíveis, para efeitos do disposto no art. 74.º-A do CPA (condenação extra vel ultra petitum);
j. O Autor não requereu nem impugnou em juízo qualquer despedimento de que possa ter sido alvo;
k. Não obstante o que foi delimitado pelo Autor na sua petição inicial, o Tribunal a quo alterou a estrutura do objeto do processo, quando, de forma inovatória e sem que nada o fizesse esperar, condenou a Recorrente na obrigação de pagamento de uma indemnização pela ocorrência de um despedimento ilícito;
l. Quando, na verdade, repete-se, o Autor tinha formulado a causa de pedir e o pedido nos seguintes termos: cessação do contrato de trabalho por resolução com justa causa, por iniciativa do trabalhador, com o consequente pagamento da indemnização legal, nos termos do art. 396.º do CT;
m. O Autor não requereu ao Tribunal a quo que se pronunciasse quanto a qualquer despedimento de que possa ter sido alvo;
n. O Tribunal a quo declarou, num primeiro momento, a ocorrência de um despedimento ilícito promovido pela Ré e, em consequência e num segundo momento, condenou esta no pagamento da respetiva indemnização legal, quando o Autor, repete-se, invocou a ocorrência de uma cessação do contrato de trabalho por resolução com justa causa;
o. A condenação da Ré, ora Recorrente, em objeto distinto daquele que foi peticionado pelo Autor, ora Recorrido, e, sobretudo, diverso do que foi discutido em sede de audiência de discussão e julgamento, consubstancia uma manifesta violação do princípio do dispositivo;
p. Como também consubstancia a prática de um ato [sentença] inquinado com o vício de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 615.º, n.º 1, alínea e) do CPC;
q. Nulidade essa que, desde já, se invoca para todos os efeitos legais.

Caso assim não se entenda,

Da Nulidade da sentença pelos fundamentos estarem em oposição com a decisão
r. Como já mencionado, o Tribunal ad quo alterou e enquadrou o objeto processual com base no regime do despedimento ilícito e daí retira a respetiva estatuição da regra jurídica convocada [condenação da Ré pela ocorrência de um despedimento, nos termos do art. 389.º do CT];
s. Acontece, porém, que na respetiva fundamentação faz referência e alusão, por diversas vezes, não só ao regime do despedimento ilícito, como também ao da cessação do contrato de trabalho por justa causa, por iniciativa do trabalhador;

DA JUSTA CAUSA: Páginas 1, 35, 61 e 66 da sentença;
DO DESPEDIMENTO: Páginas 66, 67 e 68 da sentença;
t. Não só se verifica um excesso de pronúncia [condenação em objeto distinto do que foi levado a juízo], como parte da fundamentação da sentença em escrutínio remete para o regime/instituto jurídico da cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador por justa causa;
u. E outra, inexplicavelmente, para o regime/instituto jurídico do despedimento ilícito;
v. A Recorrente não consegue alcançar com rigor e exatidão qual o regime jurídico que efetiva e realmente o Tribunal ad quo aplicou para solucionar a questão que foi levada ao seu conhecimento,
w. Até porque a condenação no pagamento de uma indemnização legal decorre de ambos os institutos [arts. 389.º, n.º 1, alínea b) e 396.º, ambos do CT], o que torna a decisão judicial ambígua e ininteligível;
x. O que consubstancia a prática de um ato [sentença] inquinado com o vício de nulidade pelos fundamentos estarem em oposição e em ambiguidade com a decisão, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC;
y. Nulidade essa que, desde já, se invoca para todos os efeitos legais.

Da Cessação do Contrato de Trabalho
z. O Autor define a cessação do contrato de trabalho por justa causa e fixa-a na data/dia em que enviou à Ré, ora Recorrente, a declaração por via postal: 07.10.2022;
aa. O Tribunal a quo, por seu turno, declara que o contrato de trabalho cessou pela ocorrência de um despedimento ilícito a 01.10.2022 quando a Ré abandou o Autor à sua sorte;
bb. Ora, o contrato de trabalho não pode cessar por duas vezes, pelo que, a admitir-se a cessação do contrato de trabalho, esta ocorreu no primeiro momento e por via do despedimento, como já declarado pelo Tribunal a quo;
cc. Neste contexto, a declaração de resolução do contrato por justa causa, promovida pelo trabalhador ora Autor Recorrido, não se mostrou como eficaz, isto é, não produziu os seus efeitos extintivos do contrato, na medida em que o contrato já tinha cessado anteriormente;

Do Direito de Oposição
dd. O Tribunal a quo considerou que não se verificava a transmissão do contrato de trabalho do Autor pelo facto de a EMP01... [cessionária] não reconhecer a aplicação, automática/ope legis, da figura legal e imperativa da transmissão da unidade económica, leia-se, não reconhecer o posto de trabalho, as demais garantias [antiguidade e efetividade] e exigir ao trabalhador cedido a celebração de novo contrato de trabalho;
ee. A Recorrente não pode aceitar esta fundamentação para validar o exercício do direito de oposição, pois está-se a validar uma conduta infratora [não aceitação de uma figura legal];
ff. Acresce que se mostra como paradoxal se, por um lado, é reconhecida e declarada a transmissão da unidade económica, por outro lado, mostra-se como válido o exercício do direito de oposição com fundamento no não reconhecimento da transmissão da unidade económica pela Recorrida EMP01... [empresa cessionária], quando efetivamente ocorreu a transmissão da unidade económica;
gg. A interpretação tecida pelo Tribunal a quo permite que a empresa cessionária manipule ou, melhor, fique com a disponibilidade da aplicação de uma figura legal automática e injuntiva, bastando, para o efeito, que estas [empresas cessionárias] apenas declarem que não reconhecem os direitos e as garantias emergentes de dispositivo legal imperativo;
hh. É esta a posição da Recorrida EMP01..., ora empresa cessionária, que declara, por um lado, que não se aplica a figura legal, informando os trabalhadores que não lhes reconhece qualquer direito e/ou garantia;
ii. Mas, por outro lado, mantém a continuidade de alguns dos trabalhadores vigilantes dessa instalação, beneficiando naturalmente do conhecimento desse capital humano, sem o cumprimento de qualquer dever e mediante um novo contrato;

Do Erro
jj. O trabalhador formou a sua convicção para deduzir o direito de oposição à transmissão do seu contrato de trabalho da EMP02... para a EMP01... com base na informação que lhe foi passada pela Recorrida EMP01... de que não existia transmissão da unidade económica, isto é, de que não reconhecia os direitos e as garantias (posto de trabalho, efetividade antiguidade, entre outros);
kk. Todavia, foi declarada e reconhecida a transmissão da unidade económica entre a Recorrente EMP02... e a Recorrida EMP01... e, consequentemente, dos direitos e garantias emergentes do respetivo vínculo contratual;
ll. Pelo que o trabalhador, ora Autor Recorrido, ao emitir a sua declaração negocial de oposição à transmissão com fundamento na declaração da Recorrida EMP01... de que não se verificava a transmissão, incorreu num erro na formação da sua vontade real;
mm. Mais, nos presentes autos, o trabalhador, ora Autor Recorrido, aceitou a transmissão do seu contrato de trabalho e, até, reputou a Recorrida EMP01... [empresa cessionária] como sua entidade empregadora, ao ir reclamar trabalho junto desta [vide arts. 7.º e 8.º da matéria factual dada como assente];
nn. Se a vontade real do trabalhador cedido, ora Autor Recorrido, fosse de não aceitar a transmissão do seu vínculo contratual não se posicionava no sentido da aceitação da transmissão nem tampouco reclamaria da empresa cessionária, ora Recorrida, EMP01..., a atribuição de trabalho;
oo. Ou sequer iria ao local da unidade económica reclamar trabalho da ora Recorrida, EMP01...;
pp. O Tribunal a quo ao declarar como válido e fundado o direito de oposição exercido pelo trabalhador, ora Autor Recorrido, com fundamento na declaração de não aceitação da figura legal e imperativa da transmissão da unidade económica pela empresa cessionária, ora Recorrida EMP01..., cometeu, como já mencionado, um erro de julgamento, pois confundiu os fundamentos inerentes e intrínsecos à própria empresa cessionária, à sua organização, à sua dinâmica, à sua solvabilidade, à sua política empresarial, com a própria figura da transmissão;
qq. Mais, uma vez que se verificou a transmissão da unidade económica, como foi declarado, o exercício do direito de oposição com fundamento na não transmissão, declarado como válido, assenta num ato puramente ilícito, não reconhecimento dos direitos e garantias emergentes do vinculo laboral transmitido, protegidos por dispositivo legal imperativo;
rr. A admitir-se a interpretação realizada pelo Tribunal a quo o que se está a fazer é dar cobertura legal a um ato ilícito: declaração de não aceitação da transmissão da unidade económica pelo empresário cessionário com o consequente espoletamento do exercício do direito de oposição pelo trabalhador cedido, quando se verifica efetivamente a transmissão da unidade económica;
ss. O nosso legislador, ao contrário do que aconteceu noutros ordenamentos jurídicos, como o alemão [intimamente relacionado com a dignidade da pessoa humana e numa perspetiva de que o trabalhador não é uma mercadoria transacionável], não consagrou um direito de oposição ilimitado, irrestrito, discricionário e potestativo, mas sim um direito subjetivo com limites [prejuízo sério relacionados com a empresa cessionária e não com o funcionamento da transmissão];
tt. Pelo que o Tribunal andou mal ao considerar como valido o direito de oposição exercido pelo trabalhador Autor Recorrido;
uu. Violando assim os artigos 286.º-A, n.º 1 e 3 do C.T.;
vv. Em função da transmissão da unidade económica o contrato individual de trabalho do trabalhador Autor Recorrido celebrado com a aqui Recorrente transmitiu-se, em 1 de outubro de 2020 para a Ré ora Recorrida, que passou a ser, a partir dessa data, a entidade empregadora do Autor Recorrido;
ww. Aliás, transmissão da unidade económica essa devidamente reconhecida pelo Tribunal ad quo quando destaca o preenchimento de diversos elementos indiciadores da manutenção e preservação da identidade da unidade económica ...;
xx. Razão pela qual deverá ser dado provimento ao presente recurso de Apelação quanto à revogação do dispositivo que considerou ter sido exercido validamente o direito de oposição pelo Autor Recorrido quanto à transmissão da unidade económica, revogando-se consequentemente a douta sentença recorrida.”

O autor/recorrido apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso, o mesmo fazendo a 1.ª ré e também recorrida, “EMP01...”.

Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação.
Foi então proferido despacho, ao abrigo do art. 617.º/5 do CPC, a mandar baixar o processo para que na1.ª instância fossem apreciadas as nulidades da sentença invocadas pela recorrente, tendo sido decidido no despacho que, na sequência, foi proferido pelo Tribunal recorrido, que não se verifica qualquer uma das nulidades invocadas.
 Subindo de novo os autos, pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:

A - Nulidade da sentença por os fundamentos estarem em oposição com a decisão e por excesso de pronúncia;
B - Se o direito de oposição do trabalhador à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 286.º-A do Código do Trabalho, foi validamente exercido pelo autor.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão da causa são os que assim constam da decisão recorrida (pois que não houve recurso da matéria de facto nem se vislumbra fundamento para alterar oficiosamente a decisão proferida sobre essa matéria):

“a) Factos Provados
Os factos provados, com interesse para a decisão final, são os seguintes:
1. AA foi admitido ao serviço da sociedade “EMP03..., S.A.”, com efeitos desde 01.04.2006 e com fim a 31.03.2007, para exercer sob a sua autoridade e direcção a actividade profissional de vigilante, através da assinatura de um contrato de trabalho a termo certo a 31.03.2006, alvo de aditamentos assinados a 14.03.2007 e a 10.03.2008.
2. Tal contrato de trabalho, já convertido em contrato de trabalho por tempo indeterminado, transmitiu-se, por via de um projecto de fusão entre a aludida “EMP03...” e a “EMP02...”, para a ré “EMP02..., Soluções de Segurança, S.A.”, onde o autor prestou serviço até ../../2022 e auferia o vencimento mensal ilíquido de € 812,17 (oitocentos e doze euros e dezassete cêntimos), acrescido do pagamento de horas nocturnas, feriados e subsídio de alimentação.
3. A 13.09.2022 o autor recebeu uma carta da 2.ª ré a informar a transmissão da unidade de negócio para a 1.ª ré, com início a 1.10.2022, e que lhe seria garantida a manutenção de todos os seus direitos laborais.
4. A 20.09.2022 reuniu com um sócio e representante da 1.ª ré, BB, e com um supervisor da 1.ª ré, CC, sendo informado que se pretendesse passar para os quadros da empresa teria de assinar um novo contrato de trabalho, pois não seriam garantidos todos os seus direitos, como a antiguidade.
5. Pelo que, o autor comunicou à 2.ª ré, através de carta de 21.09.2022, não aceitar a transmissão do seu posto de trabalho, por o novo contrato lhe poder causar “prejuízo sério” e “a política de organização do trabalho” da 1.ª ré não lhe merecer confiança, pugnando a 2.ª ré legalidade da transmissão, por carta de 27.09.2022.
6. No dia 26.09.2022 o autor recebeu uma carta da 1.ª ré, datada de 21.09.2022, para nesse mesmo dia 26.09 se apresentar na sua sede, sita na Rua ..., ..., a mais de 380km de casa, para levantar fardamento e assinar novo contrato, o que se revelou inviável.
7. A 27.09.2022, o autor voltou a questionar por carta a 1.ª ré sobre os termos da transmissão do seu posto de trabalho, informando que no dia 01.10.2022 estaria no seu habitual posto de trabalho para desempenhar as suas funções.
8. A 1.10.2022 o autor foi impedido de desempenhar as suas funções, sendo-lhe proibida a entrada no Centro Comercial ... pela 1.ª ré, o mesmo sucedendo nos dias 2, 3 e 4 de Outubro de 2022, pelo que chamou ao local a PSP.
9. Os vigilantes que estavam no local, a desempenhar funções antes feitas pelo autor, já estavam a estagiar naquelas instalações desde o dia ../../2022.
10. O autor trabalhava naquelas instalações há largos anos, pelo que se sentiu envergonhado e humilhado perante todos os que passaram pelo centro comercial e o viram impedido de entrar no seu local de trabalho, tendo comunicado às rés a resolução do seu contrato, por justa causa, por carta datada de 7.10.2022 .

*
11. Na reunião referida em 4. foi comunicado ao autor que, na eventualidade pretender passar para os quadros da 1.ª ré, teria de assinar um novo contrato de trabalho, e que iniciaria o seu vínculo nas condições em que o fazem todos os seus colaboradores, sem garantia da sua prévia antiguidade.
12. Na data em que a 1ª ré apresentou a sua proposta ao cliente, para a prestação dos serviços de vigilância a partir de 01.10.2022, certificou-se que já tinha nos seus quadros meios humanos suficientes para prestar o serviço, caso este viesse a ser, como sucedeu, adjudicado pelo cliente.
13. A 1.ª ré alocou ao ..., para além de quatro trabalhadores que já integravam o seu quadro de pessoal, três vigilantes provindos da 2.ª ré.
14. Na data em que a 2.ª ré cessou os seus serviços no local, levou consigo todos os meios e equipamentos sua propriedade e que aí utilizava.
15. A 1.ª ré EMP01... é associada da “Associação Nacional das Empresas de Segurança” (AESIRF).
16. Entre a AESIRF e a “Associação Sindical da Segurança Privada” (ASSP) foi celebrado o CCT publicado no BTE n.º 26, de 15.07.2019.
17. No dia 01.10.2022, data em que a 1.ª ré iniciou o serviço no ..., para além da alocação dos meios humanos referidos em 13., começaram a ser usados os meios técnicos e organizativos de sua propriedade exclusiva, nomeadamente, os rádios comunicadores, vestuário/fardas, pastas e dossiers com formulários, informação tecno-organizativa a implementar e a seguir no posto de trabalho, informação dos procedimentos em caso de emergência e necessidade de apoio.
*
18. As rés tratam-se de empresas de segurança privada que garantem a segurança de pessoas e bens em locais de acesso ao público, de acesso vedado ou condicionado ao público, vigiando a entrada, a presença e a saída de pessoas nesses locais, serviços que asseguram aos seus clientes, em vários locais do território nacional, garantindo a segurança de instalações.
19. A 2.ª ré EMP02... assegurou ao cliente “EMP04... S.A.”, através de uma equipa especializada de profissionais de segurança, os serviços de segurança e vigilância humana nas seguintes instalações: Centro Comercial ...; Centro Comercial ...; Centro Comercial ...; Centro Comercial ...; Centro Comercial ....
20. A 2.ª ré prestou serviços de vigilância e segurança, ininterruptamente, nas instalações do cliente EMP04..., em concreto na instalação do ..., pelo menos desde o ano de 2006 até ../../2022.
21. Tais serviços integravam uma portaria de vigilância composta pelos seguintes postos de segurança: Portaria 24 horas/dia, todos os dias do ano, com os seguintes turnos: 00h00/08h00, 08h00/16h00 e 16h00/24h00; Portaria das 08h00 às 24h00, todos os dias do ano.
22. O autor tinha o seu local de trabalho no ..., onde prestou serviço, em conjunto com mais sete vigilantes, num total de oito, a saber: DD; EE; AA [ora autor]; FF; GG [chefe de grupo]; ...; HH; II.
23. Estes vigilantes exerceram funções no ..., ao serviço da 2.ª ré, pelo menos, (i) desde outubro de 2021 quanto ao vigilante DD, (ii) desde ../../2008 quanto aos vigilantes EE e o autor, (iii) desde ../../2006 quanto aos vigilantes FF e GG, (iv) desde ../../2016 quanto ao vigilante ..., (v) desde ../../2017 quanto ao vigilante HH e (vi) desde ../../2022 quanto ao vigilante II.
24. No referido local, os serviços de vigilância e de segurança humana prestados à EMP04..., eram assegurados pelo autor e demais colegas ao serviço da 2.ª ré do seguinte modo: a) Controlo de entrada e saída de pessoas; b) Registo de acessos em sistema informático e enviado através de correio eletrónico intranet fornecido pelo cliente “..........@.....”; c) Abertura e fecho das instalações, bem como verificação das áreas comuns; d) Aberturas de lojas; e) Elaboração de relatórios de ocorrências diárias em sistema informático e enviado através de correio eletrónico fornecido pelo cliente; f) Controlo e monotorização do sistema de CCTV; g) Verificação do sistema de intrusão; h) Verificação do sistema de incêndio; i) Verificação e controlo do sistema de escadas rolantes; j) Dar apoio a visitantes; k) Efectuar rondas, tanto nas galerias como no parque de estacionamento.
25. Neste local de trabalho, os referidos serviços de vigilância e de segurança, quer antes quer depois do dia 1.10.2022, foram assegurados por igual número de vigilantes, mantendo-se as necessidades operativas e as cargas horárias.
26. Para garantir a execução dos serviços referidos, o autor, assim como os demais colegas da equipa de trabalho eram portadores do cartão de vigilante, pessoal e intransmissível, emitido pela PSP/MAI, de acordo com a legislação nacional.
27. Ao longo da sua prestação dos serviços de vigilância, a 2.ª ré desenvolveu a sua actividade no ..., com recurso a bens e equipamentos destinados a controlar o acesso, permanência e saída das instalações de pessoas e bens, para dar resposta às especificidades e rotinas de segurança exigidas pelo cliente.
28. Após 1.10.2022 a 1.ª ré ali manteve:
a) Controlo de entrada e saída de pessoas;
b) Registo de acessos e de ocorrências em sistema informático e enviado por correio eletrónico intranet fornecido pelo cliente “..........@.....”;
c) Abertura e fecho das instalações, bem como verificação das áreas comuns;
d) Aberturas de lojas;
e) Elaboração de relatórios de ocorrências diárias em sistema informático e
enviado através de correio eletrónico fornecido pelo cliente;
f) Controlo e monotorização do sistema de CCTV;
g) Verificação do sistema de intrusão;
h) Verificação do sistema de incêndio;
i) Verificação e controlo do sistema de escadas rolantes;
j) Dar apoio a visitantes;
k) Efectuar rondas, tanto nas galerias como no parque de estacionamento.
29. Dos oito vigilantes a prestar serviço no ..., três deles foram integrados na 1.ª ré, mormente GG (chefe de grupo), HH e II.
30. No ... foi assumido pelo menos um trabalhador/vigilante que exercia as tarefas de chefe de grupo, ou seja, que no seio da equipa tinha (i) especiais responsabilidades e conhecimentos no que concerne à coordenação interna na execução diária dos serviços, (ii) relacionava-se directamente com o responsável de segurança do cliente, Sr. JJ — sem necessidade de intervenção de qualquer estrutura da 2.ª ré, (iii) distribuía tarefas e instruções recebidas do cliente na gestão diária das necessidades do serviço e, para esse efeito, (iv) recebia um subsídio de função.
31. Em datas imediatamente anteriores ao início da prestação de serviços, a 1.ª ré colocou trabalhadores seus nas instalações do ..., para que, junto dos profissionais da EMP02..., se inteirassem das especificidades da organização de segurança, designadamente das particularidades técnicas das instalações e dos procedimentos de segurança adotados pela equipa da 2.ª ré.
32. A 1.ª ré ao garantir que vigilantes seus obtivessem estágio e ao assumir os vigilantes referidos em 29., que anteriormente prestavam serviços nas instalações do cliente, tomou conhecimento do exercício da actividade, conhecendo os procedimentos e necessidades do cliente, beneficiando ainda do know how do vigilante/chefe de grupo, essencial à prossecução do exercício da segurança privada, com as características específicas do espaço contratado.
33. A referida formação, percorreu os diversos turnos de serviço da manhã [08h/16h], turno da tarde [16h/24h] e turno da noite [00h00/08h00], para que os profissionais da 1.ª ré pudessem conhecer os procedimentos, as rotinas e as exigências na execução de serviços em cada um nos diversos períodos de funcionamento do estabelecimento.
34. Para o exercício das funções e execução dos serviços de segurança privada no ..., a equipa de vigilância, onde o autor e colegas estavam inseridos, dispunha na referida instalação dos seguintes equipamentos e instrumentos:
I. Meios disponibilizados pelo Cliente:
• 1 sistema de CCTV, composto por câmaras de vídeo, fixas e rotativas, para captação de imagens e proteção de áreas de risco sem a presença de vigilância humana; três monitores de visualização e monitorização, cpu, tudo instalado no balcão da portaria de segurança do cliente,
• 1 telefone fixo,
• 1 computador com sistema de software, licença e endereço de email,
• sistema de alarmes de intrusão controlado pela equipa,
• sistema de central de incêndio (SADI) controlado pela equipa,
• 1 chaveiro, composto pelas chaves de acesso a espaços fechados e de acesso
Reservado,
• 1 secretária,
• 1 cadeira.
II: Meios disponibilizados pela 2.ª Ré:
• 1 sistema de rondas;
• rádios;
• lanternas e,
• Segway.
35. Quando a 1.10.2022 a 1.ª ré iniciou o serviço de segurança e vigilância no ..., continuou a utilizar os bens e equipamentos disponibilizados pelo cliente e necessários à prestação dos serviços contratualizados.
36. Meios esses que foram igualmente utilizados pelos vigilantes da 2.ª ré EMP02..., durante a prestação dos seus serviços e até ao dia ../../2022.
37. A 1.ª ré dotou ainda o serviço de segurança e vigilância privada nas referidas instalações de bens, instrumentos e equipamentos do mesmo tipo dos colocados pela 2.ª ré EMP02... até ao dia ../../2022.
38. A 2.ª ré EMP02... prestou serviço até às 24h00 do dia ../../2022, tendo a 1.ª ré EMP01... iniciado funções às 00h00 do dia 01.10.2022, sem nenhuma interrupção do serviço de segurança e vigilância prestados ao cliente EMP04... no Centro Comercial ....
39. A 2.ª ré, através de carta postal, datada de 09.09.2022, informou a 1.ª ré que a partir de 1.10.2022, o autor e os demais vigilantes que prestavam serviço de segurança e vigilância no ..., passavam a ser seus trabalhadores.
40. Na mesma data, a 2.ª ré através de carta postal, informou o autor e demais colegas que a partir de 1.10.2022 passariam a ser trabalhadores da 1.ª ré.
41. A 2.ª ré EMP02... é associada da “Associação de Empresas de Segurança” (AES).
42. Entre a AES e a “Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços” (FETESE) foi celebrado o CCT publicado no BTE n.º 38 de 15.10.2017, revisto no BTE n.º 22 de 15.06.2020, por força da Portaria de Extensão n.º 185/2020, de 6.08.2020.
43. A 2.ª ré proporcionou ao autor, nos anos de 2020 a 2022, as seguintes acções de formação:
- “O Novo Coronavírus: o que é, como se transmite e como se deve proteger”, em 24.03.2020, com a duração de 1h30m;
- “Vida Equilibrada em Casa”, em 18.04.2020, com a duração de 3h;
- “Suporte Básico de Vida e DAE”, em 27.10.2021, com a duração de 7h;
- “Plano de Prevenção de Corrupção”, em 11.02.2022, com a duração de 00h45m;
- “Acolhimento Trivalor”, em 21.05.2022, com a duração de 6h.
*
b) Factos Não Provados
Com interesse para a decisão, resultaram não provados os seguintes factos:
1. A 2.ª ré apenas tinha cinco vigilantes, seus colaboradores, a prestar trabalho no ... até ../../2022, e desses apenas um começou a prestar trabalho a favor da 1.ª ré a partir de 1.10.2022.
2. Aos vigilantes referidos em 29. a 1.ª ré garantiu a continuidade dos vínculos, reconhecendo-lhes a antiguidade, a categoria, a remuneração e assumiu o pagamento do subsídio de Natal pelo trabalho prestado em 2022 e o direito a férias remuneradas, a vencer-se a 1.01.2023 pelo trabalho prestado em 2022.
3. A 1.ª ré implementou e transmitiu aos vigilantes afectos ao local o know–how que a individualiza, face às demais empresas existentes no seu mercado de actuação.
4. Do conjunto de vigilantes (39) alocados às equipas que asseguravam os serviços nas cinco instalações do cliente EMP04..., a 1.ª ré assegurou a continuidade no mesmo posto de trabalho, integrando pelo menos vinte e sete (27) trabalhadores vigilantes que até dia ../../2022 estavam ao serviço da EMP02....
5. No que concerne às instalações comerciais supervisionadas pela estrutura do Norte da 2.ª ré (... e ...), da totalidade dos dezanove (19) vigilantes ali a exercer funções a 1.ª ré integrou e alocou nas mesmas instalações pelo menos um total de treze (13) vigilantes que trabalharam ao serviço da 2.ª ré EMP02....”

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

- Da nulidade da sentença por os fundamentos estarem em oposição com a decisão e por excesso de pronúncia:

Invoca a recorrente que tal nulidade se verifica, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, alíneas c) e e) e 4.º do CPC (normativo também aplicável à arguição de nulidades da sentença em processo laboral, por força do disposto no art. 77.º do CPT).

Dispõe com efeito o art. 615.º do CPC, sob a epígrafe Causas de nulidade da sentença:
1 - É nula a sentença quando:
(…)
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
(…)
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
(…)

Começando por averiguar da invocada nulidade da sentença pelos fundamentos estarem em oposição, e mostrarem-se ambíguos, com a decisão a final proferida, é verdade que, como conclui (conc. s.) a recorrente, o Tribunal recorrido, na respetiva fundamentação “faz referência e alusão, por diversas vezes, não só ao regime do despedimento ilícito, como também ao da cessação do contrato de trabalho por justa causa, por iniciativa do trabalhador”.

Assim é que na fundamentação da sentença se escreveu por ex. “Pelo que, a 2.ª ré, ao não reconhecer o autor como seu trabalhador, recusando-lhe a prestação de trabalho efectivo no âmbito do contrato de trabalho em vigor, e negando-lhe a colocação noutro posto de trabalho pelo menos quando aquele é impedido de entrar no centro comercial, por quatro dias consecutivos, cometeu um despedimento ilícito à luz do disposto na al. c) do art. 381.º do Cód. do Trabalho e terá de ser condenada nas suas consequências.” e, em consonância (cf. art. 391.º/1/2/3 do CT), “Pelo que, a indemnização a fixar nunca poderá ser inferior a três meses, a fixar entre 30 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, devendo o tribunal ponderar o tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.”

Por outro lado, na dita fundamentação afirmou-se também que:

Por fim, impõe-se calcular o valor da indemnização devida ao autor, quer reconhecendo a validade da resolução contratual comunicada à 2.ª ré, com justa causa, não só porque foi violado o seu direito efectivo ao trabalho, com afronta da sua honra e dignidade, verificando-se assim a previsão das als. b), e) e f) do n.º 2 do art. 394.º [artigo este que tem por epigrafe justa causa de resolução, e que está inserido na subsecção que trata da resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador], como ainda por estar preenchida da al. d) do n.º 3 do mesmo artigo (…)”; “Segundo o art. 396.º do Cód. do Trabalho «Em caso de resolução do contrato com fundamento em facto previsto no n.º 2 do artigo 394.º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau da ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades. 2 - No caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente. (…)».”

Parece-nos assim que os mencionados fundamentos estão efectivamente em contradição entre si.

Também é certo o que refere a recorrente (na conc. w.) de que a condenação no pagamento de uma indemnização legal decorre de ambos os institutos [arts. 389.º, n.º 1, alínea b) e 396.º, ambos do CT],; mas a fórmula de cálculo da respectiva indemnização é diferente e dúvidas não há que o Tribunal a quo calculou a indemnização de antiguidade que atribuiu ao autor (no montante de € 13.400,80) de acordo com a fórmula legal prevista para o cálculo da indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho com justa causa, como claramente decorre do disposto no art. 396.º n.ºs 1 e 2 do CT equacionado com o seguinte passo da sentença: “Assim, e considerando o salário médio mensal de 812,17 Eur. (oitocentos e doze euros e dezassete cêntimos), por 16 anos e 6 meses de antiguidade, é-lhe devida, a título de indemnização, a quantia global de 13.400,80 Eur. (treze mil, quatrocentos euros e oitenta cêntimos). Isto é, 812,17 Eur. x 16 anos (= 12.994,72 Eur.) + 67,68 Eur. x 6 meses (= 406,08 Eur.) [812,17 Eur. : 12 meses = 67,68 Eur.].
É essa indemnização, assim calculada, que, conforme dispositivo da sentença, a ré recorrente foi condenada a pagar ao autor.

O que nos leva desde já a uma constatação óbvia: não existe qualquer contradição entre a fundamentação da sentença na parte em que afirma que o contrato de trabalho cessou em virtude da resolução comunicada pelo autor à 2.ª ré e a existência de justa causa para o efeito, e o dispositivo da sentença.

E quanto à apontada contradição na fundamentação, até podemos admitir que deriva de uma exposição/redacção menos feliz por parte do Tribunal a quo, como abona o segmento da fundamentação em que, após o Tribunal consignar que se impõe calcular o valor da indemnização devida ao autor reconhecendo a validade da resolução contratual comunicada à 2.ª ré, com justa causa, se diz “como ainda porque, ainda que assim não fosse, sempre se verificou um despedimento ilícito.” (realce nosso), donde em recente acórdão desta Relação  em que se discutia situação semelhante à presente se ter entendido que o Tribunal recorrido referiu o despedimento “de forma meramente adjuvante e lateral[1].

Como quer que seja, sempre aquelas citadas referências, na fundamentação da sentença, que contendem com um suposto despedimento do autor promovido pela 2.ª ré se mostram espúrias (o «despedimento ilícito» extravasa claramente da causa de pedir) e devem ter-se por não escritas, assim se corrigindo o vício, sendo que, nos termos do art. 665.º/1 do CPC, ainda que se considere verificada a nulidade invocada o Tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação.  

Neste enquadramento não há razão para considerarmos a sentença recorrida ambígua e muito menos ininteligível, pois que não patenteia a mesma qualquer vício lógico susceptível de comprometer a compreensão da decisão.

Como se defende em Ac. STJ de 12.12.2023, “Entre as coisas consensuais na doutrina e na jurisprudência está a de que ambiguidade ou a obscuridade só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos artigos 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar”[2]

Quanto à arguida nulidade por excesso de pronúncia:

Como deflui do que acima já dissemos, tem razão a recorrente quando diz que o autor não requereu ao Tribunal a quo que se pronunciasse quanto a qualquer despedimento de que possa ter sido alvo.
Mas já se nos afigura menos acertada a afirmação de que (conc. n.) O Tribunal a quo declarou, num primeiro momento, a ocorrência de um despedimento ilícito promovido pela Ré e, em consequência e num segundo momento, condenou esta no pagamento da respetiva indemnização legal, quando o Autor, repete-se, invocou a ocorrência de uma cessação do contrato de trabalho por resolução com justa causa;”
Decorre também do que dissemos supra que o Tribunal a quo conheceu da alegada resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa, declarando que esta se verificava, e condenou numa indemnização por antiguidade em conformidade com essa forma de cessação do contrato, contendo-se a condenação no pedido formulado pelo autor.

Diga-se que daqui resulta também que não merece acolhimento a posição sustentada pela recorrente nas conclusões z) a cc), pois que a cessação do contrato que sustentou a condenação da ré, mormente no pagamento ao autor de uma indemnização por antiguidade, foi a operada pelo autor ao comunicar à ré a resolução do contrato com justa causa.
           
Em conclusão, improcedem as arguidas nulidades da sentença.

- Se o direito de oposição do trabalhador à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 286.º-A do Código do Trabalho, foi validamente exercido pelo autor:

Contendendo com a questão supra enunciada, na decisão recorrida discorreu-se nos termos seguintes:

No caso, quanto aos fundamentos invocados pelo autor, observamos a alegação de prejuízo decorrente da ré EMP01... não reconhecer perante os trabalhadores qualquer transmissão de estabelecimento/unidade económica, impondo até a celebração de novos contratos para assumir os trabalhadores que antes estavam ao serviço da EMP02..., não respeitando assim os direitos laborais estabilizados do autor e dos colegas, designadamente os decorrentes da sua efectividade e da sua antiguidade.
Provou-se que o autor e outros trabalhadores da 2.ª ré, que desempenhavam funções no cliente EMP04..., nas instalações do ..., foram contactados pela 1.ª ré EMP01..., para reunião no dia 20.09.2022 e que nessa reunião aquela lhes transmitiu entender que inexistia transmissão de empresa ou de estabelecimento, nem existia transmissão de contratos e que a permanência daqueles nos respectivos postos dependia da assinatura de novos contratos, sem salvaguarda da posição decorrente dos contratos que já estavam em vigor.
Mais se provou (ponto 6 dos provados) que no dia 22.09.2022 a ré EMP01... expediu carta ao autor, com comunicação escrita, dando-lhe a saber que até à data limite de 26.09.2022 teria de proceder à assinatura do contrato (com efeitos a produzir posteriormente).
O autor tinha assim razões para afirmar a real possibilidade de lhe ser causado prejuízo sério, pois a transmitir-se a posição de empregador da EMP02... para a EMP01..., esta não só não lhe garantiria os direitos emergentes do seu contrato com a EMP02..., pelo menos em termos de efectividade e antiguidade, como não o aceitava ao trabalho sem que subscrevesse um novo contrato em condições seguramente mais desfavoráveis.
Por outro lado, a real possibilidade de perda da estabilidade laboral, dos direitos e garantias que até então lhe eram proporcionados, é mais do que suficiente para razoavelmente o autor não ter confiança na política de organização de trabalho da ré EMP01....

Concordamos com este entendimento.

Com efeito, estabelece o art. 286.º-A do CT:

Direito de oposição do trabalhador
1 - O trabalhador pode exercer o direito de oposição à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho em caso de transmissão, cessão ou reversão de empresa ou estabelecimento, ou de parte de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, nos termos dos n.os 1, 2 ou 10 do artigo 285.º, quando aquela possa causar-lhe prejuízo sério, nomeadamente por manifesta falta de solvabilidade ou situação financeira difícil do adquirente ou, ainda, se a política de organização do trabalho deste não lhe merecer confiança.
2 - A oposição do trabalhador prevista no número anterior obsta à transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho, nos termos dos n.os 1, 2 ou 10 do artigo 285.º, mantendo-se o vínculo ao transmitente.
3 - O trabalhador que exerça o direito de oposição deve informar o respetivo empregador, por escrito, no prazo de cinco dias úteis após o termo do prazo para a designação da comissão representativa, se esta não tiver sido constituída, ou após o acordo ou o termo da consulta a que se refere o n.º 4 do artigo 286.º, mencionando a sua identificação, a atividade contratada e o fundamento da oposição, de acordo com o n.º 1.
4 - Constitui contraordenação grave a violação do disposto no n.º 2.” (sublinhamos)

A recorrente pretende que o trabalhador/autor formou a sua convicção para deduzir o direito de oposição à transmissão do seu contrato de trabalho da “EMP02...” para a “EMP01...” com base na informação que lhe foi passada pela recorrida “EMP01...” de que não existia transmissão da unidade económica, isto é, de que não reconhecia os direitos e as garantias (posto de trabalho, efetividade antiguidade, entre outros) mas, tendo sido declarada e reconhecida a transmissão da unidade económica entre a recorrente “EMP02...” e a recorrida “EMP01...” e, consequentemente, dos direitos e garantias emergentes do respetivo vínculo contratual, o autor/recorrido, ao emitir a sua declaração negocial de oposição à transmissão com fundamento na mencionada declaração da recorrida “EMP01...”, incorreu num erro na formação da sua vontade real.
Salvo o devido respeito a matéria de facto não autoriza que tiremos esta conclusão.
Para além do autor não ter invocado tal vício da vontade, o certo é que a “EMP01...” comunicou-lhe efectivamente (v. pontos 4, 11 e 6 dos factos provados), que não lhe garantia os direitos laborais, como a antiguidade, e que se quisesse trabalhar para ela teria de assinar um novo contrato.
E foi com base nessas informações, reais, que o autor ao tempo tomou a sua posição de se opor à transmissão do vínculo contratual.
De resto, o autor até poderia estar informado que face à lei laboral as coisas não eram assim, mas sempre desconhecemos se, a ter sido esse o caso, não temeu mesmo assim o autor ter pela frente uma situação complicada, com um desfecho incerto.
O que está em causa não é a posição da entidade para quem foi transmitida a unidade económica, mas antes o direito do trabalhador se opor à transmissão.

Mais, alega a recorrente que o autor/recorrido, aceitou a transmissão do seu contrato de trabalho e, até, reputou a recorrida “EMP01...” como sua entidade empregadora, ao ir reclamar trabalho junto desta.
A este propósito, por inteiramente pertinentes, permita-se-nos trazer à colação o expendido no já referido Ac. desta Relação de 19.9.2024: “(…) o trabalhador, que deduziu regular e atempadamente a sua oposição, e dependendo dos seus rendimentos do trabalho para o seu sustento, tentou naturalmente manter o seu emprego. Do seu comportamento resulta claro que só aceitaria trabalhar para a segunda ré se fossem mantidos todos os direitos, o que não lhe foi garantido. Assim é que não assinou novo contrato com a primeira ré, como esta pretendia.
Não pode, pois, concluir-se que com a apresentação ao serviço “unidade” onde o prestava ao serviço da segunda ré, e em data em que sabia estar aquela a ser explorada já pela primeira ré, constituía aceitação da transmissão do contrato para esta. Resulta antes, isso sim, que o autor, aceitaria, essa transmissão, caso lhe fossem garantidos todos os direitos. Mas tal não aconteceu, não sendo caso para inutilização da declaração de oposição à transmissão.[3]

Ora, tendo a 1.ª ré comunicado ao autor que não lhe garantia os direitos laborais, como a antiguidade, e que se quisesse trabalhar para ela teria de assinar um novo contrato, do que em suma o autor deu nota à 2.ª ré na carta em que lhe comunicou a sua oposição nos termos do art. 286.º-A do CT, ademais mencionando que a política de organização do trabalho da ré “EMP01...” não lhe merecia confiança, não temos dúvidas que assistia ao autor fundamento para se opor, como opôs, à transmissão do seu vínculo contratual (transmissão da posição do empregador no seu contrato de trabalho).

Concordamos assim com a jurisprudência na linha do recente acórdão da RL em que, na síntese do respectivo Sumário, se defende:

I – No art. 286.º-A do Código do Trabalho prevêem-se dois fundamentos distintos para o exercício do direito de oposição à transmissão pelo trabalhador:
-(…);
- se a política de organização do trabalho do adquirente não lhe merecer confiança.
II – (…);
III – E, no que respeita à desconfiança na política de organização do trabalho do adquirente, tanto pode resultar de efectivo conhecimento como de desconhecimento desculpável, designadamente por falta de informação suficiente durante o procedimento, mormente quando a transmissária não tem qualquer intervenção colaborante e dialogante, ou, inclusive, faz saber que não aceita a transmissão.”[4]

A falta de confiança do trabalhador ora autor na nova entidade empregadora era inteiramente justificada.
Efectivamente, que confiança poderia ter o trabalhador numa empresa que não lhe reconhecia os seus direitos laborais, nomeadamente a sua antiguidade de mais de 16 anos, empurrando-o, caso não se opusesse à transmissão da posição da empregadora, para um conformismo cerceador de direitos ou para uma relação laboral litigiosa?
Destarte, e estando tratadas as questões colocadas no recurso, não vemos razão para censurar a decisão recorrida.

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da recorrente.
Notifique.
Guimarães, 17 de Outubro de 2024

Francisco Sousa Pereira (relator)
Antero Veiga
Maria Leonor Barroso


[1] Ac. RG de 19.9.2024, Proc. 7469/22.0T8BRG.G1, Antero Veiga, www.dgsi.pt
[2] Proc. 995/20.8T8PNF.R1.S2, Nuno Pinto Oliveira, www.dgsi.pt

[3] Proc. 7469/22.0T8BRG.G1, Antero Veiga, www.dgsi.pt
[4] Ac. RL de 25-09-2024, Proc. 1424/21.5T8SNT.L1-4, Alda Martins, www.dgsi.pt ; no mesmo sentido acórdão desta Relação de 19.9.2024 já acima citado, Ac. RC de 16.9.2022, Proc. 3037/20.0T8CBR.C1, Azevedo Mendes, Ac. RL de 15-12-2022, Proc. 9810/20.1T8SNT.L1-4, Maria José Costa Pinto, Ac. RL de 18-01-2023, Proc. 8068/20.7T8LSB.L1-4, Manuela Fialho, todos em www.dgsi.pt. Cf. ainda Maria do Rosário Palma Ramalho e Júlio Gomes, citados por Cristina Martins da Cruz, PDT 2021 – II, pág.s 87 e 88.