PLATAFORMA DIGITAL
“ESTAFETA”
CONTRATO DE TRABALHO
INDICADORES DE LABORALIDADE
MÉTODO INDICIÁRIO
Sumário


I – Tendo presente que a relação contratual estabelecida entre a Ré e a AA se iniciou em data não concretamente apurada do ano de 2020, (data de inscrição na plataforma da ré) sem que da factualidade provada resulte qualquer modificação da relação estabelecida entre as partes após essa data, é de concluir que a “nova” presunção de laboralidade prescrita no artigo 12.º-A, n.º 1, do C.T., não é aplicável ao caso dos autos.
II – O contrato de trabalho caracteriza-se essencialmente pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade empregadora e que resulta da circunstância do trabalhador se encontrar inserido na organização produtiva do empregador e submetido à autoridade e direção deste, enquanto na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da atividade.
III – Atenta a dificuldade em determinar a subordinação jurídica importa recorrer ao método indiciário de qualificação do contrato devendo concluir-se pela existência de um contrato de trabalho quando se verifiquem um conjunto de circunstâncias ou caraterísticas que sopesados nos permitam concluir pela subordinação de quem presta o serviço perante o beneficiário da prestação
IV – No que respeita às novas formas de trabalho através das plataformas digitais alguns dos índices clássicos da subordinação jurídica tais como a propriedade dos equipamentos de trabalho, a existência de um horário de trabalho, o local de trabalho determinado pelo beneficiário e o pagamento da retribuição certa, são indícios pouco operacionais para enfrentar o problema da qualificação da relação contratual que se estabelece entre o estafeta e a plataforma, que não devem por isso ser valorizados porque manifestamente não se adequam a este tipo de atividade.
Mas se a falta da verificação destes índicos for compensada por outros indícios reveladores da subordinação do trabalhador perante quem explora e gere a plataforma, (tais como estar sujeito a ordens ou instruções, designadamente a regras relativas à prestação, se a respetiva prestação for controlada em termos de qualidade pela plataforma ou se o trabalhador poder vir a ser penalizado) o contrato pode e deve ser reconhecido como de trabalho
V - Sopesando todos os índices analisados temos de concluir pela verificação da subordinação jurídica, uma vez que que a estafeta presta a sua atividade de entrega e recolha de mercadorias, em negócio alheio, não tem clientes, nem fixa preços, nem tem qualquer tipo de responsabilidade perante o cliente, está inserida na organização de trabalho daquela plataforma digital, sujeita às diretrizes organizativas determinadas pela empresa que a gere e impostas, desde logo, no contrato de adesão que teve de assinar para poder desempenhar a sua atividade, está sujeita ao poder sancionatório detido pela EMP01..., (nas condições por ela ditadas, com grande amplitude, pode desativar ou suspender a conta da estafeta, impedindo-a de exercer a sua atividade), estando ainda sujeita a formas de controlo e de avaliação algorítmica por parte da plataforma (avaliação do cliente).
Tal é o que basta para reconhecermos a natureza laboral do vínculo mantido entre a estafeta e a Ré, pois para além daquela estar inserida na estrutura organizativa da Ré, está também sujeita à sua autoridade.

Texto Integral


Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – Relatório:
           
Na sequência de acção inspectiva levado a cabo pela Autoridade para as Condições do Trabalho, no âmbito da qual se deparou com indícios de utilização indevida do contrato de prestação de serviço por parte da EMP01..., UNIPESSOAL, LDA, relativamente a AA deu entrada no Tribunal da Comarca de ..., Juízo do Trabalho de ..., a respetiva participação.
Após o recebimento de tal participação, o MINISTÉRIO PÚBLICO intentou a presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos previstos no art.º 186.º-K, n.º 1 e 186.º-L, n.º 1 do CPT, contra EMP01..., UNIPESSOAL, LDA pedindo que se reconheça a existência de contrato individual de trabalho por tempo indeterminado, com início em 2.12.2021, relativo a AA.
Citada a Ré apresentou contestação defendendo-se por exceção e por impugnação, sustentando, em suma, que a AA desenvolve a sua atividade de estafeta de forma autónoma e nega a existência de factos que possam qualificar o contrato que mantém com aquela como de trabalho.
A AA foi notificada de que poderia aderir ao articulado apresentado pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir advogado, mas nada veio dizer.
Procedeu-se à realização de audiência de julgamento e por fim foi proferida sentença da qual consta o seguinte dispositivo:

“Em face do exposto, na presente acção especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, decide-se:

a) Julgar improcedente o pedido formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado que teria sido celebrado entre a EMP01..., UNIPESSOAL, LDA., e AA, absolvendo-se a ré, em conformidade, de tal pretensão;
Registe, notifique e oportunamente dê cumprimento ao disposto no artigo 186.º-O, n.º 9, do C.P.T.

*
Inconformado com a sentença, o Ministério Público veio interpor recurso de apelação, pugnando pela sua revogação, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:

“1.O Ministério Público não concorda, quanto ao decidido na sentença de julgar improcedente a acção.
2.Desse modo, importa verificar se resulta dos factos provados a verificação de algumas das características referidas nas alíneas do n.º 1, do referido artigo 12.ºA do Código do Trabalho.
3.Nos termos do art. 12.º-A, n.º 1, al. a), do C.T., cumpre averiguar se “A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela”.
4. Conforme resulta dos factos provados, é a plataforma EMP01... que, unilateralmente, fixa a retribuição e, além disso, estabelece também um limite mínimo e um limite máximo para o prestador de atividade/estafeta por cada serviço prestado. O estafeta pode, é verdade, recusar o serviço, mas isso não traduz qualquer possibilidade de negociação da sua parte - contrariamente ao que se lê na sentença, rejeitar o serviço não é, em parte alguma, sinónimo de negociar o preço do mesmo. Se os estafetas aderiram à plataforma para exerceram as funções respetivas, naturalmente não o fizeram para rejeitarem os pedidos por ela submetidos – só o fazem se, v.g., o local de recolha ou o local de entrega se situarem bastante longe do local onde se encontrem.
5. Os “estafetas” podem alterar o chamado multiplicador – por forma a modificarem o limite mínimo do valor de cada serviço. Mas se o fizerem, conforme constitui regra de mercado, poucos ou nenhuns pedidos receberão. E mesmo nesse caso, o “limite mínimo” de cada serviço não deixa de ser fixado unilateralmente pela plataforma – os estafetas apenas lograrão “subir” esse limite mínimo, sem que consigam proceder, inversamente, à redução desse montante (“mínimo”) já previamente determinado pela plataforma.
6. Por isso é a plataforma que fixa o valor da retribuição, uma vez que esta se encontra, na sua totalidade, dependente do seu critério unilateral.
7.Pelo exposto, deve considerar-se preenchida a característica de contrato de trabalho prevista no art. 12.º-A, n.º 1, al. a), do Código do Trabalho.
8.Nos termos do art. 12.º-A, n.º 1, al. b): “A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade”.
9. A nosso ver, a Ré EMP01..., além de estipular as regras (rectius, todas as regras) para acesso/inscrição na plataforma por parte dos “estafetas” – fase que não se pode excluir de todo o processo de prestação da atividade, igualmente dirige, estipula, concretiza e define a forma como toda a atividade deve ser por eles prestada.
10.Citando a sentença proferida no âmbito do processo n.º 1980/23...., do Juízo do Trabalho de Castelo Branco, em ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho movida contra a plataforma digital “...”, a qual tem aqui igual aplicação, “O procedimento de entrega da EMP02... encontra-se perfeitamente padronizado e decorrerá da mesma forma, independentemente do local onde é prestado e da pessoa concreta do estafeta, que se limitará a seguir todo um esquema previamente definido pela ré, que assim, segundo se entende, determina as regras especificas quanto à prestação da atividade por parte do estafeta mostrando-se nessa medida também verificado o indicio previsto no artigo 12º-A, nº 2, al. b) do Código do Trabalho.”
11. Já quanto à alínea e) do art. 12.º-A, n.º 1, do Código de Trabalho, é a própria sentença do Tribunal “a quo” que reconhece estar preenchida esta característica de contrato de trabalho.
12.Por fim, diz-se na alínea f) do art. 12.º-A, n.º 1, do Código de Trabalho, que “Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação”.
13.Salvo melhor opinião o principal “instrumento de trabalho” (a aplicação informática EMP01...) é da exclusiva propriedade da Ré, conforme resulta dos factos provados, sendo que, sem ela, seria impossível a prestação da atividade em análise.
14.Socorrendo de novo da fundamentação expressa na mencionada sentença do Juízo do Trabalho de Castelo Branco, “se os estafetas em questão pretendessem ser verdadeiramente autónomos e não utilizassem a marca de que a ré é titular, estariam condenados ao fracasso, já que o êxito deste tipo de plataformas deve-se à publicidade que elas fazem nas redes sociais e nos motores de busca, sendo estes os sites que os clientes procuram quando querem o tipo de produtos que a plataforma anuncia. Assim para o desenvolvimento da atividade, os meios que o trabalhador usa e de que é proprietário, o veículo ou o telemóvel, têm um valor escasso quando comparado com a plataforma ou com o valor da marca no mercado, que são da titularidade de ré.”
15. Aqui chegados, não podemos deixar de aludir à conclusão expressa por João Leal Amado (ob. cit. pág. 89) de que “ao olhar para um qualquer estafeta, daqueles que percorrem velozmente as ruas nas suas motos (ou, mais lentamente, pedalando nas suas bicicletas), creio que nenhum de nós se convence, seriamente, de que ali vai um empresário - seja um microempresário, um motoempresário ou um cicloempresário… Não (…) Ali vai, motorizado ou pedalando, um trabalhador dependente, um trabalhador do século XXI, diferente, decerto, dos seus pais, avós ou bisavós, mas, afinal, ainda um trabalhador dependente um subordinado de novo tipo, com contornos distintos dos tradicionais, mas, em última instância, ainda dependente e subordinado na forma como desenvolve a sua atividade”.
16.Nestes termos, concluindo-se pela verificação das presunções enunciadas nas alíneas a), b), e) e f) do art. 12.º-A do Código do Trabalho, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que condene a Ré no reconhecimento dos contratos de trabalho relativamente à trabalhadora AA, desde ../../2023, data da entrada em vigor do artº 12º A- do Código do Trabalho.
Assim farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA.“
A EMP01..., LDA veio responder ao recurso concluindo pela sua total improcedência com a consequente manutenção da decisão recorrida.
Com as contra-alegações foram também juntos pela recorrida 11 documentos, sendo que dez desses documentos correspondem a sentenças proferidas em distintos juízos do Trabalho de Norte ao Sul do país, proferidas entre Abril e Julho de 2024, em que foi Ré a ora aqui recorrida, estando a apreciação de questão jurídica equiparada a que aqui se discute, ou seja estava em causa a qualificação do contrato como de trabalho. Em todas as decisões juntas pela recorrida foram proferidas decisões favoráveis à recorrida.
O documento 9.º junto pela recorrida respeita ao pedido dirigido pela Senhora Provedora de Justiça ao Tribunal Constitucional a requerer a inconstitucionalidade das normas constantes do n.º 3 do art.º 10.º do Código do Trabalho, na redação que foi introduzida pela Lei n.º 13/2023, de 3 de Abril, e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 383.º -A do mesmo Código aditado pela Lei n.º 13/2023, de 3 de Abril.
O recurso foi admitido com o modo de subida e efeitos próprios.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – Do Objeto do Recurso

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que a principal questão a decidir respeita à qualificação do contrato, designadamente apurar se a relação jurídica estabelecida entre a EMP01... e a AA é de qualificar como contrato de trabalho.
Antes, porém, urge apreciar a questão prévia referente a admissibilidade da junção dos documentos com as contra-alegações de recurso.
Conforme resulta do prescrito no n.º 1 do art.º 63.º do CPT. com os articulados, devem as partes juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requer quaisquer outras provas.
Contudo, resulta da aplicação subsidiário do Código do Processo Civil, designadamente do seu art.º 651.º n.º 1 que as partes podem juntar documentos às alegações em situações excecionais a que se refere o artigo 425.º do CPC, ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Assim, estabelece o art.º 425.º do CPC que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”
Como refere, António Abrantes Geraldes, “em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva e subjetiva).
Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este seja de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.”[1]
Da conjugação dos citados preceitos resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excecional, depende da alegação e da prova pelo interessado em tal junção de uma das seguintes situações:
- a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso;
- ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
No caso, a Recorrida juntou com as contra-alegações, diversas decisões da 1.ª instância sem justificar o motivo pelo qual sentiu só agora necessidade de o fazer, limitando-se a citar quer na sua contra-alegação, quer nas suas conclusões algumas passagens que entendeu terem pertinência, de algumas dessas decisões e quanto ao requerimento apresentado junto do Tribunal Constitucional pela provedora de justiça, não deu qualquer justificação para a razão pela qual junta tal documento apenas nesta fase processual.
Como é consabido, os documentos são, por definição, meios de prova de factos que se destinam a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa (cfr. artigo 423.º, n.º 1, do CPC).
Ora, as referidas decisões da 1.ª instância não podem ser consideradas de documentos, pois não tem como finalidade a de provar um qualquer facto, mas sim destinam-se a convencer da bondade da posição jurídica defendida na sentença proferida pelo tribunal a quo.
Contudo, cabe ainda referir no que diz respeito aos pareceres de jurisconsultos, o n.º 2 do mesmo art.º 651.º do CPC prevê que as partem podem juntá-los até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.
Porém, as decisões judiciais não devem ser consideradas como pareceres[2], apesar de por vezes nos depararmos com a junção de cópias de acórdãos e decisões judiciais, em alternativa à sua incorporação no corpo da alegação, o que constitui uma prática aceitável (a sua junção com as alegações ou contra-alegações de recurso), pois permite que a peça processual seja mais escorreita. Podemos considerar que se trata de uma questão de estilo funcionando a junção de tais decisões judiciais como um anexo ou complemento da alegação ou da contra-alegação do recurso.
Assim sendo, é de admitir a junção aos autos das decisões judiciais apresentadas com a contra-alegação de recurso.
Relativamente ao documento n.º 9, datado de 23.10.2023, para além de poder ter sido apresentado em 1.ª instância, nada foi alegado quanto à sua superveniência subjetiva e o mesmo também não se revela de necessário para o julgamento do recurso, já que a recorrida não ficou vencida em 1.ª instância, nem da leitura do documento se percebe a concreta relevância que pode ter nos presentes autos, sendo certo que a recorrida nada refere.
Destarte, deverá ser desentranhado dos autos, por legalmente inadmissível, o documento n.º 9 apresentado com a contra-alegação de recurso e a Apelada condenada em multa, afigurando-se ajustado o valor de 0,5UC (artigos 443.º, n.º 1, CPC e 27.º, n.º 1, do RCP).
Por fim, importa conhecer também do pedido formulado em sede de recurso relativamente à redução do pedido.
Em sede de petição inicial o Ministério Público requer que seja “reconhecida e declarada a existência do correspondente contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a Ré/entidade empregadora e a trabalhadora AA, fixando-se a data do seu início em 02/12/2021, data da celebração do primeiro contrato de prestação de serviços.”
Em sede de recurso vem o Ministério Público requer o “reconhecimento do contrato de trabalho relativamente à trabalhadora AA, desde ../../2023, data da entrada em vigor do artº 12º A- do Código do Trabalho.”
Com é sobejamente sabido a redução do pedido por parte do autor, bem como a desistência parcial do pedido é livre e pode ocorrer em qualquer altura do processo, designadamente na 2.ª instância – cfr. art.º 265.º n.º 2, do CPC.
Assim sendo, sem necessidade de outras considerações, admite-se a redução do pedido.

III – Fundamentação de Facto

FACTOS PROVADOS:

1. A ré possui como objecto social:
“Desenvolvimento e exploração de uma plataforma tecnológica, comércio a retalho por via electrónica, comércio não especializado de produtos alimentares e não alimentares, bebidas e tabaco e, de um modo geral, de todos os produtos de grande consumo, comercialização de medicamentos não sujeitos a receita médica, produtos de dermocosmética e de alimentos para animais, a importação de quaisquer produtos, o comércio de refeições prontas a levar para casa e a distribuição ao domicílio de produtos alimentares e não alimentares. Exploração, comercialização, prestação e desenvolvimento de todos os tipos de serviços complementares das actividades constantes do seu objecto social. Realização de actividades de formação, consultoria, assistência técnica, especialização e de pesquisa de mercado relacionadas com o objecto social. Qualquer outra actividade que esteja directa ou indirectamente relacionada com as actividades acima Identificadas”
2. Para efeitos tributários, nos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023, AA declarou ter auferido rendimentos da categoria B (Rendimentos Empresariais e Profissionais), nos montantes globais respectivos de € 872,16, € 10.379,35, € 15.489,89 e € 15.268,18, no âmbito de serviços prestados à ré, tendo ainda declarado, no ano de 2021, ter auferido rendimentos da categoria B, nos montantes globais de € 5.100,00 e € 5.100,00, no âmbito de serviços prestados à EMP03..., Unipessoal, Lda. e à EMP04..., Unipessoal, Lda., respectivamente.
3. Para efeitos de Segurança Social, AA encontra-se enquadrada no regime de trabalhadores independentes desde ../../2021.
4. No dia 17/08/2023, pelas 12h50m, decorreu acção inspectiva da A.C.T., no decurso da qual AA foi identificada, quando se encontrava a exercer funções de estafeta, junto do ponto de recolha de pedido na Praça ... ..., Alameda ..., ... ....
5. (…) tendo nessa ocasião AA recebido uma oferta de entrega, recolhido uma encomenda e a colocado numa mochila térmica, após o que se retirou daquele local.
6. AA encontra-se registada na plataforma App “EMP01...” pelo menos desde data não concretamente apurada do ano de 2020.
7. Com a adesão à App AA declarou consentir os termos apostos no documento denominado “Termos e Condições de Utilização da Plataforma EMP01... para Estafetas”.
8. No documento com a epígrafe “Termos e Condições de Utilização da Plataforma EMP01... para Estafetas”, com a redacção que lhe foi dada em 04/05/2023, constava:
Condições Gerais:
“(…) Os presentes Termos e Condições de Utilização da Plataforma EMP01... aplicam-se à prestação de todos os serviços tecnológicos oferecidos pela EMP01... Unipessoal Lda. (…) a «Plataforma EMP01...», ou «Nós» consoante o contexto), ao país no qual o Prestador de Serviços (o «Estafeta», o «Utilizador» ou «Você», consoante o contexto) tem de se registar na nossa Plataforma. A principal actividade da EMP01... é o desenvolvimento e a gestão de uma plataforma tecnológica através da qual certos estabelecimentos comerciais locais (adiante designados por «Estabelecimentos Comerciais») de algumas cidades oferecem os seus produtos através de uma aplicação móvel ou da Web (adiante designados por «serviços EMP01...», «Serviços» ou «App»); e, acessoriamente, quando apropriado e se solicitado pelo utilizador cliente final (adiante designado por «Utilizador Cliente») dos referidos estabelecimentos comerciais através da aplicação, podem actuar como intermediários na entrega imediata dos produtos. Os seus objectivos incluem a intermediação nos processos de recolha e/ou pagamento e a aceitação e execução de pedidos para fazer recolhas e receber entregas em nome do cliente Utilizador e dos Estabelecimentos Comerciais. (…)“
2.2. A sua aceitação:
“(…) Ao aceder aos Serviços EMP01... e registar-se pela primeira vez na Plataforma, inserindo os seus dados de identificação de conta (adiante designado por «Dados de Identificação de Conta»), está a aceitar os presentes Termos e Condições, bem como todos os anexos que incluem (…) Tem de aceder à sua conta pessoa (a «Conta») iniciando sessão com o nome de utilizador que escolheu e o código de segurança pessoal (o «Código de Segurança»). Aceita manter a confidencialidade do seu Código de Segurança e alterá-lo frequentemente. Cada Conta é pessoal e única, pelo que está proibido de registar ou ter mais do que uma Conta. Além disso, a Conta é intransmissível, salvo nos países em que legislação local o permita (…) Em caso de utilização ilegítima ou fraude, a EMP01... pode cancelar, suspender ou desactivar duas ou mais Contas com os mesmo dados ou dados relacionados que possa detectar, mediante intervenção humana sempre por parte de um agente da EMP01... e permitindo, em todo o caso, que o Estafeta apresente uma queixa e/ou reclame contra essa decisão em caso de discrepância. Será responsável por todas as transacções realizadas na sua Conta (por Si ou por eventuais substitutos), uma vez que só é possível aceder à mesma com o Código de Segurança e estão sujeitas à aceitação dos nossos Termos e Condições, incluindo, nomeadamente, responsabilidade penal. Aceita notificar imediatamente, através de meios apropriados e seguros, qualquer utilização fraudulenta ou ilegítima da sua Conta, bem como qualquer acesso à mesma por terceiros não autorizados. Para evitar dúvidas, qualquer venda, cessão e transferência da Conta sempre que possa ser considerada ilegal é proibida em quaisquer circunstâncias, salvo nos casos de sublocação/subcontratação da sua conta em conformidade com a regulamentação local aplicável (…)“
3.1 Opções de Serviço:
“(…) No nosso sítio Web encontrará uma descrição das nossas opções de Serviço de Tecnologia e explicaremos que opções de Serviço tem à sua disposição quando cria uma Conta EMP01.... Os presentes Termos e Condições serão aplicáveis a todos os nossos Serviços Tecnológicos se se registar na Plataforma como Utilizador Estafeta.
Serviços incluídos na Taxa de Utilização da Plataforma: - Acesso à plataforma que lhe permitirá oferecer voluntária e livremente os seus serviços de entrega, podendo conectar-se em qualquer altura de acordo com a possibilidade de escolher livremente os pedidos que pretende realizar. Esse acesso inclui a possibilidade de prestar os seus serviços a qualquer um dos Utilizadores da Plataforma (Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais, etc.), independentemente da empresa do Grupo EMP01... (EMP01... e/ou as suas filiais e/ou empresas coligadas) que gere a Plataforma à qual se conectou e sempre de acordo com a disponibilidade do país no qual se conecta. - Acesso a cobertura de seguro durante o período de conexão à Plataforma. - Acesso a apoio e serviço de assistência para qualquer inconveniente técnico que possa ocorrer. - Gestão e intermediação no serviço de recolha e pagamentos. - Aquisição e / ou uso de materiais que podem ser solicitados por você. Serviços incluídos dentro da taxa de activação (…) a EMP01... pode oferecer outros Produtos e Serviços não incluídos na Tarifa e que o Estafeta, consoante apropriado de acordo com a legislação de cada país, pode adquirir ou contratar voluntariamente através de um dos nossos canais de venda (…)”
4.1. Quem é o Estafeta?
“(…) Ao aceitar os presentes Termos e Condições, também se torna um utilizador da aplicação EMP01.... Deste modo, pode usar e conectar-se à Plataforma EMP01... de forma flexível e a seu critério. Acede à Plataforma para usar uma tecnologia da Plataforma que lhe permite conectar-se a outros Utilizadores da Plataforma. Os mesmos poderão ser: Estabelecimentos Comerciais, Utilizadores, outros Estafetas ou outros Utilizadores. Se estiver no seu país, usa a EMP01... como: ● Utilizador Estafeta Independente: pode definir os seus próprios horários para se conectar à Plataforma e manter o seu perfil registado. Actuará em seu próprio nome e interesse, também usando os seus próprios equipamentos para exercer a actividade. ● Utilizador Estafeta numa empresa de serviços de logística: enquanto profissional de uma empresa de serviços de logística que usa os Serviços da Plataforma, estará dependente das instruções da sua empresa. A EMP01... não dirigirá, controlará ou será considerada dirigir ou controlar as acções ou conduta da empresa no âmbito dos presentes Termos e Condições, nomeadamente no que diz respeito à prestação dos seus serviços a outros Utilizadores da Plataforma. Reconhece que não existe nenhuma obrigação ou relação de exclusividade entre Si e a EMP01..., de tal modo que pode, a seu exclusivo critério, oferecer serviços ou exercer qualquer outra actividade comercial ou profissional relacionada ou não com o sector de actividades da EMP01.... (…)”
4.2. Cessação de Serviços
“(…) Antes da cessão dos Serviços, as Partes aceitam liquidar qualquer dívida, obrigações pendentes ou quaisquer compromissos previamente acordados. As Partes podem cessar os Serviços pelas seguintes razões: a. Por vontade própria, em qualquer altura sem aviso prévio, salvo se acordado de outro modo por escrito. b. Por violação de qualquer uma das obrigações previstas nos presentes Termos e Condições. c. Em caso de impossibilidade de cumprir qualquer disposição dos presentes Termos e Condições. d. O não cumprimento das Normas de Ética e Conduta Empresarial para Terceiros da EMP01... e/ou de qualquer outra Política da EMP01... aplicável a todos os Utilizadores da Plataforma. e. Por violação da legislação local por parte do Estafeta que possa constituir uma violação do princípio de boa-fé entre as Partes. f. Quaisquer outras circunstâncias resultantes em danos fiscais, de segurança social, financeiros, comerciais, organizacionais ou de reputação para a outra Parte ou um Terceiro, independentemente do montante ou dimensão do dano causado. g. A utilização da Plataforma EMP01... para fins abusivos ou fraudulentos susceptíveis de causar danos materiais e/ou imateriais a qualquer um dos Utilizadores da plataforma. h. Em situações de força maior, de acordo com a cláusula 8.5 destes Termos e Condições. (…)”
5.1.1. A sua Utilização dos Serviços de Tecnologia da EMP01...:
“(…). Para utilizar os Serviços de Tecnologia da EMP01... é necessário registar e criar uma Conta completa, actualizada e activa. Tal inclui, consoante apropriado, mas sem carácter exaustivo, as seguintes obrigações: a. Estar registado correctamente para poder exercer a actividade de entrega para todos os fins legais, de segurança social e fiscais e em conformidade com a regulamentação local em vigor na altura. b. Pagar pontualmente os Serviços acordados com a Plataforma. c. Tem de enviar à EMP01... certas informações, pessoais ou enquanto empresa prestadora de serviços, tais como o seu nome, endereço, número de telemóvel e idade (aplicar-se-á a idade legal da sua jurisdição), bem como, pelo menos, um método de pagamento válido. d. Tem de manter informações exactas, completas e actualizadas na sua Conta. Será responsável por quaisquer inexactidões nas informações fornecidas. e. Será responsável por todas as actividades realizadas na sua Conta, incluindo as que terceiros realizam em seu nome, bem como por manter sempre a segurança e o sigilo do nome de utilizador e da palavra-passe (Código de Segurança) da sua conta. f. Aceita cumprir toda a legislação aplicável, incluindo regulamentação local, nacional e supranacional ao utilizar os Serviços de Tecnologia EMP01... e apenas pode utilizar os Serviços para fins legítimos. g. Aceita não utilizar a Plataforma de Tecnologia EMP01... para causar inconvenientes, fraude ou danos materiais a terceiros. h. Caso decida subcontratar a sua Conta de Utilizador Estafeta, tem de fazê-lo em conformidade com a regulamentação local, sempre que a mesma o permita, e serão aplicados processos internos para adaptar a operação. A EMP01... não será responsável por quaisquer danos ou infracção que você e/ou as suas subcontratações possam cometer. Neste sentido, a EMP01..., a fim de evitar comportamento abusivo e/ou fraudulento, pode pedir documentação relativa à conformidade do Estafeta titular da Conta EMP01... e dos seus subcontratantes. i. Declara que dispõe da capacidade jurídica para celebrar contratos e ser de maioridade no país correspondente. j. Apenas os produtos e serviços que não sejam tácita ou expressamente proibidos nos Termos e Condições e outras políticas da EMP01... ou pela legislação em vigor podem ser incluídos no âmbito dos presentes Termos e Condições. Para mais informações sobre os produtos ou serviços proibidos, consulte as nossas Políticas de Artigos Proibidos nos presentes Termos e Condições ou nos Termos e Condições Gerais de Utilização aplicáveis aos Utilizadores Cliente. k. A EMP01... irá sempre dar prioridade à sua experiência de Utilizador enquanto parte dos seus serviços. A EMP01... pode criar painéis de informação para incluir as suas preferências enquanto Utilizador da Plataforma Digital da EMP01... e melhorar a sua experiência na mesma. l. Você, enquanto profissional e Estafeta, é responsável pela prestação dos seus serviços e pelas vicissitudes da sua actividade. Bem como, se for caso disso, pelos estafetas por si subcontratados. m. O Estafeta compromete-se a verificar e cumprir os requisitos legais pertinentes, em termos de saúde e segurança apropriados para diferentes tipos de produtos (a título de exemplo, mas sem carácter exaustivo: os relacionados com farmácia, álcool e tabaco) e isenta a EMP01... de qualquer responsabilidade caso a regulamentação supracitada não seja respeitada. n. No caso de transporte de alimentos, em conformidade com a regulamentação aplicável a este respeito, o Estafeta compromete-se a transportá-los em meios de transporte e recipientes adequados para os mesmos. o. Declara cumprir a legislação aplicável na prestação dos seus serviços de entrega, tais como legislação fiscal, laboral, civil, penal, de transporte de mercadorias, de saúde, segurança e higiene e a legislação inerente à actividade, nomeadamente apólices de seguro aplicáveis à sua região (como o seguro obrigatório de veículos (…)”
5.1.4.
“(…) Ao aceitar um pedido, o Estafeta reconhece que esse pedido pode incluir a entrega/devolução/serviço de devolução ou conforme a morada/localização/descrição indicado pelo Utilizador Cliente ou o Estabelecimento Comercial com o qual celebrou um contrato (…)”
5.1.5.
“(…) Por força dos acordos alcançados com os Utilizadores Cliente, e para efeitos de evitar fraude, no momento da entrega, os Estafetas e Utilizadores Clientes aguardarão dez minutos antes de cancelar um pedido. (…).”
5.1.6.
“(…) O Estafeta aceita que os Estabelecimentos Comerciais e o Utilizador Cliente peça um serviço de entrega de acordo com o preço e a qualidade em conformidade com as orientações de mercado. (…).”
5.2 Restrições
“(…) Sem prejuízo de quaisquer medidas adicionais que possam ser adoptadas, uma Conta Estafeta pode ser temporária ou permanentemente desactivada se: a. Em conformidade com o Código de Ética que rege todos os Utilizadores da Plataforma, utilizar a Plataforma para insultar, ofender, ameaçar e/ou agredir Terceiros, nomeadamente, Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais, outros Estafetas e pessoal da EMP01.... b. Violar a lei ou quaisquer outras disposições dos Termos e Condições Gerais ou outras políticas da EMP01.... c. Participar em actos ou conduta violentos. d. Violar os seus direitos na aplicação da EMP01..., causando danos materiais e/ou imateriais a outro Utilizador da plataforma (Estafetas, Utilizadores Cliente e/ou Estabelecimentos Comerciais). e. Na prevenção de acções fraudulentas, se a identidade do Utilizador da Plataforma e/ou dos seus substitutos ou subcontratantes não puder ser verificada e/ou qualquer informação prestada por si e/ou os seus substitutos ou subcontratantes estiver incorrecta. f. A fim de prevenir a segurança de todos os Utilizadores da Plataforma em caso de violação da Política de Mercadorias (…)”
5.3.1 Facturação e pagamentos
“(…) O processamento dos pagamentos estará sujeito a todas as condições do Processador de Pagamento, às condições e políticas de privacidade e deverá ter sua própria conta individual ou comercial, dependendo do país em questão, junto do Processador de Pagamento. A EMP01..., através de um processador de pagamento, conectar-se-á e actuará como um intermediário nos pagamentos entre Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais e Estafetas (ou empresa de serviços de logística conexa). Aceita e concorda que, dependendo da regulamentação local aplicável, bem como da forma na qual se conecta à Plataforma (directamente ou através de uma empresa de serviços de logística), os serviços que oferece podem e terão de ser facturados ou refaturados ao Cliente Utilizador e/ou ao Estabelecimento Comercial, que em última instância paga o preço dos serviços por si oferecidos. Aceita que a taxa pelos serviços que pagará à EMP01... inclui, se autorizado por si e conforme apropriado de acordo com a legislação local do seu país, bem como da forma como se conecta à Plataforma (directamente ou através de uma empresa de serviços de logística), a gestão e intermediação da facturação correspondente aos seus serviços. Neste caso, estas facturas serão consideradas aceites caso a EMP01... não receba qualquer comunicação da sua parte no prazo de 5 dias a contar da emissão das facturas. O Estafeta reconhece e concorda que a EMP01..., em conformidade com o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), pode proceder a uma revisão periódica dos pagamentos que lhe são efectuados. Tal revisão pode resultar na retenção do imposto sobre o rendimento caso o limite, em conformidade com o disposto no Artigo 53 do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e no Artigo 101 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), seja ultrapassado. O Estafeta reconhece e aceita a sua responsabilidade pelo dinheiro que lhe foi entregue pelos Utilizadores Cliente e que é propriedade dos Estabelecimentos Comerciais. Neste sentido, aceita que, consoante apropriado à forma como se conecta à Plataforma, o preço que lhe foi pago pelo serviço pelo Estabelecimento Comercial inclui o serviço de recolha do dinheiro que tem de ser entregue ao referido Estabelecimento Comercial. (…)”
5.3.2 Pagamento e Taxas da EMP01...
 “(…) Aceita que a sua utilização dos Serviços EMP01... tem um custo associado para os serviços ou produtos que recebe («Encargos»). A EMP01... pode cobrar a seu exclusivo critério uma taxa padrão, uma taxa adicional ou um ajustamento aplicável pela utilização da Plataforma e os custos de activar o Perfil da sua Conta. A taxa que tem de pagar corresponderá à utilização dos serviços contratados por si através da Plataforma, ou aos eventuais produtos/bens que pode adquirir através da mesma. Para que conste, a utilização dos serviços e os produtos podem ser momentânea ou definitivamente suspensos ou desactivados na Plataforma, dependendo do país a partir do qual se conecta. A EMP01... reserva-se o direito de adoptar as medidas judiciais e extrajudiciais que considere apropriadas para obter o pagamento dos montantes em dívida. A EMP01... reserva-se o direito de modificar, alterar, aumentar ou cancelar as taxas actuais em qualquer altura notificando os Utilizadores da sua Plataforma. Além disso, a EMP01... pode temporariamente modificar a Taxa e a Política e as taxas dos seus Serviços em resultado de promoções ou descontos. Estas modificações produzem efeitos quando a promoção é tornada pública ou o Utilizador beneficiário é notificado. Todas as Taxas para Produtos e/ou Serviços contratados à EMP01... serão cobradas imediatamente em conformidade com o método de pagamento permitido no seu país e o método preferencial indicado na sua Conta e disponibilizado aos Serviços EMP01.... Quando carregado, a EMP01... enviar-lhe-á um recibo por e-mail. O pagamento também pode ser efectuado mediante a compensação de facturas pendentes entre as partes. Se o método de pagamento da sua conta principal for considerado expirado, inválido ou indisponível para a cobrança, a EMP01... irá contactá-lo e/ou providenciar outros métodos de pagamento aplicáveis à sua Conta. A EMP01... envidará esforços razoáveis para o informar sobre quaisquer encargos aplicáveis. A EMP01... pode ocasionalmente eliminar e/ou rever quaisquer taxas, ofertas e/ou descontos aplicáveis a todos os Utilizadores da Plataforma, você incluído. A EMP01... pode aplicar taxas de Serviço ou outras taxas previamente anunciadas nas redes sociais aplicáveis, salvo se a EMP01... não a aplicar na sua região, caso no qual não lhe serão cobradas. A forma de cobrança dos Encargos irá sempre depender da forma na qual se conecta à Plataforma, directamente ou através de uma empresa de serviços de logística. (…)”
5.4.1
“(…) Em certos casos, por uma questão de prevenção de fraudes, poderá ter de apresentar prova da sua identidade e/ou, se aplicável nos termos da legislação local, dos seus substitutos ou subcontratantes para aceder ou utilizar os Serviços e aceita que lhe pode ser negado acesso aos Serviços e à utilização dos mesmos se você ou os seus substitutos ou subcontratantes recusarem fornecer essa prova de identidade. A EMP01... pode também recorrer a terceiros fornecedores de serviços para efeitos de verificar a sua identidade ou a dos seus substitutos ou subcontratantes. (…)”
5.4.2
 “(…)  A EMP01... pode, mas não é obrigada, monitorizar, rever e/ou editar a sua Conta. A EMP01... reserva-se o direito de, em qualquer caso, eliminar ou desactivar o acesso a qualquer Conta por qualquer motivo ou sem motivo, até mesmo se considerar, a seu critério exclusivo, que a sua Conta viola os direitos de terceiros ou direitos protegidos pelos Termos e Condições. (…)”
5.4.3
“(…) A EMP01... pode adoptar essa acção sem aviso prévio feito a si ou a um terceiro. A eliminação ou desactivação do acesso à sua Conta de Utilizador será a critério exclusivo da EMP01... e não há qualquer obrigação de eliminar ou desactivar o acesso em relação a Estafetas específicos. (…)”
5.5.1
“(…) Você pode determinar e escolher o preço dos seus serviços através da Plataforma EMP01.... A EMP01..., para fins informativos, com base em informações de mercado, irá sugerir um preço de mercado que poderá ser alterado diariamente pelo Estafeta através do seu Perfil de Utilizador, sem que isso implique garantias de adjudicação do serviço. (…)”
5.7
“(…) O Estafeta terá uma Reputação associada ao seu perfil fácil de usar e consultar. Este sistema é automático e é actualizado periodicamente à medida que os diferentes Utilizadores realizam transacções na Plataforma EMP01... e está sujeito às regra aí contidas e sobre as quais os Utilizadores são informados no presente documento e/ou na APP e/ou através dos canais de comunicação apropriados, para que o conheçam exaustivamente e o considerem útil. O sistema baseia-se em dados objectivos, informação numérica e métricas fornecidas pelos Utilizadores da Plataforma e os clientes do Estafeta: Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais. A EMP01... não manipula ou intervém no processo de formação da Reputação, mas apenas consolida informação objectiva obtida dos Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais, beneficiários dos serviços do Estafeta. A EMP01... não verifica a veracidade ou precisão dos comentários feitos por outros Utilizadores e não é responsável pelo que é expresso no sítio Web ou por outros meios, nomeadamente e-mail. Todas as informações fornecidas pelos Utilizadores serão incluídas no sítio Web sob a exclusiva responsabilidade do seu autor. (…)”
9.2 Dados tratados
“(…) Os dados do Estafeta recolhidos através da Plataforma e das ferramentas tecnológicas que a EMP01... fornece ao Estafeta estarão, regra geral, limitados aos dados necessários para executar a relação entre as Partes e são necessários para a poder desenvolver correctamente (adiante designados por os «Dados»). Não obstante o que precede, é possível que no momento do registo ou da criação da Conta pelo Estafeta ou durante a relação, sejam pedidos dados adicionais, através de campos opcionais na ..., ou através de campanhas promocionais ou outras acções que a EMP01... possa realizar. Em consonância com o que precede, a EMP01... pode tratar as seguintes categorias de dados, sem prejuízo de outras que possam ser pedidas durante a relação: (…) Os dados relacionados com a geolocalização do Estafeta são necessários para a execução dos Termos e Condições, bem como para utilizar a Plataforma, a fim de permitir aos Consumidores e Estabelecimentos Comerciais saber o estado e localização do Estafeta durante a recolha ou entrega (…)“
9.3. Geolocalização
“(…) Ao utilizar a aplicação fornecida pela EMP01... para a execução da relação e, portanto, para exercer a actividade, a EMP01... pode receber os dados de geolocalização do Estafeta caso o mesmo tenha activado esta função directamente no seu telemóvel. A EMP01... usará os Dados obtidos para prestar os Serviços ao Estafeta e partilhá-los com o Utilizador Cliente e o Estabelecimento Comercial cujo pedido o Estafeta aceitou executar, para que o Utilizador Cliente e o Estabelecimento Comercial possam contactar o Estafeta no caso de algum incidente. É expressamente indicado que o Estafeta tem total liberdade de decisão em relação ao itinerário e/ou percursos escolhidos para a oferta e especificação dos seus serviços e em nenhum caso a EMP01... utilizará esses dados para fins de controlo. (…)”
9.4. Finalidade e base jurídica do tratamento
“(…) Os Dados serão tratados exclusivamente para cumprir a relação estabelecida e, nomeadamente: (…)  A geolocalização é uma informação importante e básica para a prestação do Serviço, porquanto serve apenas para informar o Estabelecimento Comercial ou o Utilizador Cliente da localização do Estafeta e, portanto, calcular o tempo de recolha ou entrega, mas que é também usada pela EMP01... para a oferta de pedidos. A proximidade do ponto de recolha é um dos critérios utilizados no momento da oferta do pedido, pelo que, se não estiver activada, a EMP01... não poderá garantir que são oferecidos pedidos, ou que são razoáveis em termos do tempo previsto de recolha ou entrega. Neste sentido, e sem prejuízo do sistema operativo do dispositivo do Estafeta que pede consentimento para o uso da geolocalização, a utilização desta informação é necessária para correcta execução dos Termos e Condições. Em todo o caso, o Estafeta pode desactivar a geolocalização quando não está a usar a Plataforma, embora a EMP01... não use esta informação fora do âmbito da oferta de pedidos ou fora das horas em que o Estafeta está a usar a Plataforma. De igual modo, é expressamente indicado que o Estafeta tem total liberdade de decisão em relação ao itinerário e/ou percursos escolhidos para a oferta e concretização dos seus serviços e em nenhum caso a EMP01... utilizará esses dados para fins de controlo do Estafeta. Neste sentido, a geolocalização é meramente temporária e não de modo algum exaustiva. A informação de geolocalização pode também ser usado para efeitos de facturação (…)”
9.5 Métricas e outras informações relacionadas com a execução do serviço
“(…) Em relação ao sistema de Reputação e às avaliações dos Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais sobre o serviço oferecido pelo Estafeta, o mesmo deverá ter em conta que: - Não são estabelecidos perfis ou realizadas avaliações de pessoas, mas sim sobre a execução do serviço. - O Consumidor e o Estabelecimento Comercial podem avaliar a qualidade do serviço prestado. – Todas as métricas obtidas pela EMP01... referem-se sempre, em qualquer caso e exclusivamente, ao serviço prestado. - Não são recolhidos dados relacionados com a vida privada, a personalidade ou os hábitos do Estafeta. De igual modo, no tocante à existência de decisões automatizadas com efeitos legais para o Estafeta, deve ter-se em conta que: - As decisões não são tomadas baseadas exclusivamente no tratamento automatizado dos dados pessoais do Estafeta, mas quando apropriado baseadas numa avaliação da execução do serviço.- Todos os parâmeros a ter em conta foram gerados manualmente pelos Clientes e Estabelecimentos Comerciais. - Todos os parâmetros e métricas usadas para tomar essas decisões referem-se sempre e exclusivamente ao serviço e à execução dos Termos e Condições, independentemente do Estafeta que os executa. - Não são estabelecidos perfis, conforme indicado no ponto anterior. - Em caso algum são tidos em conta características da personalidade ou a esfera não profissional da Parte. - Os resultados dependem de acções anteriores e voluntárias do Estafeta. - Os resultados podem ser corrigidos caso tenha havido um erro e/ou discrepância entre o Estafeta e a EMP01.... - O Estafeta não é impedido de exercer um direito. - O Estafeta não é impedido de aceder a um bem ou serviço. - O Estafeta não é impedido de ser parte num contrato. Com base no que precede, e em conformidade com as disposições do RGPD, não são estabelecidos perfis sobre os Estafetas ou tomadas decisões automatizadas com efeitos legais para o Estafeta com base nos seus dados ou características pessoais, mas apenas são tidas em conta uma avaliação do serviço e características objectivas sobre a capacidade de prestar o serviço pelo Estafeta (…)”
9. O documento com a epígrafe “Termos e Condições de Utilização da Plataforma EMP01... para Estafetas” apresentou/apresenta as versões datadas de 22/04/2022, 22/06/2022, 10/08/2022, 22/11/2022, 24/03/2023, 28/12/2023 e 23/02/2024, constantes da ref. n.º ...36 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
10.Para ter acesso às propostas de entregas, através da App, AA teve de fazer um registo, fornecendo o seu endereço de correio electrónico e criando uma conta.
11. Através da App, AA recebe toda a informação relacionada com a oferta de serviços de entrega, remuneração a receber pela prestação de serviço, destinatário do produto e local de entrega.
12. Mediante a App AA consegue ver o histórico das entregas que fez por dia, semana e no mês, e quanto irá receber pelos serviços prestados.
13. Um estafeta pode recusar, ignorar ou aceitar uma oferta de entrega sugerida pela App.
14. Para ter acesso às ofertas de entregas disponibilizadas pela ré AA necessita ter a App instalada no seu smartphone.
15. Para um estafeta poder receber uma proposta de entrega necessita de ter a geolocalização activa, de forma a poder ser seleccionado de acordo com a proximidade ao local de recolha.
16. Após o pedido de entrega ser aceite, e até os produtos serem disponibilizados aos clientes, a geolocalização pode ser desactivada pelo estafeta.
17. Se a geolocalização permanecer activada, a App permite o acompanhamento do trajecto desenvolvido pelos estafetas entre a recolha e entrega, quer pela ré, quer pelo cliente, quer pelos estabelecimentos comerciais que fornecem os produtos a serem entregues.
18. AA desempenha as funções de estafeta na recolha e entrega de produtos na zona urbana de ....
19. AA pode decidir o local onde presta a sua actividade, desde que se trate de uma zona coberta pela App, sendo livre de alterar a sua zona de actividade.
20. AA é que decide se trabalha num dia em concreto, ou se fica inactiva por alguns períodos e desenvolve a sua actividade em horários que o próprio define, bastando para o efeito colocar-se online na App nos períodos respectivos, sem que esteja sujeita a horários pré-estabelecidos ou a turnos, nem a indicação prévia dos seus horários.
21. A título de contrapartida pela realização dos serviços de entrega o estafeta aufere uma prestação que varia em cada entrega, a qual corresponde ao produto da taxa de entrega por um coeficiente, denominado multiplicador, de acordo com a fórmula taxa de entrega * multiplicador.
22. O montante da taxa de entrega para cada serviço resulta da consideração de valores de referência pré-estabelecidos na App, relevando factores como a distância entre o local de recolha dos produtos e o local onde estes deverão ser entregues, o período em que decorre o serviço de entrega e as eventuais condições atmosféricas adversas que se fazem sentir.
23. Uma vez por dia AA pode definir o valor do multiplicador, o qual poderia oscilar entre 0,9 e 1,1, mas actualmente somente permite escolher entre 1,0 e 1,1.
24. O valor a receber pelo estafeta por serviço não depende do tempo de demora na sua realização, do tempo de ligação à App ou da decisão anterior de aceitar ou recusar entregas.
25. A ré gere a App, a qual permite a ligação entre comerciantes (os que fornecem bens e serviços) e clientes (os que adquirem esses bens e serviços), através de serviços de entregas das mercadorias, assegurados por estafetas, sendo tais serviços de entrega geridos e organizados pela App, designadamente quanto à indicação de locais de recolha e entrega dos produtos, recebendo em contrapartida os estafetas um valor por cada entrega.
26. AA mantém actividade aberta como empresária em nome individual junto da A.T. e emite facturas/recibos pelos serviços de entrega que realizou, que lhe são pagos pela ré.
27. AA pode realizar entregas disponibilizadas por plataformas geridas por outras entidades que não a ré, ou efectuar entregas directamente por sua conta, sem que necessite de disso dar conta à ré.
28. Os contactos telefónicos entre estafeta e clientes que se justificam pelos serviços de entrega, nomeadamente, se não se consegue localizar o endereço de entrega, são assegurados através da plataforma gerida pela ré.
29. Os estafetas são livres de escolherem as suas rotas para realizarem as entregas.
30. O estafeta pode escolher o sistema de navegação que pretende utilizar no serviço de entrega, ou não utilizá-lo, se não necessitar dessa ajuda.
31. Não existem penalizações pelo modo como os estafetas realizam as suas entregas.
32. Os estafetas é que escolhem a roupa com que se apresentam nas entregas.
33. A imposição de utilização de mochila para serem efectuadas entregas de produtos alimentares (a qual não é necessário dispor do logotipo da ré) deve-se à necessidade de serem adoptadas boas práticas de higiene e segurança alimentar, para além de permitirem que o estafeta passa transportar os produtos no veículo utilizado, que poderá ser uma bicicleta ou uma mota.
34. Os estafetas podem substituir-se por outra pessoa na realização de entregas, sem que careçam de autorização da ré.
35. Para realizar as suas entregas AA utiliza o seu veículo, o seu telemóvel e uma mochila que adquiriu.
36. A ré não efectua avaliação da qualidade da actividade dos estafetas, apenas dispondo de uma avaliação de satisfação pelos clientes que não interfere no valor da remuneração devida aos estafetas pelas entregas.
37. AA outorgou o documento com a epígrafe “Contrato para a Realização de Actividade Profissional como Profissional Liberal”, disponibilizado pela ré, constante da ref. n.º ...36 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

FACTOS NÃO PROVADOS:

1. A área de actuação de AA é determinada pela plataforma digital.
2. O valor da taxa de entrega depende do número de entregas realizadas, do tempo despendido na entrega, da avaliação do cliente e do número total de pedidos concretizados.
3. As ofertas de serviços de entrega que AA recebe na App já vêm com uma retribuição estabelecida, e esse valor não pode ser negociado antes de o estafeta poder aceitar ou recusar através da App.
4. AA só sabe quanto vai receber por cada pedido que lhe seja direccionado pela ré depois de o aceitar.
5. O multiplicador não permite ao estafeta aumentar qualquer rendimento uma vez que, se escolher o valor mais alto do multiplicador, poderá não receber pedidos ou receber em menos quantidade, por os pedidos serem distribuídos por escolha algorítmica a quem tem um multiplicador menor.
6. O número de propostas de entregas por dia a um estafeta depende da ré.
7. A única forma através da qual o estafeta pode aumentar os seus rendimentos consiste em trabalhar mais horas.
8. O trabalho desenvolvido pelo estafeta é permanentemente acompanhado por GPS com recurso ao sistema de geolocalização, utilizando para o efeito o telemóvel da estafeta.
9. AA tem na actividade associada à App a sua única fonte de rendimento.

IV – Fundamentação de Direito

Da qualificação do contrato

Cumpre agora proceder à análise da questão de direito que respeita à qualificação jurídica da relação contratual estabelecida entre a EMP01... e a AA, com início pelo menos desde 1.05.2023 (tal como agora pretende o Ministério Publico), designadamente apurar se a relação contratual é de trabalho subordinado, como defende o Recorrente, por força da verificação da presunção de laboralidade que consta do n.º 1 als. a), b) e) e f) do art.º 12.º-A do CT.
A sentença recorrida negou a existência de uma qualquer relação de trabalho subordinado, quer por considerar de inexistentes os indicadores capazes de fazer funcionar a presunção de laboralidade prevista no art.º 12.º do Código do Trabalho, quer porque também não se verificam os indícios geralmente utilizados para se apurar da existência de subordinação jurídica como caraterística que define o contrato de trabalho. Em tal decisão foi considerou-se que os instrumentos de trabalho não pertenciam à Ré, que a AA não tinha horário de trabalho, poderia recusar trabalho, não estava sujeita ao dever de não concorrência, teria a possibilidade de se fazer substituir e a Ré não deteria o poder de direção e de conformação da atividade e não a supervisionaria.
Consigna-se que para apreciação do pleito iremos convocar apenas as normas do Código Civil e do Código do Trabalho de revisto aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (doravante CT), sem as alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2023, de 13.04, uma vez que a relação contratual estabelecida entre as partes remonta a data não apurada do ano de 2020 (data do registo na plataforma EMP01...).
Estabelece o art.º 35.º da referida Lei n.º 35/2023, de 3.04, indo ao encontro do prescrito no art.º 7.º n.º 1 da Lei n.º 7/2009, de 12.02, que aprovou o atual Código do Trabalho, a propósito da aplicação da lei no tempo que “Ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, com a redação dada pela presente lei, os contratos de trabalho celebrados antes da entrada em vigor desta lei[3], salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações anteriores àquele momento.”  
Ora, remontando a relação contratual ao ano de 2020, em concordância com o entendido pelo Tribunal a quo no caso não é de aplicar a nova presunção de laboralidade no âmbito das plataformas digitais – art.º 12.º -A aditado pela mencionada Lei n.º 13/2023, de 13.04, que entrou em vigor em 1.05.2023, pois como temos vindo a entender, sufragando a posição jurisprudencial maioritária esta presunção judicial, tais como outras da mesma natureza, só se aplicariam para o futuro, por se tratar de um meio facilitador da prova que, por regra, se deve reportar ao momento da constituição da relação[4]. Com a ressalva de que tal sucederá, desde que não se extraia da matéria de facto provada que as partes alteraram, a partir do seu início, os termos da relação que então estabeleceram.
Por fim, ainda a este respeito, importa referir que as regras de aplicação da lei no tempo não se alteram pelo facto, do Ministério Público, ter vindo reduzir o pedido, pretendendo agora que o início do vínculo se fixe em 1.05.2023, em vez de 2.12.2021, pois voltamos a repetir, o que releva para a apreciação do pleito é a data real em que se iniciou a relação contratual entre as partes, sem que tal contenda com o pedido agora formulado.
Em suma, tendo presente que a relação contratual estabelecida entre a Ré e a AA se iniciou em data não concretamente apurada do ano de 2020, (data de inscrição na plataforma da ré) sem que da factualidade provada resulte qualquer modificação da relação estabelecida entre as partes após essa data, é de concluir que a “nova” presunção de laboralidade prescrita no artigo 12.º-A, n.º 1, do C.T., não é aplicável ao caso dos autos.
Contudo não podemos esquecer que a relação contratual que está em causa é de trabalho prestado com recurso a plataformas digitais, já que a Ré gere uma plataforma digital, estando por isso ciente da enormes vantagens e oportunidades que esta nova forma de trabalhar trás aos trabalhadores, que podem trabalham a partir de qualquer lugar, sem horário fixo (seja a título principal seja como complemento de uma outra atividade principal), quer de todas as dificuldades na definição relativamente ao vínculo contratual que liga o prestador de serviços à plataforma digital, ou seja dificuldade na destrinça entre os verdadeiros trabalhadores autónomos, donos do seu próprio negócio que executam com grande liberdade, daqueles outros que sobre uma aparência de autonomia, exercem a sua atividade em situação de verdadeira dependência/subordinação jurídica. Esta nova forma de trabalho caracteriza-se sobretudo pela sua flexibilidade, fragilidade e instabilidade.
Como refere Mariana Magalhães e Maria Malta Fernandes “A protecção dos trabalhadores das Plataformas Digitais”[5] “Em 2021 o número total estimado de trabalhadores da União Europeia, a prestar a sua atividade laboral através de plataformas digitais, era de 28,3 milhões de pessoas, esperando- se que, até 2025, esse número atinja os 43 milhões de trabalhadores.”
Importa agora qualificar a relação contratual estabelecida entre a estafeta AA e a EMP01..., que é detentora e gere a plataforma digital para a qual aquela presta o seu serviço de recolha e entrega de mercadoria.
Estabelece o artigo 11.º do CT, indo de encontro ao disposto no artigo 1152.º do Código Civil, que o contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.
Por seu turno prescreve o artigo 1154.º do Código Civil, que contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
Destes conceitos resulta que o contrato de trabalho tem por objecto a prestação de uma actividade e o contrato de prestação de serviço a obtenção de um certo resultado proveniente do trabalho prestado por outrem, sendo certo que apenas o primeiro é necessariamente oneroso.
Quer a doutrina[6], quer a jurisprudência[7] têm vindo ao longo dos anos a salientar, que o que verdadeiramente distingue o contrato de trabalho do contrato de prestação de serviços é a chamada subordinação jurídica de uma das partes em relação à outra, subordinação essa que só no contrato de trabalho existe. Tenha-se presente que a subordinação jurídica atualmente não está apenas associada à sujeição de ordens e instruções, pois as atuais formas de organização laboral que proporcionam grande autonomia técnica dos trabalhadores, levam a que a subordinação jurídica signifique que o prestador esteja inserido num ciclo de trabalho produtivo alheio, estando vinculado à observação dos parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário da actividade.
Como é sabido, o contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma atividade e tem como elemento, que o distingue dos demais, a subordinação jurídica, que se traduz não só no poder que o empregador tem de através de ordens, instruções e directivas, conformar a prestação a que o trabalhador se obrigou, mas também que o prestador do trabalho esteja integrado na estrutura organizativa do beneficiário da actividade.
Por seu turno, o contrato de prestação de serviço visa, apenas, a obtenção de um determinado resultado que a parte sujeita a tal obrigação obterá por si, em regime de autonomia, não sendo este trabalho dominado e organizado pelo beneficiário da actividade (que apenas controla o produto final), mas sim por quem o fornece. Em suma não está sujeita ao poder de direcção e de fiscalização da outra parte.
Nem sempre é fácil distinguir estas duas figuras contratuais, atenta a dificuldade em perceber o que ficou estabelecido e o que era pretendido – se a actividade em si ou se o seu resultado, razão pela qual a subordinação jurídica é, pois, o elemento fundamental e diferenciador do contrato de trabalho e traduz-se numa posição de supremacia do credor da prestação de trabalho (o empregador) e na correspondente sujeição do prestador da actividade (o trabalhador), cuja conduta pessoal, na execução do contrato, está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.
Podemos assim concluir que o contrato de trabalho se caracteriza essencialmente pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade empregadora e que resulta da circunstância do trabalhador se encontrar inserido na organização produtiva do empregador e submetido à autoridade e direcção deste, enquanto na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da atividade.
Importa salientar que em termos de repartição do ónus da prova, cabe ao trabalhador fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, isto é, demonstrar que presta uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Reconhecendo a dificuldade na identificação em concreto dos dois tipos de contrato, o legislador optou por consagrar no art.º 12.º do Código do Trabalho a presunção de laboralidade, vindo assim a inverter o ónus da prova da existência do contrato de trabalho nos termos do art.º 350.º do Código Civil, dai decorrendo que na presença de alguns dos indícios enunciados no citado art.º 12.º do CT, fica-se dispensado de demonstrar, nos termos gerais do artigo 342.º do Código Civil, que a actividade desenvolvida para o empregador mediante o pagamento de uma importância monetária é prestada numa posição de subordinação (no caso, estando o Ministério Público colocado na posição do trabalhador, beneficia da presunção de laboralidade se ficar demonstrada a respetiva factualidade). Naturalmente esta qualificação pode ser afastada se o empregador lograr provar a autonomia do trabalhador ou a falta de qualquer outro elemento essencial do contrato de trabalho.
Contudo, os novos desafios na área laboral, designadamente o crescer das novas formas de trabalho, na área digital, como seja o trabalho nas plataformas digitais, veio a revelar que a presunção consagrada no artigo 12.º do CT não dava resposta satisfatória, para enfrentar os novos tipos de dependência resultantes da prestação de serviços via plataformas digitais.
Como se refere no “Livro Verde Sobre o Futuro do Trabalho 2021”, a propósito do trabalho nas plataformas digitais «a circunstância de o prestador de serviço utilizar instrumentos de trabalho próprios, bem como o facto de estar dispensado de cumprir deveres de assiduidade, pontualidade e não concorrência, não é incompatível com a existência de uma relação de trabalho dependente entre o prestador e a plataforma digital».
Como salienta Teresa Coelho Moreira e Marco Carvalho Gonçalves[8]  “atualmente há uma app para tudo ou quase tudo, desde atividades mais simples, como entrega de alimentação, até atividades mais complexas, como prestação de serviços jurídicos, surgindo todos os dias novas plataformas digitais. Na verdade, em teoria, qualquer atividade pode ser plataformizada”.
O trabalho prestado com recurso a plataformas digitais, designadamente o que nos proporciona uma alternativa de transporte ao táxi, seja o que nos permite encomendar o almoço ou o jantar através de uma app, tem colocado diversas questões jurídicas a quais cabe destacar a qualificação da relação que se estabelece entre a empresa que opera na plataforma digital e os respetivos prestadores de serviços, designadamente os que se dedicam à recolha e entrega de mercadoria, conhecidos por “estafetas”.
De tudo isto podemos desde já afirmar que em concordância com a análise realizada pelo juiz a quo quanto à não verificação da presunção de laboralidade prevista no art.º 12.º do CT, (para qual se remete), é de concluir que não se tendo provado nenhuma das circunstâncias prescritas nas diversas alíneas do artigo 12.º do CT, não se pode presumir que a AA celebrou com a Ré um contrato de trabalho.
Ora, perante a dificuldade na qualificação da referida relação contratual e a inadequação da presunção de laboralidade, nos moldes estabelecidos pelo CT, como já deixamos expresso, para enfrentar os problemas emergentes das novas realidades na forma de prestar e organizar o trabalho através das plataformas digitais, impõe-se recorrer ao método indiciário que tem sido utilizado para distinguir as relações contratuais em causa, tendo presente, como tem sido defendido por inúmera doutrina que neste tipo de trabalho a ausência de certos indícios tradicionais da subordinação jurídica e a presença de outros que aparentemente se afastam da subordinação jurídica, não são incompatíveis com a existência do contrato de trabalho.
Importa realçar que atualmente a génese da subordinação jurídica consiste no facto do trabalhador prestar a sua atividade estando inserido num ciclo produtivo de trabalho alheio e em proveito de outrem, estando adstrito a observar os parâmetros de organização e funcionamento definidos pelo beneficiário.[9] - António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 19º ed., p. 148.
Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho[10] “há subordinação jurídica quando o trabalhador está sujeito à autoridade do credor do trabalho. Manifestada em dois poderes laborais essencais (o poder de direcção e o poder disciplinar) inserindo-se na organização do credor/empregador.”
Atenta a dificuldade em determinar a subordinação jurídica importa recorrer ao método indiciário de qualificação do contrato devendo concluir-se pela existência de um contrato de trabalho quando se verifiquem um conjunto de circunstâncias ou caraterísticas que sopesados nos permitam concluir pela subordinação de quem presta o serviço perante o beneficiário da prestação.
De retorno ao “método indiciário” como forma de facilitar a tarefa de qualificação do contrato em questão, importa referir que entre os indícios a considerar se encontram os seguintes: o local de trabalho determinado pelo empregador; a observância de horário de trabalho; instrumentos e/ou equipamentos de trabalho fornecidos  pelo empregador; a exclusividade do trabalhador e o dever de não concorrência; a pessoalidade no relacionamento, que impede o trabalhador de se substituir por um terceiro; a retribuição certa e regular; a emissão de ordens e instruções; inserção da estrutura organizativa decorrente da observância de instruções na prestação da atividade e regras de conduta; a aplicação de sanções ao trabalhador. Acrescem ainda alguns outros indícios secundários tais como a dependência económica, o gozo de férias, o pagamento de subsídios de férias e de natal, o regime fiscal e de segurança social que o prestador da atividade observa.
Acresce dizer que o peso e a relevância destas circunstâncias/indícios devem ser sopesadas consoante a atividade e a situação em concreto, pois alguns destes indícios podem ser decisivos para determinada atividade e os mesmos poderão ser irrelevantes para outras atividades, tudo dependerá da situação em concreto.
Como já acima referimos, no que respeita às novas formas de trabalho através das plataformas digitais alguns dos índices clássicos da subordinação jurídica tais como a propriedade dos equipamentos de trabalho, a existência de um horário de trabalho, o local de trabalho determinado pelo beneficiário e o pagamento da retribuição certa, são indícios pouco operacionais para enfrentar o problema da qualificação da relação contratual que se estabelece entre o estafeta e a plataforma, que não devem por isso ser valorizados porque manifestamente não se adequam a este tipo de atividade.
Mas se a falta da verificação destes índicos for compensada por outros indícios reveladores da subordinação do trabalhador perante quem explora e gere a plataforma, (tais como estar sujeito a ordens ou instruções, designadamente a regras relativas à prestação, se a respetiva prestação for controlada em termos de qualidade pela plataforma ou se o trabalhador poder vir a ser penalizado) o contrato pode e deve ser reconhecido como de trabalho. Se o trabalhador gerir o seu serviço como bem entender não tiver sujeito a deveres organizacionais ou se desenvolver a sua atividade para mais do que uma plataforma de acordo com o por si definido, o contrato que terá com quem explora a plataforma deve corresponder a um contrato de prestação se serviços.
Passamos agora a analisar o caso em apreço tendo em vista o preenchimento dos indícios e sopesando os mesmos, atendendo à especificidade da situação e sem esquecer o facto do legislador ter tido a necessidade criar uma presunção de laboralidade, adaptada às novas formas de prestar trabalho via apps enumerando distintas circunstâncias as quais não podem ser ignoradas.
Vejamos:
Quanto ao indício de subordinação referente ao poder de direção apraz dizer que resulta do ponto 8 dos pontos de facto provados, que é a Ré através da plataforma informática que gere e organiza toda a atividade de transporte de recolha e entrega de mercadorias.
O negócio é seu, os clientes são seus, a aplicação informática que é o cerne do seu negócio é por si gerida e os estafetas, neles se incluindo a AA são elemento essencial do seu negócio, pois não sendo o seu negócio todo online, é necessário a contratação de indivíduos que transportem as mercadorias de e para os clientes da Ré (estafetas) sempre que tal se revele necessário (trabalho realizado à chamada).
Com efeito, da factualidade provada, designadamente dos pontos 6, 7, 8, 10, 11, 15, 25, resulta que o serviço de entregas gerido pela recorrida impõe a observação de algumas regras designadamente o dever dos estafetas se inscreverem na App, a necessidade de ligação à App para poderem receber propostas de entregas e aceitá-las, recurso à geolocalização para poder ser aceite determinada proposta de entrega, sendo também obrigatório possuir mochila isotérmica para o transporte de refeições. Daqui resulta manifesto que existe um procedimento prévio padronizado que está definido para todos os interessados em exercer a atividade em causa e que estes têm de observar, para o acesso/inscrição na plataforma por parte dos estafetas. Trata-se de regras específicas para poder exercer a atividade.
Contudo, da referida factualidade também resultou apurado que após a observação do procedimento prévio o estafeta tem ainda que observar outros procedimentos referentes ao exercício concreto da sua atividade.
Assim, o estafeta quando aceita o serviço de um cliente tem que cumprir o procedimento instituído pela recorrida, o que significa que tem que se dirigir à morada do estabelecimento, onde recolhe o produto e depois tem de se dirigir à morada do utilizador cliente onde efetua a entrega. Ao estafeta são fornecidos os dados relevantes para fazer a recolha e a entrega do produto, tais nome e morada do estabelecimento e do utilizador como a distância estimada os dados do pagamento, lista dos artigos do pedido e valor do mesmo. Estão também definidos pela recorrida, designadamente nos “Termos e Condições de Utilização da Plataforma EMP01... para Estafetas” os procedimentos referentes à recusa de entregas, bem como as regras a observar quanto ao pagamento do preço. Ou seja, voltamos a repetir que a Recorrida organiza e gere através da App, os serviços de entregas de mercadorias, assegurados por estafetas, designadamente quanto à indicação de locais de recolha e entrega dos produtos, recebendo em contrapartida os estafetas um valor por cada entrega, valor este que é determinado por critérios ditados pela Recorrida.
Daqui resulta inequívoco que a recorrida é quem define e regula o próprio exercício da atividade dos estafetas, através de procedimento padronizado, ou seja, regula no essencial todo o seu ciclo produtivo nele se incluindo as tarefas e a conduta que o estafeta tem de observar perante o utilizador/cliente, bem como a própria prestação da atividade em si, o que significa que é a ré quem exerce o poder de direção ao ditar regras especificas quanto à conduta do estafeta perante o utilizador do serviço e quanto à prestação da atividade.
Em resumo, todo o circuito produtivo da Ré está por si padronizado, sendo ela quem determina todo o esquema produtivo. Assim, é a Ré quem determina a inscrição na app quer pelos comerciantes, quer pelos clientes, quer pelos estafetas, oferta de produtos e procura de bens na app, também é de sua iniciativa, distribuição dos pedidos de recolha e entrega ao estafetas e fixação de taxas de entrega é feita pela app. Relativamente ao processamento de pagamentos também é a Ré quem dita as regras. E por fim, quanto à geolocalização apesar de resultar da factualidade provada que o estafeta é livre de escolher as suas rotas para realizar as entregas e pode escolher o sistema de navegação que pretende utilizar no serviço de entrega, por outro lado também se provou que os contactos telefónicos entre estafeta e clientes que se justificam pelos serviços de entrega, são assegurados através da plataforma gerida pela ré resultando ainda dos Termos das Condições de Contratação que este Estafeta  “(…) Ao utilizar a aplicação fornecida pela EMP01... para a execução da relação e, portanto, para exercer a actividade, a EMP01... pode receber os dados de geolocalização do Estafeta caso o mesmo tenha activado esta função directamente no seu telemóvel. A EMP01... usará os Dados obtidos para prestar os Serviços ao Estafeta e partilhá-los com o Utilizador Cliente e o Estabelecimento Comercial cujo pedido o Estafeta aceitou executar, para que o Utilizador Cliente e o Estabelecimento Comercial possam contactar o Estafeta no caso de algum incidente.
A Ré EMP01... não pode assim deixar de ser considerada uma empresa que explora o negócio de transporte e entrega de mercadorias através de uma plataforma digital, sendo por ela ditado todo o esquema produtivo ao pormenor, nele se incluindo as condições essenciais em que o serviço é prestado, o que consubstancia o poder de direção na modalidade de conformação da prestação da atividade, já que as regras relativas à prestação são ditadas e controladas, pelo menos em termos de qualidade pela plataforma.
Na verdade, perante o desenvolvimento tecnológico, as novas formas de trabalho todas relacionadas com o mundo digital, a subordinação jurídica como facto caraterizador do trabalho dependente tem de ser encarada de uma outra forma.
Como se refere a este propósito no recente Acórdão deste Tribunal de 03.10.2024, Proc. n.º 2838/23.1T8VRL.G1, no qual participei como 1.º Adjunta “Se é verdade que a subordinação é o traço característico do trabalho dependente, que é prestado sob a autoridade do empregador, que tem o poder de emitir directivas, de controlar a actividade e de sancionar o incumprimento da prestação, não é menos verdade que a subordinação tem “novas faces” em decorrência do desenvolvimento tecnológica e novas formas de organização do trabalho. Importará abandonar a estrita fidelidade à visão tradicional de subordinação e enveredar por um caminho mais flexível e adaptado a novos tempos - veja-se a nota algo crítica deixada por António Monteiro Fernandes e Luísa Teixeira Alves, “Trabalho suportado em plataformas digitais, um ensaio de jurisprudência comparada”, Questões Laborais nº 58, 2021, pág. 44
Em consonância, o trabalho que seja prestado dentro de um serviço organizado alheio pode ser indício de subordinação quando as condições essenciais de execução da actividade são determinas unilateralmente pelo seu beneficiário, mormente quando cria e organiza o sistema de processamento do serviço (como é o caso), quando o prestador não tem clientela própria, nem fixa livremente os preços e condições, quando a empresa tem a possibilidade de desligar o prestador da sua aplicação em determinadas situações ou de lhe tirar o acesso à conta em caso de incumprimentos variados, tudo formas diferentes de uma autoridade invisível - veja-se António Monteiro Fernandes, “Emprego na Era digital: um novo conceito de trabalhador?”, Estudos APODICT 9, pag. 243, 244, 245.”
É nossa convicção que este circunstancialismo se verifica no caso, uma vez que a AA presta a sua atividade dentro de um serviço organizado e alheio sendo certo que as condições essenciais de execução da sua atividade são determinas unilateralmente pela Ré/Recorrida que é quem gere e padroniza o serviço prestado.
Importa agora analisar os indícios de subordinação respeitantes ao poder sancionatório, à luz das novas formas de trabalho no âmbito das plataformas digitais
Resulta dos “Termos e Condições de Utilização da Plataforma EMP01... para Estafetas” que “(…) uma Conta Estafeta pode ser temporária ou permanentemente desactivada se: a. Em conformidade com o Código de Ética que rege todos os Utilizadores da Plataforma, utilizar a Plataforma para insultar, ofender, ameaçar e/ou agredir Terceiros, nomeadamente, Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais, outros Estafetas e pessoal da EMP01.... b. Violar a lei ou quaisquer outras disposições dos Termos e Condições Gerais ou outras políticas da EMP01.... c. Participar em actos ou conduta violentos. d. Violar os seus direitos na aplicação da EMP01..., causando danos materiais e/ou imateriais a outro Utilizador da plataforma (Estafetas, Utilizadores Cliente e/ou Estabelecimentos Comerciais). e. Na prevenção de acções fraudulentas, se a identidade do Utilizador da Plataforma e/ou dos seus substitutos ou subcontratantes não puder ser verificada e/ou qualquer informação prestada por si e/ou os seus substitutos ou subcontratantes estiver incorrecta. f. A fim de prevenir a segurança de todos os Utilizadores da Plataforma em caso de violação da Política de Mercadorias (…)”,
Daqui podemos concluir que a Ré pode exercer o seu poder de tutela de forma extremamente ampla, pois em caso de eventual incumprimento das suas determinações por parte do estafeta, pode suspender ou vedar o acesso à App, sendo sabido que para este aceder às propostas de entrega tem necessariamente de consultar da App, o que acaba por se traduzir numa espécie de sanção disciplinar equivalente à suspensão do trabalho com perda de retribuição ou mesmo ao despedimento, sem instauração de procedimento disciplinar.
Este poder de tutela de que a Ré dispõe afigura-se-nos de totalmente incompatível com a relação de trabalho autónomo quer pela amplitude das razões que levam a aplicação das “sanções”, quer pela gravidade das consequências do eventual incumprimento, que pode dar lugar à cessação da atividade de imediato.
Em suma a Ré é detentora do poder sancionatório.
Quanto ao indício de subordinação referente à retribuição é sobejamente sabido que os estafetas não recebem quantia certa e periódica, mas tal não se nos afigura decisivo para afastar este indicio de subordinação, pois à luz das novas formas de trabalho o que deve relevar é saber quem determina os critérios da retribuição, o que significa apurar se tais critérios são negociados pelas partes em pé de igualdade (o que é típico do trabalho autónomo) ou se são determinados pelo beneficiário da atividade (típico do trabalho dependente).
Da factualidade provada resulta, designadamente dos pontos 21 a 24 dos pontos de facto provados, que como contrapartida pela realização dos serviços de entrega o estafeta aufere uma prestação que varia em cada entrega, a qual corresponde ao produto da taxa de entrega por um coeficiente, denominado multiplicador, de acordo com a fórmula taxa de entrega * multiplicador. O montante da taxa de entrega para cada serviço resulta da consideração de valores de referência pré-estabelecidos na App, relevando fatores como a distância entre o local de recolha dos produtos e o local onde estes deverão ser entregues, o período em que decorre o serviço de entrega e as eventuais condições atmosféricas adversas que se fazem sentir. Uma vez por dia AA pode definir o valor do multiplicador, o qual poderia oscilar entre 0,9 e 1,1, mas atualmente somente permite escolher entre 1,0 e 1,1. O valor a receber pelo estafeta por serviço não depende do tempo de demora na sua realização, do tempo de ligação à App ou da decisão anterior de aceitar ou recusar entregas.
Desta factualidade resulta inequívoco que o valor auferido pelo estafeta é um valor determinado unilateralmente pela plataforma EMP01..., que estabelece um limite mínimo e máximo por cada serviço prestado, sendo certo que montante da taxa de entrega para cada serviço resulta de valores de referência pré-estabelecidos na plataforma.
Na verdade, é apresentado ao estafeta o preço do serviço quando este lhe é oferecido, calculado de acordo com um valor base, compensação pela distância e pelo tempo de espera, podendo sobre o preço incidir promoções da aplicação. Ou seja, o valor auferido pelo estafeta depende da taxa de entrega a qual é determinada pela Ré, sem que previamente tenha ocorrido qualquer negociação com o estafeta. É certo que o estafeta pode alterar o multiplicador por forma a modificar o limite mínimo do valor de cada serviço, mas tal revela-se de irrelevante, pois tal circunstância é excecional, só se poderá verificar uma vez por dia e os limites do aumento do valor mínimo são tão insignificantes que não afastam a regra que vigora, que é a de ser a plataforma quem determina a retribuição do trabalho, tal como resulta dos “Termos e Condições de Utilização da Plataforma EMP01... para Estafetas”, que o estafeta está obrigado a aceitar sem qualquer margem de manobra para negociar.
Importa salientar e até repetir que ao depararmos com as novas formas de organização do trabalho o critério de determinação da retribuição tem de ser alterado, importando agora distinguir quem os dita: o beneficiário da atividade ou se são negociados entre as partes, em pé de igualdade, como é típico do trabalho autónomo.
Acresce dizer que não podemos concordar, nem concluir, que o valor da contrapartida devida ao estafeta por cada entrega seja determinado pela intervenção de três agentes - a ré, o estafeta e o cliente - , pois apesar de no seu cálculo pesar o concreto serviço pedido pelo cliente, bem como o multiplicador escolhido pelo estafeta, o certo é que é a Ré, quem assume o papel determinante na fixação do valor da contrapartida, já que é quem estipula os valores de referência que constam da plataforma e que determina o preço a cobrar por cada serviço, que se reflete no valor que vem a ser liquidado ao estafeta.
Por último, diremos que o facto do estafeta, não estar obrigado a aceitar todas as propostas apresentadas pela App, ou seja, tem à sua disposição a faculdade de recusar qualquer proposta de entrega, designadamente por não concordar com a contrapartida, revela-se de insuficiente para afastar o facto de ser a plataforma quem determina a retribuição do estafeta. Ao invés, reforça até a convicção de que efetivamente há uma fixação unilateral da contrapartida pela prestação do serviço do estafeta determinada pela plataforma, pois este pode, caso assim, o entenda aceitar ou não prestar o serviço, mas daqui não resulta qualquer possibilidade de negociação do seu preço.
Está assim verificado em matéria de subordinação o indicio referente à retribuição, uma vez que a factualidade provada nos permite concluir que os critérios essenciais referentes à determinação da retribuição são preponderantemente ditados pelo beneficiário da atividade ou seja pela Ré/Recorrida, sendo a participação do estafeta meramente residual ou até aparente (escolha do multiplicador uma vez por dia, se o fizer deixará de receber as propostas de entrega da ré de valor inferior, sendo a “negociação” desigual pois o número de estafetas que ré dispõe permite-lhe encontrar no imediato alguém que aceite trabalhar por menos). Voltamos a afirmar que não é próprio do trabalho autónomo que a retribuição seja pouco ou nada negociada, sendo essencialmente estabelecida pelo beneficiário da prestação
Quanto ao indício de subordinação referente aos equipamentos de trabalho apraz dizer que da factualidade provada designadamente do ponto 35 dos pontos de facto provados, apurou-se que para realizar as suas entregas a AA utiliza o seu veículo, o seu telemóvel, que lhe permite aceder à app administrada pela Recorrida para aceitar as propostas de entrega e uma mochila térmica que adquiriu para transporte dos produtos disponibilizados pelos estabelecimentos comerciais. 
Todos estes bens são indispensáveis para a realização da atividade levada a cabo pela estafeta, por isso são por ele usados na prestação da atividade e não são pertença da Recorrida, aliás como também resulta dos “Termos e Condições de Utilização da Plataforma EMP01... para Estafetas“
É certo que no exercício da sua atividade a recorrida é detentora, gere e desenvolve a aplicação informática, sendo o software utilizado indispensável para o exercício da atividade profissional do estafeta, designadamente quando descarregada no seu telemóvel, permitindo a mediação algorítmica na gestão do trabalho do estafeta (receção do pedido, fornecedor, localização de estafeta, oferta e faturação) que deve ser considerada, sob este prisma e à luz destas novas formas de trabalho, como instrumento de trabalho.
Contudo, conforme é referido no acórdão deste Tribunal proferido no Proc. n.º 2843/23.8T8VRL.G1 a plataforma propriamente dita (entendido como sistema online que possibilita interações, transações e partilha de informações entre usuários, -  software e recursos algorítmicos utilizados pela ré para a gestão do trabalho), não constitui instrumento de trabalho, mas antes parte de uma “estrutura organizada”, da qual recebe a “ordem” para efetuar determinado serviço – no caso uma entrega -. Numa situação clássica, equivaleria, por exemplo, a toda a estrutura empresarial que, através de determinado departamento e/ou superior hierárquico transmite uma ordem a um trabalhador para fazer entrega de produto adquirido por um seu cliente.
A forma como se dá a interação entre a aplicação descarregada e a plataforma, revelando toda a gestão do trabalho que resulta das operações algorítmicas, releva ainda na medida em que revela a “inserção” do estafeta na “organização produtiva” que a ré detém, em que aquela plataforma – considerando designadamente os softwares, bases de dados, e os conjuntos de algoritmos - constitui relevante elemento. De notar que o artigo 12-A do CT, refere a “plataforma digital “como parte na relação.”
Em suma, melhor analisando a questão, entendemos que a plataforma digital que gere os serviços de recolha e entrega de mercadoria, não pode ser considerada de instrumento ou equipamento de trabalho, mas a aplicação informática (software) conectada e sem a qual o estafeta não pode prestar qualquer serviço (receber e aceitar pedidos), é de considerar instrumento de trabalho pertença do empregador à luz da era digital.
Quanto aos indícios de subordinação referentes ao horário de trabalho, ao local de trabalho, à possibilidade de recusar tarefas, à faculdade de se fazer substituir e ao dever de não concorrência, apraz dizer o seguinte.
Como já acima deixámos expresso, estas características tradicionais, umas reveladoras de subordinação jurídica, outras reveladoras de autonomia na prestação do serviço, não se adequam a esta nova forma de trabalho prestado através da plataforma digital, pois os estafetas não trabalham em instalações alheias, mas trabalham essencialmente na rua, transportando mercadorias de um lado para o outro consoante os pedidos que decidem aceitar. Em regra é o próprio estafeta que estabelece o seu horário e decide quando quer ou não trabalhar, não tem remuneração certa (o que poderá dar jeito à ré que está dependente dos pedidos aleatórios que lhe são dirigidos, tendo assim sempre alguém disponível para os satisfazer sem ter de pagar ao estafeta em função do tempo e da disponibilidade); tem os seus próprios instrumentos de trabalho - veículo e smartphone; pode fazer-se substituir ou subdelegar tarefas, mas desde que respeite as condições determinadas pelo beneficiário da prestação e que constam dos “Termos e Condições de Utilização da Plataforma EMP01... para Estafetas“, sendo por isso de considerar todos estes indícios de irrelevantes.
Quanto aos indícios de subordinação referentes à inexistência do dever de exclusividade/não concorrência remetemos para apreciação que a este propósito consta do Acórdão deste Tribunal de 3.10.2024, proferido no Proc. nº2838/23.1T8VRL.G1, acima citado, a qual subescrevemos e passamos a transcrever:
“(…) anotamos a crescente despersonalização da relação laboral. A digitalização permitiu “fazer desparecer a própria figura do empregador” - António Monteiro Fernandes,” Emprego na era digital: um novo conceito de trabalhador, Estudos APODICT 9, pág. 241.
O mesmo aconteceu ao trabalhador. Repare-se no “modo digital” como é admitido, através de pouco mais do que uma simples operação de “criação de conta”, sem rastreio de especiais “skills” e requisitos que não sejam aqueles que se relacionem com exigências legais, como ter carta de condução ou seguro.
Prestador de actividade e seu beneficiário não se chegam a conhecer, ao contrário do que ocorre na relação laboral tradicional. Empresas como a EMP02..., EMP01... ou EMP05... contam com uma extensa rede de estafetas. Segundo dados do Conselho Europeu e da EU, em 2022 os trabalhadores em plataformas digitais ascendiam a 28,3 milhões, número semelhante aos da indústria transformadoras de 29 milhões e, em 2025, estima-se que aqueles atinjam o número de 43 milhões - https://consilium.europa.eu.
São “mercadoria fungível”, facilmente substituível, em que não faz qualquer sentido falar em exclusividade ou impossibilidade de subdelegação de tarefas. Se um estafeta não responder à chamada e não aceitar o pedido, será a própria plataforma que logo o substituirá por outro com igual valor.”
Por fim importa referir que o facto de o estafeta ser considerado pelo beneficiário um trabalhador independente, bem como o facto do estafeta manter atividade aberta como empresário em nome individual junto da A.T. e emitir faturas/recibos pelos serviços de entrega que realizou, que lhe são pagos pela ré, é pouco ou nada relevante pois é contraditado pela restante factualidade apurada reveladora de subordinação jurídica.
Do exposto podemos concluir que a ausência de alguns dos indícios clássicos da subordinação jurídica e a presença de outros que poderiam afastar a subordinação jurídica, não são incompatíveis com a existência de uma relação de trabalho subordinado dependente estabelecida entre quem gere a plataforma e o estafeta.
Como refere a este propósito António Monteiro Fernandes[11] ”Com efeito, a plataforma digital envolve “uma delegação ou transferência da execução imediata do controlo da prestação de trabalho para o algoritmo e para os clientes, que avaliam os resultados do serviço através da aplicação”. Mas trata-se de uma máscara que disfarça o exercício da direcção e controlo do trabalho pela empresa criadora e gestora da plataforma – ou, se se preferir, uma “nova face” de um velho esquema que é o da subordinação jurídica.
Essa nova face pode, quando muito, aconselhar que o elenco dos indícios de subordinação seja enriquecido e afinado.”
Por último, é ainda de referir uns outros indícios a acrescentar aos acima referidos que caracterizam a subordinação jurídica como sejam o modo como é efetuada a contratação dos estafetas, através de um documento padronizado usado para todas a admissões, com cláusulas de adesão extensas e de difícil compreensão para o cidadão comum, o que revela que se trata de uma contratação não negocial, com evidente supremacia de uma das partes, o que não é próprio do trabalho autónomo onde normalmente ocorre uma negociação paritária entre as partes.
O facto de o prestador da atividade não dispor de um negócio próprio, estando sim inserido no negócio alheio, sendo manifestamente inviável que consiga gerir sozinho e nas mesmas condições a atividade que presta também, é revelador da falta de autonomia na prestação da sua atividade.
Sopesando todos os índices analisados temos de concluir pela verificação da subordinação jurídica, uma vez que que a AA presta a sua atividade de entrega e recolha de mercadorias, em negócio alheio, não tem clientes, nem fixa preços, nem tem qualquer tipo de responsabilidade perante o cliente, está inserida na organização de trabalho daquela plataforma digital, sujeita às diretrizes organizativas determinadas pela empresa que a gere e impostas, desde logo, no contrato de adesão que teve de assinar para poder desempenhar a sua atividade, está sujeita ao poder sancionatório detido pela EMP01..., (nas condições por ela ditadas, com grande amplitude, pode desativar ou suspender a conta da estafeta, impedindo-a de exercer a sua atividade), estando ainda sujeita a formas de controlo e de avaliação algorítmica por parte da plataforma (avaliação do cliente).
Tal é o que basta para reconhecermos a natureza laboral do vínculo mantido entre a Estafeta e a Ré, pois para além daquela estar inserida na estrutura organizativa da Ré, está também sujeita à sua autoridade.
Como se afirma no Acórdão de unificação da doutrina proferido pelo Supremo Tribunal Espanhol, em 25.09.2020 a propósito dos estafetas numa situação equiparada a esta “riders/estafetas não dispõem de uma organização empresarial própria e autónoma, prestam os seus serviços inseridos na organização de trabalho do empregador, submetidos à direcção e organização da plataforma como demonstra o facto de a EMP01... estabelecer todos os aspectos relativos à forma e preço do serviço de recolha e entrega de tais produtos;
Ou seja, tanto a forma de prestação do serviço como o seu preço e forma de pagamento são estabelecidos pela EMP01...; a empresa emite instruções que lhe permitem controlar o processo produtivo e instituiu meios de controlo que incidem sobre a atividade e não apenas sobre o resultado, mediante a gestão algorítimica do serviço, as avaliações dos riders e a geolocalização.”
Apurada a existência de contrato de trabalho, mais não resta do que reconhecer a sua existência e consequentemente será revogada a decisão recorrida, sem que antes se deixe em tom de desabafo, a reflexão assertiva efetuada a este propósito por o Prof. João Leal Amado[12] “ao olhar para um qualquer estafeta, daqueles que percorrem velozmente as ruas nas suas motos (ou, mais lentamente, pedalando nas suas bicicletas), creio que nenhum de nós se convence, seriamente, de que ali vai um empresário – seja um microempresário, um motoempresário ou um cicloempresário...
Não (…) Ali vai, motorizado ou pedalando, um trabalhador dependente, um trabalhador do século XXI, diferente, decerto, dos seus pais, avós ou bisavós, mas, afinal, ainda um trabalhador dependente – um subordinado de novo tipo, com contornos distintos dos tradicionais, mas, em última instância, ainda dependente e subordinado na forma como desenvolve a sua atividade”.
Em face do exposto, é de julgar o recurso procedente.

V– Decisão

Pelo exposto e nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães:
- em não admitir o documento n.º 9 apresentado com a contra alegação e consequentemente determina-se o seu desentranhamento e a devolução à recorrida, que vai condenada na multa de valor correspondente a 0,5 UC (artigos 443.º, n.º 1, CPC e 27.º, n.º 1, do RCP).)
- em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo Ministério Público, e consequentemente declara-se reconhecido o contrato de trabalho celebrado entre a AA e a Ré, com início em 1.05.2023.
Custas a cargo da Recorrida.
Notifique.
Guimarães 17 de Outubro de 2024

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Veiga


[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, 4ª edição, pág. 229.
[2] Neste sentido, veja-se o acórdão do STJ de 02-02-2010, Revista n.º 942/07.2TVPRT.S1 - 1.ª Secção, disponível em www.stj.pt,com o seguinte sumário: “Um acórdão da Relação não constitui nem cumpre a função específica de um verdadeiro documento, que é a de servir de meio de prova de determinados factos que possam constituir fundamento da acção ou da defesa – cf. art. 523.º, n.º 1, do CPC – e não pode ser considerado como parecer – cf. arts. 525.º e 706.º, n.º 2, do CPC –, razão pela qual deve ser indeferida a sua junção, como documento superveniente, após a apresentação das alegações da apelação”.
[3] De acordo com o art. 37.º/1 da Lei 13/2023, as alterações e aditamentos ao regime do CT da mesma decorrentes entraram em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao da sua publicação., ou seja, em 01/5/2023
[4] Neste sentido Acórdão do STJ de 4-07-2018, proc.1272/16.4T8SNT.L1.S1, relator Chambel Mourisco in www.dgsi.pt.
[5] Revista de Direito da UL P- , vol. 17, pág. 70
[6] Maria do Rosário Palma Ramalho, Delimitação do Contrato de Trabalho e Presunção de Laboralidade no Código do Trabalho – Breves Notas, in “Trabalho Subordinado e Trabalho Autónomo: Presunção Legal e Método Indiciário”, 2.ª edição, Selecção Formação Inicial do CEJ, pág 57 e 58. Menezes Cordeiro, in “Manual do Direito do Trabalho” 4.ª edição, pág. 533 e segs.
[7] Ac STJ de 26.09.1990, publicado em Acórdãos doutrinários do STA, n.º 348, págs. 1622 “o elemento essencial para a distinção em concreto deve ser a subordinação pois o tipo de prestação e a retribuição podem ser ambíguos e estar presentes de modo semelhante em ambos os contratos”
[8] “Presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital”: Revista do Ministério Público, n.º 175, pág. 181 e seguintes
[9] António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 19º ed., p. 148.
[10] Estudos APODIT 9 “Autonomia, Subordinação jurídica e dependência económica no trabalho em plataformas digitais (Breves Reflexões)”, pág. 315 e 316.
[11] Emprego na era digital: um novo conceito de trabalhador, Estudos APODICT 9, pág. 244
[12] “As plataformas digitais e o novo artigo 12.°-A do Código do Trabalho: empreendendo ou trabalhando?, Revista do STJ, n.º 3, disponível em www.arevista.stj.pt, pág. 89