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ACÇÃO EXECUTIVA
HONORÁRIOS
TRÂNSITO EM JULGADO
Sumário
1. No processo de execução a fixação dos honorários do encarregado de venda cabe ao Tribunal e não ao agente de execução. 2. O despacho judicial que, apreciando requerimento de fixação de honorários do encarregado de venda apresentado após extinção da execução, decide não caber ao Tribunal tal fixação é susceptível de recurso imediato por parte daquele interessado. 3. Deixando o encarregado de venda transitar tal despacho, o mesmo torna-se obrigatório dentro do processo e, como tal, não pode voltar a ser apreciada essa pretensão daquele interessado, ainda que este venha a aumentar o valor dos honorários pretendidos em sucessivos requerimentos. (Sumário elaborado pelo relator)
Texto Integral
Apelação n.º 3411/10.0TBPTM.E1
(1.ª Secção)
Relator: Filipe Aveiro Marques
Primeira Adjunta: Susana Ferrão da Costa Cabral
Segundo Adjunto: Ricardo Miranda Peixoto
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO: I.A. “LEILOPORT, S.A.” (NIPC ...29), na qualidade de anterior encarregada de venda no processo de execução que o exequente “Deutsche Bank (Portugal) S.A.” moveu contra os executados AA e BB, interpôs recurso do despacho de 21/05/2024 (referência Citius ...17) proferido nesse processo do Juízo de Execução ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ....
Esse despacho é do seguinte teor:
“Sobre pedidos de pagamento adicionais apresentados pela Ex-Encarregada de Venda na presente acção executiva já extinta e entretanto arquivada, pronunciou-se este Tribunal pelo indeferimento por despacho de 14 de Dezembro de 2022.
Este despacho foi notificado à Exequente, ao Agente de Execução a 15 de Dezembro de 2022.
Já à própria Requerente foi notificado a 06 de Fevereiro de 2023.
Transitou em julgado.
Mais de um ano depois, a Ex-Encarregada de Venda veio apresentar novo requerimento no mesmo sentido.
Entretanto, outorgou procuração forense a Advogado e o processo tem conhecido a tramitação que a mera leitura do mesmo após esta segunda requisição ao arquivo espelha, com repetição do mesmo pedido, desta feita, via Mandatário.
Ora, salvo melhor opinião, e chamando à colação o teor do acórdão cuja junção se promoveu, pela repetição do incidente que tem vindo a ser suscitado em processos e pela mesma Requerente, muitos anos depois dos seus arquivamentos, decide-se não conhecer da questão suscitada, tendo em conta que o Tribunal já se pronunciou sobre a dita após primitivo requerimento apresentado.
O despacho esgotou o poder jurisdicional, nos termos do artigo 613.º n.º 1 do Código de Processo Civil.
E se assim é, não cabe emitir sucessivas pronúncias quanto ao mesmo pedido. Pelo que nada mais há a decidir.
Notifique-se.”
I.B.
A recorrente apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões:
“A. O despacho recorrido decide erroneamente reconduzir para precedente despacho, e nada decidir nos termos e para efeitos do nº 6 do Art.º 17º do RCP, conforme havia sido requerido.
B. É ao juiz da execução que incumbe decidir equitativamente pela fixação em apreço nos termos e para efeitos do Regulamento das Custas Processuais e dentro dos critérios ali balizados.
C. A determinação decisória no que contende com o previsto no nº 6 do Art.º 17º do RCP é da competência exclusiva da MMª. Juiz do Tribunal a quo.
D. Verifica-se omissão de pronuncia e de decisão, que entende a MMª Juiz do Tribunal a quo com tal despacho não suprir.
E. Verifica-se a inalienabilidade de poder e obrigação decisória, que de exclusiva competência da MMª. Juiz de Direito, no que concerne ao previsto no nº 6 do Art. 17º do RCP, e a sua omissão de pronúncia, sustentada e fundamentada, sendo exigivel tal apreciação e determinação.
F. É violado, ao eximir-se de decisão, de forma correcta e equitativamente ajustada, o quanto previsto no nº 6 do Art. 17º do RCP.
G. Neste sentido, atente-se o Ac. do Tribunal da Relação de Évora de 28.03.2019, consultável em www.dgsi.pt.
H. Não existe qualquer decisão efectiva estabilizada no processo de indeferimento de definição e arbitragem do quanto previsto no art. 17º/6.
I. O artigo 17º/6 do RCP diz expressamente que “(…) as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efectuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal”.
J. Isto é, resulta a sapiência que, díspar àquela fixação, a título remuneratório deverá ser fixada pelo tribunal quantia “até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior”.
K. Resulta ainda do dito critério legal que tal não depende de efectiva venda, sendo fixado precisamente valor remuneratório independentemente daquela, com respeito ao limite percentual, tendo como base ou o valor da causa ou dos bens administrados, se este for inferior. Sendo que inclusive no caso concreto as partes fixaram contratualmente e aquando da adjudicação do mandato o ressarcimento pré-determinado a 5% acrescido de IVA.
L. Não é nem seria lógico que a Encarregada de Venda exercesse actividade profissional gratuitamente, adiantando inclusivamente despesas para exercer tal actividade de forma indefinida no tempo, despesas estas que, quiçá, poderia nem sequer ver devidamente tidas como verificadas e aceites nos autos.
M. E assim se compreende porque a Encarregada de Venda Judicial tem uma natureza em similitude legal a liquidatário/administrador, e não é equiparável a uma qualquer agência imobiliária/mediador só pago com a venda, na medida em que não é, de todo, a sua actuação processual circunscrita às tarefas por aquelas desenvolvidas, competindo-lhe para além da promoção no mercado, uma vasta panóplia de procedimentos processuais e perante as partes, em respeito da Lei, ao que ademais é desde logo exemplo as exigências adstritas ao respectivo alvará de actividade.
N. Não incumbe sob a EVJ uma obrigação de resultados mas de meios.
O. Os actos processuais verificados que implicaram adjudicação, extinção e arquivamento dos autos, comunicações afectas e despachos havidos, assim como o quanto a título de apuramento de encargos e custas finais foi completamente alheio, não notificado e sonegado à EVJ, o que implica a respectiva nulidade no que a si contende,
P. Designadamente no que compreende a omissão processual e legal de apreciação prévia e fixação do quanto adstrito ao artigo 17º/6 do RCP, que deveria ter sido promovida por partes, AE e oficiosamente pelo Juiz de Execução.
Q. Requer assim em respeito e acrescento material, a suprimento da omissão havida, que é totalmente alheia à EVJ que em nenhum momento em tal qualidade contacta directamente com os autos ou tem acesso a sistema Citius, e escorreito do mesmo, a exigível apreciação e fixação de ressarcimento de despesas e remuneração fixa nos termos e para efeitos do art. 17º/6 do RCJ, em acordo com o supra expresso e apresentado a juízo, tudo o quanto a ser imputado a credora sendo caso adiantado pelos respectivos cofres do Tribunal/IGFPJ.
R. O escorreito processual inusitado é alheio à EVJ, viola aquele dispositivo legal, e não pode haver-se por regularizado.
S. É que ainda que em primeira linha possa ser ouvido o Sr. Agente de Execução e partes quanto à Nota de Honorários e Despesas apresentada e pagamento requerido, e este se possa pronunciar cabalmente, designadamente quanto ao que decorreu de suas funções e articulação com a EVJ, cabe ao Tribunal, e alçada de competência do juiz do processo, e não ao agente de execução, quando a questão se coloque no âmbito de uma execução, ou outros quaisquer autos díspares, a decisão sobre a remuneração e quanto devido Encarregado de Venda – vide a vasta jurisprudência citada.
T. Esta conclusão decorre, por um lado do nº 1 do art 17º do RCP, mas ainda, do preceituado do art. 719º do CPC, que versa, além do mais, sobre a repartição de competência entre o AE e o juiz do processo, a quem compete a aplicação dos critérios previstos no art. 17º/6.
U. Espera assim mui respeitosamente, em respeito e dignificação da actividade, profissional da Encarregada de Venda - e exigível moralização, na medida em que em diversos autos é desejado perpassar a execução de actos tendencialmente desagradáveis (como seja lidar com imóveis sujos ou com escassas condições de salubridade, devedores, a remoção de pessoas e bens, e/ou zonas inseguras) e respectivos custos a terceiros, tentando posteriormente não os suportar – o deferimento equitativo quanto a nota de despesas e honorários, sem reparo.
V. A ausência/omissão de apreciação para efeitos do art. 17º do RCP por parte de Juiz a Quo, a tentativa de perpassar de tal responsabilidade para outrém sem pronuncia ou apreciação cabal e capaz, à revelia de jurisprudência citada e por si conhecida, pese embora alertada neste e inúmeros outros processos, arrepia a Lei, e ao eximir-se da singela análise de equidade e determinação em graduação que exclusivamente lhe compete, e se solicita, é um desrespeito pelo que em alçada superior vastamente apreciado
W. Em conclusão, é legalmente exigível e devida apreciação e fixação de remuneração fixa, nos termos e para efeitos do nº 6 do Art. 17º do RCP, pelo Tribunal a quo e sob alçada de competência de magistratura, em acordo com o supra expresso e apresentado a juízo e ora em rectificação de omissão decisória que compete suprir.”
I.C.
O exequente, agora denominado “Deutsche Bank Aktiengesellschaft – Sucursal em Portugal” apresentou resposta que termina com as seguintes conclusões:
“1. A 20/03/2018, foi a aqui Recorrida notificada de proposta apresentada directamente ao Exmo. Sr. Agente de Execução, pela proponente Capitulo D´Oportunidades, Unipessoal, Lda., no montante de € 80.000,00, ref.ª ...47.
2. A proposta foi aceite pelo Exmo. Sr. Agente de Execução, conforme resulta da decisão de adjudicação notificada à Recorrida a 08/06/2018, ref.ª ...63.
3. Na mesma data, foi a ora Recorrida notificada da nota de despesas e honorários apresentados pela Encarregada de Venda, ref.ª ...19, a qual foi impugnada nos autos, conforme requerimento de 14/06/2018, ref.ª ...42.
4. Face à adjudicação do imóvel, foi transferido à Recorrida o montante de € 77.224,14 resultante do produto da venda, tendo sido liquidadas despesas e honorários do Exmo. Sr. Agente de Execução no montante de € 2.775,86.
5. O douto Tribunal a quo, à data, ainda não se havia pronunciado quanto à nota inicialmente apresentada pela Encarregada de Venda nem relativamente à impugnação, não tendo procedido à fixação de despesas e honorários devidos à Encarregada de Venda, contudo, conforme comunicado em requerimento de 27/04/2020, ref.ª ...19, a ora Recorrida foi surpreendida com um email da Recorrente, a 16/04/2020, peticionando o pagamento de uma fatura no montante de € 4.153,60 + IVA, num total de € 5.108,93.
6. A fatura apresentada foi impugnada, uma vez que na mesma era peticionado um montante superior a 5% do valor do imóvel adjudicado no processo e sem que fosse fixada qualquer percentagem de remuneração pelo douto Tribunal, ao contrário do disposto nos termos do n.º 6 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais.
7. Nem tão pouco foi apresentada nos autos a nota de honorários que justificasse o montante peticionado, para que a Recorrida se pronunciasse em conformidade.
8. Nessa sequência, a 05/05/2020 foi a aqui Recorrida notificada da extinção da instância por insuficiência de bens penhoráveis, ref.ª ...57, bem como, da nota discriminativa da conta final do processo, tendo sido liquidados as despesas e honorários do Exmo. Sr. Agente de Execução.
9. Sucede que, posteriormente, a 11/10/2022, foi a ora Recorrida notificada de novo requerimento da Encarregada de Venda, ref.ª ...81, no qual a Encarregada de Venda veio novamente peticionar o montante de € 4.153,60 + IVA, num total de € 5.108,93, a título de despesas e honorários, bem como, juros de mora no montante de € 1.691,97.
10. Mais uma vez, sendo o valor peticionado manifestamente superior à nota inicialmente apresentada (€ 856,00) sem que tenha sido devidamente justificado pela Encarregada de Venda, a fatura foi impugnada nos autos, conforme requerimento de 19/10/2022, ref.ª ...33.
11. Como admitido pela própria Encarregada de Venda no requerimento que acompanhava a notificação, a 20/03/2018 foi-lhe comunicado pelo Exmo. Sr. Agente de Execução que um terceiro havia apresentado proposta para aquisição do imóvel, no montante de € 80.000,00, sendo que, a 30/05/2018, foi a mesma notificada da sua remoção do cargo.
12. A impugnação apresentada, ao contrário do alegado pela Recorrente, foi-lhe directamente notificada a 03/11/2022, ref.ª ...99.
13. Apesar da notificação que lhe foi submetida, a aqui Recorrente não apresentou nos autos qualquer resposta, nem procedeu à junção aos autos de documentos justificativos das despesas e remuneração peticionadas.
14. O douto Tribunal a quo proferiu Despacho a 14/12/2022, ref.ª ...89, no qual inferiu o peticionado pela Encarregada de Venda, o qual foi notificado à Recorrente a 06/02/2023, ref.ª ...22.
15. Uma vez que não foram apresentadas Alegações de Recurso ou reclamações face ao Despacho proferido, o mesmo transitou em julgado.
16. Não obstante, a 26/02/2024, foi a aqui Recorrida notificada de novo requerimento da Encarregada de Venda, ref.ª ...94, na qual esta veio peticionar o valor de €12.012,80 acrescido de IVA e respectivos juros de mora, no montante de € 6.707,42, num total de € 18.720,21
17. Esta nota foi também impugnada, em requerimento de 06/03/2024, ref.ª ...11.
18. Como novamente alegado, dispõe o n.º 6 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro: “Os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados” (sublinhado nosso).
19. Sendo que, a Encarregada de Venda apenas deveria ser remunerada em função da percentagem fixada pelo Tribunal e pelas deslocações realizadas, não incluindo os demais encargos burocráticos que a mesma detiver no exercício das suas funções, e que no caso em apreço, face à falta de apresentação de nota de honorários a aqui Recorrida desconhece quais sejam.
20. Atente-se que, pelas alegadas 8 deslocações realizadas, a Encarregada de Venda peticionou o montante de € 4.530,34, sendo que, o valor das deslocações peticionado na nota inicialmente apresentada ascendia a apenas € 19,20.
21. Como se constata, os comprovativos de deslocações juntos no requerimento da Encarregada de Venda não são legíveis nem é devidamente fundamentado o valor devido a título de deslocações.
22. Mais, a Encarregada de Venda peticionou o montante referente 5% sobre o valor da causa a título de remuneração, acrescido de IVA, contudo, a respectiva remuneração nunca foi fixada pelo douto Tribunal a quo.
23. Não obstante o alegado pela Recorrente em requerimentos de 02/04/2024 e 29/04/2024, facto é que o valor global peticionado, € 18.720,21, ascendia assim a um montante superior a 5% do valor da causa ou do valor do imóvel adjudicado no processo, sem que essa remuneração tivesse sido em algum momento fixada pelo douto Tribunal.
24. Aliás, a proposta de terceiro que resultou na adjudicação do imóvel não foi obtida pela Encarregada de Venda, nem tão pouco se compreende qual foi a sua intervenção e diligências realizadas.
25. Como frisado pela aqui Recorrida em requerimento de 09/05/2024, ref.ª ...25, não pode a mesma conformar-se com a remuneração peticionada, considerando que a venda pelo valor de € 80.000,00 não se deveu às diligências efectuadas pela Encarregada de Venda nem esta teve qualquer intervenção na mesma.
26. Salvo o devido respeito, apenas se poderá entender que não deverá ser fixada à Encarregada de Venda qualquer remuneração, e ainda que esta fosse fixada, nunca poderia ser fixada em 5% sobre o valor da causa.
27. As despesas de deslocação, previstas no n.º 6 do artigo 17.º do Regulamento de Custas Processuais e anexo referente à tabela IV, são calculadas com base no valor de € 0,40 por quilómetro, acrescendo ainda o valor referente a portagens.
28. A distância entre ..., onde se localiza a sede da Encarregada de Venda, e o imóvel, fração ... do Prédio Urbano em regime de propriedade horizontal, sito em ..., Rua ..., ..., ... ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...47... da Freguesia ... e inscrito na respectiva matriz predial sob artigo ...97.º, ascende a sensivelmente 494km.
29. Face às 8 deslocações alegadamente realizadas, o valor das despesas de deslocação, salvo o devido respeito, não poderia ultrapassar o montante de € 3.161,60 (988 Km x € 0,40 x 8).
30. Sucede que, a Encarregada de Venda, aqui Recorrente, continuou a não discriminar suficientemente os quilómetros percorridos em cada data, nem tão pouco o valor devido a título de portagens, sendo que no comprovativo junto aos autos encontram-se portagens de várias localidades que não correspondem à localização do imóvel penhorado e vendido nos autos.
31. Como bem resulta do Despacho recorrido, as questões suscitadas pela Encarregada de Venda foram objecto de decisão no âmbito do Despacho proferido a 14/12/2022, o qual transitou em julgado.
32. Ainda assim, vem a mesma alegar que ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 17.º do Regulamento de Custas Processuais, que o Tribunal a quo incorre em omissão de pronúncia e de decisão quanto à fixação das despesas e remuneração.
33. Não obstante entender-se que a competência da decisão quanto a esta matéria incumbe ao Tribunal a quo, certo é, que a Recorrente deveria ter reagido em momento oportuno, após o Despacho proferido a 14/12/2022.
34. Como se verifica nos autos, não foi fixada remuneração à Encarregada de Venda, nem esta teve qualquer intervenção nos procedimentos de venda do imóvel.
35. Desta forma, não compreende a Exequente, ora Recorrida, como poderá a Encarregada de Venda alegar ter direito à fixação de uma percentagem a título de remuneração, quando terá sido destituída pela ineficiência demonstrada no cargo, não obtendo propostas de valor razoável para a aquisição do imóvel.
36. A nota inicialmente apresentada foi impugnada, contudo, tal não impediu a Encarregada de Venda, ora Recorrente, de apresentar sucessivos requerimentos e notas com valores exponencialmente superiores ao valor inicialmente peticionado.
37. As notas posteriormente apresentadas são, salvo o devido respeito, completamente extemporâneas e desprovidas de fundamento, pois se a Encarregada de Venda entendia que lhe deveria ser fixada remuneração pelo desempenho das suas funções deveria tê-lo requerido à data da apresentação da nota discriminativa inicial, ou deveria ter-se insurgido contra o Despacho proferido nos autos 14/12/2022, o que não sucedeu.
38. Ademais, não se encontra devidamente justificada pela Recorrente, a razão de lhe ser devida remuneração pela actividade desempenhada, quando a realidade dos factos demonstra cabalmente a ineficácia no desempenho das suas funções, tendo a mesma sido destituída do cargo.
39. Nem tão pouco interveio nos procedimentos de venda posteriores, tendo a venda prosseguido mediante a apresentação de proposta directamente ao Exmo. Sr. Agente de Execução, cujos honorários e despesas foram integralmente liquidados nos autos.
40. Para além de não se encontrar justificação para a fixação de uma eventual remuneração, os valores peticionados são completamente descabidos, uma vez que ultrapassam os 5% do valor da causa ou da proposta apresentada para aquisição do imóvel, definidos no n.º 6 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, aos quais a Encarregada de Venda ainda pretende fazer acrescer juros.
41. A fixação da remuneração à Encarregada de Venda, que no caso em concreto, a Recorrida entende não ser devida, deve pois, obedecer a critérios de equidade e proporcionalidade.
42. Ao ser peticionado um valor superior ao permitido em sede do Regulamento de Custas Processuais e ainda juros sobre um valor peticionado que nunca foi fixado pelo douto Tribunal a quo, o valor peticionado pela Recorrente não poderá merecer provimento.
43. A fixação de remuneração à Encarregada de Venda apenas seria possível caso esta tivesse desenvolvido as suas funções de forma a contribuir para a obtenção de propostas ou fossem demonstradas eventuais diligências atinentes a contribuir para a manutenção/preservação do estado do imóvel, o que não sucedeu.
44. Mais uma vez se reitera, que a Encarregada de Venda foi destituída do cargo e não foi responsável pela obtenção da proposta de aquisição do imóvel.
45. Por tudo quanto se expôs, considera a aqui Recorrida que a pretensão da Recorrente deverá improceder, uma vez que não existe qualquer fundamento para o valor peticionado a título de remuneração, sendo que este nunca foi fixado pelo Tribunal a quo, que determinou que apenas poderia ser remunerada pelas despesas referentes às deslocações, as quais, mais uma vez se diga, não foram devidamente comprovadas nos autos.
46. Mais, a conduta da Encarregada de Venda, ora Recorrente, ao longo do processo, salvo o devido respeito, é passível de configurar abuso do direito.
47. Na verdade, bem sabe a Encarregada de Venda, ora Recorrente, que as notas discriminativas/faturas apresentadas subsequentemente nos autos, apresentavam valores substancialmente superiores à nota inicialmente apresentada, sem que as mesmas tivessem sido devidamente justificadas ou que essas despesas fossem documentalmente comprovadas
48. Tal não impediu a Encarregada de Venda, ora Recorrente, em manifesto abuso do direito, vir aos autos peticionar sucessivamente valores acrescidos com base numa remuneração que nunca lhe foi fixada pelo douto Tribunal a quo, nem existia motivo para que fosse fixada, nos termos do n.º 6 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais.
49. Qualquer eventual acordo havido entre o Agente de Execução e a Encarregada de Venda, relativamente ao valor devido a título de remuneração, é aliás, inoponível às partes no processo executivo, que dele não tiveram conhecimento, nos termos do n.º 2 do artigo 406.º do CC.
50. Nestes termos, entende a aqui Recorrida, que não poderá a Encarregada de Venda fundamentar que lhe é devido qualquer valor a título de remuneração, com base numa pretensa aceitação das condições com que foi nomeada, uma vez que as mesmas nunca foram comunicadas nos autos nem aceites por qualquer das partes.
51. Acresce que, as eventuais condições com que terá sido nomeada, deveriam sempre respeitar os limites estabelecidos no Regulamento de Custas Processuais.
52. A justificação do instituto do abuso do direito assenta em razões de justiça e de equidade, prendendo-se com o facto das normas jurídicas serem gerais e abstratas.
53. Assim, ocorre uma situação típica de abuso do direito quando alguém, detentor de um determinado direito, consagrado e tutelado pela ordem jurídica, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante.
54. Na tipologia de venire contra factum proprium, estará em causa uma actuação do titular contraditória com um comportamento passado, radicando numa conduta contraditória.
55. No presente caso, como já alegado, a Recorrida apresentou inicialmente uma nota de despesas e honorários de valor muito inferior às notas apresentadas já após a sua destituição do cargo, e bem sabendo que não lhe seriam devidas outras quantias, arrogando-se do direito à fixação de uma remuneração pelo desenvolvimento da sua actividade.
56. Entende a aqui Recorrida, salvo melhor opinião em contrário, que a Recorrente incorre em abuso do direito ao utilizar os meios judiciais, com manifesta má-fé, para exercício de um direito que bem sabe não lhe poder ser conferido e cujos valores não peticionou inicialmente.
57. Pelo supra exposto, não pode a ora Recorrida aceitar o alegado pela Recorrente, no que concerne à fixação de remuneração, nem o incremento de quantias adicionais, bastante superiores ao valor da nota inicial, que recorde-se, ascendia a € 856,00.
58. Na verdade, entende a Recorrida que, salvo o devido respeito, o alegado pela Recorrente não tem qualquer fundamento de facto ou de direito, devendo manter-se o Despacho proferido pelo douto Tribunal a quo, que já se havia pronunciado quanto à atribuição de remuneração em Despacho de 14/12/2022, já transitado há muito em julgado.”
I.C.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Após os vistos cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO: II.A.
As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objecto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, mas não há lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
II.B.
Importa apurar se se verifica a excepção do caso julgado; não se verificando, se deve ser revogado o despacho recorrido para se impor a fixação de remuneração e despesas à recorrente ex-encarregada da venda.
II.C. FACTOS II.C.1.Factos provados
Da simples consulta dos autos resulta provada a seguinte factualidade relevante para a decisão:
1. Em 16/09/2010 foi proposta acção executiva hipotecária para pagamento da quantia total de €121.665,98 acrescida de juros vincendos calculados à taxa convencional.
2. Em 21/01/2011 o agente de execução que aceitou a nomeação do exequente elabora o auto de penhora da fracção hipotecada e inscreve a tal penhora no registo predial.
3. Na falta de oposição à execução e após notificação das partes para se pronunciarem quanto à modalidade da venda, em 19/07/2011 o agente de execução decidiu pela venda do imóvel penhorado mediante propostas em carta fechada.
4. Procedeu-se ao agendamento da diligência de abertura de propostas em carta fechada nos presentes autos para o dia 27 de Junho de 2013 e, posteriormente, para dia 3 de Outubro de 2013, não tendo sido apresentadas propostas e ficou decidida a venda por negociação particular.
5. Em 29/10/2013 o agente de execução designou a empresa “Formula Prime - Mediação Imobiliária, Lda.” como encarregada de venda.
6. Em 2/12/2013 o agente de execução veio requerer ao Tribunal que sejam removidos do cargo os fiéis depositários e autorização para notificação de auxílio da Força Pública da área onde se localiza o imóvel penhorado para arrombamento e mudança de fechadura, o que foi deferido por despacho de 10/12/2013.
7. Em 20/05/2013 o agente de execução enviou à encarregada de venda “Formula Prime - Mediação Imobiliária, Lda.” a chave do imóvel, ficando esta como fiel depositária do imóvel penhorado.
8. Por requerimento de 22/12/2016 (referência Citius ...07) o exequente veio requerer ao agente de execução a destituição da encarregada de venda e a nomeação, como encarregada de venda, da sociedade LEILOPORT, S.A., ora recorrente.
9. Em 19/04/2017 o agente de execução nomeia a ora recorrente como encarregada de venda em substituição de “Formula Prime - Mediação Imobiliária, Lda.” que foi removida do cargo, disso notificando ambas as empresas e as partes.
10. Em 11/05/2017 o agente de execução entregou as chaves do imóvel penhorado à nova encarregada de venda e ora recorrente, nomeando-a como depositária.
11. Em 6/06/2017 a nova encarregada de venda e ora recorrente apresenta ao agente de execução, que por sua vez a comunica às partes, uma proposta de aquisição do imóvel pelo valor de 45.000,00€.
12. Por requerimento de 20/06/2017 o agente de execução informa o Tribunal que a proposta foi rejeitada pelo exequente.
13. Por requerimento de 24/06/2017 o agente de execução junta aos autos relatório de visita do imóvel penhorado por parte da encarregada de venda e ora recorrente, datado de 8/06/2017.
14. Por requerimento de 09/01/2018 o agente de execução junta aos autos novo relatório de visitas ao imóvel penhorado por parte da encarregada de venda e ora recorrente, datado de 26/12/2017 onde consta, além do mais, que: “a 12/06/2017 foi submetida aos autos uma proposta de aquisição em nome de METEOMERIDIAN - UNIPESSOAL LDA e PHSM - EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁIOS, UNIPESSOAL LDA, no valor de 45.000,00€”; “a 20.06.2017 o Agente de Execução informou que a proposta de aquisição em nome de METEOMERIDIAN - UNIPESSOAL LDA e PHSM - EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS, UNIPESSOAL LDA, no valor de 45.000,00€, não foi aceite pela exequente”; “Diligência efectuada 02.08.2017 pelos colaboradores da EVJ para acompanhar o Eng. CC para efectuar avaliação ao imóvel”; “A 22 de Agosto de 2017, esta Encarregada de Venda Judicial foi informada, pela Ilustre Mandatária do Exequente, da avaliação efectuada ao imóvel penhorado nos presentes autos”; “a 8 de Setembro de 2017, os colaboradores desta Encarregada de Venda Judicial deslocaram-se à morada do imóvel penhorado nos presentes autos para acompanharem os interessados Sr. DD, Sr. EE e Sra. FF, em visita ao prédio urbano. Após a visita, o interessado DD referiu que, em princípio, não ia apresentar proposta de aquisição, enquanto que os interessados EE e FF, iam ponderar e, posteriormente, informavam esta entidade da decisão tomada. Não obstante, vai esta entidade diligenciar, no sentido de proceder à venda do imóvel com a maior brevidade possível”; “a 6 de Novembro de 2017, o colaborador desta entidade acompanhou os interessados Sr. GG e a Sra. HH em visita ao imóvel penhorado nos presentes autos. Após a referida diligência, os referidos interessados informaram que iam ponderar e, caso pretendessem apresentar proposta de aquisição, entravam em contacto com esta entidade. Vai esta entidade diligenciar, de forma a obter a melhor proposta de aquisição possível, para proceder à venda do bem penhorado e, assim, concluir o processo”.
15. Por requerimento de 07/02/2018 o agente de execução junta aos autos novo relatório de visitas ao imóvel penhorado por parte da encarregada de venda e ora recorrente, datado de 7/02/2018 onde consta, além do já constava do anterior relatório de 26/12/2017, que: “A 18 de Janeiro de 2018, o colaborador desta Encarregada de Venda Judicial, II, encetou nova diligência ao imóvel penhorado nos presentes autos, com o objectivo de fazer novo registo fotográfico do mesmo, de forma a melhorar a promoção do referido bem. Vai esta Entidade continuar a diligenciar, no sentido de conseguir obter a melhor proposta de aquisição possível, de forma a proceder à venda do imóvel”; “No dia 25 de Janeiro de 2018, o colaborador desta Encarregada de Venda Judicial, II, deslocou-se ao imóvel penhorado nos presentes autos, para ver o estado em que o mesmo se encontra. Foi deixada nova placa publicitária no imóvel em questão no presente processo. Vai esta Encarregada de Venda continuar a diligenciar, no âmbito da sua actividade, na obtenção da melhor proposta de aquisição possível”; “No dia 1 de Fevereiro de 2018, o colaborador desta Encarregada de Venda Judicial deslocou-se ao imóvel penhorado nos presentes autos, para ver o estado em que o mesmo se encontra, uma vez que a Ilustre Mandatária do Exequente informou, a 18 de Janeiro de 2018, que o mesmo tinha tido conhecimento de que o apartamento em causa tinha sofrido uma inundação e estaria a afetar os apartamentos inferiores. Como foi registado em relatórios anteriores, o colaborador desta Entidade deslocou-se ao bem em causa no presente processo no dia 25 de Janeiro e no dia 1 de Fevereiro de 2018 e não detetou quaisquer sinais de inundação no imóvel. No entanto, na diligência realizada no dia 1.2.2018, o colaborador desta Encarregada de Venda foi abordado pela moradora no apartamento do piso inferior, que o informou que entrou água no seu imóvel, durante o período em que choveu, devido a uma inundação existente no imóvel em causa nos presentes autos, causando danos significativos. Informou ainda, que tiveram que aceder à varanda do apartamento penhorado na presente execução, uma vez que a mesma se encontrava inundada devido ao facto da caleira estar entupida, e escoar a água que se encontrava acumulada. O colaborador desta empresa não teve acesso ao apartamento do piso inferior para confirmar os danos relatados pela vizinha, tendo apenas visto fotografias facultadas pela referida senhora. A proprietária do apartamento do andar inferior informou ainda, que pretende ser ressarcida pelos danos sofridos. Esta Encarregada de Venda Judicial, vai continuar a diligenciar, no sentido de conseguir resolver o presente processo”.
16. Em 20/03/2018 o agente de execução juntou aos autos e notificou as partes de uma proposta de aquisição para o imóvel objeto de penhora, que lhe foi apresentada por um terceiro pelo valor de 80.000,00€.
17. Em 20/04/2018 o agente de execução informa o Tribunal que o exequente aceitou essa proposta e que os executados nada disseram, que mereceu despacho concordante de 8/05/2018.
18. A 30/05/2018 o agente de execução notifica a encarregada de venda e ora recorrente de que foi removida do cargo de encarregada de venda.
19. A 8/06/2018 o agente de execução notifica o banco exequente de uma nota de despesas que a encarregada de venda removida e ora recorrente enviou com data de 7/06/2018.
20. Essa nota da ora recorrente é do seguinte teor:
“A Leiloport, SA., Encarregada de Venda Judicial nomeada nos autos à margem referenciados, desenvolvidas as diligências tendentes à venda, e uma vez removida do cargo, vem pelo presente informar os honorários referentes a despesas / custos resultantes das diligências levadas a cabo no âmbito da nomeação:
a) Entrada de processo em sistema – €25,00;
b) Serviços técnicos administrativo, jurídico e de consultor- €580,00;
c) Relatório - €125,00;
d) Deslocações - €19,20;
e) Localização/Levantamento do bem - €40,00;
f) Divulgação/Publicidade bem - €50,00;
g) Cópias – €16,80;
Perfazendo o total de € 856,00.
Aos valores apresentados acresce IVA à taxa em vigor.
Face ao exposto, REQUER a V. Ex.a, Se digne comunicar junto aos autos do processo, para ser determinado e/ou ordenado o que entenderem por mais conveniente.”
21. A 08/06/2018 o agente de execução comunica aos autos a decisão de aceitar a proposta apresentada pela proponente no valor de 80.000,00€ para aquisição do imóvel penhorado nos autos.
22. Por requerimento de 14/06/2018 (referência Citius ...85) o banco exequente, em requerimento dirigido ao agente de execução, toma posição sobre a nota de despesas da ora recorrente e termina nos seguintes termos: “requer, muito respeitosamente, a V. Exa. Que fixe a percentagem que a Encarregada de Venda deverá auferir pela venda do imóvel pelo valor acordado de € 80.000,00 - após a confirmação da realização da escritura - bem como a ordenar à Encarregada de Venda nomeada nos presentes autos a rectificação da nota de honorários, devendo conter apenas como encargos as deslocações, nos do n.º 6 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais”.
23. Em 9/07/2018 foi depositado nos autos o produto da venda do imóvel penhorado.
24. Em 1/08/2018 o agente de execução procedeu o levantamento dos seus honorários no valor de 2.775,86€.
25. Em 27/04/2020 (referência Citius ...32) o banco exequente veio apresentar requerimento ao Tribunal em que, alegando ter recebido no dia 16/04/2020 um email da encarregada de venda e ora recorrente, acompanhado de uma factura por ela emitida em 24/12/2018 e no valor de € 5.108,93, termina com o seguinte pedido: “Termos em que se requer, muito respeitosamente, a V. Exa. que ordene à Encarregada de Venda nomeada nos presentes autos que proceda à junção aos autos da nota de honorários, possibilitando às partes a pronuncia sobre a mesma, bem como, se digne a pronunciar acerca da eventual percentagem a fixar à mesma, caso V. Exa. Entenda ser devida, sendo em consequência indeferido o pedido da Leiloport constante no e-mail e na fatura”.
26. Em 05/05/2020 o agente de execução comunica às partes a extinção da execução por “Insuficiência de Bens - Pagamento Coercivo Parcial”.
27. Em 6/06/2020 o agente de execução comunica aos autos a extinção da execução.
28. Em 26/11/2020 a secção de processos do Juízo de Execução ... elabora termo de dispensa da conta.
29. Em 4/10/2022 a ora recorrente apresenta, por email, requerimento dirigido ao Tribunal e termina com o seguinte pedido: “Tendo em conta do exposto, vimos pelo presente solicitar junto do Meritíssimo Juiz, por forma a evitar mais delongas ao processo, que ordene, o pagamento do documento contabilístico em divida a esta Entidade, no valor de € 5.108,93 Doc.3., bem como dos respectivos juros comerciais no montante de € 1.691,97, permitindo deste modo, por termo a este assunto, seja pelo lapso temporal decorrido, seja, pelos enormes prejuízos que esta situação acarreta à presente data, nomeadamente, tendo em consideração todos custos e despesas suportadas à época por este Entidade para fazer face a todos os desenvolvimentos levados a cabo nas diligências executadas, sejam custos com: pessoal, viaturas, portagens, fornecedores e entidades públicas, nomeadamente no que respeita ao pagamento de impostos entre outros que visaram obter os melhores resultados em prol da boa conclusão do processo, sendo antes de mais de realçar o fato dos documentos contabilísticos aqui reclamados (Fatura) não terem, sido em qualquer momento reclamados ou devolvidos dentro dos prazos previstos para esse efeito por qualquer das partes responsáveis pela sua liquidação (Agente de Execução/Exequente) e por isso são devidos. Não obstante, o pedido de liquidação de tais valores estar em conformidade e à semelhança de tantos outros processos análogos entretanto liquidados pelo mesmo Agente de Execução e Exequente. Valor total em dívida à data: € 6.800,90”.
30. O banco exequente, notificado de tal pretensão, por requerimento de 19/10/2022 (referência Citius ...04) defendeu a sua improcedência, resposta que, por sua vez, foi notificada à encarregada de venda.
31. Foi, então, proferido despacho a 14/12/2022 com o seguinte teor:
“Ao contrário do pretendido pela Exequente, este Tribunal nada mais tem a apreciar, seja a que título for, nesta execução.
Convém ter em conta duas coisas: a primeira, é que a execução foi extinta pelo Sr. Agente de Execução em 05 de Maio de 2020. Portanto, não há nenhuma execução pendente para tramitação que justifique a apresentação de expediente e requerimentos a despacho. A segunda é que, se atentar no processo, verificará que a Encarregada da Venda apresentou ao Sr. Agente de Execução as suas condições contratuais e o seu preço – que foram aceites por este.
Portanto, e cabendo ao Sr. Agente de Execução extinguir a acção após pagamento de todas as custas e encargos processuais, mostra-se esgotado o poder jurisdicional.
Conflitos de pagamentos entre Exequente e terceiros numa execução extinta, com decisão de extinção estabilizada nos autos, não cabem na competência deste Juízo de Execução, cabendo aos contendores recorrer aos meios comuns para o efeito.
Notifique-se.
Arquivem-se os autos.”
32. Esse despacho foi notificado às partes e, por ofício com registo de envio de 6/02/2023, à ora recorrente.
33. Por email de 21/02/2024 a ora recorrente, enquanto encarregada de venda dos autos, apresenta novo requerimento dirigido ao Tribunal em que termina com o seguinte pedido: “ser determinado o pagamento à Encarregada de Venda nos termos devidamente justificados e legais, conforme o vem requerido, no valor total de €18.720,21”.
34. Notificado, o banco exequente por requerimento de 6/03/2024 (referência Citius ...86) veio opor-se ao requerimento.
35. Em 2/04/2024 (referência Citius ...29) a ora recorrente, já patrocinada por Ilustre advogado que juntou procuração forense aos autos, veio apresentar requerimento pretendendo responder ao requerimento do exequente e termina requerendo que “o Tribunal possa graduar e decidir qual a remuneração devida, até ao máximo de 5%, tendo por referência o montante da causa ou, em alternativa, o montante da adjudicação, caso este último se mostre inferior ao primeiro”.
36. Em 10/04/2024 (referência Citius ...42) o banco exequente responde a esse requerimento e termina pedindo que se “ordene à Encarregada de Venda nomeada nos presentes autos a rectificação da nota de honorários, devendo conter apenas como encargos as deslocações, procedendo à sua discriminação e junção de comprovativos, nos do n.º 6 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, uma vez que não teve qualquer intervenção na obtenção da proposta e na venda do imóvel”.
37. Em 29/04/2024 (referência Citius ...41) a encarregada de venda e ora recorrente volta a responder
38. Em 9/05/2024 (referência Citius ...51) o banco exequente responde a esse requerimento terminando com o mesmo pedido do requerimento de 10/04/2024.
39. Em 17/05/2025 foi proferido o seguinte despacho: “Pela pertinência para a decisão a proferir neste processo – e posto que o incidente ora suscitado pela Ex-Encarregada de Venda se tem multiplicado em vários processos pendentes neste Tribunal – incorpore-se na acção cópia do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora no processo n.º 4725/12..... Após, conclua-se, sem mais”.
40. Uma vez junta a cópia desse Acórdão, foi proferido o despacho recorrido.
II.D. Apreciação do recurso:
A ex-encarregada de venda e ora recorrente teve esse encargo no âmbito do processo executivo (que tive início em 16/09/2010 e foi extinto em 5/05/2020) apenas entre 19/04/2017 e 30/05/2018 (data em que foi removida do cargo) e não logrou concretizar o acto para que foi nomeada (a venda do imóvel penhorado ocorreu sem a sua intervenção).
No entanto, assim que foi removida do cargo, a ex-encarregada de venda e ora recorrente delimitou, ao apresentar o que denominou de informação sobre “os honorários referentes a despesas / custos”, datada de 7/06/2018, a sua pretensão: “total de € 856,00, a que acresce IVA à taxa em vigor”.
Com alguma benevolência, poder-se-ia entender que tal nota apenas diz respeito às despesas (apesar de nela se conter, claramente, na alínea b) – o que a ora recorrente então referiu como “b) Serviços técnicos administrativo, jurídico e de consultor- €580,00” – matéria que diz respeito a honorários) e que aguardou a fixação, pelo Tribunal, dos honorários (pois a entender-se o contrário sempre estaria vedada a apreciação do recurso, por o valor da sucumbência não atingir a metade da alçada do Tribunal a quo).
Após essa nota, apresentada ao encarregado de venda, a ora recorrente apresenta pretensão de pagamento de honorários e despesas dirigida ao banco exequente (em 16/04/2020), desta vez no valor de €5.108,93.
A execução foi extinta sem que haja evidência de ter sido apreciada a pretensão da ex-encarregada de venda de fixação de honorários e despesas. Nem se encontra qualquer apreciação pelo Tribunal – a quem competiria, por força do que se estabelece no artigo 17.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais – nem pelo agente de execução.
No sentido de que cabe ao Juiz de Execução a fixação da remuneração do encarregada de venda pode ver-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/01/2023 (processo n.º 902/14.7TBCSC-B.L1-7[1]) com a seguinte fundamentação: “é ao Tribunal, através do Juiz da Execução, que compete fixar a remuneração devida ao encarregado de venda (cfr. Art. 723.º n.º 1 do C.P.C., conjugado com o Art.º 17.º n.º 6 do R.C.P.) e não ao Agente de Execução, que só pode efetuar o correspondente pagamento (cfr. Art.º 719.º n.º 1 “in fine” do C.P.C.) depois dele ser decidido pelo Tribunal (vide, neste sentido também: Salvador da Costa in “As Custas Processuais”, 2017, 6.ª Ed., pág. 198)”.
Porém, em 4/10/2022 a ora recorrente e ex-encarregada de venda dirige novo requerimento expresso ao Tribunal a quo, mas sobre a mesma questão – fixação de honorários e despesas, embora, aí, apresentando um valor de 5.108,93€ mais juros.
Após contraditório foi a questão apreciada por despacho de 14/12/2022.
E, notificada de tal despacho em 6/02/2023, a ora recorrente e ex-encarregada de venda nada fez até 21/02/2024, data em que volta a dirigir a mesma pretensão de lhe serem pagos honorários e despesas (mas, desta vez, apresentando um valor de 18.720,21€).
Pelo que fica dito e resulta claro dos factos acima elencados, a pretensão da ora recorrente (independentemente dos diferentes valores que foi apresentando) foi apreciada por despacho (o de 14/12/2022) que não foi objecto de recurso imediato por parte da ex-encarregada de venda e ora recorrente (e poderia ter sido, já que a execução estava extinta e decaiu na sua pretensão – conforme resulta da conjugação dos artigos 644.º, n.º 2, alínea g), 638.º, n.º 1, parte final, 852.º e 853.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Civil).
Uma vez que desde 30/05/2018 (data em que foi removida do cargo) a ora recorrente não teve outros encargos com o imóvel penhorado, o sucessivo aumento dos valores que foi apresentando nos vários requerimentos não os transformam em novas pretensões que demandassem novas e deferentes apreciações judiciais. Ou seja, sempre existiu uma só pretensão (embora a ora recorrente tenha vindo a aumentar o valor pretendido) de pagamento de honorários e despesas.
A circunstância, no entanto, de a pretensão não ser deferida a contento da ex-encarregada de venda (e ora recorrente) pelo Tribunal a quo não a legitima a continuar a apresentar sucessivos requerimentos sobre a mesma questão.
O despacho de 14/12/2022, perante a pretensão da ex-encarregada de venda e ora recorrente, entendeu que não caberia ao Tribunal apreciar essa questão remetendo a interessada para a decisão do agente de execução (ou, eventualmente, para outros meios fora do processo executivo).
Uma decisão faz caso julgado quando se torna imodificável. Tal imodificabilidade da decisão constitui o fulcro do caso julgado e ocorre quando os tribunais já não podem alterar o decidido.
A conversão da decisão em caso julgado ocorre com o trânsito em julgado: a decisão transita ou passa em julgado quando deixa de ser susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, conforme artigo 628.º do Código de Processo Civil.
Tanto podem transitar em julgado as decisões relativas a questões de carácter processual, como as decisões referentes à relação material em litígio. No primeiro caso, forma-se o caso julgado formal; no segundo, o caso julgado material.
O despacho de 14/12/2022, transitado em julgado, tornou-se definitivo (ou melhor, obrigatório) nos autos, independentemente do seu eventual desacerto ou de quaisquer vícios de que pudesse padecer (ainda que eventualmente idóneos a provocarem a sua nulidade), conforme resulta do disposto no artigo 620.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Não pode, por isso, nem o Tribunal a quo nem este Tribunal de recurso, voltar a apreciar a questão que o despacho de 14/12/2022 (por razões processuais) já decidiu não poder conhecida pelo Juiz da execução.
São razões de economia processual, prestígio das instituições judiciárias, reportando à coerência das decisões que proferem e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas (neste sentido ver Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil - Volume III, pág. 253), que impõem a impossibilidade de o Tribunal voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida, assim obstando a que repita a decisão antes proferida ou a contradiga.
Estando definitivamente decidida, neste processo, a pretensão da ex-encarregada de venda e ora recorrente quanto aos honorários e despesas da sua actuação entre 19/04/2017 e 30/05/2018 pelo despacho de 14/12/2022, só pode ser improcedente a apelação.
As custas do presente recurso deverão ficar a cargo da sociedade apelante, nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
III. DECISÃO:
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, em conformidade, confirma-se o despacho recorrido.
Condena-se a recorrente nas custas do presente recurso.
Notifique.
Évora, 26 de Setembro de 2024
Filipe Aveiro Marques
Susana Ferrão da Costa Cabral
Ricardo Miranda Peixoto