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MENOR
PENSÃO PROVISÓRIA
PENSÃO DE ALIMENTOS
Sumário
1. Na fixação provisória da pensão de alimentos não está em causa, apenas, o indispensável para a sobrevivência da criança. 2. A criança tem direito a beneficiar do nível de vida dos seus progenitores e a separação entre estes deve ser de forma a que as alterações ao nível do estilo de vida daquela sejam o mais reduzidas possível. 3. Não havendo critérios quantitativos para superar a imprecisão das regras legais e para adequar o montante da obrigação de alimentos às necessidades de cada criança poderá partir-se do valor do IAS (indexante dos apoios sociais), mas sempre corrigido pelo nível de vida do anterior agregado (a verificar, por exemplo, pela soma dos rendimentos dos progenitores). 4. Importa, por outro lado, medir a possibilidade de cada progenitor para participar nas despesas (partindo de um limite de subsistência mínimo para cada um) para se poder apurar a proporção dos alimentos a cargo daquele a quem não foi confiada a guarda. (Sumário elaborado pelo relator)
Texto Integral
Apelação n.º 669/24.0T8FAR-C.E1
(1.ª Secção)
Relator: Filipe Aveiro Marques
1.ª Adjunta: António Fernando Marques da Silva
2.ª Adjunta: Sónia Moura
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:
I. RELATÓRIO: I.A. AA, autora na acção de regulação das responsabilidades parentais que moveu (por apenso à acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge) contra BB (NIF ...96...), interpôs recurso do despacho proferido pelo Juízo de Família e Menores ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., que fixou um regime provisório na sequência de conferência de pais e, na parte que aqui importa, com a seguinte decisão:
“1. Fixa-se a residência das crianças CC e DD, junto da progenitora, competindo a esta o exercício das responsabilidades parentais, relativas aos atos da vida corrente das crianças.
(…)
Convívios:
"4. O progenitor poderá jantar com as crianças durante a semana devendo, para o efeito, combinar as horas com o filho DD e com conhecimento da progenitora;
5. As crianças passarão fins-de-semana de 15 em 15 dias com o progenitor, de sábado a domingo, com pernoita, em moldes a articular com o jovem DD;
Alimentos:
6. O progenitor contribuirá com a quantia mensal de €300,00 (trezentos euros), na proporção de €150,00 para cada criança, a título de pensão de alimentos, a pagar até ao dia 8 de cada mês por transferência bancária para a conta da mãe.
7 A referida quantia será anual e automaticamente actualizada, a partir de Abril de cada ano, de acordo com a taxa de inflação publicada pelo l.N.E,, relativa ao ano anterior;
8. Ambos os progenitores suportarão em partes iguais as despesas de saúde (médicas e medicamentosas), na parte não comparticipada, mediante a apresentação de cópia do respetivo recibo ou fatura, o mesmo sucedendo no tocante às despesas escolares da criança com livros e material didático.”
I.B.
A autora/apelante apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões:
“A- Por despacho datado de 22/04/2024, foram fixadas provisoriamente as responsabilidades parentais.
B- Decidindo a Meritíssima Juiz, fixar a residência dos menores com a mãe e com base apenas nas declarações prestadas pelo requerido, ora Recorrido fixar provisoriamente, a título de alimentos, o valor de 150,00€, para cada filho.
C- A Recorrente não concorda com a douta decisão do Tribunal que fixou a prestação de alimentos no referido valor.
D- Porém, o quantum fixado a título de alimentos, isto é €150,00 mensais, a pagar pelo Recorrido, por cada filho, (de 6 e 14 anos) mostra-se parco e insuficiente, atendendo às necessidades dos filhos, conjugadas com a capacidade contributiva quer do ora Recorrido, quer da ora Recorrente, devendo assim aquele valor ser fixado em, pelo menos, €250,00 mensais, por cada filho.
E- A Meritíssima Juiz limitou-se a ouvir as declarações do Recorrido, que declarou que só consegue contribuir com 150,00€ para cada criança, para fixar o valor provisório da prestação de alimentos.
F- Quando, o Recorrido, ganha mais do que 1.100,00€ líquidos porque trabalha todos os fins de semana (exceto quando chove), não paga casa e apenas tem como despesa fixa a mensalidade do empréstimo do carro no valor de 184,00€.
G- Ignorando, o Tribunal a quo, completamente os apelos da Recorrente, que vive, por caridade, provisoriamente, desde o 17 de setembro de 2023, com os seus dois filhos, de 6 e 14 anos, dividindo a cama, com estes, num quarto cedido provisoriamente, pela Santa Casa da Misericórdia ....
H- No día 17.09.2023 decidiu por fim às agressões psicológicas e físicas perpetradas pelo réu, há mais de 12 anos, sair de casa e apresentar queixa-crime de violência doméstica contra o Recorrido (processo-crime n.º 304/23...., que corre os seus termos, no Tribunal Judicial da Comarca ..., ... - 1." Seção).
I- Ora, a Recorrente apenas aufere mensalmente a quantia de 754,11€ (valor líquido) e vive da caridade das suas colegas e pessoas que conhecem o seu estado e dificuldades financeiras para fazer face às despesas, nomeadamente, de alimentação, escolares, vestuário e outras, principalmente com os seus filhos.
J- Todo o seu ordenado é gasto em alimentação, para si e para os seus filhos e, não tem possibilidades de arrendar uma casa, para viver condignamente com os seus filhos.
K- Vai ter de sair do quarto, onde vive e está angustiada porque não tem para onde ir, nem como suportar uma renda (que em são ... é superior ao seu salário).
L- Já o Recorrido que aufere em média o valor mensal de 1.500,00€ (líquidos), ou seja, mais do dobro da Recorrente, vive comodamente na casa onde viviam os 4, pagando apenas o empréstimo pela compra da sua viatura no valor de 184,00€, água, eletricidade e telecomunicações, mantendo assim, sem fazer qualquer corte ou sacrifício, uma vida folgada, ao contrário da Recorrente.
M- Não tendo a decisão judicial sido equitativa, uma vez, que o tribunal não salvaguardou o interesse dos menores, consagrado no artigo 4.º, alínea a) da LPCJP, ex vi artigo 4.º, n.º 1 do RGPTC e artigo 3.º da Convenção sobre os Direitos da Criança.
N- Limitando-se, para a fixação do valor dos alimentos às declarações do Recorrido que disse não poder contribuir com mais de 150,00€, por cada criança, ignorando os apelos da Recorrente e a situação atual dos menores, considerando não ser necessário a realização de mais diligências.
O- Não se pautou pelos interesses dos menores e pelos fatores atinentes à situação concreta destes, nomeadamente analisando as suas atuais circunstâncias e as referências em vigência na nossa sociedade, como as necessidades, as condições materiais, sociais, morais e psicológicas adequadas ao seu desenvolvimento estável e equilibrado, bem como, ao seu bem-estar material e moral.
P- O dever de sustento, é no exclusivo interesse dos filhos, a cujas necessidades o património dos pais deve ser prioritariamente afetado.
Q- O que no caso em apreço, só foi o da Recorrente e não o do Recorrido, não tendo, o Tribunal, em conta as necessidades dos filhos de ambos e muito menos a capacidade económica de cada um dos pais, ignorando assim, o disposto os art.ºs 36º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa e 1878º, n.º 1, 2004º, n.º 1 e 2009º, n.º 1, al. c) do C. Civil.
R- Não teve também em conta o disposto no artigo 2006 C.C, que determina que os alimentos são devidos desde a propositura da ação.”
I.C.
Apenas o Ministério Público apresentou resposta que termina com as seguintes conclusões (na parte que continua a relevar para o conhecimento da questão a decidir):
“(…)
9. Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável à satisfação das necessidades da vida segundo a situação social do alimentado.
10. Da decisão recorrida decorre implicitamente, que o tribunal considerou os factos alegados pelas partes como verdadeiros, conferindo credibilidade ao alegado, mas em bom rigor nada é referido a esse respeito.
11. Para decidir o valor dos alimentos a prestar importa ter em conta o regime legal que incide sobre os alimentos devidos a menor, na perceção de que constituem um direito da criança, com o correspondente dever por parte de ambos os progenitores.
12. Ambos os progenitores estão obrigados a contribuir para o sustento dos filhos, cada um em função das suas possibilidades, atento o disposto no artigo 2004º do Código Civil.
13. Na apreciação das possibilidades do obrigado, deve o juiz atender às receitas e despesas daquele, isto é, à parte disponível dos seus rendimentos normais, tendo em atenção as obrigações do devedor para com outras pessoas, não esquecendo que a "possibilidade de prestar alimentos não resulta apenas dos rendimentos dos bens do obrigado, resultando igualmente de outros proventos do mesmo, designadamente os provenientes do seu trabalho, e ainda os seus rendimentos de carácter eventual".
14. O facto da obrigação de alimentos ser de ambos os progenitores não quer significar que cada um deles deve contribuir com metade daquilo que é necessário para o sustento dos filhos, mas tão só que cada um tem a obrigação de assegurar esse sustento, de acordo com as suas possibilidades económicas.
15. Sendo a situação económica e financeira do Requerido mais favorável que a da Requerente, aquele deverá comparticipar numa maior proporção no sustento dos seus filhos;
16. Nada de concreto tendo sido apurado quanto às despesas inerentes às necessidades das crianças, com alimentação, higiene, vestuário e calçado, bem como com educação e habitação, o tribunal a quo terá que levar em conta as despesas essenciais de qualquer pessoa, necessárias a uma subsistência com um mínimo de dignidade, recorrendo a critérios de bom senso e de experiência comum, afigurando-se que, na total ausência de elementos concretos, pode ter-se como ponto de partida o indexante fixado para os apoios sociais.
17. Afigurando-se, assim, de acordo com os factos apurados, apenas baseados nas declarações dos progenitores, como mais adequado que o pai contribua a título de pensão de alimentos com, pelo menos, €175,00 a favor de cada criança.”
I.C.
Foi proferido despacho pelo Tribunal a quo a suprir a nulidade invocada pelo Ministério Público, sendo que nenhuma das partes fez qualquer declaração adicional (cf. artigo 617.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), ficando, por isso, sanada a invocada nulidade. Nada mais há a decidir, nesta fase de recurso, quanto a essa questão.
O recurso foi devidamente recebido pelo Tribunal a quo.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
***
II. FUNDAMENTAÇÃO: II.A.
As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objecto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, mas não haverá lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
No caso, impõe-se apreciar qual o montante com que o progenitor requerido deve, provisoriamente, contribuir para o sustento dos seus filhos e que estão à guarda da apelante.
*
II.B. Fundamentação de facto: II.B.1Factos provados:
Considera-se provada, por não ter sido impugnada, a seguinte factualidade tal como consta do despacho recorrido:
1. As crianças CC e DD, nascidas em ../../2017 e ../../2009, respetivamente, estão registadas como filhos de AA e BB.
2. Os progenitores contraíram casamento civil no dia ../../2009.
3. Separaram-se em 17 de setembro de 2023.
4. A progenitora declarou ter sido vítima de agressões físicas e verbais infligidas pelo progenitor e apresentou queixa contra o mesmo, que corre os seus termos no ..., sob o n.º 304/23.....
5. A progenitora declarou que as agressões ocorriam na presença dos filhos do casal.
6. No âmbito dos autos mencionados em 4, ainda, não foi aplicada ao progenitor qualquer medida de coação.
7. Em face das agressões de que era vítima a progenitora saiu de casa e levou os seus filhos tendo ido viver para um quarto, que lhes foi cedido pela Santa Casa da Misericórdia – seu local de trabalho.
8. As crianças mantêm um bom relacionamento com o pai.
9. A progenitora declarou não se opor a contactos das crianças com o pai.
10. As crianças nutrem afeto pelo pai.
11. As crianças são saudáveis.
12. A progenitora declarou que o pai quando bebe fica agressivo.
13. Após a saída da casa de morada de família pela progenitora, o progenitor não contribuiu com qualquer quantia a título de alimentos e despesas para os filhos.
14. A progenitora declarou auferir enquanto empregada de limpeza da Santa Casa da Misericórdia, rendimento líquido no valor de 754,11€.
15. O progenitor tem convivido com as crianças.
16. Declarou trabalhar com máquinas escavadoras e auferir cerca de €1.100,00.
17. Nos fins de semana que trabalha o seu rendimento mensal aumenta.
18. Declarou pagar €184,00 de amortização de empréstimo para aquisição de viatura própria.
19. Do registo criminal do progenitor não constam condenações averbadas (ref.ª ...12 de 20/02/2024).
*
II.C. Fundamentação jurídica:
Cabe aos pais o dever de educação e manutenção dos filhos.
Este dever está afirmado no artigo 27.º, n.º 2, da Convenção sobre os Direitos da Criança[1] e no artigo 36.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa e está regulado nos artigos 1874.º, n.º 2 e 1878.º, n.º 1 do Código Civil.
De todo o modo, esta obrigação não está posta em causa nos autos, não sendo essa a matéria a decidir.
Apenas existe divergência, atenta a separação dos pais, quanto ao montante com que o progenitor a quem não foi confiada a guarda deve contribuir para esse sustento.
Em processo para regulação do exercício das responsabilidades parentais quando, estando presentes ou representados ambos os pais na conferência, estes não cheguem a acordo que seja homologado, a lei impõe ao juiz a prolação de decisão provisória e cautelar (sabendo o legislador que nesse momento existirá parca informação).
Nesta decisão deverá ser fixada a pensão de alimentos a pagar pelo progenitor não guardião, ainda que se desconheça a sua concreta situação económica (ver Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4/10/2018, processo 2909/15.8T8FAR-A.E1.S1[2]).
Ora, o artigo 2003.º do Código Civil utiliza a expressão alimentos num sentido bastante amplo, entendendo que é tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário. E no caso de o alimentado ser menor, abrange, ainda, a instrução e educação deste.
O que está em causa não é, pois, apenas o indispensável para a sobrevivência, mas tudo o necessário ao desenvolvimento físico, intelectual e emocional da criança.
Os pais devem procurar investir nos filhos, precavendo o seu futuro, principalmente proporcionando-lhes uma educação e instrução dentro do que é razoável, mas tendo em atenção que a criança tem direito a beneficiar do nível de vida dos seus progenitores e a separação entre estes deve ser de forma a que as alterações ao nível do estilo de vida daquela sejam o mais reduzidas possível.
Os critérios legais para o cálculo da obrigação de alimentos vêm estabelecidos no artigo 2004.º do Código Civil, mas de uma forma indeterminada. Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, bem como à possibilidade de o alimentando proceder à sua subsistência.
Como defende Remédio Marques[3], a prestação de alimentos não se mede pelas estritas necessidades vitais do menor (alimentação, vestuário, calçado, alojamento), antes visa assegurar-lhe um nível de vida económico e social idêntico ao dos pais, mesmo que não unidos pelo matrimónio, “parece claro deverem os pais propiciar aos seus filhos condições de conforto e um nível de vida idêntico aos seus”.
Assim, por um lado há que atender à possibilidade do alimentante, que abrange não só os rendimentos do trabalho, como os rendimentos de carácter eventual. A possibilidade do alimentante abrange, ainda, os rendimentos de capital, as poupanças, as rendas provenientes de imóveis arrendados, o valor dos seus bens, que o progenitor terá de alienar em caso de desemprego ou se os seus rendimentos periódicos não forem suficientes para um montante de alimentos adequado às necessidades do alimentando.
E tendo em conta a específica natureza de dever fundamental, na fixação judicial dos alimentos devidos, o Tribunal deve ter em conta, não apenas, o estrito montante pecuniário auferido pelo devedor dos alimentos em certo momento temporal mas, de forma ampla e abrangente, toda a situação patrimonial e padrão de vida deste, incluindo a sua capacidade laboral futura, estando obviamente compreendido no dever de educação e sustento dos filhos a obrigação de activamente procurar exercitar uma actividade profissional geradora de rendimentos que permita o cumprimento mínimo daquele dever fundamental.
Há que recorrer também a padrões de normalidade e às regras da experiência.
Pelo lado do alimentando, dir-se-á que as necessidades dos menores deverão ser em tudo similares às dos jovens da sua idade. É preciso alimentá-los, vesti-los, cuidar da sua educação e saúde, e prover ao seu desenvolvimento físico e psíquico.
Mesmo depois de fixados os alimentos pelo Tribunal ou por acordo entre os interessados, podem os mesmos ser reduzidos ou aumentados se as circunstâncias que determinaram a sua fixação se modificarem – cf. artigo 2012.º do Código Civil.
Só depois de encontrado e fixado esse ponto mínimo da prestação de alimentos – as necessidades básicas do alimentado – é que se atenderá aos meios económicos do progenitor para que os alimentos a fixar ao filho menor sejam assegurados pela máxima medida possível, por forma a que este desfrute de um nível de vida semelhante/equivalente ao que lhe seria proporcionado caso ambos os progenitores vivessem em comum e ele fizesse parte do respectivo agregado familiar (ver, neste sentido, Maria Amália Pereira dos Santos[4]).
Deve atender-se às necessidades que cada criança tem, para além do essencial e comum a qualquer criança, ou seja, do vestir e comer, ao nível da educação e formação (incluindo o lazer, parte essencial à saudável formação de uma criança), tendo em conta, no entanto, a idade de cada uma.
E dada a idade dos menores no caso vertente, não intervém o terceiro critério legal, que é o da possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Não há fórmulas ou critérios quantitativos para superar a imprecisão das regras legais e jurisprudenciais e promover a adequação do montante da obrigação de alimentos às necessidades de cada criança.
No caso concreto, não vêm provadas (dada a fase preliminar dos autos) quaisquer despesas concretas (apenas se sabendo que se tratam de crianças saudáveis e, portanto, sem necessidades especiais nesse domínio – sendo que a decisão não deixou de acautelar separadamente eventuais despesas desta categoria), o que adensa a dificuldade de fixação.
Têm sido tentados alguns métodos para se chegar a um valor ajustado.
Um deles será a chamada “forma de Wisconsin” (explicada, mas não seguida, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04/06/2020, processo 1228/17.0T8SXL-A.L1-2[5]) em que o montante de alimentos é calculado com base no rendimento bruto do progenitor sem a guarda e no número de crianças. As percentagens seriam as seguintes: 17% do rendimento para uma criança; 25% para duas, 29% para três, 31% para quatro e 34% para cinco ou mais crianças. Mas esta forma afasta-se, claramente, do critério legal (que estabelece como limite máximo as necessidades da criança, por muito que ganhe o seu progenitor).
Outra forma que tem sido tentada (e é sugerida nas alegações do Ministério Público) será a de utilizar o IAS – indexante dos apoios sociais (neste sentido ver Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/10/2019, processo n.º 3396/16.9T8CSC.L1-2[6]),
Defende essa corrente que o IAS (regulado na Lei 53-B/2006, de 29 de Dezembro, com alterações posteriores) representa o mínimo económico para uma vida minimamente digna de um adulto. Por uma razão de economia de escala, tem-se considerado que os menores que vivam com um adulto precisam, para esse mesmo nível de vida minimamente digna, de 0,5 IAS (por aplicação do artigo 5 do D.L. 70/2010, de 16 de Junho, para o apuramento da capitação dos rendimentos do agregado familiar, a ponderação de cada elemento é efetuada de acordo com a escala de equivalência seguinte: requerente, peso 1; por cada indivíduo maior, peso 0,7; por cada indivíduo menor, peso: 0,5).
Segundo esta tese, pelo mínimo, cada menor precisaria de 0,5 IAS, pelo que partindo do IAS em 2024 (de acordo a Portaria n.º 421/2023, de 11 de Dezembro, o valor do IAS para o ano de 2024 é de 509,26€), seria de 254,63€ por cada criança o valor das suas necessidades.
No entanto, esta forma de apurar as necessidades de uma criança parte de um mínimo de subsistência e pode (e deve) ser afastado quando existam elementos para tal.
Em média, segundo os estudos mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (a partir de dados de 2022 e 2023), uma criança representa a uma despesa de cerca 308,00€ por mês[7].
Sabe-se o montante total que os progenitores auferem (1.110,00+754,11=1854,11), o que permite apurar qual o montante disponível que o agregado tinha quando viviam juntos e que ia para além do valor do IAS (1 IAS de um adulto, 0,7 IAS pelo segundo adulto e 0,5 IAS por cada menor, ou seja, 509,26+356,48+254,63+254,63=1375,00). Chega-se, por isso, a um montante disponível para além do IAS de 479,11€ (1854,11-1375,00). Ou seja, vivia o agregado com um nível de vida superior ao IAS de 34,84%. E essa percentagem pode ser arredondada para cima, quando se sabe que o requerido (porque não declarou essa despesa) não tem gastos com renda ou amortização de empréstimo bancário (e em termos médios os custos com a habitação são de 40% do total de despesas dos habitantes em Portugal – segundo o estudo do INE referido).
Ou seja, pode dizer-se que para os menores manterem os mesmos padrões de vida que tinham quando viviam juntos com ambos os progenitores, deverá fixar-se o valor das necessidades de alimentação de cada um em mais 40% para além do valor de 0,5 IAS, ou seja, em €356,48 para cada um deles.
Vejamos, agora, as possibilidades do alimentante sem descurar, naturalmente, que a mãe/apelante também está obrigada a participar nas despesas com a alimentação dos filhos. No fundo, tratar-se-á de fazer o apuramento da proporção que cabe a cada progenitor e se tal valor cabe nos seus rendimentos disponíveis.
É que o valor do IAS também terá de servir (assim o defende Remédio Marques[8]e o citado Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/10/2019, processo n.º 3396/16.9T8CSC.L1-2) para definir o limite de subsistência mínimo de cada um dos progenitores.
Tendo o pai um rendimento de 1.100,00€, descontando o valor do IAS (509,26€), fica com o rendimento disponível de 590,74€.
Tendo a mãe um rendimento de 754,11€, descontando o valor do IAS (509,26€), fica com o rendimento disponível de 244,85€.
A soma das possibilidades de ambos (835,59€) supera as necessidades dos dois filhos (712,96€, soma dos 356,48€ para cada um dos menores) e dá-nos a proporção do que cada um dos progenitores deve suportar: para o pai em 70,70% (correspondente a 590,74 em 835,59) e para a mãe em 29,30% (correspondente a 244,85 em 835,59).
Como as necessidades dos filhos são de 712,96€, deverá o pai/requerido suportar 504,06€ (712,96x0,7070), ou seja, €252,03 para cada um dos filhos.
Pelo que fica dito (cf. artigo 987.º do Código de Processo Civil), o critério de repartição das despesas eventuais (com saúde, livros e material didáctico) que foi seguido na decisão recorrida (na proporção de metade para cada um dos progenitores) também não se pode manter integralmente, antes deve ser alterado em conformidade com a proporção referida (70,70% para o pai e 29,30% para a mãe).
Quanto aos mais, deverá manter-se integralmente o despacho recorrido (até que seja proferida decisão final no processo).
Custas:
Conforme estabelecido no artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a regra geral na condenação em custas é a de condenar a parte vencida no recurso. E havendo uma parte vencida não se passa ao critério subsidiário que é o da condenação em custas de quem tira proveito do recurso.
O Ministério Público que contra-alegou, naturalmente, não é a parte vencida (agiu em cumprimento de um dever legal de defesa dos direitos e interesses dos menores e que lhe estão confiados por lei), além de que está isento (cf. artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do Regulamentos das Custas Processuais).
A parte vencida é o requerido, apesar de não ter apresentado contra-alegações.
Como refere Salvador da Costa[9]: “Face ao que dispõe o artigo 529º, n.º 2 do Código, a referência deste normativo às custas não abrange a vertente da taxa de justiça, cuja responsabilidade pelo pagamento é do sujeito processual que impulsionou a ação ou a defesa lato sensu. Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do n.º 1 do artigo 259.º, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta”.
Assim, as custas do presente recurso deverão ficar a cargo do requerido/recorrido, nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil, por ter ficado vencido, mas não pode ser condenado em taxa de justiça, por não ter respondido ao recurso.
***
III. DECISÃO:
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revoga-se o despacho recorrido na parte impugnada e altera-se a decisão provisória quanto aos alimentos a prestar pelo pai/requerido nos seguintes termos:
Alimentos:
6. O pai/requerido contribuirá com a quantia mensal de 504,06€ (quinhentos e quatro euros e seis cêntimos), na proporção de €252,03 (duzentos e cinquenta e dois euros e três cêntimos) para cada criança, a título de pensão de alimentos, a pagar até ao dia 8 de cada mês por transferência bancária para a conta da mãe/requerente.
7. A referida quantia será anual e automaticamente actualizada, a partir de Abril de cada ano, de acordo com a taxa de inflação publicada pelo Instituto Nacional de Estatística e relativa ao ano anterior;
8. Ambos os progenitores suportarão as despesas de saúde (médicas e medicamentosas), na parte não comparticipada e despesas escolares das crianças com livros e material didático, mediante a apresentação de cópias dos recibos ou facturas, na proporção de 70,70% para o pai/requerido e 29,30% para a mãe/requerente.
Condena-se o pai/requerido nas custas do recurso, não sendo devida taxa de justiça nesta instância por não ter contra-alegado.
Notifique.
Évora, 26 de Setembro de 2024
Filipe Aveiro Marques
António Fernando Marques da Silva
Sónia Moura