COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
Sumário

I - Em ação que, atenta a sua configuração, apresenta conexão com outra ordem jurídica distinta da ordem jurídica nacional – a autora tem sede em Portugal; a ré reside em França –, a definição da competência internacional é regulada, em primeiro lugar, pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de dezembro, atenta a consagração do primado do direito comunitário sobre as normas nacionais de atribuição de competência internacional decorrente da ressalva inicial constante do art. 59.º do Cód. Proc. Civil, em consonância com o disposto art. 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
II - Por força da norma contida no art. 7.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de dezembro, que estabelece uma competência especial em matéria contratual, uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro, perante o tribunal onde foi ou deva ser cumprida a obrigação, em alternativa à regra geral da competência do foro do domicílio do requerido, prevista no art. 4.º do Regulamento.
III - Em ação fundada na alegada celebração de contrato de compra e venda, para condenação da ré adquirente no pagamento do preço dos bens vendidos pela vendedora autora, entregues em França, onde a ré reside, a competência internacional está atribuída aos tribunais franceses, por força da regra geral da competência do foro do domicílio do requerido (art. 4.º do Regulamento) e, igualmente, de acordo com a regra especial prevista no art. 7.º, uma vez que, nos termos da sua al. b), na falta de convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação, no caso de compra e venda de bens, será o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues.
IV - Com a intervenção da ré na ação intentada em tribunal nacional, mediante a apresentação de requerimento no qual se pronuncia sobre o objeto da ação, sem arguir a incompetência internacional, ocorre, nos termos do disposto no art. 26.º, n.º 1, do Regulamento, uma extensão de competência a este tribunal, considerando-se tal atuação uma aceitação tácita da competência do tribunal onde a ação foi proposta, com a consequente atribuição da competência em razão da nacionalidade também a tal tribunal, que inicialmente – na data da propositura da ação – não a tinha, impondo-se a revogação da decisão que conheceu oficiosamente da incompetência internacional dos tribunais portugueses.

Texto Integral

Processo 1371/23.6T8AGD.P1– Apelação

Tribunal a quo Juízo Local Cível de Águeda

Recorrente(s) A..., Lda.

Recorrido(a/s) AA

Sumário:

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Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

Identificação das partes e indicação do objeto do litígio

A..., Lda., com sede em Av. ..., ..., ... Viana do Castelo, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra AA, residente em ... – ... (moradas das partes indicadas no formulário da petição inicial – arts. 6.º e 7.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto), pedindo a condenação desta no “pagamento da quantia de 9.526,39 € acrescido de juros de mora até efetivo e integral pagamento e a quantia de 553.50 € a título de despesas de cobrança conforme o preceituado no DL 62/2013 ou se assim não se entender e sem conceder a requerida deverão ser condenar a pagamento o montante líquido de €40,00 tudo nos termos do disposto no art. 7º do DL 62/2013.”

Para tanto, a autora alegou que, no exercício da sua atividade de comércio por grosso não especializado de produtos alimentares, bebidas e tabaco, forneceu à ré, que é empresária e explora uma unidade hoteleira em território francês, produtos do seu comércio descritos nas faturas juntas com a petição inicial – emitidas, a solicitação da ré no momento em que efetuou as encomendas, a favor da sociedade B..., SASU, SIRET ..., com sede em ... ... –, cujo preço total ascende a € 12.428,83, encontrando-se por liquidar a quantia de € 9.526,39.

Alega ainda que as partes acordaram que as faturas deviam ser pagas no prazo de 30 dias, ascendendo os juros de mora, calculados desde a data de vencimento de cada uma das faturas e até à data da propositura da ação, a € 3.835,30, e que já suportou despesas com a cobrança extrajudicial no montante de € 553,50.

Juntou com a petição inicial, além de outros documentos, 10 faturas com a seguinte identificação de destinatário:

Exmo.(s) Senhor(es)

B..., SASU

...

...

...

... ...

Consta no final de cada uma das faturas juntas identificado como Local de carga: N/Instalações e como Local Descarga: ... ....

Frustrada a citação via postal para a morada da ré, sita em França, indicada pela autora na petição inicial, por ‘destinatário desconhecido no endereço’, a autora, notificada de tal devolução da citação postal, apresentou requerimento indicando que ‘apurou nova morada da ré em ..., ..., Águeda’, requerendo nova citação nessa morada.

Frustrou-se igualmente a citação postal remetida para tal morada sita em Portugal, por ‘endereço insuficiente’.

Apresentou então a autora requerimento alegando que “apenas tem a morada que indicou” e solicitando a realização de pesquisas nas bases de dados, com base no assento de nascimento da ré, o que foi efetuado, tendo sido obtida outro endereço sito em França, para o qual foi expedida a carta para citação via postal.

Citada nesse outro endereço, sito em França, a ré remeteu ao processo missiva datada de 22-12-2023, por si subscrita, pronunciando-se sobre o objeto do processo, parcialmente em português e parcialmente em língua francesa (referindo explicar-se melhor em francês).

Em síntese, refere que fala mal português porque saiu do país em 1970, que a autora tem conhecimento que o seu restaurante foi liquidado, declarado falido pelo tribunal, que a sociedade autora estava ao corrente dos problemas, que o valor indicado não corresponde ao valor da dívida; que em 2016 o restaurante foi totalmente fechado e todos foram pagos; a autora nunca apresentou a dívida; que não tem agora condições para pagar.

O tribunal a quo deu o contraditório à autora para se pronunciar sobre eventual (in)competência internacional do tribunal.

No exercício desse direito, a autora, alegando que a mercadoria foi encomendada em Portugal, onde foram discutidos os preços e condições e que o transporte da mercadoria foi efetuado por conta da ré, pronunciou-se pela competência dos tribunais portugueses de acordo com art. 62.º b) e c) do Cód. Proc. Civil.

Na fase intermédia da ação, o tribunal a quo julgou-se internacionalmente incompetente para a ação, absolvendo a ré da instância.

Inconformada, a autora apelou desta decisão, concluindo nos seguintes termos:

A. Considera o tribunal ad quo o seguinte “Assim, e no caso sub judice, resultando das facturas juntas pela autora que as mercadorias vendidas foram entregues em ..., França, conclui-se, pois, que, quer pela mencionada regra geral constante do art.º 4º do Regulamento, quer pela norma especial do art.º 7º, nº 1, a) e b) do diploma em referência, e porque a ré tem a sua residência em França, onde foram entregues as mercadorias que lhe foram vendidas pela autora, a competência internacional para conhecer e decidir o presente litígio cabe aos Tribunais Franceses.”

B. A morada que a recorrente tinha respeitante à recorrida foi a que indicou aquando da propositura da presente ação em juízo.

C. Se por motivo não imputável à recorrente, a recorrida, já não tem residência no referido local deveria, o tribunal ad quo, ao invés do que sucedeu ter cumprido o estatuído no artigo 80º nº3 do C.P.C.

D. E em sua consonância o processo deveria ter sido remetido ao Juízo Local Cível de Viana do Castelo, tribunal do domicílio da recorrente.

E. O tribunal ad quo assenta toda a sua prova nas facturas juntas pela autora.

F. Conforme foi dito pela recorrente o transporte da mercadoria foi efetuada por conta da recorrida.

G. A mercadoria foi entregue pela recorrente à recorrida em Portugal.

H. A encomenda foi feita em Portugal

I. Os preços e condições foram aqui discutidos.

J. Estamos perante um fator de conexão com a competência dos tribunais portugueses para resolver o litígio

K. Nem tão pouco consta das faturas a matrícula e data

L. Afigura-se que ao invés do sucedeu o tribunal ad quo deveria ter permitido a produção de prova testemunhal.

M.A qual em conjugação com a prova documental iria aferir que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para julgar o presente litígio.

N. A partir deste instante, ou seja, a partir do momento em que a Recorrente cumpriu a sua obrigação – entrega da mercadoria na sua sede, em Portugal – deixou de ter qualquer responsabilidade sobre a mesma.

O. Considera a recorrente que tendo a entrega dos bens ocorrido em território nacional, afigura-se que os presentes autos tenham de ser apreciados à luz do ordenamento jurídico nacional de acordo com o artigo 7º/1 a) e b) do regulamento EU nº1215/2012.

P. Afigura-se que ao decidir como decidiu o tribunal ad quo colocou em caso os princípios basilares do acesso ao direito previstos no artigo 20º da C.R.P., princípio do inquisitório previsto no artigo 411º do C.P.C.

Q. Tendo sido violado o estatuído no artigo 5º, 7º/1 e 26 do Regulamento EU nº1215/2012.

R. Conforme decorre do Ac. do Tribunal da Relação de Évora proferido em 28-09-2023 “- O critério relevante para efeitos de competência internacional, no caso venda de bens, é o lugar onde, nos termos do contrato, a mercadoria foi entregue ou devia ser entregue. Ainda no mesmo sentido pronuncia-se Marco Gonçalves, o qual defende que, mesmo que esteja em causa apenas o recebimento do preço, o tribunal competente na compra e venda é o do local da entrega dos bens – cfr. Competência Judiciária na União Europeia, Scientia Iuridica, 2015, págs. 339 e 417 e segs..

S. A recorrida foi citada para efeitos de apresentar a sua contestação.

T. Em 19-01-2024 a recorrida deu entrada em juízo de um requerimento.

U. A recorrida compareceu ativamente nesta ação.

V. A recorrida não arguiu em momento algum a incompetência internacional dos tribunais portugueses.

W. Prevê o artigo 26º do Regulamento EU nº1215/2012. “Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro no qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objetivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 24.

X. Conforme descreve o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 12-01-2023 “uma situação de extensão de competência, por via da qual é competente o tribunal do Estado-Membro no qual o requerido compareça sem arguir a incompetência, alvo se se tratar de uma situação de competência exclusiva, prevista no artigo 24.º.”

Y. Perante o aludido e não tendo a recorrida suscitado a incompetência absoluta do tribunal, o tribunal português é internacionalmente competente.

Z. Ao decidir como decidir o tribunal ad quo violou o estatuído no artigo 26º do Regulamento EU nº1215/2012 e o artigo 80º nº3 do C.P.C.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Após os vistos legais, cumpre decidir.

II – Objeto do recurso:

A questão a apreciar respeita à aferição da (in)competência internacional do tribunal a quo para a ação.

Acresce a responsabilidade por custas.

III – Fundamentação:

De facto

Os factos a considerar são os factos processuais que estão descritos no relatório, que antecede.


Análise dos factos e aplicação da lei:

São as seguintes as questões de direito a abordar:
Análise dos factos e aplicação da lei:
1. Competência internacional dos tribunais portugueses
2. Regime fixado pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de dezembro
3. Apreciação do caso dos autos
3.1. Violação do disposto no art. 80.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil
3.2. Violação dos arts. 20.º da CRP, 411.º do CPC e 5.º e 7.º, n.º 1, do Regulamento
3.3. Violação do disposto no art. 26.º do Regulamento
4. Responsabilidade pelas custas


1. Competência internacional dos tribunais portugueses

A questão da competência internacional dos tribunais portugueses apenas se coloca quando a ação, atenta a sua configuração, apresenta conexão com outra ordem jurídica distinta da ordem jurídica nacional.

No caso em análise tal conexão está presente, uma vez que a autora, sociedade portuguesa com sede em Portugal, demanda uma ré com residência em França. Com efeito, a autora indicou na petição inicial (art. 552.º do Cód. Proc. Civil e formulário a que aludem os arts. 6.º e 7.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto) que a ré, cuja condenação no pagamento da quantia indicada pretende obter através da ação, intentada num tribunal português, tem domicílio em França (... – ...). E a ré foi efetivamente citada em França, sendo esse o país onde reside.

O art. 59.º do Cód. Proc. Civil consagra a norma geral sobre a competência internacional dos tribunais portugueses, nos seguintes termos: «Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.».

Da ressalva inicial desta disposição resulta a consagração do primado do direito comunitário sobre as normas nacionais de atribuição de competência internacional, em consonância com o disposto no n.º 4 do art. 8.º (Direito internacional) da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que «As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.». Ou seja, uma vez que Portugal e França são Estados-Membros da União Europeia, a definição da competência internacional é regulada, em primeiro lugar, pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de dezembro (Regulamento que veio substituir o Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho de 22 de dezembro de 2000, o qual, por sua vez, tinha vindo substituir a convenção de Bruxelas, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, entre os Estados – Membros da Comunidade), prevalecendo tais disposições sobre as normas reguladoras da competência internacional do regime nacional, uma vez que, como resulta do disposto no artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o regulamento tem carácter geral, é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros, pelo que, no seu âmbito de aplicação, substitui os regimes das leis internas de cada Estado-Membro.


2. Regime fixado pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de dezembro

Relevam, para o caso aqui em apreciação, os arts. 4.º, 5.º, 7.º, 24.º e 26.º do Regulamento.

Dispõe tal regulamento nesta parte, nos seguintes termos:


CAPÍTULO II

COMPETÊNCIA

SECÇÃO 1

Disposições gerais

Artigo 4.º


1. Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro.

2. As pessoas que não possuam a nacionalidade do Estado- -Membro em que estão domiciliadas ficam sujeitas, nesse Estado- -Membro, às regras de competência aplicáveis aos nacionais.


Artigo 5.º

1. As pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.

2. Em especial, as regras de competência nacionais notificadas pelos Estados-Membros à Comissão nos termos do artigo 76.º, n.º 1, alínea a), não se aplicam às pessoas a que se refere o n.º 1.

(…)


SECÇÃO 2

Competências especiais

Artigo 7.º


As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro:

1) a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

— no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,

— no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado- -Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;

c) Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a);

2) (…)


SECÇÃO 6

Competências exclusivas

Artigo 24.º


Têm competência exclusiva os seguintes tribunais de um Estado-Membro, independentemente do domicílio das partes:

1) Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis, os tribunais do Estado-Membro onde se situa o imóvel.

Todavia, em matéria de contratos de arrendamento de imóveis celebrados para uso pessoal temporário por um período máximo de seis meses consecutivos, são igualmente competentes os tribunais do Estado-Membro onde o requerido tiver domicílio, desde que o arrendatário seja uma pessoa singular e o proprietário e o arrendatário tenham domicílio no mesmo Estado-Membro.

2) Em matéria de validade da constituição, de nulidade ou de dissolução de sociedades ou de outras pessoas coletivas ou associações de pessoas singulares ou coletivas, ou de validade das decisões dos seus órgãos, os tribunais do Estado-Membro em que a sociedade, pessoa coletiva ou associação tiverem a sua sede. Para determinar essa sede, o tribunal aplica as suas regras de direito internacional privado.

3) Em matéria de validade de inscrições em registos públicos, os tribunais do Estado-Membro em que esses registos sejam conservados.

4) Em matéria de registo ou validade de patentes, marcas, desenhos e modelos e outros direitos análogos sujeitos a depósito ou a registo, independentemente de a questão ser suscitada por via de ação ou por via de exceção, os tribunais do Estado-Membro onde o depósito ou o registo tiver sido requerido, efetuado ou considerado efetuado nos termos de um instrumento da União ou de uma convenção internacional.

Sem prejuízo da competência do Instituto Europeu de Patentes ao abrigo da Convenção relativa à Emissão de Patentes Europeias, assinada em Munique em 5 de outubro de 1973, os tribunais de cada Estado-Membro são os únicos competentes em matéria de registo ou de validade das patentes europeias emitidas para esse Estado-Membro. Sem prejuízo da competência do Instituto Europeu de Patentes ao abrigo da Convenção relativa à Emissão de Patentes Europeias, assinada em Munique em 5 de outubro de 1973, os tribunais de cada Estado-Membro são os únicos competentes em matéria de registo ou de validade das patentes europeias emitidas para esse Estado-Membro.

5) Em matéria de execução de decisões, os tribunais do Estado- -Membro do lugar da execução.


SECÇÃO 7

Extensão de competência

Artigo 25.º

(…)

Artigo 26.º


1. Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro no qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objetivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 24.º.

2. Nas matérias abrangidas pelas secções 3, 4 e 5, caso o requerido seja o tomador do seguro, o segurado, o beneficiário do contrato de seguro, o lesado, um consumidor ou um trabalhador, o tribunal, antes de se declarar competente ao abrigo do n.º 1, deve assegurar que o requerido seja informado do seu direito de contestar a competência do tribunal e das consequências de comparecer ou não em juízo.

Destas disposições resulta, em termos resumidos, o seguinte, quanto ao âmbito subjetivo de aplicação do Regulamento – cfr. Marco Carvalho Gonçalves, Competência Judiciária na União Europeia, Scientia Iuridica, N.º 339 – Setembro/Dezembro, 2015, pág. 417 e seguintes, que aqui seguimos de perto:

– O critério geral de competência, estabelecido no art. 4.º, n.º 1, é o do domicílio do requerido, ou seja, tendo o réu o seu domicílio ou sede num dos Estados-Membros da União Europeia, deve ser demandado nos tribunais desse Estado-Membro, independentemente da sua nacionalidade.

– Esta regra geral é complementada pelas regras especiais de competência previstas nos arts. 7.º a 25.º do Regulamento, das quais resulta que, verificando-se um dos critérios especiais de competência nelas previstos, ainda que tenha o seu domicílio num Estado-Membro, o requerido também possa ser demandado no foro decorrente da subsunção a uma dessas regras especiais. Trata-se de uma competência alternativa, ou seja, tendo o requerido domicílio num Estado-Membro e preenchendo-se ainda a previsão legal de uma destas normas que consagram competências especiais, o autor pode optar entre demandar o requerido nos tribunais do Estado-Membro do domicílio daquele ou nos tribunais do Estado-Membro competente nos termos de um desses critérios especiais.

– Quando se verifique uma situação de competência exclusiva, nos casos previstos no art. 24.º, ou de competência convencional, prevista no art. 25.º, é afastado o critério geral do domicílio do réu e os critérios especiais de competência acima referidos.

– Estando em causa matéria contratual (como sucede no caso em apreciação), o art. 7.º do Regulamento, no seu n.º 1, consagra a competência do tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação, estabelecendo a sua al. b) que, na falta de convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação, no caso de compra e venda de bens, será o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues e, no caso de prestação de serviços, será o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados.

– O art. 26.º do Regulamento «(…) estabelece um regime particular de celebração tácita (…) de um pacto de jurisdição. Assim, (…), se a ação for intentada num tribunal que não seja internacionalmente competente, mas se o réu comparecer perante esse tribunal sem ser com o único objetivo de arguir a sua incompetência, esse tribunal torna-se competente por força da celebração tácita de um pacto de jurisdição (…)». – cfr. Marco Carvalho Gonçalves, op. cit. p. 444.


3. Apreciação do caso dos autos

Fundamenta a apelante a sua discordância da decisão apelada nos seguintes termos:

a) Começa por defender que, tendo o tribunal recorrido invocado na fundamentação da decisão que, ainda que não fosse internacionalmente competente, sempre o seria em razão do território, ao não ter remetido o processo para o tribunal territorialmente competente violou o disposto no art. 80.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil;

b) Prossegue dizendo que o tribunal ‘devia ter permitido a produção de prova testemunhal’ para aferir da competência internacional dos tribunais portugueses, por a entrega da mercadoria à ré ter sido feita em Portugal, tendo o transporte para França sido efetuado por conta da ré, o que afastaria a consideração, efetuada na decisão recorrida, com base nas faturas juntas, de ser França o local de entrega dos bens vendidos, violando a decisão recorrida o princípio do acesso ao direito (art. 20.º da CRP) e o princípio do inquisitório (art. 411.º do Cód. Proc. Civil) e os arts. 5.º, 7.º, n.º 1, do Regulamento;

c) Conclui pela violação do disposto no art. 26.º do Regulamento, uma vez que a requerida, citada, apresentou um requerimento, comparecendo ativamente na ação sem arguir a incompetência internacional dos tribunais portugueses.


3.1. Violação do disposto no art. 80.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil

É desprovido de qualquer efeito útil este fundamento do recurso, uma vez que a apelante não explica nem fundamenta como a pretensa violação do disposto no art. 80.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil dá causa à revogação da decisão recorrida, em que o tribunal a quo conheceu da sua incompetência internacional.

Ainda assim, sempre se dirá o seguinte.

O conhecimento da declarada incompetência internacional é necessariamente prévio e preclusivo de qualquer conhecimento de qualquer outra incompetência, designadamente, territorial.

Tendo o tribunal a quo considerado que os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para a presente ação, por tal competência, atenta a causa de pedir e o pedido deduzidos na petição inicial, estar atribuída aos tribunais franceses – quer nos termos do disposto na regra geral do art. 4.º, n.º 1 (foro do domicílio da ré, sito em França), quer nos termos do critério especial do lugar do cumprimento da obrigação, que, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art. 7.º, corresponde ao lugar onde foram entregues os bens (..., França) –, nunca poderia ter conhecido (como não conheceu) da sua incompetência territorial, pois tal conhecimento pressuporia que considerasse os tribunais portugueses internacionalmente competentes para a ação.

O tribunal recorrido, confrontado com a frustração da citação da ré enviada para a morada indicada pela autora na petição inicial como sendo o domicílio da ré – mas que é, como resulta das faturas juntas pela própria autora com a petição inicial, a morada da sede da sociedade a quem as faturas foram emitidas, sita em ..., ... –, por a ré ser desconhecida nessa morada, e com a frustração da subsequente tentativa de citação da ré para uma morada portuguesa insuficiente, fornecida pela autora, fez o que devia ter feito, em cumprimento do disposto nos arts. 226.º, 236.º e 239.º, todos do Cód. Proc. Civil, tendo logrado obter a efetiva morada da residência da ré, onde a mesma foi citada.

Não tem, pois, qualquer cabimento, legal ou outro, a tese aventada pela apelante quanto à violação do disposto no art. 80.º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil como fundamento do recurso pelo qual pretende obter a revogação da decisão apelada.


3.2. Violação dos arts. 20.º da CRP, 411.º do CPC e 5.º e 7.º, n.º 1, do Regulamento

Toda a construção recursiva da apelante quanto a este fundamento assenta num pressuposto não verificado: o de que a autora alegou na petição inicial que foi acordado com a ré que a mercadoria lhe era entregue em Portugal.

Não foi isso que a autora alegou. O que foi alegado na petição inicial é que “a ré é empresária e explora uma unidade hoteleira em território francês”, que “a autora forneceu à ré vários produtos do seu comércio, conforme faturas juntas” – faturas essas emitidas pela autora em nome da sociedade B..., Sasu, ..., segundo alega, a pedido da ré, sociedade essa com sede ... ... –, constando das referidas faturas como Local de Descarga precisamente essa morada.

A causa de pedir alegada é a que consta da petição inicial, não sendo admissível a ulterior introdução pela autora – através do requerimento pelo qual pretendeu exercer o contraditório quanto ao eventual conhecimento pelo tribunal a quo da exceção de incompetência internacional perante tal configuração da ação na petição inicial – de novos contornos quanto ao acordo celebrado entre autora e ré, distintos e modificativos dos que havia alegado na petição inicial. Neste sentido, sobre caso análogo, cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-11-2020, proc. 114083/18.7YIPRT.G1.

No sentido de que o local de carga e o transporte são irrelevantes, sendo indiferente ter sido ou não a própria ré a promover o transporte para o destino final, cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-01-2023, proc.19883/21.4T8PRT.C1.

Daqui resulta não haver qualquer violação do princípio do inquisitório consagrado no art. 411.º do Cód. Proc. Civil, não merecendo qualquer censura o raciocínio expendido na decisão recorrida, na parte em que, considerando aplicável ao caso o referido Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2012 – obrigatório em todos os seus elementos, e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros, prevalecendo sobre as regras de competência internacional dos tribunais de origem interna –, considerou que, tendo a ré a sua residência em França e resultando das faturas juntas pela autora que as mercadorias vendidas foram entregues em ..., França, a competência internacional, quer de acordo com a regra geral do art. 4.º, n.º 1, quer com a regra especial do art. 7.º, n.º 1, al. b), do Regulamento, pertenceria aos tribunais Franceses.

Também não ocorre qualquer violação do art. 20.º da Constituição da República Portuguesa: o acesso ao direito e aos tribunais está garantido, designadamente, através dos tribunais com competência internacional atribuída nos termos do Regulamento.


3.3. Violação do disposto no art. 26.º do Regulamento

Por fim, defende a apelante que, tendo a ré, após ser citada para a ação, apresentado requerimento no qual não suscitou a incompetência absoluta do tribunal, se verifica a competência internacional dos tribunais portugueses por força da aplicação do regime previsto no art. 26.º do Regulamento, pelo que a decisão recorrida, ao absolver a ré da instância com fundamento na incompetência internacional, violou tal disposição legal.

Estabelece o n.º 1 do art. 26.º do Regulamento que, para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro no qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objetivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 24.º. Consagra-se aqui uma competência convencional tácita: uma extensão de competência ao Estado-Membro onde a ação foi intentada, por força da comparência do requerido perante o tribunal (internacionalmente incompetente) onde a ação foi intentada sem que, nessa intervenção, argua a incompetência internacional, por se considerar tal comparência sem a arguição da exceção de incompetência internacional como um acordo tácito – ao intervir sem arguir a incompetência ocorre uma aceitação tácita de tal competência.

Sobre a interpretação do art. 26.º do Regulamento, veja-se a clara e exaustiva explanação efetuada no Ac. deste Tribunal da Relação do Porto de 23-02-2017, proc. 159312/15.4YIPRT.P1:

«(…) Este preceito consagra uma situação extensão de competência (é essa a epígrafe da secção que contém os artigos 25.º e 26.º), isto é, uma situação em que a competência para o julgamento do litígio se alarga, passando a ser competente não só o tribunal inicialmente designado por disposição do Regulamento, como também aquele perante o qual o demandado compareça a oferecer a sua defesa.

A competência pode assim resultar não apenas do acordo explícito (pacto de jurisdição) como ainda do acordo implícito das partes que ao apresentarem-se perante aquele tribunal a demandar e a oferecerem a sua defesa aceitam tacitamente a respectiva jurisdição, caso o requerido compareça em tribunal sem arguir no primeiro acto de defesa a incompetência do tribunal ao qual é posta a questão.

Esta norma corresponde ao artigo 24.º do Regulamento n.º 44/2001 que o Regulamento n.º 1215/2012 veio substituir, não apresentando diferenças em relação à disposição pretérita.

A interpretação do artigo 24.º do Regulamento n.º 44/2001 foi realizada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 20.05.2010, no processo C-111/09 (Česká podnikatelská pojišťovna as Vienna Insurance Group), no qual se formulou a seguinte jurisprudência (os sublinhados são nossos): “21. (…) o artigo 24.º, primeiro período, do Regulamento n.º 44/2001 estabelece uma regra de competência baseada na comparência do demandado no processo, aplicável a todos os litígios em que a competência do tribunal onde foi intentada a acção não decorra de outras disposições deste regulamento. Esta disposição é aplicável também nos casos em que a acção foi intentada em violação das disposições do referido regulamento e implica que a comparência do demandado no processo possa ser considerada uma aceitação tácita da competência do tribunal onde foi intentada a acção e, portanto, uma extensão da sua competência.

22. O artigo 24.º, segundo período, do Regulamento n.º 44/2001 prevê excepções a essa regra geral. Estabelece que não há uma extensão tácita da competência do tribunal onde foi intentada a acção se o demandado deduzir uma excepção de incompetência, expressando assim a sua vontade de não aceitar a competência desse órgão jurisdicional, ou se o litígio em causa for um dos litígios relativamente aos quais o artigo 22.º do referido regulamento estabelece regras de competência exclusiva. (…)

25. (…), segundo a jurisprudência relativa ao artigo 18.º da Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), disposição idêntica, no essencial, ao artigo 24.º do Regulamento n.º 44/2001, nos casos que não constam expressamente de entre as excepções previstas na segunda frase do referido artigo 18.º, é aplicável a regra geral sobre a extensão tácita da competência. Ao pronunciar-se no âmbito de um litígio em que as partes tinham celebrado um pacto atributivo de jurisdição, o Tribunal de Justiça afirmou que não havia qualquer razão decorrente da economia geral ou dos objectivos da referida Convenção para se considerar estarem as partes impedidas de submeter um litígio a um órgão jurisdicional diferente do estipulado no pacto (v. acórdãos de 24 de Junho de 1981, Elefanten Schuh, 150/80, Recueil, p. 1671, n.º 10, e de 7 de Março de 1985, Spitzley, 48/84, Recueil, p. 787, n.os 24 e 25).

26. Nestas condições, uma vez que as regras de competência enunciadas na secção 3 do capítulo II do Regulamento n.º 44/2001 não são regras de competência exclusiva, o tribunal onde a acção foi intentada com inobservância das referidas regras deve declarar-se competente quando o demandado comparece no processo e não deduz qualquer excepção de incompetência.(…)

30. (…) embora nos domínios visados pelas secções 3 a 5 do capítulo II do mesmo regulamento as regras de competência tenham por objectivo oferecer à parte mais fraca uma protecção reforçada (v., a este respeito, acórdão de 13 de Dezembro de 2007, FBTO Schadeverzekeringen, C-463/06, Colect., p. I-11321, n.º 28), não pode ser imposta a essa parte a competência judiciária determinada por essas secções. Se essa parte decidir deliberadamente comparecer no processo, o Regulamento n.º 44/2001 dá-lhe a possibilidade de contestar o mérito da acção perante um órgão jurisdicional diferente dos determinados com base nas referidas secções.

33. Resulta do exposto que importa responder à segunda questão que o artigo 24.º do Regulamento n.º 44/2001 deve ser interpretado no sentido de que o tribunal em que a acção foi intentada, sem que as regras constantes da secção 3 do capítulo II deste regulamento tivessem sido respeitadas, deve declarar-se competente quando o demandado comparece no processo e não deduz uma excepção de incompetência, constituindo essa comparência no processo uma extensão tácita da competência.”

Também no Acórdão de 11.09.2014, no processo n.º C-112/13, o Tribunal de Justiça assinalou que:

50. (…) segundo jurisprudência constante, as disposições do Regulamento n.º 44/2001 devem ser interpretadas de maneira autónoma, com referência principalmente ao seu sistema e aos seus objectivos (v., neste sentido, acórdãos Cartier parfums-lunettes e Axa Corporate Solutions Assurance, C-1/13, EU:C:2014:109, n.º 32 e jurisprudência referida, e Hi Hotel HCF, C-387/12, EU:C:2014:215, n.º 24). (…)

53. (…) há que recordar, em primeiro lugar, que esse artigo 24.º faz parte do capítulo II, secção 7, do Regulamento n.º 44/2001, sob a epígrafe «Extensão de competência». O referido artigo 24.º, primeiro período, estabelece uma regra de competência assente na comparência do requerido, aplicável a todos os litígios em que a competência do tribunal onde foi intentada a acção não decorra de outras disposições deste regulamento. Esta disposição é aplicável também aos casos em que a acção foi intentada em violação das disposições do referido regulamento e implica que a comparência do requerido possa ser considerada uma aceitação tácita da competência do tribunal onde foi intentada a acção e, portanto, uma extensão da sua competência (v. acórdãos ČPP Vienna Insurance Group, C-111/09, EU:C:2010:290, n.º 21, e Cartier parfums-lunettes e Axa Corporate Solutions Assurance, EU:C:2014:109, n.º34).

Em conformidade com esta interpretação, o que está previsto na secção 7 do capítulo II do Regulamento n.º 1215/2012 (como antes do Regulamento n.º 44/2001) são situações de extensão (expressa e tácita) de competência. Verificada a previsão do 26.º deste Regulamentos a competência alarga-se ao tribunal onde o réu foi demandado e perante o qual compareceu sem arguir a respectiva incompetência, o qual passa a ser igualmente competente como o tribunal designado por disposição específica do Regulamento, designadamente os artigos 5.º e 7.º.

Esta extensão de competência ocorre ainda que conduza à derrogação das competências de protecção, só cedendo perante as normas do Regulamento que definem competências exclusivas (artigo 24.º), ao contrário do que sucede com a definição de competência através do pacto de jurisdição que nunca pode contrariar as regras de competência exclusivas e em matéria de seguros, contratos celebrados por consumidores e contratos individuais de trabalho (artigo 25.º, n.º 4).

Essa solução justifica-se porque a intenção clara destes Regulamentos é agilizar o funcionamento da justiça no espaço da União e impor a todos os Estados a aceitação das decisões proferidas pelos tribunais de qualquer deles, pelo que se o réu é demandado nos tribunais de um Estado - Membro e aí comparece a defender-se sem suscitar, como podia, a incompetência dos tribunais desse Estado, nenhum interesse existe em inutilizar o processado e obrigar à instauração de nova acção nos tribunais de outro Estado, excepto nas situações que justificam a fixação de uma competência exclusiva.

Daí resulta afinal que o autor pode instaurar a acção num tribunal que inicialmente não seria o competente (designadamente o do Estado - Membro do seu domicílio e não o do Estado - Membro do domicílio do demandado) ficando, no entanto, dependente de que o réu compareça perante esse tribunal e não argua a incompetência deste. O simples facto de o requerido comparecer em tribunal e não arguir a incompetência do tribunal onde a acção foi proposta, optando por apresentar somente a sua defesa quanto ao fundo da causa, determina que a competência fique atribuída também a este tribunal, o qual, nessa altura e por reunião desses dois factores, adquire competência em razão da nacionalidade. (…)».

No caso em análise, a ré efetivamente interveio na ação, mediante a remessa ao processo da missiva datada de 22-12-2023, por si subscrita, na qual se pronuncia sobre o objeto do processo sem efetuar qualquer contestação da competência do tribunal. Tal intervenção processual da ré integra uma aceitação tácita da competência do tribunal prevista na 1.ª parte do n.º 1 do art. 26.º do Regulamento, não se preenchendo a exceção (arguição da incompetência) prevista na 2.ª parte do n.º 1 do referido artigo.

Sobre a valoração da intervenção da ré sem constituição de mandatário na subsunção ao conceito de comparência e de arguição de incompetência no âmbito da aplicação do regime do art. 26.º do Regulamento, cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 02-06-2022, proc. 314/21.6T8BRG.G1 (embora aqui se valore tal intervenção sem constituição de mandatário, determinante da subsequente desconsideração da defesa por força do disposto nos arts. 40.º, n.º 1, al. a) e 41.º do Cód. Proc. Civil, como fundamento do afastamento do acordo tácito na medida em que naquela intervenção efetuada a ré contestou a competência).

Assim, por força da aplicação do disposto no art. 26.º do Regulamento, temos que concluir que, perante a intervenção efetuada pela ré na ação, pronunciando-se sobre o objeto do processo sem arguir a incompetência internacional dos tribunais portugueses (por serem competentes os tribunais franceses, nos termos do disposto nos arts. 4.º, n.º 1 e 7.º, n.º 1, al. b), do Regulamento, nos moldes considerados na decisão recorrida) estes adquiram competência, ficando vedado ao tribunal recorrido o conhecimento oficioso da incompetência efetuado.

Com tal fundamento, temos que concluir pela procedência do recurso.


4. Responsabilidade pelas custas

Nos termos do disposto no art. 1.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, todos os processos estão sujeitos a custas, considerando-se cada recurso como processo autónomo, desde que possa dar origem a uma tributação própria, como aqui sucede (ver arts. 529.º e 530.º do Cód. Proc. Civil e art. 6.º, n.º 1 e n.º 2, do RCP).

O art. 527.º do Cód. Proc. Civil estabelece a regra geral em matéria de custas, nos seguintes termos:

1 – A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

3 - No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas.

Daqui resulta que o critério de atribuição da responsabilidade por custas se funda, em primeiro lugar, no princípio da causalidade, considerando-se que dá causa às custas a parte vencida: dá causa à ação, incidente ou recurso quem perde. O critério do proveito apenas opera quando não pode operar o critério da sucumbência, por não haver vencedor nem vencido (por exemplo, como sucede nos processos de revisão de sentença estrangeira sem oposição do requerido, ficando as custas do processo a cargo de que impulsiona o processo, com base no critério do proveito).

No caso do presente recurso, existe um vencedor – o recorrente – mas não se pode afirmar que exista um vencido. Não se pode afirmar que a revogação da decisão recorrida, que conheceu oficiosamente da exceção de incompetência internacional, postergou o interesse da ré (para mais quando, no caso, a procedência do recurso se funda na aceitação tácita pela ré da competência do tribunal, por ter intervindo na ação sem arguir a incompetência internacional).

Em casos como o presente, em que há um vencedor mas não há uma parte vencida, «(…) esta não pode ser condenada no pagamento de custas porque não se verifica a causalidade (não deu causa à acção ou ao recurso), mas também aquele não o pode ser precisamente por ter havido vencimento (o que afasta o critério do proveito).» – cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-01-2019, proc. 45824/18.8YIPRT-A.L1 [1].

Neste caso em concreto, da procedência do recurso apenas resulta o prosseguimento da ação, não se sabendo quem obterá vencimento da ação. Estando-se aqui perante uma decisão interlocutória que se enquadra na tramitação do processo com vista à decisão final sobre o respetivo mérito, afigura-se-nos que será adequada a aplicação da solução defendida no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-01-2011, proc. n.º 277/08.3TBSRQ-F11-7, no qual se considerou o seguinte:

«(...) todo o processo tem um objectivo primordial, que é o da obtenção de uma regulação jurídica, declarada ou efectiva, de interesses de direito material; e que é o caminho para se lá chegar que tem um custo, em parte representado pelas custas a pagar.

Este núcleo duro de custas tem sempre um responsável final; alguém que se volve em sujeito passivo das custas por se reconhecer que, á luz de tudo, deve ser ele a suportar o encargo; seja por ser vencido; seja pelo proveito obtido; seja, em derradeiro critério, por ser aquele que desencadeou o funcionamento da máquina judiciária. Por isso, e em todo a caso, o artigo 659º nº 3 [...] exige, sob pena de nulidade (artigo 668º, n° 1, alínea f), do CPC), que se defina, com expressividade e clareza, quem são os responsáveis pelas custas e qual a relativa proporção da dívida.

Ora, do nosso ponto de vista, faz sentido que, na falta de uma outra referência juridicamente atendível, seja a esta derradeira distribuição que venha a aderir toda a restante responsabilidade a que, entretanto, não houvera oportunidade, ou possibilidade, de encontrar ajustado devedor. A autonomia tributária, que porventura houvesse, cede na parte da repartição de responsabilidade; e a quem seja onerado pelo custo global e final da acção acrescerá, na mesma proporção, por se entender que a essa principal responsabilidade devem ter adesão aquelas outras conexas ou meramente instrumentais, a dívida de custas gerada pelo acto ou termo a que antes se não conseguiu conhecer responsável.

A dívida interlocutória de custas adere, nesta óptica, à dívida final, referente à contrapartida global do “pacote” de serviço de justiça prestado; nascendo a respectiva obrigação na esfera daquele que, a final, venha a ser reconhecido como o devedor das principais custas da acção. É o que comummente se chama de dívida de custas pela parte que seja vencida a final; que em inúmeras situações é habitual reconhecer; e que, em consonância, faz relegar para a mesma decisão final – em regra, a sentença ou o acórdão que julguem do mérito da causa – o exacto e pontual cumprimento do mencionado artigo 659º, nº 4 do CPC. Sobre casos de condenação no pagamento de custas da parte ou das partes que a final ficarem vencidas, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2005, proc.º nº 05B531, de 17 de Abril de 2007, proc.º nº 07B956, e da Relação do Porto de 12 de Abril de 2010, proc.º nº 1057/09.4TBVFR-A.P1, todos em www.dgsi.pt. (…)

Alheio ao interesse que era latente ao recurso de apelação, e nele abstendo-se de contra-alegar, ou, de todo o modo, de intervir, não se mostra razoável que seja ele a suportar as custas da apelação. Ao obterem vencimento nesse recurso, também aos apelantes não é reconhecível o nascimento da vinculação no pagamento das custas. Por conseguinte, a solução de equilíbrio é considerar que as custas do recurso de apelação devem acrescer às custas devidas pelo processo principal que está na sua génese, sendo o(s) mesmo(s) o(s) sujeito(s) passivo(s), e na mesma exacta proporção, de umas e de outras. (…)».

Em conformidade, atento o vencimento da apelante e o facto de a apelada não ter dado causa à decisão recorrida, nem ter ficado vencida no recurso, as custas do recurso ficam a cargo da parte que ficar vencida a final, na respetiva proporção.

IV – Dispositivo:

Pelo exposto, na procedência da apelação, acorda-se em revogar a decisão recorrida, julgando-se os tribunais portugueses internacionalmente competentes para julgar a presente ação.

Custas do recurso a cargo da parte que ficar vencida a final, na respetiva proporção.

Notifique.


***
Porto, 10/10/2024
(data constante da assinatura eletrónica)
Ana Luísa Loureiro
José Manuel Correia
Isabel Ferreira
_________________
[1] Acessível em https://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?nid=5566&codarea=58.