PROPRIEDADE HORIZONTAL
ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO
EXONERAÇÃO
Sumário

I - O Administrador de Condomínio pode ser exonerado pelo tribunal, a requerimento de qualquer condómino, quando se mostre que praticou irregularidades ou agiu com negligência no exercício das suas funções.
II - Assim, o tribunal tem que conhecer os concretos actos do administrador que esteja a exercer funções de forma a aferir se o mesmo praticou actos ilícitos, violadores das suas obrigações legais e contratuais, e culposos, em termos do dolo e negligência.
III - Incumbe ao Autor o ónus de alegar e provar os actos concretos realizados pelo Administrador do Condomínio, passiveis de determinar a sua exoneração, o que não sucedeu no caso vertente.

Texto Integral

Recurso de Apelação - 3ª Secção

ECLI:PT:TRP:2024:1380/22.2T8PVZ.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

AA, residente na Rua ..., R/chão, Póvoa de Varzim, instaurou acção especial de exoneração de administrador de condomínio, contra BB, residente no Largo ..., Póvoa de Varzim, onde concluiu pedindo a destituição do réu do cargo de administrador do Condomínio do edifício sito na Avenida ..., ..., Póvoa de Varzim.

Alegou, em síntese, que é proprietária da fracção autónoma, designada pela letra “A”, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ......, inscrito na matriz urbana sob o artigo ......, da freguesia da Póvoa de Varzim e o requerido é o administrador do prédio denominado Condomínio do Edifício sito na Avenida ..., ..., do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrito na matriz urbana sob o artigo ..., da freguesia da Póvoa de Varzim, onde se insere a referida fracção.

Mais alegou, que o edifício cuja administração está a cargo do requerido é composto por apenas cinco fracções autónomas e que o réu é proprietário de duas fracções autónomas.

Acrescentou que o requerido não presta os esclarecimentos que lhe são solicitados em relação às contas e não apresenta os documentos justificativos das despesas, apesar de interpelado para o efeito.

Alegou, ainda, que o requerido não reduz a escrito, no dia das Assembleias, as respetivas actas, só as remetendo aos condóminos vários meses depois.

Acrescentou que o requerido, nos orçamentos por si apresentados e aprovados, imputa à autora além das despesas dos ascensores, também e sem fundamento, obras relacionadas com o ascensor, uma vez que a sua fracção se situa no rés-do-chão, violando gravemente e dolosamente as obrigações que lhe são impostas pela lei em relação ao condomínio e aos condóminos individualmente.


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Citado, o requerido apresentou contestação, por excepção e por impugnação.

Invocou, desde logo, a falta de mandato do Advogado subscritor da petição inicial, impugnando, ainda, parte da factualidade invocada no requerimento inicial e pugnando, por fim, pela condenação da requerente como litigante de má-fé


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Notificada para o efeito, a requerente procedeu à junção de procuração, bem como a declaração a ratificar o processado, pelo que foi julgado regularizado o patrocínio da requerente e ratificado o processado.

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Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais.

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Após a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e, em consequência, absolveu o requerido do pedido, bem como absolveu a requerente do pedido de condenação como litigante de má-fé.

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Não se conformando com a decisão proferida, a recorrente AA, veio interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:

I.Nos autos, ficou demonstrado que o R./Apelante, tem naquele edifício votos que correspondem a 350% dos votos dos proprietários.

II. Ou seja, o R./Apelado, constitui quer seja órgão deliberativo, seja órgão executivo de tal condomínio.

III. Desde logo por aqui se vê, a influência que, quer a nível deliberativo, quer a nível executivo, o Apelado, ora R., tem sobre as decisões e a execução daquelas deliberações, tomadas em Assembleia de Condóminos, assim como sobre a administração das partes comuns, a cobrança de contas e a elaboração do orçamento das despesas e receitas relativas a cada ano civil.

IV. Facto este que, salvo o devido respeito, foi totalmente desconsiderado pela MMª Juiz do Tribunal “a quo”.

V. O que se passa nos presentes autos ocorre, infelizmente, muitas vezes quando um ou dois condóminos, por causa da permilagem das respectivas fracções, pretendem decidir unilateralmente os destinos de um prédio, menosprezando e minorando os restantes condóminos que têm valores representativos menores.

VI. Mais premente quando, como é o caso, a Apelante se encontra mais de metade de um ano civil a residir em França, sem qualquer possibilidade de reagir atempadamente, contrapor e, ou, conferir todas as alterações, obras, reparações que o R./Apelado, em representação do condomínio, diz realizar e tem grande dificuldade em entender a maior parte das deliberações levadas à assembleia de condomínio.

VII. A Apelante/A., acordou, no âmbito de um processo judicial com o Apelado/R., que o mesmo lhe remetesse os documentos das contas aprovadas, respeitantes ao no de 2020.

VIII. No entanto, o Apelado, ora R., nada disse, informou ou esclareceu a Apelante/A. dos esclarecimentos solicitados.

IX. Havendo administrador do condomínio nomeado, o mesmo está obrigado a prestar contas.

X. O dever de prestação de contas, ínsito nos art.1431º n.º 1 e 1436º n.º 1 al. l) do Código Civil - na sua redacção em vigor, dada pela Lei n.º 8/2022, de 10 de Janeiro -, é uma vertente do dever geral de informação do administrador.

XI. Impende sobre a administração do condomínio, designadamente do seu administrador, ou quem o pretenda substituir, os deveres de informação, diligência, acessibilidade e imparcialidade.

XII. Este dever de informação compreende a transmissão de uma informação verdadeira, completa e elucidativa, a todo o tempo, sobre qualquer assunto respeitante à administração e, sobretudo, à administração das partes comuns do edifício, quer perante a assembleia de condóminos, quer perante cada condómino individualmente considerado.

XIII. Daí que, está doutrinal e jurisprudencialmente assente que a obrigação de prestar contas deve recair sobre quem cobra as receitas e efectua as despesas comuns, ou seja, aquilo que constitui o núcleo da actividade de administração do condomínio, seja por parte do(a) administrador(a) do condomínio, seja por parte de qualquer condómino que entenda estar em condições de o substituir… - veja-se, entre outros, o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30/05/2016, proc. n.º 45/14.3TBVFR.P1, disponível em www.dgsi.pt.

XIV. Constitui uma obrigação legal do administrador do condomínio, apresentar as contas de forma exacta, ordenada, compreensível e, sobretudo, documentadas - in “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, Sandra Passinhas, Almedina, Julho, 2000.

XV. É entendimento da jurisprudência dos Tribunais Portugueses que no que respeita ao dever de informação por parte do administrador do condomínio é relevante averiguar se existiu disponibilidade para prestar os esclarecimentos necessários, ocorrendo a violação do dever de informação nos casos de recusa - veja-se a este propósito o douto e recente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19/12/2023, processo n.º 163/20.9T8CSC.L1-7 e o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08/09/2009, processo n.º 52/08.5TBSTS.P1, acessível em www.dgsi.pt.

XVI. Não podia o Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, decidir no sentido de que da factualidade dos autos não resultam elementos que permitam concluir que o Apelado/Requerido, tenha praticado irregularidades ou atuado com negligência no exercício de funções de administrador.

XVII. Não é com a remessa de dezenas de documentos intitulados como “contas”, que o Apelado/R., na qualidade de administrador de condomínio, cumpre os deveres de prestação de contas e de informação.

XVIII. Pois, percute-se, prestar informação aos condóminos é, entre outros, um dever geral do administrador, em cujo âmbito se inscreve o dever, especificamente enunciado na alínea l) do art. 1436º do Código Civil, de prestar contas à assembleia.

XIX. Tal como resulta do elenco dos factos dados como provados na douta Sentença - ponto 13 dos “Factos Provados” -, a Apelante na missiva datada de 21/07/2022, reiterou, ainda, o facto grave e notoriamente contrário às funções de Administrador, da rúbrica da A....

XX. Isto é, em tal rúbrica vem contemplada o custo total com o elevador e de zonas comuns - facto dado como provado em ponto 14 do elenco dos “Factos Provados”.

XXI. A Apelante/A., enquanto condómina, não é obrigada a contribuir para as despesas com ascensores, pois não faz uso dele, nem como acesso à sua fracção.

XXII. Como se não fosse suficiente o Apelado/R. imputar à Apelante as despesas com os ascensores, nos orçamentos por si apresentados e aprovados, imputa também à Apelante/A., e sem fundamento, os custos com obras relacionadas com o ascensor.

XXIII. Ora, situando-se a fracção da A/Apelante no rés do chão, no vestíbulo da entrada principal do prédio, e local de onde parte o elevador, os respectivos proprietários não comparticipam nas despesas com o elevador - art. 1424º n.º 3 e n.º 4 do Código Civil.

XXIV. O que tem o inelutável significado que a Apelante/A. não pode, nunca, vir ser responsabilizada pelo pagamento das despesas com a manutenção de elevadores, dado que a mesma não faz uso dele, nem como acesso à sua fracção.

XXV. A jurisprudência dos Tribunais Superiores é unânime no entendimento de que as despesas com os ascensores só podem ser suportadas pelos condóminos cujas frações possam ser por eles servidas - entre outros, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 836/20.6T8VVD.G1, de 02/03/2023, disponível em www.dgsi.pt, e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 18/12/2023, processo n.º 3619/22.5T8LLE.E1, disponível em www.dgsi.pt -;

XXVI. As regras dos n.ºs 3 e 4 do art. 1424º do C. Civil excecionam a regra da proporcionalidade, consagrada no n.º 1 do art.1424º, para certas despesas, acautelando interesses de condóminos que, quando minoritários, poderiam doutro modo ver-se na contingência de ter de suportar despesas para as quais nada contribuem e das quais não podem sequer tirar proveito - entre outros, veja-se, os acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proc. n.º 19657/13.6YYLSB-A. L1-7, e do Tribunal da Relação de Guimarães, de 24/10/2019, proc. n.º 1037/17.6T8VCT.G1, acessíveis em www.dgsi.pt.

XXVII. Também por aqui é manifesto que o Apelado/R. praticou irregularidades no exercício das suas funções como administrador de condomínio, ao imputar à Apelantes os custos com a manutenção e obras dos ascensores, quando a mesma se encontra isenta, legalmente, de tal obrigação - art.1424º n.ºs 3 e 4 do C.Civil.

XXVIII. A Apelante/A., continuou, relutante, a solicitar os justificativos da rúbrica, Cartório Notarial e certidão municipal, pois de facto todos os ulteriores orçamentos e contas aprovadas contém tal rubrica, o que a autora estranha que a mesma seja uma despesa “anual”.

XXIX. E requereu de novo, os documentos justificativos das despesas de manutenção e conservação no prédio, pois e de novo, todos os ulteriores orçamentos e contas aprovadas contêm tal rubrica, facto que a Apelante/A. estranhou que a mesma seja uma despesa “anual”.

XXX. Uma vez mais, o Apelado/R., em manifesta violação aos deveres de prestação de constas e de informação - deveres inerentes ao exercício da função de administrador de condomínio -, nada disse ou respondeu à missiva da Apelante datada de 21/07/2022.

XXXI. As deliberações tomadas nas Assembleias de Condóminos deveriam evidenciar quer o montante da despesa ou dívida a suportar por cada um dos condóminos (ou facultar os meios necessários ao seu cálculo objectivo), bem como a periodicidade e, ou, os prazos de pagamento de cada uma das prestações, e não o fazem!

XXXII. Sendo que, em nenhum dos documentos produzidos pelo Apelado, ora R., enquanto administrador, nas Assembleias que realiza - Actas - está assinalada e determinada qual a permilagem de cada uma das fracções autónomas do condómino, de forma a ser possível verificar qual o valor que a cada fracção autónoma compete pagar em razão da sua participação nas despesas orçamentadas - art. 1424º n.º 1 do C. Civil.

XXXIII. As alterações introduzidas pela nova lei (Lei n.º 8/2022) especificam que a ata deve conter o essencial que se tiver passado na assembleia, indicando, nomeadamente, a data e o local de realização, os nomes dos condóminos presentes e ausentes, os assuntos abordados, as decisões e as deliberações tomadas como resultado de cada votação e o facto de a ata ter sido lida e aprovada.

XXXIV. Deve igualmente, indicar qual é a permilagem das fracções, qual é a fórmula matemática do cálculo da quota de condomínio a apurar em função de eventual orçamento anual alegadamente aprovado, ou não, em assembleia geral de condóminos e em função do critério de repartição das despesas, qual é o suposto critério de repartição das despesas comuns adoptado no condomínio.

XXXV. As deliberações da assembleia de condóminos assumem manifesto relevo, pois provêm do órgão máximo do condomínio, que decide de todas as questões que têm a ver com as partes comuns do prédio.

XXXIV. Assume especial relevância a certeza acerca do que se passou na assembleia, designadamente para que se saiba qual o exacto conteúdo das deliberações, quem, de entre os presentes, as aprovou e se foram respeitadas as necessárias maiorias.

XXXVII. Não se pode retirar do regime legal, qualquer indicação no sentido de que a acta da assembleia de condomínio “não é forma nem formalidade ad substantiam”, ou seja, que tenha valor meramente probatório.

XXXVIII. Sufragamos o entendimento de Sandra Passinhas, in “A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal”, 2.ª edição, Almedina, págs. 265 a 267, segundo o qual a acta constitui um requisito essencial, uma formalidade imposta ad substantiam, para a validade das deliberações.

XXXIX. Ora, e atendendo aos requisitos formais, impostos pela lei, que devem ser observados na elaboração da acta da assembleia de condomínio e a todo o circunstancialismo dos presentes autos, designadamente a incompletude das actas, a comunicação das mesmas aos condóminos vários meses depois de realizadas as assembleias, e a ausência de explicações justificadas dos elevados montantes que são exigidos à Apelante, afigura-se também por aqui, que existe fundamento bastante para a exoneração do Apelado/R. do cargo de administrador de condomínio.

XL. Como se invocou, o administrador do condomínio tem a obrigação de prestar contas, o que compreende a obrigação de prestar todas as informações e esclarecimentos devidos sobre as despesas que realizou no exercício das suas funções, assistindo correspondentemente aos condóminos o direito a essa informação – arts. 573.º e 1436º al. l) do Código Civil.

XLI. Sendo que, este dever de informação, não se circunscreve apenas à obrigação de prestação de contas em assembleia geral, podendo, a todo o tempo, ser solicitado ao administrador que preste esclarecimentos e informações sobre os actos ou despesas que realiza.

XLII. E atendendo a toda a factualidade dos presentes autos, o Apelado/R., no exercício das suas funções de administrador de condomínio, violou, de forma grave e dolosa, o dever de prestação de contas e o dever de informação.

XLIII. Pautando-se o exercício das suas funções pela prática de inúmeras irregularidades, que se verificam na atribuição de valores a título de despesas à fracção de que é proprietária a Apelante e os quais não tem qualquer obrigação de pagamento dos mesmos, como acontece despesas com a manutenção dos ascensores!!!

XLIV. Tudo isto para significar que, o administrador pode ser exonerado legalmente, antes do período decorrido para o qual foi eleito, quando não cumpra as suas funções, as quais constam das diversas alíneas do artigo 1436.º do Código Civil.

Pelo que,
XLV. Salvo o devido respeito, Tribunal “a quo”, violou e, ou, interpretou erradamente, o conjugadamente disposto nos arts. 573º, 1424º n.ºs 3 e 4, 1431º, 1432º n.º 9 e 1436º, todos do Código Civil, na sua redação em vigor dada pela Lei n.º 8/2022 de 10 de Janeiro e do art.º. 1º do DL n.º 268/1994, de 25 de Outubro, também na sua redação em vigor dada pela Lei n.º 8/2022.


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Foram apresentadas contra-alegações.

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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

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2. Factos

2.1 Factos provados

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:

1. A aquisição da fracção autónoma, designada pela letra “A” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...... e inscrito na matriz urbana sob o artigo ......, da freguesia da Póvoa de Varzim encontra-se inscrita a favor da requerente através da Ap. ..., de 15-06-1981.

2. A aquisição da fracção autónoma, designada pela letra “B” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ......, da freguesia da Póvoa de Varzim encontra-se inscrita a favor do requerido e esposa CC através da Ap. ..., de 10-10-1991.

3. A aquisição da fracção autónoma, designada pela letra “C” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ......, da freguesia da Póvoa de Varzim encontra-se inscrita a favor de “B... Unipessoal, Lda.” através da Ap. ..., de 02-12-2016.

4. A aquisição da fracção autónoma, designada pela letra “D” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ......, da freguesia da Póvoa de Varzim encontra-se inscrita a favor de DD através da Ap. ..., de 10-10-1991.

5. A aquisição da fracção autónoma, designada pela letra “E” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ......, da freguesia da Póvoa de Varzim encontra-se inscrita ½ a favor do requerido e esposa CC através da Ap. ..., de 10-10-1991, e ½ favor do requerido através da Ap. ..., de 06-11-2020.

6. O requerido é o administrador do CONDOMINIO DO EDIFICIO SITO NA Avenida ..., ..., do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrito na matriz urbana sob o artigo ..., da freguesia da Póvoa de Varzim.

7. DD é familiar do requerido.

8. A requerente encontra-se mais de metade de um ano civil a residir em França

9. A requerente acordou com o requerido, que o mesmo lhe remetesse os documentos das contas aprovadas, respeitantes ao ano de 2020.

10. O mesmo remeteu à requerente dezenas de documentos.

11. A requerente solicitou ao requerido esclarecimentos por carta registada datada de 26.11.2021, nos termos constantes de fls. 12 e verso cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido, que foi recepcionada pelo requerido.

12. Na sequência da Assembleia Geral, realizada em 15.01.2022, relativamente ao exercício do ano de 2021, a requerente solicitou ao mesmo, a exibição dos documentos justificativos as aludidas despesas e receitas.

13. A requerente remeteu ao requerido carta registada data de 21.07.2022, na qual consta:

“(…) Serve a presente para solicitar a acta da Assembleia Geral realizada no passado dia 15.01.2022, pois até à data a mesma não me foi facultada.

Aproveitando o ensejo, reitera-se o por mim referido na dita Assembleia, de que não foram exibidos, apesar de expressamente solicitados, os documentos justificativos das despesas reclamadas, para assim me poder pronunciar convenientemente sobre as contas apresentadas.

Nomeadamente, reitera-se o pedido referente à discriminação da rubrica da A..., pois em tal rubrica vem contemplado o custo do gasto de A... com o elevador.

Pelo que se requer, e de novo a sua distinção.

Mais se requer, e de novo, os justificativos da rubrica, Cartório notarial e certidão municipal, pois de facto todos os ulteriores orçamentos e contas aprovadas contém tal rubrica o que desde já se estranha que a mesma seja uma despesa “anual”.

E por fim, e de novo se requer os documentos justificativos das despesas de manutenção e conservação no prédio, pois e de novo todos os ulteriores orçamentos e contas aprovadas contém tal rubrica o que desde já se estranha que a mesma seja uma despesa “anual”. (…)”.

14. Na rubrica da A... vem contemplado o custo total com o elevador e de zonas comuns.

15. A requerente não faz uso do elevador para aceder à fracção identificada em 1.

16. Nas Assembleias o requerido redige uma minuta de acta, que remete aos condóminos entre 10 a 15 dias depois.

17. Em 22-10-2021, o requerido, através do seu mandatário, remeteu ao mandatário da requerente comunicação na qual consta: “Em anexo as contas de 2020 do condomínio, conforme combinado na audiência do passado dia 19/11(…)”.

18. Em 15-11-2021, o requerido, através do seu mandatário, remeteu ao mandatário da requerente comunicação na qual consta: “Assunto: Contas Ano 2020 – Condomínio .... (…) Sobre este assunto, já tem resposta da sua cliente? Tenho o meu cliente a insistir por este assunto(…)”.

19. Em 15-11-2021, o requerido, através do seu mandatário, remeteu ao mandatário da requerente comunicação na qual consta: “Assunto: Contas Ano 2020 – Condomínio .... (…) Sobre este assunto, já tem resposta da sua cliente? Tenho o meu cliente a insistir por este assunto(…)”.

20. Em 24-11-2021 o requerido, através do seu mandatário, remeteu ao mandatário da requerente comunicação na qual consta: “Assunto: Contas Ano 2020 - Condomínio .... (…) Sem novidades da sua parte, vou ter que propor nova acção contra a sua cliente (…)”.

21. As contas de 2020 foram aprovadas na assembleia de condóminos de 22-05-2021, da qual se lavrou a acta n.º ..., nos termos constantes de fls. 30 a 31 cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.

22. A acta n.º ... foi remetida à requerida.

23. A requerente esteve presente na assembleia de 15-01-2022 e aí pôde intervir e votar.

24. A requerente absteve-se no que concerne à aprovação das contas de 2021 e quanto à aprovação do orçamento de 2022, nos termos constantes de fls. 36 verso a 38 cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.

25. Quanto às contas de 2021, a requerente não manifestou qualquer dúvida.

26. Estiveram disponíveis para consulta os documentos relativos ao exercício de 2021.

27. Por escritura de 14-08-2020, BB declarou que no dia 06-08-2020 faleceu CC.


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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:

Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que a questão a resolver prende-se com saber se o administrador das partes comuns do prédio em propriedade horizontal praticou actos irregulares ou negligentes que justifiquem a sua destituição.


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4. Conhecendo do mérito do recurso

A Apelante peticionou a exoneração do requerido das funções de administrador do Condomínio do edifício sito na Avenida ..., ..., Póvoa de Varzim.

Tal pretensão não mereceu acolhimento do Tribunal a quo, dissentindo a Recorrente do referido entendimento.

Vejamos então.

Como é sabido e conforme bem refere o Tribunal a quo, a propriedade horizontal, prevista nos artigos 1414.º e ss. do Código Civil, consiste numa forma de processo especial em um edifício (ou conjunto de edifícios), dotado de estrutura unitária, decomposto em frações autónomas, que constituem unidades independentes, as quais, no entanto, só gozam de autonomia funcional através da utilização de partes comuns do edifício, necessariamente afetas ao serviço de todas elas[1].

Assim, porque as fracções autónomas são independentes, cada uma delas pode pertencer, em exclusivo, a um proprietário distinto, que sobre ela exercerá todos os direitos do proprietário singular, assumindo, contudo, a posição de comproprietários em relação às partes comuns, que estão identificadas no artigo 1421.º do Código Civil e no respectivo regulamento de condomínio.

Diferentemente do que sucede com a compropriedade, em que a lei atribui a todos igual poder para administrar a coisa, os artigos 1430.º e seguintes do Código Civil atribuem a administração das partes comuns a uma assembleia dos condóminos, que tem um papel eminentemente deliberativo, e a um administrador, que tem por missão fundamental executar as deliberações tomadas pela assembleia.

Com efeito, a deliberação de condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (artigos 1431.º e 1432.º, ambos do Código Civil), órgão deliberativo a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (artigo 1430.º, n.º 1, do Código Civil), sendo o administrador o órgão executivo da administração (artigos 1435.º a 1438.º, todos do Código Civil).

De acordo com o estabelecido no artigo 1436.º do Código Civil:

“1 - São funções do administrador, além de outras que lhe sejam atribuídas pela assembleia:

a) Convocar a assembleia dos condóminos;

b) Elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano;

c) Verificar a existência do seguro contra o risco de incêndio, propondo à assembleia o montante do capital seguro;

d) Cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns;

e) Verificar a existência do fundo comum de reserva;

f) Exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas, incluindo os juros

legais devidos e as sanções pecuniárias fixadas pelo regulamento do condomínio ou por deliberação da assembleia;

g) Realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns;

h) Regular o uso das coisas comuns e a prestação dos serviços de interesse comum;

i) Executar as deliberações da assembleia que não tenham sido objeto de impugnação, no prazo máximo de 15 dias úteis, ou no prazo que por aquela for fixado, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada;

j) Representar o conjunto dos condóminos perante as autoridades administrativas.

l) Prestar contas à assembleia;

m) Assegurar a execução do regulamento e das disposições legais e administrativas relativas ao condomínio;

n) Guardar e manter todos os documentos que digam respeito ao condomínio.

o) Informar, por escrito ou por correio eletrónico, os condóminos sempre que o condomínio for citado ou notificado no âmbito de um processo judicial, processo arbitral, procedimento de injunção, procedimento contraordenacional ou procedimento administrativo;

p) Informar, pelo menos semestralmente e por escrito ou por correio eletrónico, os condóminos acerca dos desenvolvimentos de qualquer processo judicial, processo arbitral, procedimento de injunção, procedimento contraordenacional ou procedimento administrativo, salvo no que toca aos processos sujeitos a segredo de justiça ou a processos cuja informação deva, por outro motivo, ser mantida sob reserva;

q) Emitir, no prazo máximo de 10 dias, declaração de dívida do condómino, sempre que tal seja solicitado pelo mesmo, nomeadamente para efeitos de alienação da fração.

r) Intervir em todas as situações de urgência que o exijam, convocando de imediato assembleia extraordinária de condóminos para ratificação da sua atuação

Por sua vez, nos termos do artigo 1435.º, n.º 3, do Código Civil, “O administrador pode ser exonerado pelo tribunal, a requerimento de qualquer condómino, quando se mostre que praticou irregularidades ou agiu com negligência no exercício das suas funções.”

“Para o condómino obter a exoneração do administrador é necessário que prove que o administrador efectivamente praticou irregularidades. São causas de exoneração do administrador, nomeadamente, a recusa em convocar a assembleia para a nomeação de novo administrador; a recusa do administrador de seguir uma decisão judicial que determinou a suspensão da eficácia de uma deliberação condominial impugnada; o comportamento do administrador que celebrou dois contratos de empreitada, um conforme à deliberação da assembleia e outro diferente, entregando novos trabalhos sem autorização; o comportamento do administrador que coloque as quotas do condomínio e o fundo de reserva na sua conta bancária pessoal; o incumprimento pelo administrador do dever de informar o condomínio das notificações que lhe são feitas; a falta de prestação de contas; o abuso dos seus poderes de disciplinar o uso da coisa comum e a prestação de serviços comuns.”[2]

Reportando-nos ao caso em apreço, constata-se referir bem a sentença recorrida, que da factualidade apurada não resultam elementos que nos permitam concluir que o requerido tenha praticado irregularidades ou actuado com negligência no exercício de funções de administrador

Com efeito, da factualidade apurada em 1ª instância, a qual não se mostra impugnada, não resulta, desde logo, factualidade que traduza a violação de dever de informação, uma vez que não se demonstrou que o requerido não tenha prestado os esclarecimentos solicitados, ou que tenha recusado a exibição de documentação.

Além disso, embora conste da rubrica da A... o custo total do elevador e de zonas comuns, tendo os orçamentos e contas sido aprovados em Assembleia de Condóminos, a factualidade provada é insuficiente para extrair qualquer conclusão de culpa por parte da Administração do Condomínio.

Com efeito, não se pode deixar de separar as funções do administrador das funções da Assembleia de Condomínio, sob pena de concorrência de competências e da violação da paz interna. A administração de condomínio é o órgão decisório do condomínio e a administração é, fundamentalmente, o órgão executivo

Destarte, em caso de discordância com alguma das deliberações tomadas em Assembleia com fundamento em suposta violação da lei ou do regulamento do condomínio deveria a Apelante requerer a respectiva declaração de nulidade ou anulação, mediante instauração da respetiva acção.

Assim, em sintonia com este entendimento, a eventual invalidade, por falta da devida informação quanto às contas da administração, da deliberação da assembleia de condóminos que aprovou as contas, deveria ser dirimida em acção adequada para o efeito.

De resto, se é certo que o Recorrido está obrigado a cumprir as deliberações da assembleia de condóminos, também é certo que a apreciação da regularidade do seu voto não poderia ser discutida nesta acção.

Ademais, e quanto às actas, é sabido que a redacção da acta incumbe à pessoa que tenha desempenhado a função de presidente na assembleia onde foram tomadas as deliberações.

No caso vertente, embora tenha ficado provado que nas Assembleias de Condóminos o requerido redige a minuta de acta, que remete aos condóminos entre 10 a 15 dias, afigura-se-nos, porém, que o referido facto por si só não constitui alicerce bastante para a sua exoneração.

Por conseguinte, entendemos que não se encontram demonstrados factos suficientes para concluir que o requerido, aqui Apelado não tenha sido diligente no exercício das suas funções.

Impõe-se, por isso, o não provimento do recurso de apelação interposto pela Autora.


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Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:

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5. Decisão

Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar não provido o recurso interposto pela autora, confirmando-se a decisão recorrida.


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Custas do recurso a cargo da apelante.

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Notifique.


Porto, 26 de Setembro de 2024

Os Juízes Desembargadores
Paulo Dias da Silva
João Venade
Ana Vieira

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinatura electrónica e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)
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[1] Cf. Abílio Neto, in Manual da Propriedade Horizontal, editora Ediforum, 3.ª edição, Outubro 2006, pág. 9
[2] Cf. Sandra Passinhas, in “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, 2ª Edição, Almedina, págs. 335 a 336 e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-04-2018, 141/16.2T8AMD.L1-8, acessível em www.dgsi.pt., Relatora Amélia Ameixoeira, que aqui se segue de perto.