VÍCIOS DA SENTENÇA
NULIDADES DE SENTENÇA
Sumário

I - Uma decisão é ambígua quando é possível atribuírem-se, pelo menos, dois sentidos díspares sem que seja possível identificar o prevalente
II - Incorre nesse vicio a sentença que na sua fundamentação considera que vários defeitos não podem ser objecto de condenação e, depois, na parte decisória acaba por determinar a reparação dos mesmos por remissão genérica para os factos provados.

Texto Integral

Proc. n.º 16224/17.9T8PRT.P1


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Sumário:

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I. CONDOMÍNIO ... sito à Av.ª ..., entidade equiparada a pessoa colectiva, NIPC ..., aqui representada pela respectiva administração eleita; II. AA, NIF ......, Solteiro, residente na Av. ..., nº ..., 6º AI, ..., ..., Gondomar; III. BB, NIF ......, residente na Av. ..., nº ..., 4º AW, ... ..., Gondomar; IV. CC, NIF ......, viúva, residente na Av. ..., nº ..., Fracção E, ..., ..., Gondomar; V. DD, NIF ... e EE, NIF ......, casados, residentes na Av. ..., nº ..., 7º X, ..., ..., Gondomar; VI. FF, NIF ......, divorciado e GG, solteira, residentes na Av. ..., nº ..., 2º BP, ..., ..., Gondomar; VII. HH, NIF ... e II, NIF ......, casados, residentes na VIII. A..., UNIPESSOAL, LDA., NIPC ..., com sede na Rua ..., nº ..., r/c esq frente, ..., ... Vila Nova de Gaia; IX. JJ, NIF ......, Avenida ..., n.º ..., 9º Dto, Fracção L, ..., ..., Gondomar; X. KK, NIF ... e LL, NIF ......, casados, residentes na Avenida ..., n.º ..., 8º W, ..., ..., Gondomar; XI. MM, NIF ... e NN, NIF ......, casados, residentes na Avenida ..., n.º ..., 8º Q, ..., ..., Gondomar, vêm propor, acção declarativa de condenação sob forma comum, contra I. Banco 1..., S.A., Sociedade Aberta, com sede na Praça ..., no Porto, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto com o número único de matrícula e de identificação fiscal ...; II. Banco 2..., S.A, com sede na Rua ..., em Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa com o número único de matrícula e de identificação fiscal ...; III. B..., LDA., com sede na Rua ..., ..., ... ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Vila Nova de Gaia com o numero único de matricula e de pessoa colectiva nº ....

Formularam os seguintes pedidos:

1. AS I. II. E III. RÉS CONDENADAS A PROCEDER À RECEÇÃO PROVISÓRIA DA OBRA, ASSINANDO O RESPECTIVO AUTO NOS TERMOS PROPOSTOS PELA FISCALIZAÇÃO E CONSTANTES DO DOC. N.º 20, PROCEDENDO ÀS REPARAÇÕES ALI PREVISTAS, NO PRAZO DE 30 DIAS, SENDO QUE, NO QUE TOCA À FACHADA DEVERÃO SER SUBSTITUÍDAS TODAS AS PEDRAS RELATIVAMENTE ÀS QUAIS NÃO SEJA POSSIVEL REMOVER TODA A SUJIDADE ATRAVÉS DE OUTRAS TÉCNICAS;

2. AS I. II. E III. RÉS CONDENADAS A PROCEDER ÀS SUAS CUSTAS, À EXECUÇÃO, NO PRAZO MÁXIMO DE 120 DIAS A CONTAR DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA, DOS TRABALHOS NÃO REALIZADOS OU REALIZADOS DE FORMA DEFICIENTE, QUER NAS PARTES COMUNS, QUER NAS FRACÇÕES, CONFORME SE DISCRIMINA NO ART.º 47 DA PRESENTE PEÇA PROCESSUAL, QUE AQUI SE DÁ POR INTEGRALMENTE REPRODUZIDO;

3. AS I. E II. RÉS CONDENADAS AO PAGAMENTO AO I. A DA QUANTIA DE 4766,25€ (QUATRO MIL SETECENTOS E SESSENTA E SEIS EUROS E VINTE E CINCO CÊNTIMOS), ACRESCIDA DE JUROS A CONTAR DA CITAÇÃO, CORRESPONDENTE AO VALOR DESPENDIDO PARA REPARAÇÃO DO MURO LIMITE DO TERRENO, DA RESPONSABILIDADE DAQUELAS;

4. AS I. E II. RÉS CONDENADAS AO PAGAMENTO DE UMA INDEMNIZAÇÃO A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS A CADA UM DOS II. E XI AUTORES, NO VALOR DE 1500,00€ (MIL E QUINHENTOS EUROS), POR FRACÇÃO, ACRESCIDO DE JUROS DE MORA A CONTAR DA CITAÇÃO;

5. AS I. E II RÉS CONDENADAS À ENTREGA AO I. A., NO PRAZO DE 15 DIAS, DAS CÓPIAS APROVADAS DOS PROJECTOS DE ARQUITECTURA E ESPECIALIDADES DO PRÉDIO;

6. A I. E II. RÉS CONDENADAS AO PAGAMENTO AO I. A DA QUANTIA DE 8.808,80€ (OITO MIL OITOCENTOS E OITO EUROS E OITENTA CÊNTIMOS), ACRESCIDA DE JUROS A CONTAR DESDE 1 DE JANEIRO DE 2013 E VINCENDOS, QUE SE PEDEM, QUANTIA ESSA REFERENTE A PUBLICIDADE NA FACHADA DO PRÉDIO, CONFORME DELIBERADO EM ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS;

7. A I. E II. RÉS CONDENADAS A PROCEDER À REPARAÇÃO DO PAVIMENTO DAS GARAGENS COLECTIVAS;

8. A III. RÉ CONDENADA AO PAGAMENTO AO I. AUTOR DA QUANTIA DE 5920,49€ (CINCO MIL NOVECENTOS E VINTE EUROS E QUARENTA E NOVE CÊNTIMOS), ACRESCIDA DE JUROS A CONTAR DA CITAÇÃO, CORRESPONDENTE A CONSUMOS DE ÁGUA;

A autora desistiu do pedido formulado no nº 8 da p.i. (condenação da 3ª Ré ao pagamento ao 1ª autor da quantia de 5.920,49€ (cinco mil novecentos e vinte euros e quarenta e nove cêntimos), acrescida de juros a contar da citação, correspondente a consumos de água).

Por despacho datado de 25.11.2021, nos termos do n.º 1 e da alínea a) do n.º 4 do art. 97.º e do art. 116.º, ambos do Código das Sociedades Comerciais, o Banco 2..., S.A. foi substituído pela sociedade Banco 1... S.A.

Os autos foram saneados e instruídos e após julgamento foi proferida sentença que decidiu:

a) condena-se o Banco 1..., S.A. a entregar ao 1º autor, no prazo de 15 dias, as cópias aprovadas dos projectos de arquitectura e especialidades do prédio; e a pagar ao 1º autor a quantia de 8.808,80€, acrescido de juros vencidos e vincendos, à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.

b) condenam-se os réus “Banco 1..., SA” e “B..., Ldª”, a procederem à reparação dos vícios e defeitos elencados sob os nºs 37 a 41 dos “Factos Provados”, no prazo de 180 dias a contar do trânsito em julgado da sentença.

Essa decisão foi rectificado por despacho, com fundamento em erro de escrita, passando a constar 32 ao invés de 37.

Inconformadas as duas RR interpuseram recursos, os quais foram admitidos como de apelação com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

O tribunal a quo não se pronunciou sobre a nulidade arguida.


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2.1. Conclusões apresentadas pela ré apelante B...

1. A douta sentença deve ser revogada, por violar lei adjectiva e substantiva;

II. Na modesta opinião da Apelante, não resultaram da prova produzida em audiência de discussão e julgamento todos os defeitos em que a Ré B... foi condenada a reparar.

III. A convicção do tribunal assentou essencialmente no relatório pericial colegial e no depoimento das partes.

IV. Contudo, foram incluídos no relatório pericial defeitos que não constavam no caderno de encargos e que não foram alvo de qualquer tipo de intervenção pela Ré B... e que o tribunal condena na sua reparação.

V. O Tribunal deu como provado o ponto 32º dos factos provados nos seguintes termos: 32º O edifício apresenta: 1. Necessidade de Correcção do remate de betão nas sondagens realizadas ao pavimento da rampa de acesso às garagens. 2. Algumas fissuras nas paredes da garagem que indiciam deficiências significativas no funcionamento da estrutura do edifício: 3. Existência de sujidade nos panos da fachada em monomassa intervencionados e fissuras em parte deles. 4. Parede exterior (fachada) da caixa de escadas que contacta com a varanda da fracção AM, apresenta uma coloração diferente junto à ligação parede/varanda. 5. Algumas das juntas de dilatação apresentam abertura, muito superior aquilo que poderia ser considerado normal e assentamento do corpo posterior; 6. Selagem das juntas de dilatação, sendo que alguns desses selos estavam partidos, outros ligeiramente fissurados e ainda outros intactos; 7. Algumas fissuras nas paredes da garagem; 8. O apainelado de madeira junto à entrada ... escurecido. 9. Existência de fissuras de dimensão considerável nas portas de acesso às piscinas; 10. Muro do empreendimento, a poente, apresenta fissuras, sinais de infiltração e empolamento de revestimento; 11. Infiltração de água junto à garagem da fração AW, proveniente de um tubo que queda de recolha de águas pluviais. 12. Na envolvente da fracção D, verificam-se manchas escuras nos tectos em contacto com o exterior. 13. Pavimento da varanda do recuado desnivelado. 14. Envidraçados de protecção da varanda do recuado apresentam-se riscados. 15º Destacamento de reboco no tecto da cozinha do recuado.

VI. Quando, o tribunal deveria de ter dado como provado o ponto 32º nos seguintes termos: O edifício apresenta: 1. Necessidade de Correcção do remate de betão nas sondagens realizadas ao pavimento da rampa de acesso às garagens. 2. Algumas fissuras nas paredes da garagem que indiciam deficiências significativas no funcionamento da estrutura do edifício: 3. Existência de sujidade nos panos da fachada em monomassa intervencionados e fissuras em parte deles. 4. Parede exterior (fachada) da caixa de escadas que contacta com a varanda da fracção AM, apresenta uma coloração diferente junto à ligação parede/varanda. 7. Algumas fissuras nas paredes da garagem; 8. O apainelado de madeira junto à entrada ... escurecido. 9. Existência de fissuras de dimensão considerável nas portas de acesso às piscinas; 10. Muro do empreendimento, a poente, apresenta fissuras, sinais de infiltração e empolamento de revestimento; 11. Infiltração de água junto à garagem da fração AW, proveniente de um tubo que queda de recolha de águas pluviais. 12. Na envolvente da fracção D, verificam-se manchas escuras nos tectos em contacto com o exterior. 13. Pavimento da varanda do recuado desnivelado. 14. Envidraçados de protecção da varanda do recuado apresentam-se riscados. 15º Destacamento de reboco no tecto da cozinha do recuado.

VII. Pois, o tribunal deu como provados os pontos 5. e 6. nomeadamente, Algumas das juntas de dilatação apresentam abertura, muito superior aquilo que poderia ser considerado normal e assentamento do corpo posterior; Selagem das juntas de dilatação, sendo que alguns desses selos estavam partidos, outros ligeiramente fissurados e ainda outros intactos;

VIII. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, o Tribunal os deveria ter dado como não provados, originando por esta via conclusão distinta à que chegou o tribunal a quo.

IX. Pois, o tribunal a quo tendo considerado provado que as Rés, nomeadamente, a B... tem de reparar: Algumas das juntas de dilatação apresentam abertura, muito superior aquilo que poderia ser considerado normal e assentamento do corpo posterior; Selagem das juntas de dilatação, sendo que alguns desses selos estavam partidos, outros ligeiramente fissurados e ainda outros intactos;

X. Ora, estes defeitos foram relacionados no relatório pericial por indicação dos Autores quando estes defeitos nunca fizeram parte do caderno de encargos e do contrato celebrado entre 1ª Ré e a B....

XI. Estas juntas de dilatação e respectivos selos, têm a ver com a estabilidade do edifício, o que foi falado na audiência de discussão e julgamento, mas que não fazia parte do objecto da presente acção como a Mª Juiz faz alusão na pag. 39 da sentença.

XII. Não obstante, este defeito nunca foi alvo de qualquer intervenção por parte da aqui ré, não podendo esta ser condenada na reparação de um defeito de construção e que não decorre da execução do contrato de empreitada celebrado entre Banco 1... e B....

XIII. Tal resulta dos esclarecimentos dos peritos gravados no CITIUS no dia 24/10/2024, com duração de 00:30:09, com início de gravação às 10:00:00 e fim às 10:30:00.

XIV. Por outro lado, o tribunal deveria ter dado como provado os pontos 33º, 35º e 40º, nos seguintes termos: 33º FRAÇÃO AI - Nos pavimentos da sala e da suite as juntas estão abertas e com “efeito mola”, com algumas tábuas mesmo a descolar. 35º FRAÇÃO E - As juntas voltaram a abrir. - Revestimento em pedra natural, apresenta fissuras apenas foram tapadas com argamassa. 40º FRAÇÃO W - O revestimento da fachada e varanda continua a apresentar manchas escuras. - Porta armário do pio lava louça empenada, dificultando a abertura.

XV. Pois, quanto aos soalhos aplicados ficou provado em audiência de discussão e julgamento que B... cumpriu o contratualizado e que executou em conformidade a obra.

XVI. Pois, como foi amplamente discutido em julgamento a madeira utilizada não era do mesmo lote de madeira, pelo que após a sua aplicação nunca a mesma ficaria igual, apesar da afinação de cor.

XVII. Conforme depoimento do Eng.º OO, com depoimento gravado no CITIUS no dia 20/09/2023, com a duração de 00h54m32s, com início da gravação entre 10h05m e fim de gravação às 11h00m;

XVIII. Por outro lado, o contratualizado e executado foi a substituição das tábuas estragadas, pelo nunca seria possível que o soalho ficasse todo com a mesma tonalidade.

XIX. Tal decorre do caderno de encargos junto aos autos e que prescreve que apenas haveria lugar à substituição das tábuas estragadas.

XX. Também do depoimento do engº PP, com depoimento gravado no CITIUS no dia 24/10/2023, com a duração de 00h41m51s, com início da gravação entre 10h41m e fim de gravação às 11h22m

XXI. Assim era impossível à aqui ré executar os trabalhos de outra forma, uma vez que a Ré dona de obra não autorizou a substituição total do soalho.

XXII. Tal também resulta dos esclarecimento dos sr.s peritos;

XXIII. Por outro lado, os soalhos foram aplicados e validados com bem realizados pela fiscalização que acompanhou a obra,

XXIV. Razão pela qual não pode ser imputada à B... a responsabilidade pela reparação dos soalhos com tonalidades distintas, uma vez que esta se cingiu a cumprir o que constava no caderno de encargos e validado pela fiscalização.

XXV. Assim, ocorreu errada interpretação e aplicação do direito em causa;

XXVI. Pois, não deveria o tribunal de ter condenado a Ré B... na reparação de todos os defeitos elencados no artº 32º a 41º dos factos provados, pois quanto à junta de dilatação e selos de marcação tal não constava do CE, nem sequer tinham sido alvo de intervenção da B..., para além de não terem sidos quesitados, por outro lado, também não pode ser condenada na reparação dos soalhos das frações nos termos elencados na sentença, uma vez que era impossível deixar os soalhos com a mesma tonalidade após reparação atento o método escolhido pelo dono de obra e pelo condomínio, nomeadamente, substituição de tábuas danificadas e não a substituição integral do soalho.

XXVII. Violaram-se assim os corolários dos princípios do dispositivo e da legalidade;

XXVIII. Sendo que a douta decisão proferida nos autos carece de legalidade, nos termos supra expostos.

XXIX. Pelos motivos supra expostos, corolário lógico deverá ser a revogação da sentença proferida pelo tribunal a quo de que ora se recorre, o que se requer.

XXX. A presente sentença de que ora se recorre viola, entre outros, o disposto no artº 640º e 608.º do CPC.


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2.1. A apelante Banco 1... apresentou as seguintes conclusões:

I. Em primeiro lugar, pode entender-se que a decisão é, em parte nula, porquanto entre a fundamentação e a parte decisória existe eventual ambiguidade, que configura a nulidade prevista na 2.ª parte da al. c) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.Civ..

II. O Tribunal da Primeira Instância, e bem, na fundamentação de direito expõe que dos contratos se retira que a intervenção no muro não estava contemplada (pág. 27). Mais à frente refere: “É o que resulta dos pontos 37 (este, após correcção, passa a ser o 32) a 41 dos factos provados, com as ressalvas relativas às manchas na fachada em monomassa e ao muro (cuja manutenção da exclusividade do condomínio). Salienta-se que a questão da estabilidade do Edifício ... que foi aflorada durante o processo e que mereceu um alerta por parte dos senhores Peritos não é objecto de apreciação na presente acção.” (pág. 39).

III. Pelo que não se compreende a condenação constante da al. b), que obriga à reparação dos vícios e defeitos elencados sob os nºs 32 a 41 dos “Factos Provados”, quando, precisamente, no ponto 32, constam quer a “3. Existência de sujidade nos panos da fachada em monomassa intervencionados e fissuras em parte deles.”, quer “10. Muro do empreendimento, a poente, apresenta fissuras, sinais de infiltração e empolamento de revestimento.”.

IV. Portanto, tudo indica que os trabalhos respeitantes à “fachada” e ao “muro” esteja excluídos da condenação porém, ao assumir-se a globalidade dos factos apurados, no que ao ponto 32 concerne, pode considerar-se neste ponto ambígua pois ali se inserem itens que dizem respeito à fachada e ao muro.

V. Deste modo, embora tudo leve a crer que a interpretação da Recorrente é a correcta, um declaratário normal pode não entender o mesmo pelo que se exige maior segurança da leitura da al. b) da parte decisória, impondo-se, consequentemente, a declaração de tal nulidade, nos termos da al. b) do art. 615.º do C.P.Civ, o que se requer.

VI. Pretende a Recorrente a reapreciação da prova, quantos ao ponto 32 a 40 dos factos provados porquanto ali se encontram “defeitos” que resultaram da perícia mas que ou não foram contratualizados ou foram corrigidos pelas RR. pelo que não pode manter-se a decisão, . sendo que muitos deles, devem-se à circunstância da localização do edifício estar perto da orla marítima e do desgaste.

VII. O disposto no facto 32 não pode manter-se porquanto elenca 14 situações que resultam da peritagem mas não constam Caderno de Encargos nem dos trabalhos a mais, pelo que a Recorrente não aceita que os mesmo tenham sido incluídos, como seja o ponto 1: “Necessidade de Correcção do remate de betão nas sondagens realizadas ao pavimento da rampa de acesso às garagens”.

VIII. O ponto 2, relativo a fissuras nas paredes da garagem, o relatório pericial não é esclarecedor se se as mesmas haviam ou não sido reparadas e nenhuma testemunha afirmou tal coisa. A QQ, cujo depoimento nesta parte se transcreveu, refere que estas fissuras decorrem do desgaste que, na sua opinião, é um desgaste acima do que é normal.

IX. Já os Senhores Senhores Peritos, como se disse, afirmaram que se trata de um edifício que, pela sua localização, num estuário, com uma grande proximidade com o mar, tem um maior desgaste e obriga a ter manutenção constante e por isso, a Recorrente não aceita que este ponto tenha sido incluído, na medida em que se traduz no desgaste agravado do imóvel por se situar perto do mar e já não pelo incumprimento do acordado, pois não existe prova, nos Autos, de tal facto.

X. Quanto ao ponto 3, sobre a sujidade nos panos da fachada em monomassa intervencionados e fissuras em parte deles, os próprios peritos não conseguiram identificar o referido pano tinha sido intervencionado ou não, sendo que do depoimento do Eng. OO, resulta que o que estava preconizado não foi suficiente.

XI. Não obstante, a Ré cumpriu com o que estava contratualizado pelo que não pode assacar-se aqui responsabilidade alguma.

XII. Quanto ao ponto 5. Referente a algumas juntas de dilatação, os Senhores Peritos apenas identificam uma abertura fora do normal na zona de acesso à piscina, no entanto, também este trabalho não estava no contrato e respectivo caderno de encargos ou na lista de trabalhos a mais.

XIII. E no que diz respeito aos selos, referidos no ponto 6., nada tem a ver com o cumprimento ou não do contrato porque se trata de uma forma de verificar a estabilidade do edifício, sendo de salientar que o Tribunal a quo considerou que tal matéria não era objecto de apreciação na presente acção, pelo que não pode dizer-se que a Ré deve reparar seja o que for.

XIV. É também verdade que o relatório pericial avança com a existência de fissuras na parede, (ponto 7), no entanto, como explica a testemunha Eng. PP, conforme depoimento acima transcrito, o trabalho que estava no caderno de encargos era tratamento de fissuras e pintura integral do muro e o que sucede neste momento é uma microfissuração; este processo decorrde do comportamento normal do material com aquela espessura.

XV. Ou seja, do que estava previsto no caderno de encargos, foi a obra realizada. Embora se verifique que tal não foi o bastante, foi o que foi contratualizado e, considerando o material, estas fissuras são uma decorrência normal.

XVI. Quanto ao ponto 8, referente ao apainelado de madeira junto à entrada ..., o relatório pericial e os Senhores Peritos, em audiência, confirmam que está escurecido e que tal decorre de alguma infiltração.

XVII. Sucede que o que estava contratualizado, como referiu a testemunha OO, era a reparação e não a substituição, o que não foi uma boa solução, no entanto, sublinha que não teve autorização para fazer a substituição, concluindo que o que estava previsto no caderno de encargos não era suficiente, ou seja, melhorava, mas não resolvia”

XVIII. O que foi igualmente, confirmado pela testemunha PP, que houve cumprimento do contratualizado, embora o resultado não tenha sido o melhor, não se pode falar em cumprimento defeituoso.

XIX. No que ao ponto 9 concerne, referente às padieiras das portas de acesso à piscina os Senhores peritos concluíram que a mais provável causa de tal dano será um assentamento diferencial das fundações, ou seja, esta deficiência advém da questão da estabilidade do Edifício e não de eventual reparação, pelo que, também aqui, se conclui não haver qualquer responsabilidade contratual das RR. como aliás o Tribunal deixou expresso ao confirmar que a estabilidade do edifício não é objecto da acção.

XX. Quanto ao muro do empreendimento, a poente, apresenta fissuras, sinais de infiltração e empolamento de revestimento, referido no ponto 10, salienta-se desde já que esta situação não consta sequer da lista de deficiências de obra, tendo a testemunha Eng. PP, confirmado a realização das obras de acordo com o Caderno de Encargos e Mapas de Quantidades tendo, à semelhança do Eng. OO afirmado que alguns trabalhos ficaram aquém porque a solução preconizada não era a melhor, como supra referido.

XXI. E assim, se conclui que não há suporte para o entendimento que as RR. são responsáveis por corrigir esta deficiência.

XXII. A respeito do ponto 11, sobre a infiltração de água junto à garagem da fração AW, proveniente de um tubo que queda de recolha de águas pluviais, como resulta da resposta dada ao quesito, esta situação deve-se ao mau funcionamento do dispositivo de impermeabilização de uma junta, situação que não está prevista no caderno de encargos, pelo que não pode, também ser considerado um cumprimento defeituoso.

XXIII. Os pontos 12 a 15 serão vistos em conjunto porque se trata do mesmo quesito, com o n.º 14, sendo de salientar que apesar de se verificarem, todos estes pontos não constam no Caderno de Encargos nem dos trabalhos a mais, pelo que a Recorrente não aceita que o mesmo tenha sido incluído na reparação a suportar pelas RR.

XXIV. No que respeita aos pontos 33 a 41, importa separar a questão do pavimento, em soalho, porque comum a quase todos eles, sendo que a Recorrente não se conforma com as conclusões do Tribunal a quo porquanto o contrato foi pontualmente cumprido já que não estava prevista a substituição dos soalhos e a obra foi bem executada.

XXV. O que estava definido ero “Levantamento do soalho danificado e aplicação de novo soalho com as mesmas características técnicas e dimensionais. Raspagem de todo o compartimento e tratamento do pavimento com lixagens e envernizamentos nas demãos necessárias (ponto 17 do Caderno de Encargos).

XXVI. Os senhores peritos confirmaram claramente que era impossível, atendendo a que a madeira é um elemento natural, conseguir um resultado uniforme, a não ser que fosse sintético, situação que foi também confirmada pela testemunha OO, dizendo que é preciso tempo e paciência para que a madeira nova começasse a escurecer.

XXVII. A testemunha PP, no mesmo sentido disse que a madeira utilizada foi a que estava contratualizada, tendo os proprietários escolhido apenas o acabamento, tendo explicado também, todo o procedimento realizado, conforme preconizava o caderno de encargos, pelo que não podem restar dúvidas que a obra relativa aos soalhos foi efectuada com os métodos necessários.

XXVIII. As diferenças de tonalidade decorrem do material natural, a madeira, pelo nunca seria possível que o soalho ficasse homogéneo, a não ser que se procedesse à sua substituição integral, o que não decorre do contrato, pelo que não se compreende que o Tribunal a quo face aos elementos de prova, tenha decidido o contrário.

XXIX. No que diz respeito ao facto 34.º - Fracção AW, o mesmo é exactamente repetição do ponto 10 do facto 32.º pelo que, por economia processual, aqui se reproduz o que supra se referiu.

XXX. Quanto ao facto 35.º - FRACÇÃO E, refere-se o facto das juntas voltarem a abrir, no entanto, não se encontra este ponto na perícia e, de todo o modo, e mais importante, não é um trabalho definido no Caderno de Encargos ou na lista dos trabalhos a mais.

XXXI. Já no facto 36º - FRAÇÃO X, refere-se que o tecto da lavandaria apresenta infiltração e empolamento, o que é confirmado pelos senhores peritos (Quesito 20), porém, na parte em que se diz que “possivelmente proveniente do terraço da fracção Q”, a resposta é que “não é possível afirmar com rigor qual a origem das infiltrações.”

XXXII. Ora, sendo verdade que foi contratualizado e consta da lista de trabalhos dois ensaios da estanquidade, nenhum deles respeita ao Terraço da Fracção Q, pelo que ainda que se aceite a existência dessa infiltração, não estava prevista qualquer intervenção ou trabalho de correcção.

XXXIII. E quanto ao ponto 37º - FRAÇÃO BP, vale o mesmo raciocínio. É que, pese embora os senhores peritos tenham confirmado que as juntas da soleira da varanda têm fissuras e se encontram manchadas, não foi possível apurar a causa e, por isso, não podem concluir que tais danos tenham surgido após reparação. O empolamento de revestimento no tecto da sala, não consta do caderno de encargos ou dos trabalhos a mais.

XXXIV. Também foi referido pelos senhores peritos que o tamponamento dos pinos apresenta coloração mais escura que o soalho mas já não resulta, ao contrário do que se refere na sentença, a sua aplicação irregular. Assim, considerando o que ficou dito quanto à aplicação das madeiras do soalho, e valendo aqui os mesmos argumentos, carece de qualquer sentido a condenação da Recorrente na correcção deste defeito.

XXXV. No que ao facto 39º - FRAÇÃO L, concerne, a maioria das deficiências não constam do caderno de encargos e dos trabalhos a mais ou, constando, não é possível apurar qualquer incumprimento contratual; o piso da garagem denota sinais de desgaste, no entanto, é referido pela testemunha QQ que tal se verifica em toda a área da garagem, em especial, nas zonas de mais movimento.

XXXVI. Sendo de realçar que o piso das garagens, no geral, nem sequer é ponto que os AA. levantem como defeito ou incumprimento defeituoso e o desgaste acaba por ser natural, tendo em consideração que a obra foi realizada terminada em 2016 e a perícia foi efectuada em 2021 e que actualmente corre o ano de 2024, pelo que o desgaste realçado pela testemunha é perfeitamente natural.

XXXVII. Todos os demais defeitos enunciados no ponto 39º foram constatados pelos senhores peritos mas que não consta do caderno de encargos ou da lista de trabalhos a mais, qualquer intervenção a este respeito, pelo que não devia ter sido considerado para efeitos de cumprimento defeituoso.

XXXVIII. No que diz respeito ao facto 40º - FRAÇÃO W, a Recorrente foi absolvida quanto ao revestimento da fachada, pelo que não se compreende a inserção do revestimento da fachada e varanda por apresentar manchas escuras.

XXXIX. Já no que diz respeito à porta do armário do pio lava louça, não só nada consta no caderno de encargos a este propósito como, a solução avançada pelos Senhores Peritos é a simples afinação da dobradiça da porta, pelo que resulta um pouco inconcebível a inclusão deste “defeito”.

XL. Concluindo, impõe-se alterar a matéria de facto, entendendo a Recorrente que se deverá, por ser mais simples, eliminar os pontos 32 a 41 e aditar um facto novo, referindo que “As RR obrigaram-se, pelo contratos referidos em 7 e 11, a corrigir as seguintes desconformidades: - do Facto 39.º: Tecto da garagem apresenta destacamento do recobrimento da laje fungiforme, com armaduras à vista, conforme disposto no caderno de encargos, no ponto 15 - do Facto 41.º: Empolamento e destacamento do reboco, na zona da varanda, junto à janela da sala, por possível infiltração pela fachada.”

XLI. Ou, se assim não se entender, mantendo-se a descrição dos factos 32.º a 41.º, aditar um facto com a seguinte redacção: “Das deficiências descritas nos pontos 32 a 41, apenas as constantes do facto 39.º no que respeita ao destacamento do tecto da garagem e do facto 41.º quanto ao empolamento e destacamento do reboco constam do caderno de encargos e do mapa de trabalhos a mais.”

XLII. Tendo em conta o supra exposto e os factos ora descritos, e que correspondem à matéria de facto que deve ser tida como provada, é manifesto que as Rés cumpriram o contratualmente

estabelecido, sendo que todos os trabalhos assumidos pelas partes no âmbito do contrato de empreitada, que foi mandado elaborar na sequência do acordo celebrado com o Condomínio, foram executados de acordo com o Caderno de Encargos e Mapas de Quantidades, razão pela qual, exceptuando-se os pontos supra referidos, conforme alteração sugerida, não se poderá imputar à Recorrente responsabilidade alguma pela correcção de qualquer deficiência.

XLIII. Resulta claro que o Tribunal a quo aderiu às deficiências apontadas pelos Senhores Peritos, extraindo disso a conclusão que todas essas deficiências decorrem do cumprimento defeituoso da prestação.

XLIV. É certo que nos termos do art. 799.º do C.Civ., se presume a culpa do devedor, pelo que lhe incumbe provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua mas antes de poder funcionar a presunção, é preciso saber qual era a obrigação do devedor.

XLV. E assim, tinham os AA. que alegar e provar que os trabalhos estavam contratualizados, como elemento constitutivo do seu direito, o que minimamente sucede na medida em que os inúmeros vícios apontados não decorrem do contrato celebrado entre as partes!

XLVI. A sentença recorrida porque não aplicou correctamente o direito aos factos dados como provados, violou o disposto nos arts. 342.º, n.º 1 e 2, 762.º, 798.º e 799.º e 1208.º, todos do C.Civ., e ainda o art. 9.º do mesmo Código já que as exigências interpretativas plasmadas na fundamentação não têm o mínimo de correspondência nas normas putativamente violadas.

2.3. A Autora contra-alegou de forma autónoma aos dois recursos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, concluindo que:

DEVE(m) O(s) RECURSO(s) APRESENTADO(s) SER CONSIDERADO(s) TOTALMENTE IMPROCEDENTE(s) POR NÃO PROVADO, CONFIRMANDO-SE INTEGRALMENTE A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA EM SEDE DE PRIMEIRA INSTÂNCIA NO QUE A MATÉRIA DO PRESENTE RECURSO DIZ RESPEITO.


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3. Questões a decidir

1. apreciar a nulidade da sentença arguida e ainda as eventuais existentes de conhecimento oficioso.

2. Apreciar os recursos sobre a matéria de facto

3. Determinar depois se a condenação proferida quanto a ambas as RR deve ou não ser alterada, apreciando de forma autónoma a posição jurídica de ambas.


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4. Da nulidade processual

Pretende a apelante Banco 1... que “a decisão é, em parte nula, porquanto entre a fundamentação e a parte decisória existe eventual ambiguidade, que configura a nulidade prevista na 2.ª parte da al. c) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.Civ”..

Nos termos do art. 615 nº1, al c), do CPC a sentença é nula quando “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

O conceito de decisão ininteligível é, entre nós, simples.

“Ambígua será decisão à qual seja razoavelmente possível atribuírem-se, pelo menos, dois sentidos díspares sem que seja possível identificar o prevalente e, obscura será a decisão cujo sentido seja impossível de ser apreendido por um destinatário medianamente esclarecido” [1].

Ora, in casu, de facto, a sentença afirma que determinados problemas não constam do caderno de encargos ou dizem respeito a problemas estruturais do edifício e depois concluiu pela condenação na sua reparação.

Logo, estamos aqui perante qualquer conclusão oposta da premissa, de tal modo que ficamos sem saber se existiu um erro na condenação ou, pelo contrário na fundamentação da sentença.

Note-se que a sentença condenou ambas as RR a procederem à reparação dos defeitos que constam dos factos nºs 32 e seguintes.[2]

Mas na sua fundamentação (pág. 39) escreveu-se que

“Percorrendo os factos provados, constata-se que, na verdade, a demandante executou o que havia ajustado com os réus com defeitos, inexactidões e diferenças relativamente ao contratado. É o que resulta dos pontos 37 a 41 dos factos provados, com as ressalvas relativas às manchas na fachada em monomassa e ao muro (cuja manutenção da exclusividade do condomínio). Salienta-se que a questão da estabilidade do Edifício ... que foi aflorada durante o processo e que mereceu um alerta por parte dos senhores Peritos não é objecto de apreciação na presente acção.”

Mas foram objecto de reparação questões aparentemente dependentes da estabilidade do edifício:

Do facto 32/2 consta que 2. “Algumas fissuras nas paredes da garagem que indiciam deficiências significativas no funcionamento da estrutura do edifício:

Do facto 32/5 . Algumas das juntas de dilatação apresentam abertura, muito superior aquilo que poderia ser considerado normal e assentamento do corpo posterior;

Do facto nº 32/6 Selagem das juntas de dilatação, sendo que alguns desses selos estavam partidos, outros ligeiramente fissurados e ainda outros intactos;

Foi objecto de condenação a reparação da fachada em monomassa porque o ponto 32/3 consta “Existência de sujidade nos panos da fachada em monomassa intervencionados e fissuras em parte deles”. Mas como vimos foi entendido na fundamentação que esse problema não devia ser incluído na reparação.

E, foi também objecto da mesma condenação a eliminação de defeitos no muro que aparentemente não fazia parte do caderno de encargos: “Do ponto 32/10 consta “10. Muro do empreendimento, a poente, apresenta fissuras, sinais de infiltração e empolamento de revestimento.

Quando dos factos provados 45 e 46 resulta que “O muro e manutenção do mesmo é da exclusividade do condomínio. Não foi acordado qualquer trabalho relativamente ao mesmo”.

Portanto a fundamentação está em clara e directa oposição com a condenação, sendo que este tribunal e as partes não podem perceber, com segurança, se existiu mais um erro (desta vez não de escrita) na parte decisória ou, se pelo contrário, existiu um erro nessa parte concreta da fundamentação.

É certo que a contradição “enquanto vício lógico, a oposição entre os fundamentos e a decisão distingue-se da errada interpretação de uma determinada disposição legal, sindicável em sede de recurso”[3] .

Mas, neste caso, como vemos (em mais situações até do que as invocadas pelo apelante) existe uma contradição directa e clara, de tal modo que este tribunal não pode determinar se existiu um lapso na fundamentação (facilmente corrigível em sede de recurso), ou na parte decisória.

E, fundamentalmente, note-se que esta situação pode ter condicionado o exercício do direito de recurso por parte da A (que terá pensado ter obtido ganho de causa nesses defeitos), e poderá ainda ter consequências para o estabelecimento da dupla conforme e sucumbência para um eventual recurso posterior.

Não pode, pois este tribunal corrigir oficiosamente essa contradição sendo que no despacho de admissão de recurso o tribunal a quo, nem sequer se pronunciou sobre a existência ou não dessa nulidade.

Julga-se, pois, procedente a arguição da nulidade pela apelante cujo âmbito é alargado oficiosamente e por via disso determina-se a correcção/esclarecimento da sentença, pelo mesmo magistrado que a elaborou, quanto ao supra exposto (5 contradições).


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2. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

As nulidades previstas no art. 615º, do CPC são de conhecimento oficioso.

Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), é nula a sentença quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar».

Essa omissão terá de ser absoluta, relevante e disser respeito sobre matérias quanto às quais a lei imponha que sejam conhecidas.

Porque devem ser obrigatoriamente conhecidas as questões relevantes que os sujeitos processuais interessados submeteram à apreciação do tribunal (cfr. n.º 2 do artigo 608.º do CPC).

Sendo que o conceito de questão, “deve ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, dele sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes”.[4]

Ora, in casu quanto ao dano economicamente mais relevante (substituição pedras da fachada cujo custo era em 2016 de cerca de 15 mil euros) uma das partes defendeu-se dizendo que não estava incluído no caderno de encargos e a outra que essa sujidade e seu grau foi causado por causas naturais e falta de manutenção a cargo do condomínio.

Logo é evidente que essas duas questões são relevantes e não constam dos factos provados e não provados.

Acresce que, in casu, e após audição integral dos depoimentos é evidente que a dificuldade da presente acção não é determinar o estado “actual” (2021[5]) do edifício e suas fracções, que consta do relatório pericial, mas sim apurar se essas anomalias faziam ou não parte do acordo celebrado entre a A e a Ré Banco 1..., e/ou determinar até se estas já existiam na data do mesmo ou ocorreram posteriormente.

Note-se que, no facto 46 relativamente ao muro ponderou essa questão e fixou factualmente que a reparação do mesmo não fazia parte desse acordo.

Mas quanto aos restantes “defeitos” nada foi dito.

Ora, na tese das RR já constante dos seus articulados as outras anomalias não estavam também incluídas nesse acordo.

Essa realidade não consta sequer dos factos provados ou não provados.

Importa, notar que foi alegado no art. 46 da primeira ré contestante que “Quanto aos alegados defeitos indicados no artº 47, vão expressamente impugnados, pois os mesmos não constavam do caderno de encargos, pelo que não competia à 3ª Ré a sua reparação”.

Ora, essa factualidade não está contida nem nos factos provados nem nos não provados pelo que existe uma clara omissão de pronuncia sobre uma matéria essencial da causa.

Do mesmo modo foi alegado na contestação da Ré Banco 1... que “a degradação/sujidade a que as pedras da fachada chegaram é imputável aos próprios Autores por falta de manutenção”.

Esta factualidade não consta nem dos factos provados nem dos não provados, sendo que na fundamentação de facto até foi escrito que “A sujidade nas pedras da fachada deve-se em primeiro lugar às características intrínsecas do tipo de pedra utilizada. A este facto não pode desligar a exposição ao meio em que se insere o edifício, nomeadamente chuva, ventos de intensidade superior ao normal, acção agressiva do mar e a poluição difusa”.

Existe, pois, uma omissão de pronuncia sobre esta matéria que é decisiva para determinar a responsabilidade na reparação daquele que parece ser o dano de maior relevância económica desta acção.

Acresce que a defesa das Rés assume a mesma natureza quanto aos restantes danos que foram objecto de reparação não estando concretamente provado ou não provado se estes estavam incluídos no “caderno de encargos” e se derivam (todos) causalmente da sua prestação[6].

Por fim, em termos jurídicos não foi sequer enunciada e apreciada qual o fundamento jurídico para a condenação da Ré B....

A sentença enuncia apenas duas questões: o CONTRATO, celebrado no dia 11 de Junho de 2015, no qual figuram como Primeiras Contraentes a I. e II Rés e como Segunda Contraente o I. Autor, contem uma obrigação de meios ou uma obrigação de resultados relativamente à remoção da sujidade nas pedras das fachadas do “Edifício ...”.

Ora, junto aos autos encontra-se apenas um contrato celebrado entre a Autora e a Ré Banco 1..., celebrado de facto em 11.6.25. E o contrato doc nº 17 só foi junto num email avulso em 31.7.17.

E nesta matéria nas 42 páginas da sentença foi apenas escrito o seguinte parágrafo “Assim, e conforme anteriormente exposto, por força do disposto no nº 1 do artº 800º e no nº 1 do artº 1225º, do Código Civil, ambos os réus são perante os autores responsáveis pela eliminação quer dos vícios que os trabalhos de reparação apresentam nas partes comuns do “Edifício ...” quer pelos defeitos existentes nas fracções autónomas dos autores, devendo proceder à sua eliminação”.

Dos factos provados resulta que o contrato de empreitada terá sido celebrado entre as duas RR nunca com a Autora como aliás consta do doc nº 17.

Nestes termos a decisão parece ter concluído que estamos perante um contrato de sub-empreitada entre as duas RR . E, mesmo que assim seja este acordo “não se funde (com o de empreitada) mantendo-se distinto e individualizado deste”[7].

Logo, estamos perante uma matéria relevante que não foi sequer analisada na decisão.

Assim, é imprescindível determinar a factualidade relevante alegada pela ré no sentido dos defeitos reclamados não estarem incluídos nesse âmbito[8] contratual.

Pelo exposto será necessário:

a) A Fixação nos factos provados ou não provados da seguinte matéria:

1. do alegado no art. 46 da contestação da Ré “B...;

2. e do alegado pela Ré Banco 1... no sentido que “atentos os fatores externos a que estão sujeitas as pedras da fachada, devem as mesmas ter uma adequada manutenção e que “a degradação/sujidade a que as pedras da fachada chegaram é imputável (deriva) de falta de manutenção”.

b) A fixação nos factos provados ou não provados da inclusão (ou não) de cada uma dessas anomalias objecto da condenação no caderno de encargos ou determinação (ou não) da relação de causalidade dos mesmos face a esse objecto da prestação da(s) R(s)

c) Bem como a explicitação, ainda que sumária, do instituto jurídico que fundamentou a condenação da Ré B....


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Ficam prejudicadas as restantes questões enunciadas.

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6. Deliberação

Pelo exposto este tribunal colectivo, concede provimento à arguição da nulidade e, oficiosamente, considera ainda existir nulidade de pronúncia em questões relevantes, determinando por via disso a anulação da sentença e a sua reformulação para esclarecimento das questões supra expostos (cinco contradições e três grupos de omissões), sem necessidade de renovação de prova, a realizar pelo mesmo magistrado que proferiu a sentença.

Custas do recurso, que se fixam em 1/5 das totais a cargo da apelante, porque decaiu parcialmente.


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Porto, 10.10.24
Paulo Duarte Teixeira
Francisca Micaela
Isabel Ferreira
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[1] Ac do STJ de 7.4.24, nº 311/18.9T8PVZ.P1.S1 (Nelson Carneiro).
[2] Após rectificação
[3] Ac do STJ de 20.5.21, nº 69/11.2TBPPS.C1.S1 (Nuno Oliveira).
[4] Ac STJ de 11.10.22, 602/15.0T8AGH.L1-A.S1 (Isaías da Pádua).
[5] Data da perícia realizada.
[6] Bastará ler as alegações das partes de onde se cita a título exemplicativo o facto do piso da garagem estar gasto em 2021 quando as obras foram realizadas em 2016 e por exemplo a “afinação” de uma porta de um armário.
[7] Pedro Romano Martinez, Contrato de Empreitada, 116.
[8] Nessa medida teremos de salientar que após audição de toda a prova produzida parece ser consensual (é referido até nas instâncias da autora) que quanto às pedras das fachadas com manchas a Ré B... terá proposto a realização dessa substituição, requerendo o seu pagamento a título de trabalhos extra já que não constaria do caderno de encargos, como aliás já consta da factualidade provada.