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DECISÃO SURPRESA
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
DANO
AMORTIZAÇÃO DE QUOTA
EXCLUSÃO DE SÓCIO
Sumário
I - A irregularidade processual cometida na tramitação da ação e acobertada pelo juiz na prolação de sentença, se relevante por apta a influir na apreciação da causa, consubstancia vício intrínseco da própria decisão que só pode ser impugnada através de recurso sustentado na nulidade da própria decisão, e já não pela reclamação incidental da nulidade procedimental. II - Considerando que a tramitação regular do procedimento cautelar só comporta dois articulados e não prevê a realização de audiência prévia, que às exceções invocadas na oposição o requerente pode responder no início da audiência e que, no caso, esta foi declarada aberta, o tribunal podia conhecer do mérito de questão invocada na oposição sem prévia notificação das partes para a respeito se pronunciarem e sem proceder à produção da prova pessoal requerida, máxime se na data designada para o efeito o recorrente expressamente anuiu na possibilidade de os autos serem conhecidos de mérito sem prévia produção de prova. III – A suspensão de deliberação social exige a verificação cumulativa de três requisitos positivos: a qualidade de sócio do requerente, a ilegalidade da deliberação por violação da lei ou dos estatutos, e o risco ou possibilidade da produção de dano apreciável. IV - Da definição legal da providência – suspensão da execução –, do requisito da possibilidade de produção de dano emergente da execução da deliberação, e da finalidade de prevenção de produção desse mesmo dano, resulta que o preenchimento do requisito ‘dano apreciável’ e o decretamento da suspensão da deliberação exige que esta ainda não tenha sido executada ou totalmente executada. V - A questão da execução da deliberação não se confunde nem esgota com a questão da sua eficácia, no sentido de a mesma ser ou não suscetível de produzir efeitos ou de estes serem ou não oponíveis ao sócio afetado e a terceiros; antes se estende à totalidade dos efeitos jurídicos da deliberação se aptos a causar danos para o futuro para além ou independentemente dos concretos atos de execução já cumpridos. VI - A execução/eficácia da deliberação de amortização de quota não se esgota na comunicação da deliberação ao sócio afetado (nos termos e para os efeitos do art. 234º, nº 1 do CSC) e no registo da amortização, posto que perduram no tempo os efeitos legais que a mesma tende a produzir, e que se sintetizam na total exclusão do sócio afetado da vida e destinos da sociedade e, consequentemente, da possibilidade de exercer os direitos e deveres inerentes àquele satus, dependendo a verificação do perigo de dano em cada caso do que a respeito seja concretamente alegado para o justificar no contexto das vicissitudes da vida societária e atividade da sociedade a que respeita.
Texto Integral
Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
1. M. instaurou procedimento cautelar especificado em 20.01.2022 contra A., Ldª como preliminar de ação de impugnação de deliberação de sócios - que entretanto instaurou em 09.02.2022[1] - pedindo a suspensão das deliberações sociais tomadas por unanimidade dos sócios presentes na Assembleia Geral da requerida de 10.01.2022, correspondentes aos pontos 1, 2 e 3 da ordem de trabalhos, de amortização das quotas do sócio M. nos termos do artigo 240.º, n.º 4 do CSC, exclusão do sócio M. e amortização da respetiva quota, e alteração da redação do artigo terceiro dos Estatutos da Sociedade em consequência da exclusão do sócio.
Alegou, em síntese, que: é titular de uma quota representativa de 30% do capital social da requerida e que até 13.07.2021 foi diretor geral desta; por carta de 24.09.2021 requereu a sua exoneração de sócio nos termos do art. 240º, nº 1, al. b) do CSC com fundamento na não aprovação das propostas que submeteu à assembleia realizada em 14.09.2021, de instauração de ação para exclusão de sócio da requerida, G., e de destituição deste do cargo de gerente; não tendo a requerida manifestado intenção de amortizar, adquirir ou fazer adquirir a sua quota no prazo subsequente de 30 dias previsto pelo art. 240º, nº4 do CSC, em 22.11.2021 apresentou pedido de dissolução administrativa da requerida nos termos do art. 240º, nº2 do CSC e esta instaurou ação para declaração da inexistência do direito de exoneração do réu ou do exercício abusivo do mesmo, com fundamento na qual o Sr. Conservador suspendeu aquele processo de dissolução. Mais alegou que o direito à exoneração é potestativo e o direito conferido pelo art. 240º, nº 4 do CSC é um verdadeiro direito potestativo à dissolução da sociedade, que a requerida não pode revogar a causa que deu lugar à exoneração declarada pelo sócio, e concluiu que as deliberações de amortização da sua quota e da sua exclusão é nula por impossibilidade do seu objeto e por ser contra legem, cfr. at. 56º, nº1, al. d), ou ao menos anulável, cfr. art. 58º, nº1, al. a), ambos do CSC, sendo ainda a deliberação de exclusão nula nos seus próprios termos por não ser possível deliberar a exclusão de quem já não faz parte da sociedade caso a deliberação de amortização fosse válida, prejudicando a deliberação de alteração a redação dos estatutos para acolher a exclusão do requerente de sócio da requerida. Para fundamentar o requisito do dano considerável alegou que a execução das deliberações condiciona a possibilidade de amortização da sua quota ao valor obtido por avaliação das suas quotas e a um acontecimento futuro e de tempo incerto, correspondente às ações judiciais em curso; possibilita que a requerida continue a praticar atos ilegais que desvalorizam o seu ativo e aumenta a possibilidade de perder o único cliente da requerida, conduzindo-a à insolvência com a perda de valor da quotas do requerente e de todos os sócios.
Arrolou testemunhas e juntou documentos.
2. Foi proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento com fundamento em insuficiência e imprecisão da matéria de facto alegada no requerimento inicial relativamente ao requisito dano apreciável suscetíveis de comprometer o êxito do procedimento cautelar, ao qual o requerente respondeu com apresentação de articulado complementar pelo qual alegou que:
i) a execução da deliberação impossibilita que a sua quota seja devidamente avaliada por um revisor oficial de contas designado por mutuo acordo ou, na falta deste, por um designado pela respetiva ordem, nos termos dos arts. 235º e 105º nº 2 do CSC aplicáveis na sequência do não cumprimento do art. 240º, nº 3 do CSC pela requerida no prazo de 30 dias e da não deliberação da amortização no prazo de 90 dias previsto nos estatutos, que o valor de €90.000,00 pelo qual foi deliberada a amortização da quota é inferior ao que será obtido nos termos dos arts. 235º e 105º nº 1 do CSC, sendo o registo da amortização e o pagamento o perigo visado acautelar com a suspensão das deliberações posto que em julho de 2021 estima que a sua quota tivesse um valor de cerca de €500.000,00, pelo que o cálculo do valor a pagar nunca poderia ser inferior a esse valor;
ii) a suspensão das deliberações é o único meio de obstar aos danos resultantes do não exercício dos seus direitos sociais como sócio, designadamente, o acesso a informação da sociedade;
iii) a amortização deliberada está condicionada à decisão judicial que venha a ser proferida na ação que a requerida instaurou para impugnar a justa causa de exoneração do sócio que determinaria a amortização da quota deste, e o valor a pagar pela amortização à data da deliberação ficará necessariamente reduzido a uma quantia irrisória, podendo até verificar-se a impossibilidade do seu pagamento;
iv) a deliberação de exclusão do sócio tem como objetivo protelar a situação de forma a não pagar ao requerente o justo valor da sua quota;
v) o sócio e gerente da requerida praticou atos ilícitos ao impedir outra sociedade da qual o requerente é sócio (K., Ldª) de aceder às instalações de que ambas as sociedades são co-cessionárias no âmbito de um contrato de cessão de exploração por ambas celebrado com outra sociedade (S. Ldª), inclusive no âmbito das diligências para restituição provisória de posse judicialmente decretada, e de aceder o software necessário à sua atividade, privando-a de aceder aos seus dados durante 5 meses, não prescindindo essa sociedade da indemnização decorrente dessa privação, o que desvaloriza o ativo da requerida e o valor da quota do requerente;
vi) o valor da quota do requerente tem vindo a diminuir por causa da prática de atos de má gestão, como a compra de veículo para fruição pessoal da família do sócio e gerente G. e sem utilidade para a prossecução dos fins da requerida;
vii) os 3 filhos do outro sócio, T., não têm conhecimento do negócio e foram contratados pela requerida, o que só visará delapidar o património desta em favor daquele sócio e inerente desvalorização da quota do requerente;
viii) a execução da deliberação falsamente sustentada na inaptidão do requerente enquanto titular de contrato de distribuição celebrado com a H…, no qual assenta em exclusivo a atividade da requerida, pode conduzir à resolução desse contrato face ao intuito personae ao mesmo associado, o que causará um prejuízo imediato à requerida da ordem dos €3,5M, correspondente a um ano de faturação, e conduzirá à sua insolvência por ser aquele o seu único cliente, sendo que o requerido tem avais prestados ao abrigo daquele contrato no valor de €400K, que em caso de resolução podem ser acionados, o que não se compatibiliza com a demora da ação destinada à nulidade ou anulação das deliberações ilegais:
ix) a difamação do requerente por via da execução das deliberações pode por em causa o contrato da sociedade K. com outra sociedade e, assim, todos os meios de subsistência do requerente.
3. Citada, a requerida deduziu oposição.
Por impugnação motivada alegou, em síntese: é falso que sem o requerente o contrato de distribuição cessará; ao requerente não assiste direito de exoneração; o requerente age em execução da ameaça de fecho da requerida que fez depois da tentativa frustrada de adquirir as quotas do sócio G. e de destituição deste em junho de 2021, tendo copiado ficheiros da requerida em 02.07.2021 e desviado colaboradores desta para a sociedade K.; o requerente promoveu por duas vezes a dissolução administrativa da requerida depois de ter sido citado para a ação que esta instaurou para declaração da inexistência daquele direito e delas deu conhecimento à H. e a clientes e parceiros da requerida sabendo que esse facto era suscetível de obstar à renovação anual do contrato de distribuição e afetar o bom nome da requerida, o que só foi evitado por ação do sócio e gerente G. e da respetiva equipa; a requerida tem ação pendente contra o requerente emergente de contrato de trabalho entre ambos celebrado; quem age assim não pode afirmar defender a requerida, pelo que a manutenção do estatuto de sócio do requerente seria totalmente contrária aos interesses daquela e de todos os seus trabalhadores, parceiros e demais sócios, e se o seu interesse fosse sair da sociedade na qual não quer estar bastaria desistir do pedido de dissolução administrativa e aceitar a amortização da quota nos termos do art 240º, nº 4 do CSC constante do ponto um da ordem de trabalhos, sendo que para assegurar a paz à requerida os demais sócios dispuseram-se a amortizar a quota nos termos do art. 233º, nº 3 do CSC mas de acordo com os Estatutos, mas sem sucesso porque o requerente não compareceu à assembleia, e o requerente pretende recuperar o estatuto de sócio para prosseguir com a destruição da requerida através da sua dissolução administrativa que, essa sim, levaria à resolução do contrato com a H. do qual depende a atividade da requerida.
Mais alegou que:
- a deliberação foi já executada com a comunicação ao requerente da deliberação de exclusão e amortização da quota e com os registos, por ap. de 17.01.2022, da alteração ao contrato e redistribuição de quotas amortizadas e da exclusão de sócio e amortização de quota, anteriores ao registo da presente providência cautelar e à citação da requerida, e o pagamento só não ocorreu porque o requerente não forneceu o IBAN que lhe foi solicitado para o efeito, “[p]elo que as deliberações de exclusão e amortização das quotas – por se encontrarem executadas – são insuscetíveis de suspensão, devendo nesta parte ser indeferida a pretensão do REQUERENTE e negada a providência cautelar, por falta de verificação de uma condição de procedência.”;
- a providência cautelar não é o meio adequado para suspender os efeitos de uma amortização de quotas por aumento proporcional das quotas dos demais sócios ou por alienação a sócio ou terceiro porque para a providência cautelar “apenas tem legitimidade passiva a REQUERIDA, não podendo o caso julgado abranger terceiros não intervenientes, através da afetação das suas participações sociais.”;
- a amortização da quota produziu efeitos a 17.1.2022 pelo que o requerente perdeu a qualidade de sócio antes da apresentação do requerimento inicial, não sendo a providência cautelar o meio adequado para apreciar se o é ou não, pelo que deve ser declarada a sua ilegitimidade para o pedido”;
- o requerente não aduziu factos dos quais se possa extrair que as deliberações serão declaradas nulas ou anuladas;
- da execução das deliberações não emerge dano apreciável para o requerente, a não ser que se entenda que o requerente teria direito à exoneração, apreciação para a qual este procedimento cautelar não é o meio adequado, e a ser assim sempre a ação de simples apreciação negativa constituiria causa prejudicial desta providência;
- da suspensão da providência resultariam prejuízos superiores ao que podem derivar da execução na medida em que o requerente prosseguiria com o pedido de dissolução administrativa da requerida e poderia condicionar negativamente a vida da requerida com vista ao seu encerramento e liquidação, comportamento abusivo apto a causar danos irreparáveis à requerida.
Concluiu com os seguintes pedidos:
“A) Declarar que as deliberações de exclusão e de amortização de quotas – por se encontrarem executadas – são insuscetíveis de suspensão e, por conseguinte, indeferir a pretensão e negar a providência cautelar, por falta de verificação de uma condição de procedência; B) Declarar a inaptidão desta providência cautelar para suspender os efeitos de uma amortização de quotas, independentemente de esta ocorrer por aumento proporcional das quotas dos demais sócios ou por alienação a sócio ou terceiro, porquanto apenas tem legitimidade passiva a REQUERIDA, não podendo o causo julgado abranger terceiros não intervenientes, através da afetação das suas participações sociais. C) Declarar a ilegitimidade do REQUERENTE em virtude de a exclusão e amortização de quotas se terem tornado eficazes antes da apresentação do Requerimento Inicial; D) Declarar que o Requerimento Inicial não contém não resultam factos ou circunstâncias que permitam, em abstrato, concluir, com segurança, que as deliberações serão declaradas nulas ou anuladas, faltando também nessa parte uma condição de procedência; E) Declarar que da execução das deliberações não emerge dano apreciável para o REQUERENTE; F) Declarar que este procedimento cautelar não é o meio adequado para apreciar a existência do direito à exoneração e à (suposta) ilicitude da recusa da REQUERIDA; G) Subsidiariamente, sem conceder, da (eventual) suspensão resultariam prejuízos superiores aos que podem (eventualmente) derivar da execução e, por conseguinte, não deve ser dado, em caso algum, provimento às providências requeridas (art. 381.º, n.º 2, do CPC); H) Finalmente, recusar o decretamento das providências por serem manifestamente infundadas.
4. Após vicissitudes processuais atinentes com a sujeição do procedimento a registo e com os termos do prosseguimento dos autos (se com ou sem realização de audiência de julgamento), em 11.04.2022 foi (pela primeira vez) designada data para produção da prova testemunhal, data que foi sucessivamente adiada durante os dois anos seguintes, até 08.04.2024[2].
5. Por requerimento de 26.04.2022 o requerente alegou que depois do cumprimento da citação da requerida esta procedeu ao registo da amortização da quota de € 22.500,00 do requerente e requereu seja “ordenado o imediato cancelamento de tal registo de amortização” e a requerida condenada como litigante de má fé em multa e em indemnização, ao que esta se opôs alegando em conformidade, pedidos sobre os quais, e após vicissitudes atinentes com o pedido de junção de documentos apresentado pela requerida, recaiu despacho a ordenar o cancelamento daquele registo e a condenar a requerida como litigante de má fé; decisão que foi objeto de recurso interposto pela requerida e sobre o qual incidiu acórdão desta Relação proferido em 22.11.2022 e que, julgando procedente a apelação, revogou e substituiu aquelas decisões por outras, de indeferimento do pedido de cancelamento daquele registo e de absolvição da requerida do pedido de condenação como litigante de má fé.
6. Em 04.07.2022 a requerida requereu a junção de documentos que alegou ter encontrado no âmbito de auditoria interna às suas contas e documentação para apuramento das responsabilidades do requerente pela prática de atos enquanto diretor geral e gerente de facto da requerida e em prejuízo direto desta,
ao que o requerente se opôs alegando a irrelevância daqueles factos e documentos para o objeto desta providência cautelar, rejeitando a superveniência dos mesmos, impugnando a versão fáctica deles apresentada pela requerida, requerendo a rejeição daquele requerimento, e a condenação da requerida e dos respetivos mandatários em multa pela sua apresentação,
ao que a requerida respondeu articulando novos factos e requerendo a junção de novos documentos (req. de 01.08.2022),
e ao que o requerente novamente respondeu, também por impugnação do ali alegado, reiterando o pedido de rejeição dos requerimentos em questão ou, assim não se entendendo, a improcedência do por eles alegado, e a condenação da requerida como litigante de má fé e em indemnização não inferior a €1.000,00,
ao que a requerida respondeu com novo articulado (03.10.2022), reiterando alegações e pugnando pela improcedência deste pedido.
em 17.10.2023 o requerente apresentou novo requerimento para impugnar o requerimento de 03.10.2023 da requerida,
ao que esta respondeu requerendo o seu desentranhamento por não ser lícito ao requerente responder sobre a resposta da requerida ou, de contrário, que lhe seja concedido prazo para contraditório, que veio a exercer por requerimento de 20.01.2023 depois de lhe ter sido concedido por despacho de 10.01.2023.
7. Na data e diligência designada para o início da produção de prova pessoal (08.04.2024), veio a requerida, “atento o teor do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 22-11-2022, solicitar ao Tribunal, a prévia pronúncia sobre a falta de verificação de uma condição de procedência da providencia cautelar, ficando prejudicada por ora a apreciação das demais questões, bem como a produção de prova testemunhal”, ao que o requerente respondeu no sentido de que considera que “estas questões que estão em causa são estritamente jurídicas e que a produção de prova não é essencial.”, na sequência do que o tribunal a quo deu sem efeito o agendamento das diligências de prova.
8. Em 30.05.2024 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: V. Decisão Pelos fundamentos expostos, indefiro o pedido cautelar de suspensão das deliberações aprovadas no dia 10.01.2022 na assembleia-geral da sociedade A…, LDA., sociedade comercial por quotas, com sede na Rua …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, com o número único de matrícula e de pessoa coletiva …., com o capital social de €200.000,00.
* Não estando identificado dano apreciável quantificável, fixo à ação o valor de 30.000,01€ - artigo 296.º n.º 1, 304.º n.º 3 alínea c) e 306.º n.º 1, todos do Código de Processo Civil. * Custas a atender a final na ação principal, pela parte que ficar vencida - 539.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
8. Inconformado, o requerente recorreu da sentença requerendo a sua revogação e substituição por outra que determine “(i) o prosseguimento dos autos (ii) com a prolação de decisão de procedência da providência cautelar intentada.”
Formulou as seguintes conclusões:
(…)[3] 4. O Tribunal a quo criou a expectativa da necessidade de produção de prova, tendo inclusivamente aberto a audiência a pedido da Requerida. 5. Durante mais de um ano depois do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 22.11.2022, manteve a continuação dos autos e foi remarcando a audiência já aberta, pelo que a prolação de uma decisão de mérito nos termos produzidos pelo Tribunal a quo sem antes ter dado às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a possibilidade de vir a ser proferida tal decisão, constitui, para todos os efeitos, uma decisão surpresa que, por violação do disposto no art. 3º, n.º 3 co C.P.C., e por influenciar diretamente no exame da causa, não pode deixar de se considerar nula, como estabelece o art. 195º do C.P.C.. 6. A decisão ora em crise, para todos os efeitos, constituiu uma verdadeira decisão surpresa, para além de consubstanciar uma efetiva contradição entre decisões anteriormente proferidas, o que determina a sua nulidade. 7. A providência cautelar sub iudice mantém o seu efeito útil e atual para salvaguardar os direitos sociais do Requerente, sendo o meio adequado para evitar os danos continuados e futuros decorrentes da execução das deliberações em crise. 8. De acordo com o art. 380.º, n.º 1 do CPC, a suspensão de deliberações sociais depende da verificação cumulativa de três requisitos: (i) justificação da qualidade de sócio ou associado da pessoa coletiva; (ii) estar em causa uma deliberação societária contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato social; e (iii) possibilidade da ocorrência de dano apreciável resultante da execução imediata dessa deliberação. 9. O Requerente demonstrou a sua qualidade de sócio através da apresentação de documentação pertinente, conforme demonstrado em sede de requerimento inicial, tendo comprovado a sua legitimidade para instaurar o procedimento cautelar em apreço. 10. O Requerente demonstrou a inexistência de objeto legal para as deliberações e a sua ausência de utilidade. 11. A providência cautelar sub iudice visa suspender não apenas a execução imediata das deliberações em crise, mas todos os efeitos continuados e geradores de danos resultantes da deliberação, na certeza que a providência cautelar deve abranger toda a eficácia da deliberação e não apenas a sua execução imediata, de modo a evitar danos futuros e garantir a eficácia da decisão definitiva na ação principal. 12. O Requerente continua a sofrer danos graves, entre os quais se destaca, a par da restrição dos demais direitos sociais, a privação do direito à informação sobre a sociedade. 13. A providência cautelar de suspensão de deliberações sociais é essencial para proteger os direitos do Requerente até a decisão final na ação principal de impugnação. A continuidade dos danos justifica a necessidade de paralisar os efeitos das deliberações viciadas para evitar prejuízos irreparáveis. 14. Neste sentido, e na medida em que se conserva o efeito útil e face a iminência da concretização de danos fruto das deliberações sociais inválidas, deve ser decretada a providência cautelar de suspensão para que, até que exista decisão definitiva, os direitos do Requerente enquanto sócio da Requerida sejam salvaguardados. Nestes termos e nos mais do Direito aplicável, sempre deverá ser julgado procedente o presente recurso e revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo e substituída por outra que decrete a suspensão cautelar das deliberações sociais melhor identificadas supra. Como é de Direito e de Justiça!
9. A requerida contra-alegou para defender a manutenção da decisão recorrida. Formulou as seguintes conclusões: 1. Ainda que o RECORRENTE não se conforme com a decisão do Tribunal a quo, bem sabe que é aquela que aplica corretamente o Direito ao caso concreto, porquanto deu integral cumprimento ao Acórdão do Venerando TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, datado de 22.11.2022 (ref.ª Citius n.º 19197581) e como tal, a deliberação está executada, não sendo suscetível de suspensão. 2. Como tal, o presente recurso com efeito suspensivo visa apenas manter o elevado nível de contencioso, desprovido de fundamento, por parte do RECORRENTE, o que não se deve aceitar. Da Inexistência de nulidade da decisão recorrida 3. Invoca o RECORRENTE a nulidade na decisão recorrida, por, no seu entender, se terem verificado atos de execução da deliberação a suspender, em violação do disposto no art. 381.º, n.º 3, do CPC, bem como que por a decisão do Tribunal a quo se ter traduzido numa verdadeira decisão surpresa, pois tinha sido criada a expectativa de que haveria produção de prova. 4. Quanto ao primeiro dos pontos, a deliberação objeto desta ação estava totalmente cumprida com a comunicação do resultado da Assembleia Geral ao RECORRENTE, incluindo a indicação da sua exclusão da qualidade de sócio, por carta registada em 14.01.2022, aí tendo produzido todos os seus efeitos no que se refere à relação estabelecida entre a sociedade e o (ex-)sócio, o que veio a ser corroborado pelo Acórdão do Venerando TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, que revogou a decisão de cancelamento de registo de amortização da quota segunda do REQUERENTE. 5. Quando a sociedade foi citada, a deliberação já tinha produzido os respetivos efeitos, tendo o RECORRENTE deixado de deter a qualidade de sócio e deixando também, consequentemente, de reunir o requisito (subjetivo) para lançar mão do mecanismo processual da providência cautelar. 6. Ora, no que tange à alegada expectativa do RECORRENTE, é esta completamente infundada e deitada por terra, pois, conforme resulta do teor bem expressivo da Ata da audiência de julgamento realizada no dia 08.04.2024, o RECORRENTE manteve a sua posição expressa nos articulados, dispensando a produção de prova dado a questão ser estritamente jurídica – cfr. Ata da diligência de 08.04.2024, disponível em sistema Citius com a ref.ª 434446591. 7. Ora, assiste-se a uma clara e inexplicável inflexão no racional, aparentemente com o único objetivo de conseguir maior amplitude nos argumentos (manifestamente improcedentes e sem mérito) com que pretende atacar a decisão recorrida. Como tal, revela-se manifestamente infundada a alegação do RECORRENTE no que tange à nulidade da decisão do Tribunal a quo, devendo a mesma ser mantida nos seus exatos termos, como é de elementar Justiça(!). 9. Os requisitos que a lei faz depender o decretamento da providência de suspensão de deliberações sociais, nos termos dos arts. 380.º, e 381.º, do CPC, são: a) a qualidade de sócio do requerente relativamente à sociedade que tomou a deliberação; b) ilegalidade da deliberação; c) existência de dano apreciável resultante da execução da deliberação; d) que o prejuízo da suspensão seja inferior ao prejuízo da execução. 10. Ora, in casu, não se encontram verificam os pressupostos para o decretamento da presente providência cautela, conforme resulta bem evidenciado da decisão do Tribunal a quo. Da ilegitimidade do Recorrente para a presente ação 11. É do pleno conhecimento do RECORRENTE que, desde 10.01.2022, já não detém a qualidade de sócio da RECORRIDA, tendo a exclusão e a amortização de quotas do RECORRENTE sido registadas na certidão comercial permanente da RECORRIDA, fazendo, assim, fé pública no registo. 12. No que concerne aos efeitos, as deliberações sociais, do ponto de vista interno – ou da eficácia da relação interna – não dependem de registo para que a sua respetiva eficácia seja efetiva e vinculante. Quer isto dizer que o registo não condiciona a eficácia interna das deliberações sociais tomadas, ou dos efeitos produzidos inter sócios, ou de sócios para com a sociedade e vice versa 13. Ou seja, se mais não fosse, em 14.01.2022, a RECORRIDA enviou ao RECORRENTE uma missiva na sequência da deliberação de exclusão do RECORRENTE, dando nota disso mesmo, e tendo solicitado a indicação do IBAN do RECORRENTE com vista ao pagamento do valor correspondente à amortização das suas quotas, missiva à qual o RECORRENTE não respondeu, intencionalmente. 14. Em consequência, não poderá, assim, ser olvidada e eficácia inter partes da deliberação social. 15. Como tal, aquando da propositura da presente ação, em 20.01.2022, o RECORRENTE já não era sócio da RECORRIDA desde 10.01.2022, data em que foi deliberada a sua exclusão e amortizadas as suas quotas, não detendo o RECORRENTE legitimidade ativa para a propositura da presente ação, 16. Como tal, a deliberação de exclusão e amortização das quotas do RECORRENTE, encontra-se executada, e tem como consequência, a sua ilegitimidade para os presentes autos, como se demonstrou, e bem decidiu o Tribunal a quo, decisão essa que não merece qualquer reparo. Da legalidade e eficácia da deliberação impugnada 17. Conforme já se deixou enunciado, a deliberação social da RECORRIDA, de 10.01.2022 encontra-se totalmente cumprida e executada, tendo resultado de deliberação com fundamento em comportamentos desleais e gravemente danosos para a sociedade aqui RECORRIDA, perpetrados pelo ex-sócio, ora RECORRENTE. 18. Quer nos efeitos inter partes, pois conforme dispõe a parte final do n.º 1 do art. 234.º, do CSC, a amortização torna-se eficaz mediante comunicação dirigida ao sócio por ela afetado, o que ocorreu em 14.01.2022 com o envio de comunicação escrita ao ex-sócio ora RECORRENTE dando-lhe conhecimento de tais deliberações sociais, Quer nos seus efeitos externos conferidos pelo registo de tais deliberações na certidão comercial permanente da RECORRIDA (art. 1.º, n.º 1, do Código de Registo Comercial), em 17.01.2022. 20. Aquando da propositura em juízo do presente procedimento cautelar, em 20.01.2022, e a subsequente citação da RECORRIDA, em 22.02.2022, a deliberação social de exclusão do RECORRENTE e amortização das suas quotas sociais já se encontrava totalmente cumprida, não sendo passível de qualquer suspensão dos seus efeitos. 21. Assim, tendo em conta o supra exposto, inexiste qualquer ato de execução da deliberação a acautelar com o presente procedimento, pelo que outra não deverá ser a decisão senão a do não decretamento da providência, por inutilidade superveniente da lide em acautelar qualquer pretensão do REQUERENTE Da inexistência de dano para o Recorrente 22. Alega o RECORRENTE, nos seus articulados, manifestamente de má-fé, a existência de um dano apreciável porquanto invocava ser avalista da RECORRIDA. 23. Como bem sabe o RECORRENTE, não podendo desconhecer sem culpa, o mesmo já não é avalista da RECORRIDA, não detendo qualquer responsabilidade na sociedade. 24. Assim, não pode vir invocar a existência de um dano apreciável quando, em manifesta má-fé e de forma gritantemente falsa, invoca ter responsabilidades como avalista da RECORRIDA, que atualmente já não se verificam. 25. Posição essa que deixou de ter uma linha sequer nas alegações de recurso a que se responde, pois bem sabe o REQUERENTE que uma argumentação deste jaez, pejada em falsidade, facilmente seria desmontada e de fácil evidenciação. Nas alegações a que responde (pág. 9), o REQUERENTE, de forma vaga, indeterminada, ambígua e sem qualquer concretização, limita-se a alegar que continua a sofrer danos resultante da execução ilegal, sem elencar um, um só argumento que seja, que exemplifique os (falsos) danos invocados. 27. O REQUERENTE não invoca qualquer facto concreto de onde se possa retirar tal prejudicialidade, limitando-se a alegar meras suposições daquilo que poderá suceder com a execução da deliberação em causa, espraiando-se em considerações vagas e sem qualquer adesão à realidade. 28. Ora, não tendo logrado o REQUERENTE provar a existência de efetivos danos com a deliberação social tomada, encontrando-se esta totalmente cumprida e executada, soçobram, pois, os argumentos do RECORRENTE sobre este ponto. 29. Destarte, uma argumentação vazia, assente em alegações ocas sem qualquer concretização palpável, não pode merecer qualquer tutela do direito, pois só evidencia a forma artificial como litiga o REQUERENTE e a forma lamentável como faz uso dos meios da justiça, bem sabendo que não lhe assiste qualquer razão, de facto ou de direito, o que deverá ser valorado por Vossas Excelências(!). 30. Assim, e face ao supra exposto é evidente a justeza da decisão proferida pelo Tribunal a quo, a qual deverá ser mantida como é de Direito e de Justiça(!).
II - Objeto do recurso
É consensual que, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha nos temos do art. 662º nº 2 e 608º, nº 2, este, ex vi art. 663º, nº 2, ambos do CPC, o objeto do recurso, que incide sobre o mérito da decisão recorrida, é definido pelas conclusões das alegações, que delimitam o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC), destinando-se à reapreciação do decidido e não de questões de facto e de direito não submetidas à apreciação do Tribunal a quo, pelo que mister também é que a matéria das conclusões se contenha no âmbito das questões cuja apreciação integram ou devam integrar o objeto da decisão objeto do recurso.
Acresce que o tribunal não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos nas alegações das partes, mas apenas das questões de facto ou de direito suscitadas que, contidas nos elementos da causa (ou do incidente), se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, sendo o tribunal livre na aplicação do direito (cfr. art. 5º, n º 3 do CPC).
Assim, considerando o teor da decisão recorrida e as conclusões enunciadas pelo recorrente, e sem prejuízo do que resulte prejudicado pela solução dada à questão precedente, cumpre apreciar:
a. Se a prolação da decisão recorrida configura decisão surpresa e é nula com esse fundamento.
b. Se a suspensão das deliberações sociais mantém utilidade/efeito (por referência aos atos de execução já praticados e aos efeitos que delas decorrem).
c. Caso o estado dos autos o permitam, mais cumpre conhecer da verificação dos demais pressupostos da suspensão das deliberações sociais postas em crise.
III – Da nulidade da sentença
1. Preveem os arts. 617º nº 1 e 641º do CPC que, se a nulidade da sentença for suscitada no âmbito do recurso dela interposto, compete ao Juiz do processo apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso. Acrescenta o nº 5 que Omitindo o juiz o despacho previsto no n.º 1, pode o relator, se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido; se não puder ser apreciado o objeto do recurso e houver que conhecer da questão da nulidade ou da reforma, compete ao juiz, após a baixa dos autos, apreciar as nulidades invocadas ou o pedido de reforma formulado. Tal apreciação foi omitida pelo tribunal recorrido. Porém, dispensa-se a baixa dos autos para o efeito por desnecessária à apreciação a nulidade, atentos os fundamentos da invocada pelo recorrente (cfr. art. 641º nº 5 do CPC).
2. Alega o recorrente que, apesar de o tribunal recorrido conhecer há mais de um ano o acórdão da Relação que revogou o despacho que ordenou o cancelamento dos registos das deliberações realizados pela requerida, e de desde o início esta ter pugnado pela inutilidade dos autos com fundamento nesses registos, durante aquele tempo deu prosseguimento aos autos com o sucessivo agendamento de audiência para produção de prova e criou a expectativa legítima da necessidade de produção de prova para aferir da existência ou não da inutilidades dos autos, pelo que a prolação de decisão “sem antes ter dado às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a possibilidade de vir a ser proferida” constitui decisão surpresa por violação do art. 3º, nº 3 do CPC que, por influir no exame da causa, é nula nos termos do art. 195º do CPC.
Nestes termos, sem uma linear delimitação entre as figuras da nulidade processual e da nulidade da sentença, alega o recorrente que a decisão recorrida violou o princípio do contraditório previsto pelo art. 3º, nº 3 do CPC porque foi proferida sem produção da prova cuja realização foi sucessivamente agendada (e adiada) pelo tribunal durante mais de um ano, no pressuposto assumido pelo recorrente de que é necessária e legalmente devida para o conhecimento da questão da utilidade da providência requerida (a única apreciada pela decisão recorrida), e que tal omissão gerou nulidade da decisão nos termos do art. 195º do CPC por suscetível de influir no exame e decisão da causa.
As causas de nulidade da sentença constam taxativamente previstas no art. 615º do CPC e, com exceção da falta de assinatura do juiz (al. a), reportam à violação de regras de estrutura, conteúdo e limites do poder-dever de pronúncia do julgador, e consubstanciam defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, vícios formais da sentença ou vícios relativos à extensão ou limites (negativo e positivo) do poder jurisdicional por referência ao caso submetido a apreciação e decisão[4]. Vícios que não contendem com o mérito da decisão e, por isso, não consubstanciam nem se confundem com um qualquer erro de julgamento, quer na apreciação da matéria de facto, quer na atividade silogística de aplicação do direito. Os primeiros – vícios formais ou de limites da sentença - dão lugar à anulação da sentença. Os segundos – vícios materiais ou erro de julgamento - são passíveis de censura apenas por via de recurso, e determinam a revogação da decisão. Sendo o recurso admissível, as nulidades da sentença devem ser arguidas no âmbito das alegações de recurso, através das quais são submetidas à liminar apreciação e decisão do juiz ‘a quo’ aquando da apreciação do requerimento de recurso (cfr. art. 617º, nº 1 do CPC), e, sendo ali desatendidas, submetidas à apreciação do tribunal ad quem que, se entender que o recorrente tem razão, ou supre o vício que afeta a sentença, ou anula-a total ou parcialmente para permitir que seja novamente proferida pela 1ª instância despojada desse vício.
A nulidade da sentença distingue-se das nulidades processuais, designadamente, das que enquadram no art. 195º, nº 1 do CPC invocado pelo recorrente. As nulidades processuais respeitam a atos de tramitação ou sequência processual (pela prática de ato indevido, prática de ato admissível mas sem observância das respetivas formalidades, ou omissão de ato devido praticar), distinguindo-se por isso da nulidade da sentença e dos vícios a esta subjacentes previstos pelo art. 615º, nº 1 do CPC, e devem ser arguidas perante o tribunal onde foram cometidas no prazo legal de dez dias subsequentes ao conhecimento da sua prática (arts. 197º, 199º, nº 1 e 149º, nº 1 do CPC).
“Ocorre, porém, que nem sempre esta distinção[5] é evidente, como sucede nos casos em que a omissão de determinada formalidade obrigatória (v.g. cumprimento do contraditório antes de apreciar ‘ex offício’ uma determinada questão) acaba por se traduzir numa nulidade da própria decisão, ajustando-se então a interposição de recurso no âmbito do qual essa nulidade seja suscitada.”[6]Casos em que a prática de ato processual indevido ou a omissão de determinada formalidade obrigatória é imediatamente acobertada pelo juiz na prolação da sentença, refletindo-se em vício de conteúdo da própria sentença que, por via do princípio do esgotamento do poder jurisdicional (art. 613º, nº 1 do CPC), só pode ser impugnada através de recurso sustentado na nulidade da própria decisão[7], e já não pela reclamação incidental da nulidade procedimental. Nestes casos, a irregularidade processual, se relevante por apta a influir na apreciação da causa, consubstancia vício intrínseco da própria decisão, porque nela se reflete enquanto produto da prática de ato indevido ou omissão de um ato prévio devido praticar, e o recurso deduzido apenas pode ter como objeto a decisão e não a nulidade de tramitação processual cometida na instância recorrida com fundamento na violação do princípio do contraditório genérica ou amplamente previsto pelo art. 3º, nº 3 do CPC, ainda que nesta encontre a origem da nulidade daquela.
Nas palavras de Teixeira de Sousa, “Todo e qualquer recurso tem por objecto uma decisão; (…). Sendo assim, o objecto do recurso nunca pode ser uma nulidade processual cometida na instância recorrida, mas apenas o reflexo dessa nulidade na decisão impugnada; aliás, cabe recordar que a nulidade processual pressupõe que a mesma influa no exame ou decisão da causa (art. 195.º, n.º 1, CPC), pelo que não há nulidade processual sem haver reflexo nesse exame ou nessa decisão; (…). Alicerçado nessa construção conclui o ilustre professor que a decisão é intrinsecamente nula com fundamento em excesso de pronúncia se, perante a ausência de prévio cumprimento da audição das partes, o tribunal profere decisão conhecendo de questão não alegada ou equacionada pelas partes nos respetivos articulados, traduzindo-se o excesso de pronúncia na prolação de decisão pelo facto de os autos não se mostrarem processualmente preparados ou aptos para o efeito (por não ter sido dada às partes a possibilidade de sobre ela previamente se pronunciarem).[8][9] O que é justificado por aquele ilustre jurista nos seguintes termos: “[h]á (pelo menos) dois argumentos para assim se entender: - O primeiro é o de que, até haver o proferimento da decisão-surpresa, não há nenhum vício processual contra o qual a parte possa reagir; a parte pode suspeitar de que o tribunal vai aplicar um regime não discutido no processo e de que vai proferir uma decisão-surpresa; todavia, é apenas no momento do proferimento desta decisão que o vício se manifesta e se constitui; - O segundo argumento é o de que o vício que afecta uma decisão-surpresa é um vício que respeita ao conteúdo da decisão proferida; a decisão só é surpreendente porque se pronuncia sobre algo de que não podia conhecer antes de ouvir as partes sobre a matéria; a decisão padece de um vício de conteúdo e, por isso, é nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC); estranho seria, aliás, que o vício que afecta a decisão-surpresa, sendo um vício de conteúdo, não tivesse o mesmo tratamento e não originasse as mesmas consequências dos demais vícios de conteúdo que, segundo o disposto no art. 615.º, n.º 1, CPC, conduzem à nulidade da sentença.”[10]
Do exposto resulta que o vício que o recorrente invoca e qualifica como decisão surpresa conflui no vício de excesso de pronúncia previsto pelo art. 615º, nº 1, al. d) do CPC, nos termos do qual É nula a sentença quando (…) O juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
3. Apreciando, começa por se relembrar que à tramitação dos procedimentos cautelares é subsidiariamente aplicável a prevista nos arts. 293º a 295º para os incidentes da instância (cfr. art. 365º, nº 3 e 376º, nº 1 dp CPC) que, como é sabido, e sem prejuízo da salvaguarda prevista pelo art. 3º, nº 4 do CPC, comporta apenas dois articulados – o requerimento inicial e a oposição -, aos quais se segue a produção de prova por aqueles oportunamente requerida e, a esta, a decisão a proferir nos termos do art. 607º do CPC, devidamente adaptados. Daqui resulta que a regular tramitação dos procedimentos cautelar não prevê a realização da audiência prévia prevista pelo art. 591º, nº 1 do CPC, designadamente, para b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa., pelo que o tribunal recorrido não omitiu uma qualquer formalidade do iter processual do procedimento cautelar, assistindo ao recorrente a faculdade, e o ónus de, nos termos do art. 3º, º 4 do CPC, querendo, responder às exceções invocadas na oposição no início da audiência, que no caso foi aberta em 23.06.2022 (e adiada com fundamento na falta de uma testemunha).
Por outro lado, o direito processual à possibilidade de produção de prova não se confunde com o direito de as partes serem ouvidas sobre as questões objeto do processo antes de sobre elas ser proferida decisão. O direito à prova que, nos termos do art. 341º do CC, tem por função a demonstração da realidade dos factos – enquanto concretização do direito à tutela jurisdicional, a par com os princípios do pedido, da defesa, da igualdade e, na dialética da instância processual, do contraditório -, situa-se a jusante destes últimos pois que por aquele é constitucionalmente reconhecida e processualmente concedida às partes a possibilidade de propor e produzir prova para demonstração dos fundamentos de facto que por elas foram previamente alegados e debatidos nos respetivos articulados, precisamente, no âmbito do funcionamento e exercício do direito ao contraditório. Este, a montante do direito à prova – e que, como princípio estruturante do direito processual civil, tem a sua expressão mais ampla no art. 3º, nº 3 do CPC -, confere a cada parte o direito de conhecer e de contraditar e discutir os articulados, os pedidos, os fundamentos de facto e de direito, e as provas apresentadas pela parte contrária, bem como as questões jurídicas suscitadas e os elementos de prova carreados ex officio pelo juiz e nos quais este entende fundamentar a sua decisão.
Contraditório que foi amplamente exercido nos autos por ambas as partes através dos vários requerimentos que apresentaram ao longo de mais de dois anos de pendência destes autos desde a sua instauração até à prolação da decisão aqui sob escrutínio, na sequência do qual o tribunal recorrido entendeu conhecer de mérito da causa por entender que o estado do processo o permitia. Antecipação do conhecimento de mérito que a lei permite [s]e, de acordo com as soluções plausíveis da questão de direito, a decisão final de modo algum puder ser afetada com a prova dos factos controvertidos, não existe qualquer interesse na enunciação dos temas de prova e, por isso, nada impede que o juiz profira logo decisão de mérito; (…); e/ou [a]pesar da existência de outras soluções plausíveis sustentadas em matéria de facto ainda controvertida, desde que o juiz esteja ciente da segurança da sua decisão (…) depois de fazer um juízo de prognose acerca da relevância ou não dos factos controvertidos (…).[11]
Finalmente, conforme consta da ata da diligência de 08.04.2024 (designada para produção de prova), na sequência do requerimento apresentado pela recorrida e de esta ter declarado que prescindia da produção de prova em função da decisão que o tribunal viesse desde já a proferir sobre a questão que, no entender da recorrida, corresponde à ratio decidendi do acórdão da Relação de 22.11.2022[12], o próprio recorrente expressamente declarou que as questões a decidir são estritamente jurídicas de direito e que a produção de prova não era essencial pelo que, para além de os despachos que designam data para audiência não formarem caso julgado formal por tratar-se de despacho que se limita “a prover ao andamento do processo de acordo com a tramitação legalmente prevista”[13] e, por isso, de mero expediente (cfr. art. 630º, nº 1 do CPC), na data designada para a produção de prova, o recorrente expressamente anuiu na possibilidade de os autos serem conhecidos de mérito sem prévia produção de prova, o que mais incompreensível torna a expectativa de produção de prova que contraditoriamente agora alega, e que apenas pode tomar-se como expectativa de ser proferida decisão favorável ao seu pedido que, como é óbvio, não merece mais tutela jurídica do que a expectativa de a parte contrária na prolação de decisão em sentido contrário.
Do exposto se retira a falta de fundamento da violação do contraditório que pelo recorrente vem invocada como fundamento de nulidade da sentença, sendo manifesta a falta de razão na alegada prolação de decisão surpresa pela impossibilidade lógica da falta da sua audição sobre questão – de facto e de direito - que foi expressa e intencionalmente trazida à discussão pela requerida logo na oposição, e à qual o recorrente teve oportunidade processual para responder no início da audiência nos termos do art. 3º, nº 4. Com efeito, a designada decisão surpresa só o é, surpresa, quando confronta as partes com resultados inesperados por não ter sido facultada a discussão que a lei prevê na regular tramitação dos autos. Conforme acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.02.2015 e 19.05.2016, “o princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão surpresa, não determina ao tribunal de recurso que, antes de decidir a questão proposta pelo recorrente e/ou recorrido, o alerte para a eventualidade de o fazer com base num quadro normativo distinto do por si invocado, desde que as normas concretamente aplicadas não exorbitem da esfera da alegação jurídica efetuada”[14], e “[h]á decisão surpresa se o Juiz, de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico, envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, ainda que possa ser a solução que mais se adeque a uma correta e atinada decisão do litígio. Ou seja, apenas estamos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever.” O que não se verifica no caso.
4. Com o que se conclui pela ausência de prolação de decisão surpresa, com consequente improcedência da nulidade da sentença através daquela arguida (por excesso de pronúncia).
IV - Fundamentação de Facto
A decisão de facto integrada na decisão recorrida corresponde à elaborada no acórdão de 22.11.2022, no qual se assentaram os seguintes factos para “contextualização da questão objeto do recurso e sua apreciação” que, recorde-se, cingia-se à legalidade do despacho que ordenou o cancelamento do registo da amortização lavrado após a citação da recorrida:
1. Após aumento de capital social inscrito no registo por ap. 147 on line de 26.12.2012, correspondente à insc. 5, o capital social da recorrente passou de €75.000,00 para €200.000,00, distribuído por cinco quotas sociais, duas inscritas em benefício de T., nos valores nominais de € 50.000,00 e € 30.000,00, duas em benefício de G. nos valores nominais de € 37.500,00 e € 22.500,00, e duas em benefício do recorrente nos valores nominais de € 37.500,00 e € 22.500,00 (certidão comercial da recorrente).
2. Através de carta datada de 24.09.2021 que dirigiu à recorrente, o requerente M. declarou “1. (…) nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 240º do Código das Sociedades Comerciais, que me exonero da qualidade de sócio da sociedade A…, Ldª (…).//(…).//32. “(…), venho ainda requerer que a Sociedade, no prazo de 30 dias, amortize a quota, a adquira ou a faça adquirir por sócio ou terceiro, sob pena de vir a requerer a dissolução da sociedade por via administrativa, nos termos do artigo 240º, nº 3 do Código das Sociedades Comerciais.//(…)//34. A contrapartida pela minha participação social deverá ser calculada nos termos do nº 2 do artigo 105º do CSC, com referência à presente data, sendo aplicável ao respetivo pagamento o disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 235º do CSC.” (doc. nº 7 junto com a petição).
3. Por ap. 164 de 22.11.2021 foi averbado no registo a pendência de dissolução administrativa voluntária da recorrente, requerida por M. (averbamento 4 à inscrição 1 - constituição da sociedade, conforme certidão comercial da recorrente).
4. No âmbito da assembleia Geral da recorrente realizada em 10.01.2022 com a participação dos sócios G. e T., este representado por MT., e tendo como ordem de trabalho “Ponto Um: Deliberar sobre a amortização das quotas do sócio M., nos termos do artigo 240.°, n.° 4, ou 233.°, n.° 3 do CSC.//Ponto Dois: Deliberar sobre a exclusão do sócio M. e amortização da respetiva quota.//Ponto Três: Deliberar sobre a redação do Artigo Terceiro dos Estatutos da Sociedade, como consequência da exclusão do sócio.”, submetidas a votação foram aprovadas por unanimidade a amortização das quotas do sócio M. nos termos do artigo 240.º, n.º 4 do CSC, a exclusão do sócio M. e amortização da respetiva quota, e a alteração da redação do artigo terceiro dos Estatutos da Sociedade como consequência da exclusão do sócio (doc. nº 4 junto com a petição).
5. Da ata da referida assembleia consta,
Relativamente ao ponto um da ordem de trabalhos, que, dada a palavra ao representante do sócio T., por ele foi dito, além do mais que “Considerando que a amortização de quotas pode ocorrer com o consentimento do respetivo titular (art. 233.°, n.° 1, do CSC), que a quota está totalmente liberada (art. 232.°, n.° 3, do CSC), que a situação líquida da sociedade, depois de satisfeita a contrapartida da amortização, não é inferior à soma do capital e da reserva legal, esta amortização pode ser adotada por acordo em sede de assembleia geral e confirmada por deliberação dos sócios (art. 233.°, n.° 3, do CSC). Embora não lhe assista direito à exoneração, pretendia-se propor ao sócio M. a amortização das suas duas quotas pelo montante de € 90.000,00 (noventa mil euros), correspondente a 30% (trinta por cento) do valor da Sociedade. (…). Contudo, o sócio M. não compareceu, nem se fez representar, prejudicando e inviabilizando, desse modo, a amortização das suas quotas, nos termos do art. 233.°, n.os 1 e 3, do CSC. (…). O sócio G. adere aos fundamentos expostos. De seguida, colocou à votação a proposta de amortização da quota de M., no seguimento do seu pedido de exoneração, nos termos do art. 240.°, n.° 4, do CSC, e nos termos previstos nos estatutos para a determinação do seu valor, devendo a Sociedade comunicar-lhe esta deliberação. A proposta foi aprovada por unanimidade.
Relativamente ao ponto dois, pelo representante do sócio T. foi dito que (…) não tendo a amortização das quotas do sócio M. ocorrido por acordo e, por mera hipótese, sem conceder, por qualquer motivo, vier a ser considerada inadmissível a amortização à luz do art. 240.°, n.° 4, do CSC, no seguimento do pedido de exoneração, existem fundamentos para deliberar, de imediato, a exclusão do sócio M. e a amortização das respetivas quotas.(…). (…) Por conseguinte, considerando que a quota está totalmente liberada (art. 232.°, n.° 3, do CSC), que existem fundamentos de amortização compulsiva, que à data da deliberação a sua situação líquida, depois de satisfeita a contrapartida da amortização, não fica inferior à soma do capital e da reserva legal e que o valor da liquidação da quota, no momento da deliberação (art. 236.°, n.° 1, do CSC), sendo fixado o valor de € 90.000,00 (noventa mil euros) para as quotas a amortizar, idêntico ao que foi proposto no ponto um da ordem de trabalhos, propõe-se a deliberação no sentido da exclusão imediata do sócio M., com a amortização das suas quotas pelo montante global de € 90.000,00 (noventa mil euros), correspondente a 30% (trinta por cento) do valor da Sociedade, bem como a comunicação imediata desta deliberação ao sócio M.. (…). A proposta foi aprovada por unanimidade. Entrando no Ponto Três da Ordem de Trabalhos, e tratando-se da alteração do artigo terceiro dos Estatutos da Sociedade por simples operação aritmética emergente da amortização operada nos termos do ponto 1 e 2 desta ordem de trabalhos, foi proposta, pelo presidente à apreciação dos sócios, a seguinte proposta de redação, a qual procede à repartição proporcional das quotas amortizadas pelos restantes sócios, com a proporção que detinham no capital social: Artigo Terceiro (Capital social) O capital social é de € 200.000,00 (duzentos mil euros) e corresponde à soma de quatro quotas, com os seguintes valores nominais e na seguinte titularidade: 1. Pertencente ao sócio T., uma quota no valor nominal de € 42.855,00 (quarenta e dois mil oitocentos e cinquenta e cinco euros), outra quota, no valor de € 71.425,00 (setenta e um mil quatrocentos e vinte e cinco euros);
6. Por apresentação nº 139 de 17.01.2022, 15:04:51, foi inscrito no registo Alterações ao contrato de sociedade e redistribuição de quotas amortizadas, (insc. 9), passando a constar o capital social distribuído em quatro quotas sociais, sendo duas nos valores nominais de € 42.855,00 e € 71.425,00 em benefício de T., e duas nos valores nominais de € 32.145,00 e €53.575,00 em benefício de G. (certidão comercial da recorrente).
7. Por depósitos nº 455 e 456 de 17.01.2022 (14:58:12 e 14:59:30) foram registadas a menção de exclusão do sócio M., e a menção de amortização de quota no valor nominal de € 37.500,00 de M., constando como requerente e responsável pelo registo C., Advogado.
8. O presente procedimento cautelar foi objeto de registo provisório por natureza, correspondente à insc. 10, por ap. 110 de 21.01.2022, 15:03:16, e objeto de menção por depósito 675 de 21.01.2022, 15:10:45 (certidão comercial da recorrente).
9. A recorrente foi citada para os termos da providência cautelar por expediente datado de 21.02.2022 e apresentou oposição nos autos em 10.03.2022.
10. Por depósito nº 2959 de 18.03.2022 foi registada a menção de amortização da quota de € 22.500,00 do titular M., constando como data de amortização 2022.01.10 e requerente e responsável pelo registo D., advogado (certidão comercial da recorrente).
IV – Fundamentos do recurso
1. O recorrente requereu seja decretada a suspensão das deliberações sociais tomadas em assembleia da requerida de 10.01.2022, de amortização das quotas do recorrente nos termos do artigo 240.º, n.º 4 do CSC, exclusão do recorrente de sócio e amortização da respetiva quota, e alteração da redação do artigo terceiro dos Estatutos da Sociedade em consequência da exclusão do sócio.
A sentença recorrida indeferiu o pedido por concluir pela inutilidade da requerida suspensão, estribado no entendimento de que as deliberações em questão já se encontram executadas e, este, pelo facto de a amortização das quotas do recorrente ter sido objeto de inscrição no registo; registo que, conforme ali consta “constitui ato de execução desta, independentemente do fundamento invocado para a amortização, do procedimento que a precedeu, e da ordem adotada pela recorrente no âmbito e por referência ao regime legal da amortização de quota previsto pelos arts. 232º a 239º do CSC, para o qual remete o regime legal da exclusão e de exoneração de sócios ex vi arts. 240º, nº 5 e 241º, nº 214.”[15].
O recorrente contrapõe que a providência cautelar mantém o seu efeito útil e atual para salvaguardar os direitos sociais do Requerente na medida em que visa suspender, não apenas a execução imediata das deliberações, mas todos os efeitos continuados das mesmas de modo a evitar os danos continuados e futuros decorrentes da execução das deliberações em crise.
Ao que a recorrida, tal qual como alegou e requereu em sede de oposição, opõe que a deliberação de exclusão e amortização da quota não é passível de suspensão por encontrar-se totalmente cumprida e executada, eficaz interpartes através da sua comunicação ao recorrente, e externamente eficaz pelo registo das deliberações na ficha comercial da sociedade, e que por isso não existe qualquer ato de execução da deliberação a acautelar.
Assim, por referência à única questão apreciada pela decisão recorrida, em causa está a utilidade da providência requerida, no sentido de a mesma ser ou não apta a suspender deliberações de amortização de quota já comunicadas ao sócio afetado e inscritas na ficha comercial da sociedade, questão que pelo presente recurso vem pela primeira vez submetida à apreciação da Relação no âmbito deste procedimento cautelar pois, conforme se fez questão de frisar no acórdão de 22.11.2022, neste não estava em causa nem por isso cumpria apreciar “da hipotética repercussão desse registo nos pressupostos da requerida suspensão de deliberação social, designadamente, sobre a verificação ou não de uma situação de (total) execução da deliberação, e/ou da manutenção da aptidão desta para produzir efeitos jurídicos e/ou práticos suscetíveis de suspensão, matéria que corresponde a questão suscitada pela recorrente em sede de oposição[16] e contende com a apreciação de mérito do procedimento, o que não integra o objeto da decisão recorrida nem, por isso, deste recurso.”
2. Como também se expôs no acórdão de 22.11.2022, relatado pela aqui relatora[17] (com segmentos que agora sublinhamos):
As deliberações são os atos jurídicos através dos quais, e através dos votos dos sócios, as sociedades formam e manifestam a sua vontade, refletindo em princípio a vontade da maioria simples, salva a exigência legal ou estatutária de maiorias qualificadas para determinadas matérias.
O procedimento cautelar e a ação principal de que aquele é dependência estão processual e teleologicamente previstos e orientados para fins distintos: se, finalisticamente, a ação de impugnação para anulação de deliberação social constitui o meio legalmente previsto de controlo, pelos sócios, da licitude das deliberações das assembleias gerais, o direito à suspensão de tais deliberações constitui a via legalmente prevista para os sócios obstarem à produção das consequências danosas resultantes dessas mesmas deliberações durante a pendência da ação principal, para assim obviar aos prejuízos que decorram do maior retardamento ou demora na sentença que naquela compete proferir para composição definitiva do litígio[18]. A suspensão de deliberações sociais consiste assim numa providência cautelar de natureza conservatória porque legalmente destinada a assegurar a manutenção da situação existente para evitar a produção do concreto dano invocado ou o respetivo agravamento, ainda que, para o efeito, simultaneamente antecipe os efeitos práticos da decisão final[19]. Nas palavras de Alberto dos Reis, o procedimento cautelar não se [p]ropõe dar realização directa e imediata ao direito substancial, mas tomar medidas que assegurem a eficácia duma providência subsequente, esta destinada à actuação do direito material [20]. Prosseguindo na ilustração do exposto com as palavras do citado mestre, “A providência cautelar surge como antecipação e preparação duma providência ulterior; prepara o terreno e abre o caminho para uma providência final. (…) Portanto, a providência cautelar é posta ao serviço duma outra providência, que há-de definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa. Este nexo entre a providência cautelar e a providência final pode exprimir-se assim: aquela tem carácter provisório, esta tem carácter definitivo.” A propósito do fenómeno que justifica a emissão de uma providência provisória – o chamado periculum in mora – Alberto dos Reis[21] acrescenta que “(…) para afastar estes riscos (…) admite-se a emanação duma providência provisória ou interina, destinada a durar somente enquanto se não elabora e profere o julgamento definitivo.(…).A ameaça do ‘periculum in mora’ autoriza o tribunal a apreciar, preliminarmente e sumariamente, uma relação jurídica substancial que há-de ser objecto de exame mais profundo e demorado; (…); pela sua própria natureza e pelas condições em que é proferida a decisão final, a providência cautelar tem uma vida necessariamente limitada: só dura enquanto não é proferida a decisão final.”
Prevê o art. 380º, nº 1 do CPC que, Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável. Assim, para que seja decretada a suspensão de deliberações sociais exige-se a verificação cumulativa de três requisitos positivos: a qualidade de sócio do requerente, a ilegalidade da deliberação por violação da lei ou dos estatutos, e o risco ou possibilidade da produção de dano apreciável. A inobservância de um deles inviabiliza a possibilidade do seu deferimento e justifica que se declare prejudicado o conhecimento de mérito do que demais vem alegado[22].
Quer da definição legal da providência – suspensão da execução -, quer do requisito da possibilidade de produção de dano emergente da execução da deliberação e da finalidade de prevenção de produção desse mesmo dano, resulta que o preenchimento deste requisito e o decretamento da suspensão da deliberação exige que esta ainda não tenha sido executada ou totalmente executada. Nas palavras de A. Geraldes, P. Pimenta e L. Sousa, “O pedido traduz-se na suspensão dos efeitos da deliberação que não tenha sido totalmente executada ou esteja ainda em execução”.[23] “(…) às inteiramente executadas antes da instauração do procedimento, faltará uma condição de procedência da medida cautelar; para as executadas entre a propositura do procedimento e a citação da requerida, verifica-se uma situação de inutilidade superveniente da lide cautelar.”[24] “Em qualquer dos casos, o resultado reconduzir-se-á à inviabilidade da pretensão.”[25] O que se enquadra na apreciação de mérito do requisito ‘perigo de lesão’ porque, como lapidarmente refere Alberto dos Reis[26], por definição não há receio de lesão quando esta já está consumada.
Conforme segmentos do acórdão de 22.11.2022 que, sem menção da fonte, constam transcritos na decisão recorrida, dúvida não há que a promoção da inscrição das deliberações no registo comercial constitui ato de execução dessas mesmas deliberações da competência funcional do órgão da administração da sociedade, em conformidade, de resto, com a obrigatoriedade de registo, o princípio da instância ou do pedido, e a legitimidade dos legais representantes da sociedade para o pedido de registo nos termos previstos pelos arts. 15º, nº 1, 28º e 29º do Código de Registo Comercial. Assim, dúvida não há que a promoção e a inscrição no registo da amortização da quota social do requerente objeto de deliberação sob censura constitui ato de execução desta, independentemente do fundamento invocado para a amortização, do procedimento que a precedeu, e da ordem adotada pela recorrida no âmbito e por referência ao regime legal da amortização de quota previsto pelos arts. 232º a 239º do CSC, para o qual remete o regime legal da exclusão e de exoneração de sócios ex vi arts. 240º, nº 5 e 241º, nº 2[27]. Mais não fosse, pela finalidade do registo que, conforme prevê o art. 1º do Código de Registo Comercial, se destina a dar publicidade à situação jurídica das sociedades comerciais (e outras entidades) tendo em vista a segurança do comércio jurídico e porque, tratando-se de atos sujeitos a registo, externamente só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo (cfr. arts. 3º, nº 1, al. i) e 14º do Código de Registo Comercial). Nas palavras de Lobo Xavier[28], a execução é “integrada por todos os actos a que os órgãos da sociedade ficam directa ou indirectamente vinculados com base na deliberação, ou ainda, mais amplamente, por toda a actividade dos órgãos sociais efectuada em conformidade com a deliberação (ainda que esta não tenha originado uma vinculação a tal actividade)”. No mesmo sentido Coutinho de Abreu define como “atos ‘em execução da deliberação’ (…) os praticados em conformidade com ela ou os que nela encontram fundamento”[29].
Mas, conforme também se expôs e consta daquele acórdão, e que agora sublinhamos, embora a letra da lei refira expressamente ‘execução’ da deliberação, Lobo Xavier[30] também defendia que do que se trata é de uma verdadeira suspensão da eficácia da deliberação, que não se reduz à relação funcional sociedade-administradores e ao dever funcional de estes praticarem os atos necessários à execução das deliberações, estendendo a suspensão à paralisação da totalidade dos efeitos jurídicos da deliberação se aptos a causar danos para o futuro para além ou independentemente dos emergentes dos concretos atos de execução. É nesse sentido que António Pereira de Almeida faz corresponder a execução da deliberação suscetível de suspensão a “todos os seus efeitos danosos sejam eles directos, laterais ou secundários, reflexos.”[31]Aderindo a esta definição, Soveral Martins exemplifica-a precisamente com a deliberação de amortização de quota que, conforme refere, “vai ter atos de execução”, mas realçando que a deliberação vai produzir efeitos para além desses atos de execução, assim: “Tais actos de execução serão certamente a comunicação ao sócio, a escritura, o registo, o pagamento de contrapartida. Mas o perigo que igualmente há que procurar evitar encontra-se no eventual não exercício dos direitos sociais por parte do sócio cuja quota é amortizada. Por isso, a providência da suspensão de deliberações sociais tem de servir para impedir os danos dali resultantes”[32]. O que é válido independentemente de ter havido ou não registo da deliberação, cuja falta sequer prejudica a eficácia inter partes e cujo efeito, como é sabido, é meramente declarativo[33] do facto, no caso, da amortização da quota.
Ora, é precisamente pelos efeitos internos e externos da amortização de quota que, como nos parece curial, se impõe concluir que a execução/eficácia da deliberação não se esgota nos atos de execução invocados pela recorrida e pela sentença - a saber, a comunicação da deliberação ao sócio afetado (nos termos e para os efeitos do art. 234º, nº 1 do CSC) e o registo da amortização – posto que, independentemente de a sua eficácia depender ou não de atos de execução a cumprir pelo órgão da administração, todas as deliberações sociais se destinam a produzir efeitos, internos e/ou externos. Arrisca-se até a afirmar que se as deliberações não fossem eficazes, no sentido de aptas a alterar o status quo anterior à deliberação ou à sua execução, sequer se justificaria requerer a sua suspensão. Aliás, só pelo facto de o serem (eficazes) é que ao sócio afetado interessará que esses efeitos sejam suspensos. O que vale por dizer que, como resulta dos ensinamentos dos mestres acima citados, a questão da execução da deliberação não se confunde nem esgota com a questão da sua eficácia, no sentido de a mesma ser ou não suscetível de produzir efeitos ou de estes serem ou não oponíveis ao sócio afetado e a terceiros. A suspensão preconizada pela lei é atual e pertinente quando, à data em que se decide, a deliberação ainda não esgotou todos os efeitos a que tende ou que dela decorrem, mormente enquanto facto continuado, bastando que nesse caso a sua execução ou a continuação da sua execução possa causar um dano, ao requerente ou à sociedade, o designado periculum in mora, que a lei densifica com o qualificativo apreciável[34].
A questão que se coloca é se, apesar de já desencadeados (pela própria deliberação ou por efeito de atos da sua execução), a produção daqueles efeitos, ou parte deles, comportam ou não a possibilidade de serem suspensos – paralisados - até que seja proferida decisão na ação principal.
Tratando-se de deliberação de amortização de quota ou de exclusão de sócio, a resposta é manifestamente positiva posto que os seus efeitos são de execução continuada, perduram no tempo, de acordo com os efeitos legais que tendem a produzir e que, em síntese, se sintetizam na total exclusão do sócio afetado da vida e destinos da sociedade e, consequentemente, (mas sem prejuízo dos direitos e obrigações patrimoniais já constituídos e vencidas), da possibilidade de exercer os direitos e deveres inerentes àquele satus. Com efeito, o registo da amortização da quota não esgota todos os efeitos que é apta a produzir pois que, sendo o seu principal efeito a extinção e consequente cessação da participação social, há toda uma situação que se arrasta: ao acarretar a perda da quota (e, automaticamente, da qualidade de sócio que a mesma confere), a amortização da quota acarreta a perda de todos os direitos sociais, designadamente, o direito de quinhoar nos lucros na proporção das quotas que, não fosse a amortização, para o efeito seriam consideradas, e, principalmente, a perda do direito/poder de intervir nos destinos da sociedade na proporção da quota amortizada, designadamente, e no caso concreto, de vetar qualquer alteração ao pacto social, que fica na exclusiva disponibilidade dos restantes sócios na proporção das respectivas participações sociais. Se desse efeito podem ou não decorrer danos apreciáveis para o sócio ou para a sociedade, dependerá do que a respeito seja concretamente alegado para o justificar no contexto das vicissitudes da vida societária e atividade da sociedade a que respeita.
Assim, uma decisão que decrete a suspensão dos efeitos daquelas deliberações permitirá ao sócio por aquela afetado manter essa qualidade durante a pendência da ação principal e, assim, a legitimidade para instauração de procedimentos judiciais que a exijam (como por exemplo, para suspensão de outras deliberações sociais que entretanto sejam tomadas a respeito de outros assuntos da sociedade), as relações jurídicas que lhe são inerentes (entre ele e a sociedade e entre ele e os demais sócios), e o feixe de direitos e deveres que delas emergem, até que o litígio seja definitivamente dirimido por decisão a proferir na ação principal (cuja tramitação, como é sabido, decorre com autonomia e sem qualquer relação de dependência com a tramitação e/ou o resultado da providência cautelar; ao invés, esta é que depende daquela, cfr. arts. 364º, 371º e 373º). De contrário (se não for decretada a suspensão), até à decisão final o sócio excluído pela deliberação não poderá invocar essa qualidade posto que a deliberação de amortização produz imediatamente a perda de qualidade de sócio, exceto se esses efeitos forem judicialmente suspensos. Como é referido no acórdão desta secção de 18.04.2023[35] o recorrente “perdeu a qualidade de sócio e os correspetivos direitos e deveres de socialidade quando recebeu a comunicação que lhe foi dirigida em 14/01/2022”[36], mas “o facto de a deliberação já ser eficaz inter partes não prejudica a sua suscetibilidade de suspensão por os seus (demais) efeitos perdurarem no tempo.”[37]
No âmbito da apreciação que ora se faz, a situação é equiparável a uma deliberação de nomeação de gerente posto que, com a sua aceitação, confere ao nomeado a qualidade de gerente mas, ainda que tenha sido registada, pode ser objeto de suspensão para obstar a que dali em diante e durante a pendência da ação principal aquele possa continuar a praticar atos de gestão e de representação da sociedade. O mesmo para uma deliberação de alteração do contrato de sociedade, cuja suspensão também não é prejudicada pelo facto de a sociedade ter procedido ao seu registo e porque os seus efeitos não se esgotam, antes perduram para lá da tomada da deliberação e do respetivo registo[38].
Coisa diversa sucederia, por exemplo, com uma deliberação de autorização de venda de imóvel ou de estabelecimento da sociedade, cujo efeito ficaria esgotado com a celebração da venda, a partir do que a deliberação que a autorizou seria insuscetível de suspensão por esta (ou a decisão que a decrete) não deter a virtualidade de se repercutir sobre a esfera jurídica de terceiros e, assim na eficácia da venda já celebrada visto tratar-se este de ato com efeito externo à sociedade e de, nesse caso, a suspensão apenas produzir efeitos para o futuro, sem bulir com os já produzidos. Foi sobre situação similar que incidiu o acórdão da Relação do Porto de 27.10.2003 citado pela decisão recorrida em que, na sequência de uma deliberação de exclusão de sócio a sociedade, em vez de deliberarem a amortização da quota do sócio afetado (que nos termos do art. 232º, nº 2 do CSC tem por efeito a sua extinção), os sócios deliberaram proceder à sua venda, venda que foi celebrada na pendência do procedimento (depois de instaurado mas antes de a sociedade ter sido citada para os seus termos). Na situação sub iudice o que os sócios deliberaram foi proceder à amortização da quota, ou seja, proceder à sua extinção, sem que a tenham acompanhado de deliberação de redução do capital social, do que resulta o aumento proporcional das quotas dos demais sócios (que pressupõe o respeito pelo previsto no art. 236º, nº 1[39] do CSC), que mais não corresponde do que a um efeito legal da amortização, nos termos do art. 237º, nº 1 do CSC, limitando-se a sociedade a dar cumprimento ao disposto no nº 2 desta norma, mas que em si mesmo não produz qualquer efeito sobre a esfera jurídica de terceiros, externos à sociedade.
Com o que se impõe a revogação da decisão recorrida e o prosseguimento dos autos considerando que, para além de se manterem controvertidos factos alegados pelo recorrente para concretização do requisito ‘dano’ – como por exemplo, a alegada prestação de avais pelo recorrente no valor de €400.000,00 no âmbito de contrato celebrado pela recorrida, que esta alegou não corresponder à realidade -, consta do registo áudio da diligência de 08.04.2024 (que precedeu a prolação da sentença) que, nela: a recorrida só declarou prescindir da produção de prova em função do sentido da apreciação prévia à produção que requereu ao tribunal recorrido; o tribunal deu sem efeito as datas designadas para produção de prova sem prejuízo de virem a ser designadas outras se necessário face ao resultado da dita apreciação, em função da qual aquilataria se marcava ou não julgamento; e o recorrente ressalvou que, prosseguindo a ação (para produção de prova e subsequente apreciação de mérito), subsistiam requerimentos sucessivos cuja apreciação foi relegada para a fase de produção de prova.
V - Das custas
Nos termos dos arts. 527º, nº 1 e 539º, nº 1 do CPC e 7º, nº 2 e 4 do RCP, cabe proferir condenação da recorrida nas custas do recurso determinada pelo seu decaimento.
VI - Decisão
Por todo o exposto, as juízas desta secção acordam em julgar a apelação procedente e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos.
Custas do recurso a cargo da recorrida.
Lisboa, 15.10.2024
Amélia Sofia Rebelo
Renata Linhares de Castro
Teresa de Sousa Henriques
_______________________________________________________ [1] Anota-se que na ação principal foi apresentada contestação em 24.03.2022, comprovado o registo da ação e, por despacho de 21.03.2023, foi ordenado que os autos aguardem a decisão a proferir neste apenso de procedimento cautelar, sendo que da consulta do histórico informático do processo não se vislumbra que esse despacho tenha merecido reação de qualquer das partes. [2] Em 10.10.2022 o sr. juiz titular dos autos ordenou que os autos aguardassem a decisão do recurso aludido em 5 e só por despacho de 24.01.2023 veio a ser designada nova data para audiência de julgamento e calendarizados os respetivos trabalhos. Na sequência da comunicação de impedimentos de mandatários e de testemunha, a audiência foi novamente recalendarizada por despacho de 02.03.2023 e, por despacho de 28.03.2023, novamente dada sem efeito e designada outra em sua substituição para, conforme peticionado pelo requerente, “indagar junto da Requerida sobre o estado atual de saúde” de uma das testemunhas por esta arrolada, ao que a requerida respondeu informando da disponibilidade da testemunha para comparecer na data que estava designada e que, de contrário, ela própria teria informado o tribunal, ao que o requerente respondeu (em 10.04.2023) com novo requerimento pedindo a confirmação do novo impedimento da mesma testemunha para a nova data designada, ao que a requerida respondeu (em 11.04.2023) requerendo a remarcação da audiência por indisponibilidade do seu mandatário e da testemunha para comparecer na data designada em 28.03 e indicando as datas em que tem disponibilidade, na sequência do que foi proferido despacho com indicação das datas com disponibilidade de agenda do tribunal, ao que as partes responderam com indicação concertada de disponibilidade para uma das datas indicadas pelo tribunal, na sequência do que por despacho de 29.05.2023 foi ordenado que as partes indicassem a duração provável da audição de cada testemunha e, na sequência das indicações dadas pelas partes, por despacho de 12.06.2023 foram indicadas novas datas de agendamento disponíveis, após o que, por despacho de 11.07.2023 foram designadas três datas para realização da audiência final (13, 14 e 15.09.23) que, na sequência dos óbices opostos pelo requerente, em 11.09.2023 foram dadas sem efeito e designadas outras em sua substituição (25, 26.10 e 02.11.23) que, na sequência de invocado impedimento do requerente e de testemunha por si arrolada mas com a oposição da requerida, foram novamente dadas sem efeito por despacho de 23.10.2023 e designadas outras em substituição (06, 07 e 13.12.2023) que, em 05.12.2023, foram dadas sem efeito com fundamento no impedimento de uma testemunha para a primeira data e do pedido de adiamento que o requerente apresentou com esse motivo, e designadas novas datas em substituição (17, 18 e 19.01.2024), que em 10.01.2024 foram dadas sem efeito com fundamento em impedimento do mandatário e testemunhas da requerida. Com prévia informação nos autos sobre a disponibilidade de ambos os mandatários, por despacho de 21.01.2024 foram designados os dias 8, 9 e 10.04.2024. Na primeira data designada, por despacho proferido em ata foram dadas sem efeito as demais datas aprazadas para, conforme requerido pela requerida, o tribunal se pronunciar e proferir decisão fundamentada “sobre as consequências a extrair do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-11-2022.” [3] Os pontos 1, 2 e 3 contêm apenas a descrição de incidência processuais. [4] Vd. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Ed., 2ª ed., p. 684 e ss. [5] Entre nulidades processuais e nulidades da sentença. [6] CPC Anotado (GPS), Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luis Sousa, Vol. I, 2ª ed., p. 762. [7] A. Geraldes, ob. cit. p. 25. [8] Vd. comentário de Miguel Teixeira de Sousa ao acórdão da Relação do Porto de 07.10.2019, proc. nº 400/19.2T8AMT-D.P1, disponível em blogippc.blogspot.com. [9] Nesse sentido, acórdão do STJ de 23.06.16: “[a] omissão de ato destinado a proporcionar ao autor o contraditório relativamente à exceção da caducidade do exercício do direito de reconhecimento da paternidade (…) determina a nulidade do despacho saneador onde tal exceção foi apreciada e julgada procedente.[9] [10] Teixeira de Sousa, local citado, em anotação ao acórdão da RP de 02.03.2015, proc. 39/13.6TBRSD.P1. No mesmo local, anotação aos acórdãos da RP de 02.12.2019, proc. nº 14227/19.8T8PRT, do STJ de 02.06.2020, proc. 496/13.0TVLSB.L1.S1, [11] A. Geraldes, P. Pimenta, e L. Sousa, ob. cit., p. 721 e s. [12] Consigna-se que procedemos à audição do registo da diligência de 08.04.2024, no início da qual a recorrida indagou ao tribunal se ia ou não dar “cumprimento integral ao acórdão da Relação” previamente à produção de prova e, instado pelo tribunal para esclarecer o que pretendia em concreto, referiu que aquele acórdão tem como fundamento o facto de “a amortização ter sido comunicada antes da propositura da ação”. [13] GPS, ob. cit. p 782. [14] Proc. nº 877/12.7TVLSB.L1-A.S1 e nº 6473/03.2TVPRT.P1.S1, disponíveis na página da dgsi. [15] O segmento citado corresponde a transcrição de segmento do acórdão de 22.11.2022, mas sem indicação da fonte. [16] Requerendo a final que o tribunal se digne “A) Declarar que as deliberações de exclusão e de amortização de quotas – por se encontrarem executadas – são insuscetíveis de suspensão e, por conseguinte, indeferir a pretensão e negar a providência cautelar, por falta de verificação de uma condição de procedência;” [17] E que, por isso e por facilidade de exposição, se vai reproduzir parcialmente na fundamentação do presente acórdão. [18] Nesse sentido, entre muitos outros, acórdão da RC de 28.11.2018, proc. 4039/17.9T8LRA-A.C1, e acórdão do STJ de 14.06.2018, Revista nº 0435/18, ambos disponíveis na página da dgsi. [19] Nesse sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, vol. I, 4ª ed., p. 107, e Paulo Olavo da Cunha, Deliberações Sociais, Formação e Impugnação, p. 262. [20] C.P.C. anotado, vol. I, p. 623 [21] Ob. cit. [22] Entre outros, acórdão da Relação de Lisboa de 17.11.2009, disponível na página da dgsi [23] CPC Anotado, GPS, vol. I, 2ª ed., p. 471. [24] Ob. cit., p. 470. [25] A. Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. IV, p. 83. [26] CPC Anotado, vol. I, p. 684. [27] Ainda que nas situações de exoneração o valor atribuído pelo pacto ou que resulte de critério por ele previsto não possa ser inferior ao que resultaria da avaliação da quota a amortizar nos termos previstos pelo art. 105º, nº 2 do CSC, cfr. art. 240º, nº 8 do CSC. [28] «Suspensão de deliberações sociais ditas “já executadas”» em anotação ao acórdão da RC de 14.07.1987, RLJ, 123º, p. 378, apud Soveral Martins, “O procedimento Cautelar de Suspensão da Deliberação Social pela qual foram designados os administradores de uma sociedade anónima: Breves considerações sobre a posição de terceiros.”, disponível em https://portal.oa.pt/upl/%7B1d448f28-814e-41ec-a737-cd5e48701059%7D.pdf [29] Código das Sociedades Comerciais em Comentário do IDET, Vol. I, p 701. [30] Em “Conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», p. 247 e ss., apud Soveral Martins, Suspensão de deliberações sociais de sociedades comerciais: Alguns problemas, disponível em https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados-roa/ano-2003/ano-63-vol-i-ii-abr-2003/artigos-doutrinais/alexandre-soveral-martins-suspensao-de-deliberacoes-sociais-de-sociedades-comerciais-alguns-problemas/ [31] Sociedades Comerciais, 2ª ed., p. 106. [32] Em “Suspensão de deliberações sociais de sociedades comerciais: Alguns problemas”, texto cit., ponto 3. [33] Em contraposição com o registo constitutivo, que a lei restringe ao registo do contrato de sociedade. [34] Sobre a questão do dano, com pertinência ao caso, entre muitos outros, vd. acórdão desta secção de 22.02.2022, relatado no processo nº12166/21.1T8SNT.L1 por Fátima Reis Silva e subscrito pela ora relatora como adjunta (desconhecemos se foi objeto de publicação):
“1 – Para que seja decretada a suspensão de uma deliberação social o requisito da invalidade da deliberação impugnada exige apenas um juízo de mera probabilidade, enquanto que o dano apreciável exige uma prova mais consistente, que traduza uma probabilidade muito forte de que a execução da deliberação possa causar o dano apreciável que se pretende evitar. 2 – Não integram a noção de dano apreciável resultante da execução da deliberação as consequências inerentes à própria deliberação, de que são exemplo a perda da possibilidade de participar na vida associativa devido a uma deliberação que implique a perda da qualidade de sócio (como a exclusão de sócio ou a amortização de quota) ou a perda das vantagens inerentes ao cargo de administrador na sequência da destituição deste.” [35] Relatado por Fátima Reis Silva e subscrito como adjunta pela ora relatora no âmbito de procedimento cautelar para suspensão de deliberação social que correu termos entre as mesmas partes. [36] Como é afirmado pelo STJ no acórdão de 12.07.2022, “A amortização de quota é definível como a extinção de quota por meio de deliberação dos sócios (232.º/2, 234.º/1 e 246.º/1/b) do CSC), ou seja, não faz parte da sua definição (não é elemento essencial) o recebimento pelo sócio de qualquer contrapartida.” [37] No mesmo sentido, já na jurisprudência mais recuada, acórdão da RP de 15.06.1993: “I - As deliberações sociais podem ser de execução imediata ou instantânea e de execução contínua ou permanente. II - Só as deliberações de execução contínua ou permanente são passíveis de suspensão. III - A deliberação de amortização de quota de um sócio pode ser suspensa na sua execução.” (disponível na pagina da dgsi) [38] Nesse sentido, vd. acórdão da Relação de Coimbra de 18.05.2010: “Se as deliberações cuja validade é questionada já se encontrarem executadas, em princípio os prejuízos possíveis já terão ocorrido, nada havendo a prevenir ou a impedir nem se justificando o procedimento cautelar de suspensão. Contudo, as deliberações sociais não são necessariamente de execução imediata, esgotando-se os seus efeitos danosos em um único acto. Podem ser de execução permanente ou contínua ou mesmo, sendo de execução instantânea, podem os seus efeitos danosos prolongar-se no tempo. Se as deliberações podem continuar a ser executadas ou os efeitos danosos da sua execução podem continuar a verificar-se, permanece fundamento para a medida cautelar de suspensão, a tal não obstando a circunstância de terem já sido praticados actos de execução[6] e [7]. [7] O registo comercial destina-se, como prevê o artº 1º, nº 1 do Cód. Reg. Comercial, a dar publicidade à situação jurídica (…) das sociedades comerciais (…), tendo em vista a segurança do comércio jurídico. Ainda que se possa interpretar o registo da deliberação social como um primeiro acto da sua execução, é manifesto que, atendendo a um conceito amplo de “execução”, não a esgota.” (disponível na página da dgsi) [39] Estabelece que A sociedade só pode amortizar quotas quando, à data da deliberação, a sua situação líquida, depois de satisfeita a contrapartida da amortização, não ficar inferior à soma do capital e da reserva legal, a não ser que simultaneamente delibere a redução do seu capital.