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PER
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
RECUSA DE HOMOLOGAÇÃO
Sumário
I. O art.º 17º-I, n.º 4 do CIRE incumbe ao juiz de decidir, após análise do acordo extrajudicial, se deve ou não homologar o plano, devendo homologá-lo se respeitar as maiorias previstas nas alíneas b) ou c) do n.º5 do art.º 17º-F e aplicando com as necessárias adaptações as regras previstas no n.º7 e nos n.ºs 9 a 14 do art.º 17º-F e no titulo IX, em especial o disposto nos art.ºs 194º a 197º, 198º, n.º1 e art.ºs 200º a 202º, 215º e 216º do CIRE. II. Nesse controle, e por força daquele normativo, são aplicáveis à homologação, ou recusa de homologação, do plano de recuperação, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 194º a 197º, n.1 do art. 198º e nos arts. 200º a 202º, 215.º e 216.º, com as necessárias adaptações. III. Os créditos por obrigações de contratos bilaterais em que as contraprestações, recíprocas e sinalagmáticas, ainda não foram cumpridas, não podem ser afetados pelo plano de recuperação, no âmbito do processo especial de revitalização (PER), sem o acordo da contraparte. IV. Tal como decorre do artº 215º do CIRE, o juiz está vinculado ao dever de controlar a legalidade do plano recuperação (referente ao processo especial de revitalização), aprovado pelos credores, devendo recusar, mesmo ex officio, a sua homologação quando, nos termos do ali plasmado, ocorrer violação não negligenciável de regras procedimentais, ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza. V. Essa violação será não negligenciável, para efeitos de recusa de homologação ao plano ao abrigo do disposto no artigo 215º do CIRE, sempre que ela acarrete um resultado que a lei não permite, seja porque o conteúdo do plano viola disposições legais de carácter imperativo, seja porque viola regras legais que, apesar de não serem imperativas, visam tutelar e proteger determinados direitos sem que os respetivos titulares tivessem consentido ou renunciado à tutela que a lei lhes confere VI. Entre as normas de conteúdo aplicáveis ao plano (de recuperação/revitalização) e a que o mesmo deve obedecer, encontra-se o artº 194º, que consagra o princípio da igualdade (de tratamento) entre os credores e cuja violação – como norma imperativa que é – deve, como regra, ter-se como não negligenciável. VII. O princípio da igualdade dos credores supõe uma comparação de situações, a realizar a partir de determinado ponto de vista. O Tribunal deve limitar-se a analisar se a regulação desigual da situação dos credores é manifestamente desadequada, por inexistência de fundamento razoável e relevante. VIII. No caso, o Plano de Revitalização aprovado, tratando de forma diferenciada os credores senhorios e os credores locatários dos imóveis onde a ré exerce a sua atividade essencial, sem que tal se mostre justificado no mesmo por sérias razões objetivas, não constando sequer do plano qualquer justificação fundada e com a invocação de razões objetivas quanto a este ponto, viola, de forma não negligenciável, o princípio da igualdade plasmado no art.º 194º do CIRE.
Texto Integral
Acordam os Juízes da 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório:
“AA”, S.A., pessoa coletiva com o número (…), matriculada na Conservatória do Registo Comercial (…) sob o mesmo número, com o capital social de 14.349.785,00 Euros, e sede (…), veio propor PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO, nos termos do disposto no artigo 17.º - I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 57/2022, de 25/08.
O Sr. Administrador Judicial Provisório apresentou a lista provisória de créditos prevista no art.º 17º-I, n.º 3, ex vi do art. 17º - D, n.º 3, do CIRE, publicada no portal Citius a qual sofreu impugnações, decididas por despacho de 29/05/2024 (ref. citius n.º …).
Seguidamente o plano foi homologado por sentença de 21/06/2024 (ref. Citius n.º …).
Inconformado recorreu o credor “BB”, S.A. juntando alegações e formulando as seguintes conclusões que se reproduzem:
I. Contrariamente ao que seria razoável o Tribunal a quo considerou em sede de sentença de homologação do plano de revitalização apresentado pela Devedora que: “Quanto às normas aplicáveis ao conteúdo do plano, não se considera estarem colocados em causa princípios essenciais. É verdade que o plano prevê um tratamento diferenciado para os credores comuns bancários que sejam parte nos contratos de leasing, mas essa diferenciação em relação aos demais credores comuns não se afigura desproporcionada, tendo em conta que abrange os credores proprietários de equipamentos essenciais ao funcionamento da atividade da requerente em regime de leasing. Considerando a concreta atividade da requerente no mercado, reconhecidamente afetada durante a pandemia por COVID-19, a recuperação da atividade da mesma depende em larga medida do suporte dessa tipologia de credores. (…) No que concerne aos restantes credores comuns, o plano prevê o perdão de 60% de todos os créditos vencidos do pagamento de 40% dos créditos vencidos em 120 prestações mensais crescentes de capital de acordo com o calendário proposto, vencimento de juros remuneratórios à taxa anual de 1%. Também aqui, tendo em conta o expectável sacrifício imposto aos credores com contrapartida da recuperação da empresa, não se afigura terem sido ultrapassados os limites razoáveis de ponderação. Ao fim e ao cabo a natureza de tais créditos sempre os colocaria num lugar de pouca previsibilidade de qualquer pagamento num eventual cenário de liquidação. Em suma, num se apuram razões suficientes que impliquem a não homologação oficiosa do plano, nos termos do art. 215º, do CIRE.” - sublinhado e negrito nossos.
II. Ora, mal andou o Tribunal a quo ao proferir a decisão de homologação que se mostra desajustada, injusta e que padece de erros de julgamento, os quais se apontarão.
III. Nestes termos, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que venha repor a justiça e que decida recusar a homologação do plano em apreço.
IV. DA VIOLAÇÃO DE NORMAS LEGAIS IMPERATIVAS – ALTERAÇÃO UNILATERAL DE CONTRATOS
V. A Recorrente é única e legítima proprietária da fração autónoma designada pela letra “AA”, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito (…), a qual esteve arrendada à Devedora desde 30.07.1999 até 17.11.2023, altura na qual se operou a resolução extrajudicial do contrato de arrendamento, cf. Artigos 1083.º, n.º1 e 3 e 1084.º, n.º2 do Código Civil e artigo 9.º, n.º7, alínea b) do NRAU.
VI. A resolução do contrato de arrendamento pela Recorrente foi, deste modo, efetuada em data anterior à entrada do PER, motivo pelo qual o mencionado Contrato de Arrendamento já não está em vigor.
VII. A Recorrente surge como credora nos presentes autos porquanto lhe é devido o valor de rendas vencidas e não pagas durante a vigência do identificado Contrato de Arrendamento, bem como o valor indemnizatório devido pela não entrega do locado na data de termo do Contrato.
VIII. Encontra-se, de momento, pendente a ação especial de despejo para determinar o despejo da Devedora do locado, porquanto a mesma não saiu voluntariamente no termo do Contrato de Arrendamento.
IX. O Plano apresentado pela Devedora prevê, relativamente à atualização de rendas dos imóveis locados, cfr. Ponto 3.6 (a) e (b), incluindo a propriedade da Recorrente caso se venha a concluir em sede do litígio pendente que a resolução não poderia ter operado, o que por mera hipótese académica se equaciona, que:
“(a) As rendas vincendas dos clubes dos quais a REVITALIZANDA é arrendatária (a saber, “XX”, “YY” e “ZZ”) não serão sujeitas a qualquer atualização (legal ou contratual), nos 3 primeiros anos após a homologação do PER; - Sublinhado e negrito nossos.
(b) A atualização das rendas referidas no parágrafo anterior, só terá início a partir do 4.º ano a contar da data de homologação do PER.”
X. Assim, o Plano prevê a modificação unilateral pela Devedora, e credores subscritores do Plano, dos referidos contratos de arrendamento no que concerne à atualização anual do valor de renda por parte dos Senhorios, isto é, alteração unilateral do contrato quanto a obrigações ainda não vencidas (como é o caso previsto que engloba rendas futuras), mantendo inalterada a contraprestação da outra Parte.
XI. A modificação unilateral dos contratos de arrendamento é legalmente inadmissível porquanto se está no âmbito de um contrato bilateral, conforme previsto nos artigos 405.º n. º1 e 406.º, n. º1 do Código Civil.
XII. Nem o PER cabe no conceito de alteração anormal das circunstâncias que permita a modificação unilateral dos contratos de arrendamento, conforme artigo 437.º do Código Civil.
XIII. Veja-se, a este propósito, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa: “Assim, se por um lado, no âmbito do Plano de Revitalização é possível aos credores acordarem na redução dos créditos vencidos, alterando mesmo as respectivas formas de pagamento, deliberação esta que vincula todos os credores, tenham ou não votado a favor do PER, tenham ou não reclamado os seus créditos, por outro lado, não é possível, por via do Plano de Revitalização, vir alterar unilateralmente as condições contratuais de contrato não resolvido.
(…) Assim, no PER, mantém-se as obrigações recíprocas e sinalagmáticas. Se, como vimos a modificação unilateral do contrato não é permitida num processo de insolvência, muito menos seria admissível num processo especial de revitalização, em que nem o administrador judicial provisório, nem o devedor podem optar por recusar o cumprimento do contrato e o devedor não se encontra sequer numa situação de insolvência actual. Portanto, “os créditos por obrigações de contratos bilaterais em que as contraprestações, recíprocas e sinalagmáticas, ainda não foram cumpridas, não podem ser afectados pelo plano de recuperação, sem o acordo da contraparte. Com efeito, alterar unilateralmente as obrigações de uma parte, mantendo inalteradas as da contraparte, afectaria o sinalagma contratual e redundaria numa verdadeira modificação do contrato.
A modificação dos contratos apenas é possível nos termos do art.º 437.º do Código Civil (…). Um plano não pode introduzir modificações contratuais contra a vontade das contrapartes. Também no processo de insolvência isso não pode suceder. (…) A modificação unilateral do contrato consubstanciaria a imposição ao credor, contra a sua vontade, de uma diferente relação jurídica e posição contratual, o que seria uma afronta grave e injustificável aos seus direitos.” - Sublinhado e negrito nossos.
XIV. Uma análise correta do plano apresentado impunha ao Tribunal a quo que tivesse – no imediato – recusado a homologação, nos termos do artigo 215.º do CIRE, designadamente por o mesmo prever a modificação unilateral de contratos bilaterais.
XV. Ademais, refira-se que a Recorrente, na qualidade de credora, não deu consentimento à alteração do contrato, motivo pelo qual o Plano não lhe pode ser aplicado, o que sempre teria de ocorrer por escrito ou através de voto favorável ao plano.
XVI. Por alterar unilateralmente um contrato sinalagmático, sem assentimento da Recorrente, o Plano apresentado não produz efeitos em relação à mesma, na qualidade de proprietária do imóvel sito na Defensor de Chaves (na circunstância de a acção de despejo ser julgada improcedente).
XVII. Por todo o exposto, deve ainda a decisão ser revogada e substituída por outra que não homologue o plano apresentado pela Devedora por violação dos artigos 405.º, 406 e 437.º do Código Civil e 215.º do CIRE.
XVIII. DA SITUAÇÃO MAIS DESFAVORÁVEL E DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Conclui o Tribunal a quo na decisão recorrida que: “Quanto às normas aplicáveis ao conteúdo do plano, não se considera estarem em causa princípios essenciais. É verdade que o plano prevê um tratamento diferenciado para os credores comuns bancários que sejam parte nos contratos de leasing, mas essa diferenciação em relação aos demais credores comuns não se afigura desproporcionada, tendo em conta que abrange os credores proprietários de equipamentos essenciais ao funcionamento da atividade da requerente.” - Sublinhado e negrito nossos.
XIX. E, relativamente aos credores comuns, como a Recorrente, entendeu o Tribunal a quo: “Também aqui, tendo em conta o expectável sacrifício imposto aos credores com contrapartida da recuperação da empresa, não se afigura terem sido ultrapassados os limites razoáveis de ponderação.”
XX. Mal andou o Tribunal a quo ao considerar que “não se apuram razões suficientes que impliquem a não homologação oficiosa do plano, nos termos do artigo 215.º do CIRE”. - Sublinhado e negrito nossos.
XXI. Prevê o Plano apresentado, e homologado pela decisão recorrida, nas “Condições de pagamento a Credores Comuns (Credores Bancários na modalidade de Leasing)” o seguinte:
“(a) Pagamento de 100% de todos os créditos, juros, comissões e encargos bancários vencidos até à data da homologação do PER;
(b) Liquidação das quantias em dívida referidas em 3.3 (a) de acordo com o plano de reembolso e outras condições contratualizadas aquando da concessão destes créditos.”
XXII. Acrescentando, a título de “nota”, que “A apresentação de condições de pagamento diferenciadas para estes Credores justifica-se pelo facto de os mesmos serem proprietários de equipamentos cuja fruição é essencial para a manutenção da atividade da Requerente”.
XXIII. Já quanto aos restantes credores comuns o Plano apresentado, recorde-se, prevê:
“(a) Perdão de 60% de todos os créditos vencidos até à data de homologação do PER;
(b) Pagamento de 40% de todos os créditos vencidos até à data de homologação do PER;
(c) Liquidação dos montantes referidos (…) em 120 prestações mensais e crescentes (…)”
XXIV. E ainda, no que concerne aos proprietários de imóveis locados à Devedora, cfr. Ponto 3.6 (a) e (b):
“(a) As rendas vincendas dos clubes dos quais a REVITALIZANDA é arrendatária (a saber, “XX”, “YY” e “ZZ”) não serão sujeitas a qualquer atualização (legal ou contratual), nos 3 primeiros anos após a homologação do PER; - sublinhado e negrito nossos.
(b) A atualização das rendas referidas no parágrafo anterior, só terá início a partir do 4.º ano a contar da data de homologação do PER.”
XXV. Pelo apresentado no Plano só se pode concluir que, dentro da mesma categoria de credores comuns, a Devedora trata de forma desigual os credores comuns bancários proprietários de equipamentos essenciais à atividade – aos quais prevê pagar 100% de todos os créditos, juros, comissões e encargos bancários vencidos até à data da homologação do PER - e os credores comuns proprietários de locados nos quais é exercida essa mesma atividade- aos quais prevê pagar apenas 40% dos créditos vencidos até à data de homologação do PER!
XXVI. Comprometendo de forma irreparável os seus interesses e direito, já que tanto os equipamentos, como os imóveis locados, são essenciais, em igual medida, para a atividade desenvolvida pela Devedora.
XXVII. As condições de pagamento propostas no plano de revitalização são, deste modo, escandalosamente inferiores para os credores comuns não bancários nem proprietários de equipamentos, mas proprietários de imóveis onde a Devedora exerce a sua atividade.
XXVIII. Quer isto dizer que o plano assenta num tratamento desfavorável, injustificado, desproporcional e irrazoável de credores da mesma classe em violação do princípio da igualdade entre credores previsto no artigo 194.º do CIRE aplicável ex vi artigo 17.º-I, n.º 4 do CIRE, o que deveria ter conduzido o Tribunal a quo a recusar oficiosamente o plano conforme disposto no artigo 215.º do CIRE.
XXIX. A este propósito, do Tribunal da Relação de Coimbra: “(…) como defende Gisela Fonseca in “Direito da Insolvência – Estudos”, Coordenação de Rui Pinto, Coimbra Editora, 2011, no texto “A Natureza do Plano de Insolvência”, o plano de insolvência tem uma natureza complexa, configurável como uma transacção, um verdadeiro contrato, que não exige, para ter eficácia, a concordância de todos os intervenientes, bastando para tal a aprovação ou consentimento de uma simples maioria deles. Esta ponderação de interesses, tendo em vista a salvaguarda do princípio da igualdade entre credores, violado este, no plano aprovado, deve conduzir a que o juiz recuse oficiosamente a aprovação do plano sempre que exista uma violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, conforme se acha disposto no artigo 215.º do CIRE, em que se enquadra a injustificada, desadequada, arbitrária ou injusta, violação do direito à igualdade entre credores, nos moldes em que este se encontra consagrado no artigo 194.º, n.º 1, do CIRE.(…).
XXX. Facto que é reconhecido em sede da decisão recorrida pelo Tribunal a quo: “Poderão encontrar-se fundamentos justificativos de tratamento diferencial baseados na diferente natureza dos créditos em presença, comum, garantida ou privilegiada (art.° 47. ° do CIRE), no seu caráter indisponível (ex. créditos laborais, fiscais ou contributivos). Mais dificilmente se alcançará justificação para tratamentos diferenciadores dentro das mesmas classes de créditos.”- Sublinhado nosso.
XXXI. Não decorrendo do plano qualquer diferenciação justificada por razões objetivas entre estes dois tipos de credores da mesma classe, em conformidade com o artigo 194.º, n. º1 do CIRE, a sua infração equivale a uma violação grave, não negligenciável, das regras aplicáveis.
XXXII. Face a todo o exposto, e à demonstração fundamentada de violação dos princípios que regem o PER, deveria o Tribunal a quo, de forma oficiosa, ter recusado a homologação este PER com base no artigo 215.º do CIRE.
XXXIII. Mais uma vez, mal andou o Tribunal a quo ao homologar o plano apresentado, devendo ser substituída a decisão recorrida por outra que decida pela não homologação do PER em virtude da violação do princípio da igualdade entre credores, previsto no artigo 194.º do CIRE.
XXXIV. DA INVIABILIDADE DO PLANO - EMPRESA EM CLARA SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA SEM RECUPERAÇÃO - De acordo com a lista provisória de créditos apresentada foram reconhecidos créditos no valor global de aproximadamente 25 milhões de euros.
XXXV. No Plano apresentado a Devedora admite estar em “situação de falência técnica conforme previsto no art.º 35.º do Código das Sociedades Comerciais. Considerando que em 2023, é igualmente expectável o reporte de prejuízos líquidos (…) o saldo negativo (…) deverá incrementar a sua magnitude.”
XXXVI. O Plano apresentado não tem qualquer sustentabilidade e assenta em premissas que a Devedora não sabe se vão concretizar-se, como seja, o incremento de “membership fees” com novos planos de preço (cfr. ponto d) do Plano), e que não têm correspondência com a realidade - que é a de diminuição de membros – nem se encontram devidamente fundamentadas;
XXXVII. Ademais, não se vislumbra como é feita a previsibilidade de recuperação com base na atividade da Devedora, previsões de ativo/passivo, avaliação do seu património e capacidade de endividamento possa ser capaz de vir a liquidar 100% dos créditos dos credores privilegiados/garantidos e credores comuns bancários na modalidade de leasing e 40% dos créditos vencidos aos credores comuns e subordinados.
XXXVIII. Porquanto, de acordo com o Plano, a previsão de crescimento de novos membros para os próximos 10 (dez) anos é de 7 membros/ano (de 10.547 para 10.654 em 2034!), enquanto está previsto um incremento de gastos com renda e estrutura.
XXXIX. E, simultaneamente, são apresentados pela Devedora resultados que preveem uma diminuição do ativo até 2027, passando e 22.881M para 22.555M, enquanto os resultado contabilísticos demonstram que o passivo supera o ativo há, pelo menos, 2 (dois) anos.
XL. Plano que assenta em alegados futuros acordos de gestão de exploração cujos termos não apresentam, e cujos valores de receitas geradas são desconhecidos, assim como não se explica de que forma será obtido o financiamento para celebração dos mesmos.
XLI. Ao mesmo tempo que a Devedora pondera investir anualmente em clubes, já a partir de 2025 com base, uma vez mais, no hipotético aumento de receitas – não fundamentado, reitera-se - que alegadamente “permitirá a geração de fluxos financeiros necessários para assegurar o reembolso dos créditos reclamados”.
XLII. O plano apresentado é manifestamente inviável e, deste modo, contém uma clara violação não negligenciável das normas aplicáveis ao conteúdo do plano, nos termos do já citado artigo 215.º do CIRE.
XLIII. Perante todo o exposto, só se pode concluir que a Devedora não está numa situação económica difícil ou em situação de insolvência iminente, cfr. artigo 17º-A, n. º1 do CIRE.
XLIV. O que se evidencia é que a Devedora está, de forma clara e inequívoca, impossibilitada de cumprir as suas obrigações, cfr, artigo 3.º, n. º1 do CIRE, o que já ocorria à data de apresentação do plano.
XLV. Face ao conteúdo do plano e configuração do mesmo a Devedora já está em situação de insolvência, constituindo o plano apresentado um verdadeiro perdão de dívidas.
XLVI. Face ao exposto, verificando-se que a Devedora já está numa situação de insolvência, a decisão recorrida deve ser substituída por outra que não homologue o plano de revitalização, nos termos do artigo 215.º do CIRE, por violação não negligenciável de regras procedimentais, porquanto a Devedora está em situação de insolvência atual, conforme artigo 3.º, n. º1 do CIRE.
A devedora/recorrida apresentou contra-alegações, concluindo por pedir que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se inalterada a sentença recorrida, para o que formula as seguintes conclusões:
1. Em primeira linha, a “BB”, aqui recorrente, invoca violação e normas imperativas, que subtitula como erro de julgamento 1, designadamente nas disposições previstas no Ponto 3.6 (a) e (b), pois na sua opinião, estas normas do Plano implicam a modificação unilateral pela Devedora, e credores subscritores do Plano, dos referidos contratos de arrendamento no que concerne à atualização anual do valor de renda por parte dos Senhorios.
2. Segundo a “BB”, aqui recorrente, a modificação unilateral dos contratos de arrendamento será legalmente inadmissível porquanto se está no âmbito de um contrato bilateral e este só pelas partes contratantes poderá ser alterado.
3. A fim de tentar suportar o seu ponto de vista a recorrente defende que a Devedora e os demais credores subscritores do Plano ao alterarem unilateralmente o contrato, sem consentimento da contraparte, terão violado o disposto nos artigos 405.º, 406.º e 437.º do Código Civil, por não constituir o PER um mecanismo que permita efetuar essa alteração.
4. Antes de mais não é permitida à recorrente alicerçar o seu crédito em sede de PER na cessação do contrato de arrendamento que celebrou com a Devedora, e vir sustentar em recurso, pelo menos, quanto ao argumento aqui em análise, a manutenção do mesmo arrendamento, tentando atacar as normas que regulamentam os arrendamentos em vigor após a homologação do PER.
5. Ou a recorrente mantem a sua posição de que resolveu o contrato de arrendamento por falta de pagamentos de rendas, e vem reclamar o crédito daí emergente, ou sustenta que o contrato de arrendamento não foi resolvido e como tal são-lhe aplicáveis as normas constantes no PER que limitam ao aumento de rendas nos próximos anos. Não pode é defender que o contrato de arrendamento foi resolvido e vir insurgir-se contra as normas do Plano que só são aplicáveis para os contratos de arrendamento em vigor.
6. Acresce que, materialmente, também não assiste razão à Credora ”BB”, pois, desde logo, todas as normas constantes no CIRE constituem Lei Especial em relação à Lei Geral, e decorre daquela a possibilidade e adoção de mecanismos legais destinados à Revitalização da Empresa, que, por regra (face à Lei geral), não poderiam ser adotados.
7. A revitalização da empresa prevista no CIRE não passa exclusivamente pelos créditos vencidos das devedoras, pois poderão ser absolutamente necessárias medidas que não se esgotam nesse universo, como por exemplo referentes a períodos de carência de rendas futuras e estabelecimento de planos de pagamento em prestações.
8. É na perspetiva deste objetivo que as medidas a adotar podem, e devem incidir também sobre créditos vincendos, no caso, as rendas vincendas no âmbito dos arrendamentos, ou melhor, estabelecendo um limite para o aumento das rendas vincendas no âmbito dos arrendamentos.
9. Aliás, o PER visa o estabelecimento de negociações entre o devedor e seus credores, por forma, a que, celebrem um acordo conducente à revitalização do primeiro, acordo esse que será plasmado no chamado plano de recuperação, porém, resulta claro que o legislador não estabeleceu quais as medidas de recuperação que poderão ser acordadas no âmbito do PER, deixando, assim, a maior margem de liberdade possível ao devedor e aos seus credores, para a conformação do conteúdo do plano de recuperação, vigorando nesta matéria o princípio da liberdade contratual, expressamente consagrado no art. 405.º CC.
10. O elenco das medidas previstas no art- 196º do CIRE, que todos concordam que podem ser aplicáveis em sede de PER, deita por terra o argumento invocado pela Recorrente aqui em análise, pois o art. 196º nº1 c) e d) prevê expressamente que o PER poderá conter providências que implicam a modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juros dos créditos, sem imprimir que estas se circunscrevem a prazos de vencimento e a juros vencidos, pelo contrário, inculca que se tratarão de prazos e de juros vincendos.
11. Ademais, os prazos de vencimento das obrigações e as taxas de juros, por regra constam nos contratos entre as partes, logo, basta ler a lei para se constatar que o legislador não seguiu o raciocínio da Credora CGD de que, através do PER não será possível modificar prestações contratuais sem o anuir expresso dos credores afetados.
12. Residualmente, ainda encontramos um argumento para afastar a atendibilidade deste fundamento invocado pela CGD, pois esta, apesar de ter um valor de crédito não significativo face aos restantes, foi a única que manifestou através deste recurso a discordância com as medidas negociadas por a mais de 50% dos votos dos credores, logo, parece-nos clara que, no limite, essa pretensão estaria sempre eivada por Abuso de Direito nos termos do art. 334º do Código Civil, tornando ilegítimo o exercício de desse direito (se entendermos que o tenha), uma vez que a CGD sempre excederia manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
13. Assim sendo, deve decair o fundamento acima em crise, proposto pela “BB”.
14. Em segunda linha, a “BB” invoca violação do Princípio na Igualdade, que subtitula como erro de julgamento 2, argumentando que o PER trata de forma preferencial os credores bancários na modalidade de leasing, uma vez que estes não vêm reduzida qualquer percentagem do valor dos seus créditos vincendos, ao passo que os outros, verão reduzidos os valores dos seus créditos vencidos correspondentes a 60% e os restantes 40% deverão ser pagos em prestações definidas pelo Plano.
15. A “BB” ainda assinala diferenças injustificáveis entre os credores bancários na modalidade de leasing e ela própria, na qualidade de proprietária de imóveis arrendados à Devedora, pois o Plano impõe limites à atualização de rendas futuras.
16. Em primeira linha constata-se que o alegado vício invocado pela Credora “BB” é na prática inócuo, pois, lendo a relação de créditos junto com o Plano e que passou pelo crivo do Tribunal, se constata que não existem créditos vencidos e não pagos efetivamente devidos a credores bancários na modalidade de leasing.
17. Nenhum dos credores na modalidade de leasing tem qualquer crédito vencido e não pago pela Devedora, ao contrário dos restantes credores, e em particular dos credores senhorios, logo, efetiva e realmente, jamais se pode verificar tratamento preferencial entre os citados credores ou a violação do princípio da igualdade entre os mesmos.
18. Acresce que, na realidade os (créditos e) credores bancários na modalidade de leasing não são iguais aos restantes credores, mormente aos credores senhorios, constituindo evidência dessa destrinça, a própria natureza do contrato, dos direitos e das obrigações que o mesmo encerra.
19. Neste sentido basta que nos detenhamos na definição legal de locação financeira (também apelidada de leasing) constante no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, na sua redação atual, e confrontá-la com a definição do arrendamento que, nos termos da lei é uma modalidade do contrato de locação, que respeita a coisa imóvel (cfr. art.º 1023.º do Código Civil).
20. Acresce que nos termos do nº1 do art. 194º do CIRE “O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas.”, pelo que se constata que o legislador nem sequer se preocupou em enumerar taxativamente as diferenças que justificam, em sede de Insolvência, o tratamento diferenciado entre credores, e fê-lo de forma intencional, de molde a deixar a maior margem de manobra possível à Devedora e aos Credores.
21. Ora, uma das diferenças aceites unanimemente para esse efeito serão aquelas que distinguem o tipo de credores, consoante a natureza dos seus créditos, e in casu, temos credores bancários, cujos créditos poderão emergir de financiamentos puros, ou sejam empréstimos, temos credores (ainda que bancários) cujos créditos advêm de contratos de arrendamento e finalmente, na parte que interessa neste ponto em análise, credores (ainda que bancários) cujos créditos resultam de contratos de leasing.
22. Ora, nos contratos de leasing, a propriedade dos bens pertence ao credor (tal como no caso dos Credores senhorios), todavia, ao contrário da locação “pura”, o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável a coisa objeto do contrato. No arrendamento, ou na locação “pura”, jamais o devedor poderá, por meio do respetivo contrato típico, vir a adquirir os bens objeto do mesmo.
23. Essas diferenças justificam, inclusive, que o arrendamento tenha uma legislação específica, muitas das vezes dirigida a conceder uma maior proteção ao arrendatário, sendo certo que a mesma já não terá aplicação aos leasing`s.
24. Neste ponto, parece-nos ainda de salientar que a silaba tónica do argumento expendido pela Credora “BB” aqui em análise recaiu no mecanismo previsto no PER relativamente ao aumento de rendas, pois, como vimos, as diferenças assinaladas pela credora em relação ao perdão do valor dos créditos vencidos e não pagos não tem qualquer relevância, pois, repita-se, não existem quaisquer valores vencidos e não pagos aos credores cujos créditos sejam oriundos de contratos de leasing.
25. A Credora “BB” argumenta que o mecanismo previsto no Plano referente aos limites nos aumentos das rendas dos clubes violaria o princípio da igualdade e originaria um tratamento desfavorável entre iguais credores, contudo, em rigor, cumpre salientar que, em relação aos credores de leasing nem sequer existem rendas, pelo menos, idênticas substantivamente àquelas que existem no arrendamento.
26. Os contratos e as obrigações dos contratos de arrendamento são distintos daquelas dos contratos de leasing.
27. Neste ponto, reforçamos os argumentos em prol da manutenção da decisão recorrida trazendo à colação o art. 215º, aplicável ao PER por força do disposto no art. 17º-F, nº 5 do mesmo diploma, permite ao Juiz a recusa da homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores apenas no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza,
28. Ora, regras procedimentais serão todas as que visam regular a forma como se deve desenrolar o processo até à apresentação do plano de revitalização para homologação ou até ao seu encerramento, e as normas relativas ao conteúdo serão todas as respeitantes à parte dispositiva do plano de revitalização e aos princípios que lhe devem estar subjacentes.
29. A lei, propositadamente, não definiu o que se deva entender por vícios não negligenciáveis, contudo, é evidente que não basta a verificação de violação de qualquer norma para que o juiz recuse a homologação do plano de revitalização aprovado, é, ainda, necessário que a sua violação seja grave, no sentido de interferir com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger, e, nessa medida, se tenha tal violação como grosseira e não negligenciável, não desculpável.
30. Mais, a violação deverá incidir sobre norma imperativa que não esteja na disponibilidade partes.
31. Realçamos que, visando o Plano sobre matérias que, por Lei, estejam na disponibilidade das partes, não será necessário, como é evidente, que todos os afetados pela norma ofereçam o seu consentimento ou aprovação, bastando que o Plano reúna as maiorias previstas na Lei, de contrário, o PER paralisaria.
32. Ora, a matéria alegada pela Credora “BB” está indiscutivelmente na disponibilidade das partes, porquanto não resulta de infração qualquer norma imperativa, logo, até por esta perspetiva, jamais poderia inquinar a aprovação do Plano pelo Tribunal.
33. Pelos motivos expostos deve decair mais um fundamento invocado pela Credora “BB”.
34. Por último a Credora “BB” invoca mais um fundamento para tentar inquinar o Plano aprovado e homologado, desta feita defendendo que a empresa estará em situação de Insolvência sem recuperação, que subtitula como erro de julgamento 3, e, aqui, há logo que destacar que o Plano foi aprovado ainda antes da entrada do processo em Tribunal por credores que representam mais do que 50% dos créditos da Devedora, sendo que o Tribunal de 1ª Instância analisou as providências do Plano e homologou-o e que nenhum dos credores impugnou a decisão de homologação por via de recurso, com exceção da Credora “BB”, incluindo todos aqueles credores que não intervieram no acordo.
35. Aliás, basta, mais uma vez, ler a Lei para perceber pela falta de interesse sério da argumentação a Credora, nomeadamente o nº1 do art.17º do CIRE que expressamente não exige somente que a empresa se encontre em situação económica difícil, vais mais longe e permite a aplicação do PER a empresas em situação de insolvência eminente.
36. A Devedora estava e está a cumprir uma grande parte das suas obrigações, conseguia e consegue manter a sua atividade em moldes regulares sendo que aquela e os Credores que assinaram o Plano apresentaram medidas concretas que, racionalmente, sustentam a diminuição do passivo e um aumento do ativo nos próximos anos (neste sentido verificar os balanços previsionais juntos ao Acordo -pág. 18 e 19).
37. O estudo efetuado e feito constar nos referidos balanços apresenta uma previsão do aumento do total de capitais próprios para mais do dobro de 2024 para 2034.
38. Relativamente à credibilidade do plano financeiro apresentado pela Devedora destacamos que o crescimento das vendas e serviços prestados pressupõe uma perspetiva manifestamente conservadora, de fato entre 2023 e 2034 projetou-se um crescimento de cerca de 3.105.000,00€, o que corresponde a um crescimento acumulado de 25,9%, o que, por sua vez, equivale a um crescimento anual de apenas cerca de 2,36% ao ano, ou seja com taxas marginalmente superiores ao índice de inflação para Portugal projetadas pelo Fundo Monetário Internacional.
39. Aliás, basta fazer contas simples para se verificar que, com a implementação o Plano, o capital próprio da Devedora em 2024 passará a estar imediatamente em valores positivos, confortavelmente na verba decerca de 10.062.000,00€.
40. O raciocínio da recorrente “BB” é tanto mais incongruente que, se analisarmos as págs. 17 a 23 do Plano, é possível constatar que em caso de liquidação, por via de insolvência, os Credores, a Devedora, os trabalhadores e colaboradores desta se veriam perante um cenário muito mais prejudicial do que aquele que existe com a aprovação do PER.
41. Pelos motivos expostos deve decair também este último fundamento invocado pela Credora “BB”.
Termina pedindo que seja negado provimento ao presente recurso de apelação interposto pela recorrente, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. Do Objeto do recurso:
O objeto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, pelo que as questões a decidir traduzem-se em saber se a sentença que homologou o plano de revitalização deverá ser revogada, por violação de normas legais imperativas, por violação do Princípio da Igualdade (arts. 17º-I, n.º4, 194º, n.º1 e 215º do CIRE) e por inviabilidade do plano por a empresa se encontrar em clara situação de insolvência sem recuperação.
III. Fundamentação
De Facto
Com interesse para a decisão, mostra-se assente o seguinte circunstancialismo fáctico:
1) “AA”, S.A., apresentou plano extrajudicial de recuperação assinado por si e pelos seguintes credores, a quem foram reconhecidos a título definitivo créditos nos valores indicados:
- “LL”, S.A.” - € 587.695,52;
- “FF” - € 9.837.750,65;
- “GG” - FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO ABERTO” - € 2.650.128,12;
- “CC”, SA - € 2.240.019,44, valor que corresponde à soma das rendas vencidas e não pagas durante a vigência do contrato de arrendamento - devidas inicialmente a “XX” e, posteriormente, à credora reclamante, - até à sua resolução, acrescido do valor devido a título indemnizatório pela não entrega do locado desde 17/11/2023 até à presente data.
- “QQ, SA” - € 83.211,88;
- “SS”, Lda” - € 30.772,41;
- Ministério Público - € 2 950 682,775;
- “UU”, SLU - € 10.354,93;
- “UN”, LDA” - € 11.195,55.
2) A lista definitiva de credores contém créditos reconhecidos no valor global de € 26 225 939,115;
3. O acordo extrajudicial apresentado em 20.02.2024 e retificado em 12.04.2024, prevê, designadamente, as seguintes condições e pagamentos:
3.1 Condições de pagamento a credores privilegiados/garantidos (Fazenda Nacional)
(a) Pagamento de 100% de todos os créditos vencidos até à data de homologação do PER;
(b) Se aplicável, redução dos juros de mora devidos nos termos e para os efeitos do disposto no Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de março;
(c) Liquidação das quantias de (a) e (b) em dívida em 120 prestações mensais, vencendo-se a primeira no final do mês seguinte ao términus do prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE;
3.2 Condições de pagamento a Credores Comuns (Credores Bancários na modalidade de Leasing)
(a) Pagamento de 100% de todos os créditos, juros, comissões e encargos bancários vencidos até à data de homologação do PER;
(b) Liquidação das quantias em dívida referidas em (a) de acordo com plano de reembolso e outras condições contratualizadas aquando da concessão destes créditos.
A apresentação de condições de pagamento diferenciadas para estes Credores, justifica-se pelo facto de os mesmos serem proprietários de equipamentos cuja fruição é essencial para a manutenção da atividade da Requerente.
3.3. Condições de pagamento a Credores Comuns (generalidade dos Credores Comuns)
(a) Perdão de 60% de todos os créditos vencidos até à data de homologação do PER;
(b) Pagamento de 40% de todos os créditos vencidos até à data de homologação do PER;
(c) Liquidação dos montantes referidos em 3.4 (b) em 120 prestações mensais crescentes de capital conforme tabela infra:
(d) Vencimento de juros remuneratórios à taxa anual de 1%.
3.4. Condições próprias do Credor Comum “GN”
(a) Perdão de 100% de todos os créditos vencidos e vincendos.
3.5. Condições de pagamento a Credores Subordinados
(a) Perdão de 60% de todos os créditos vencidos até à data de homologação do PER;
(b) Pagamento de 40% de todos os créditos vencidos até à data de
homologação do PER;
(c) Liquidação dos montantes referidos em 3.5 (b) apenas após liquidação
integral dos créditos reconhecidos para as restantes categorias de credores.
3.7. Outras condições
(a) As rendas vincendas dos clubes dos quais a REVITALIZANDA é arrendatária (a saber, “XX”, “YY” e “ZZ”) não serão sujeitas a qualquer atualização (legal ou contratual), nos 3 primeiros anos após a homologação do PER;
(b) A atualização das rendas referidas no parágrafo anterior, só terá início a partir do 4º ano a contar da data de homologação do PER.
4. As classes de credores incluem as seguintes categorias e montantes:
- Sócios - € 1 177 385,55;
- Entidades bancárias que tenham financiado a empresa - € 9 126 204,94;
- Fornecedores de bens e prestadores de serviços - € 12 971 436,68;
- Credores públicos - € 2 950 911,955.
5. A requerente “AA”, S.A. tem por objeto a Criação, promoção e exploração de health clubs, gestão, formação e consultoria em desporto, manutenção física e bem estar, serviço de nutrição e outras actividades de saúde pública, incluindo tratamentos de fisioterapia, cedência de espaços em imóveis próprios ou alheios e serviços conexos; arrendamento, compra e venda de propriedades, incluindo prédios e revenda dos adquiridos para esse fim, bem como a gestão, exploração e manutenção de imóveis; e ainda os serviços de estética e beleza, tratamentos de massagem, drenagem, depilação definitiva e luz pulsada, tratamentos de aquatox, crioterapia, mesoterapia, bem como todos os tratamentos relacionados com o cuidado do corpo, da pele e beleza, e ainda o comércio a retalho de produtos médicos e ortopédicos, em estabelecimentos especializados. Prestação de serviços de fisiatria.
6. Tem o capital social de 14.349.785,00 Euros, sendo o conselho de administração composto por “JJ” e “HH”.
7. A devedora celebrou com a credora “CC”, S.A. um contrato de arrendamento sobre a fração autónoma designada pela letra “AA”, correspondente ao rés-do-chão, para comércio/indústria, com extensão para a galeria, primeira e segunda caves com três estacionamentos na primeira cave, três estacionamentos na segunda cave, dezanove estacionamentos na terceira cave, sendo dois duplos e quarenta e quatro estacionamentos na quarta cave, sendo quatro duplos, com entrada pelo número (…), que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito (…), descrito na (…) sob o número (…), freguesia de (…) e inscrito na matriz urbana sob o artigo (…), da freguesia (…);
8. Em virtude das atualizações do valor de renda estipuladas nos Aditamentos ao Contrato e dos aumentos legais anualmente fixados, o valor de renda cifrava-se em 57.921,36 EUR (cinquenta e sete mil novecentos e vinte e um euros e trinta e seis cêntimos).
9. Em 16 de outubro de 2023 a credora comunicou à devedora a intenção de resolver o contrato de arrendamento com fundamento na falta de pagamento de rendas, nos termos do disposto no artigo 1083.º, n. º1 e 3 e 1084.º, n.º2, ambos do Código Civil e artigo 9.º, n.º7, alínea b) do NRAU, tendo a devedora recebido a notificação por contacto pessoal do Agente de Execução no dia 16.10.2023.
10. À data da resolução do contrato de arrendamento estavam em dívida as rendas vencidas, e não pagas, relativas aos meses de janeiro de 2021 (parcial), e fevereiro de 2021 a outubro de 2023, no valor global de 1.892.491,28 EUR.
11. Em 06.12.2024 a credora intentou procedimento especial de despejo junto do Balcão Nacional do Arrendamento com fundamento na não desocupação ela devedora do locado no prazo de 30 (trinta) dias após a comunicação de resolução do contrato de arrendamento, e no não pagamento da totalidade do valor em dívida acrescida da indemnização pela mora.
12. O acordo de recuperação e plano de pagamentos foram aprovados pelos credores de acordo com o quórum legal necessário.
*
De Direito
Na sentença recorrida decidiu-se homologar o plano de recuperação conducente à revitalização da devedora.
Não concordando com tal decisão, recorreu o credor apelante.
Das conclusões das alegações do recurso do credor apelante, verifica-se que a questão que, verdadeiramente, aqui importa apreciar traduz-se em saber se foram violadas/desrespeitadas normas (procedimentais ou de conteúdo) que impeçam a homologação do plano aprovado de recuperação/revitalização dos devedores.
Vejamos.
O PER constitui uma profunda alteração introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, cujos princípios orientadores constam, de uma maneira geral, da Resolução do Conselho de Ministros n.º 43/2011 e cuja consagração legal decorre agora dos artigos 17.º-A a 17.º-I do CIRE.
Nesses normativos, consagraram-se dois processos especialíssimos, urgentes, antecipatórios do estado de insolvência do devedor, com vista à sua obstaculização: o primeiro, prevenido nos artigos 17.º-A a 17.º-H, destinado à obtenção de um acordo entre o devedor e os credores, com vista à sua conclusão para recuperação daquele; o segundo, prevenido no artigo 17.º-I, é o processo que visa a homologação do acordo havido entre o devedor e os credores extrajudicialmente, quer dizer, enquanto no primeiro dos procedimentos se recorre desde logo ao Tribunal, através da declaração conjunta do devedor e de pelo menos um dos seus credores, na qual manifestam a intenção de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele e através de um plano de recuperação (artigo 17.º-C, n.º 1), no segundo dos procedimentos, o acordo é efetuado extrajudicialmente entre o devedor e os credores que representem, pelo menos, a maioria dos votos a que se alude o artigo 212.º, n.º 1, acompanhado dos documentos referidos no artigo 24.º (relação de credores, relatórios de atividades e de exercícios, etc.), levando à prolação de um despacho de homologação ou de não homologação no prazo de dez dias (artigo 17.º-I), tratando-se de um procedimento mais expedito e simplificado, que leva a uma tramitação processual mais abreviada ainda.
Nas palavras de Ana Paula Boularot, in Revista Julgar, n.º 31, pág. 12 a estrutura destes dois processos é híbrida (hybrid procedures do direito inglês), porque, fazendo apelo à autonomia privada do devedor e dos credores, deixa-lhes uma grande margem de manobra, com vista à composição dos respetivos interesses, embora sempre pautados pelos princípios orientadores, maxime, da boa fé, da cooperação, da igualdade e da transparência e com a intervenção das autoridades judiciárias na respetiva aprovação, obtendo a garantia do seu cumprimento, desde que o devedor se encontre numa situação económica difícil, ou em situação de insolvência iminente, mas que seja ainda possível a sua recuperação, o que pressupõe e impõe que o devedor tenha uma condição económica que não indicie um passivo superior ao ativo nem esteja numa situação que já não lhe seja permitido satisfazer quaisquer dos seus compromissos, porque, se assim for, este processo especialíssimo não se lhe pode aplicar, aplicando-se antes o processo de insolvência (…) estes dois procedimentos apresentam-se, na sua estrutura em relação ao processo de insolvência, como se de uma verdadeira providência cautelar antecipatória se tratasse, destinada à manutenção da estrutura económica do devedor, permitindo a continuação da sua atividade, evitando-se o desmantelamento da empresa, desfecho inultrapassável em processo de insolvência, com todas as consequências daí advenientes, nomeadamente, com a consequente extinção de postos de trabalho.
Estando o devedor numa situação de dificuldade económica que lhe permita solver com regularidade os seus compromissos, mas não estando ainda numa situação de incumprimento total dos mesmos e pretendendo apresentar-se a qualquer um destes dois procedimentos híbridos, o primeiro efeito imediato de tal apresentação, quer a mesma seja judicial, quer a mesma seja pré-judicial, é a de se iniciar um período de suspensão, em que os credores estão obrigados a conceder ao devedor um período de tempo suficiente, mas limitado, de onde o mesmo dever ser negociado, para todos partilharem as informações necessárias para a elaboração de propostas a fim de se levar a bom termo as negociações: é uma concessão dos credores ao devedor e não um direito deste. Por outro lado, durante este período de suspensão, os credores não devem agir contra o devedor, intentando novas ações, devendo sustar as que se encontrem pendentes contra aquele. É o chamado standstill.
O processo abreviado previsto no art. 17º-I que é o caso dos autos, trata-se ainda do mesmo processo de revitalização, numa modalidade abreviada, o que implica que apenas os mesmos devedores podem a ele recorrer, que a relação de credores apresentada pelo devedor tenha de ter todos os elementos que permitam ao juiz avaliar se está reunida a maioria prevista no nº1 do art. 212º logo desde o início e, ao final do prazo de impugnação segue-se, não um período de negociações, mas a decisão sobre a homologação ou não homologação.
Também neste caso, a eficácia universal que a lei consagra ao Plano de Recuperação depende da sua homologação por sentença. A homologação judicial é a condito sine qua non para a eficácia universal do plano (Catarina Serra, in Lições de Direito da Insolvência, 2º edição, pag. 436).
Esta universalidade do PER manifesta-se e reflete-se na oponibilidade do plano de recuperação homologado a todos os credores do devedor, independentemente de terem ou não participado nas negociações, de terem ou não emitido voto sobre o plano, ou de terem emitido voto desfavorável à sua aprovação (art. 17º-F, nº 10) – neste sentido os Acórdão desta Secção, de 28/09/2021, proc. n.º 19874/21.5T8LSB.A.L1-1, Relatora Amélia Sofia Rebelo, aqui segunda ajunta e de 23/04/2024, Relator Manuel Ribeiro Marques, processo n.º 1862/23.9T8VFX.L1-1.
O art.º 17º-I, n.º 4 do CIRE incumbe ao juiz de decidir, após análise do acordo extrajudicial, se deve ou não homologar o plano, devendo homologá-lo se respeitar as maiorias previstas nas alíneas b) ou c) do n.º5 do art. 17º-F e aplicando com as necessárias adaptações as regras previstas no n.º7 e nos n.ºs 9 a 14 do art. 17º-F e no titulo IX, em especial o disposto nos arts. 194º a 197º, 198º, n.º 1 e arts. 200º a 202º, 215º e 216º do CIRE.
Antes da alteração ao n.º4 do art.º 17º-I introduzida pelo DL 79/2017 havia quem defendesse que da conjugação desta norma com a prevista no art.º 17º-F nºs 5 e 6, se concluía que tratando-se de plano de recuperação iniciado nos termos do art.º 17º-I do CIRE, com a apresentação de acordo extrajudicial de recuperação, a não homologação já não poderia sustentar-se na mais abrangente previsão normativa dos preceitos constantes no titulo IX referentes ao plano de insolvência – artº 192º e ss. do CIRE -, mas antes, mais restritivamente, apenas no estatuído nos art.ºs 215º e 216º, restrição que parecia justificar-se pelo facto de o plano resultar de um acordo de cariz totalmente extrajudicial, para a obtenção do qual relevou, total e essencialmente, a livre vontade - desde logo porque judicialmente incondicionada como acontece ou pode acontecer nos casos do processado iniciado nos termos do artº 17º-C - dos credores (neste sentido cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08/11/2016, Relator Carlos Moreira, proferido no processo n.º 1773/16.4T8VIS.C1, disponível para consulta in www.dgsi.pt) e Catarina Serra, in Ob. Cit., pag. 480 - “ O Juiz deverá atender ao disposto especialmente quanto à homologação no âmbito do plano de insolvência, designadamente nas normas dos arts. 215º e 216º.
Todavia, a nova redação dada ao referido n.º 4 do art. 17-I que passou a dispor que: «convertendo-se a lista de créditos em definitiva, o juiz procede, no prazo de 10 dias, à análise do acordo extrajudicial, devendo homologá-lo se respeitar as maiorias previstas nas alíneas b) ou c) do n.º 5 do artigo 17.º-F, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no n.º 7 e nos n.ºs 9 a 14 do artigo 17.º-F e no título IX, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1, do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º», remetendo, expressamente, para a aplicação dos arts. 194º a 202º (exceto o 199), a redação origina resultou ampliada.
Estabelece o artigo 215º que o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação.
Referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3ª edição, 2015, pág. 781, que normas procedimentais são todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhe foram presentes (…). Normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deva contemplar.
A violação de normas aplicáveis ao conteúdo do plano corresponde a um vício de natureza substantiva ou material consubstanciada na violação de uma regra, norma ou princípio que regula diretamente o conteúdo do plano. Essa violação será não negligenciável, para efeitos de recusa de homologação ao plano ao abrigo do disposto no artigo 215º do CIRE, sempre que ela acarrete um resultado que a lei não permite, seja porque o conteúdo do plano viola disposições legais de carácter imperativo, seja porque viola regras legais que, apesar de não serem imperativas, visam tutelar e proteger determinados direitos sem que os respetivos titulares tivessem consentido ou renunciado à tutela que a lei lhes confere – cfr. os Acórdão da Relação de Coimbra de 11/10/2017, Relatora Maria Catarina Gonçalves, proc. n.º 6/17.0T8GRD-A.C1, de 0/05/2017, Relator António Carvalho Martins, processo n.º 1006/15.0T8LRA-D.C1.
Feitas estas considerações e revertendo ao caso dos autos, diz o credor recorrente (conclusões IV a XVII) que o plano viola normas legais imperativas, por ocorrer alteração unilateral do contrato de arrendamento que celebrou com a devedora o que viola o disposto nos artigos 405.º e 406.º do Código Civil.
Contrapõe a requerente que o fundamento do crédito que a recorrente apresentou em sede do PER, decorrente de resolução contratual por falta de pagamento de rendas (cumulado com o valor das rendas que afirma terem sido vencidas mas não pagas), não podendo fundamentar o recurso na manutenção de um contrato de arrendamento resolvido, e por isso, insuscetível de lhe serem aplicadas as disposições contratuais do PER que regulamentam os futuros aumentos de renda dos contratos de arrendamento em vigor.
Prevê o Ponto 3.6 (a) e (b), que: “(a) As rendas vincendas dos clubes dos quais a REVITALIZANDA é arrendatária (a saber, “XX”, “YY” e “ZZ”) não serão sujeitas a qualquer atualização (legal ou contratual), nos 3 primeiros anos após a homologação do PER; -(b) A atualização das rendas referidas no parágrafo anterior, só terá início a partir do 4.º ano a contar da data de homologação do PER.” Neste ponto está incluído a arrendamento relativo à apelante – o imóvel sito na Av. Defensores de Chaves.
Viola o disposto nos artigos 405.º e 406.º do Código Civil, a alteração unilateral das cláusulas contratuais de determinado contrato, designadamente as relativas à atualização das rendas e que resultaria na alteração unilateral de contratos ainda não cumpridos, relativamente à recorrente, posto que não subscritora do acordo extrajudicial sujeito a homologação judicial.
O credor, ora apelante, declarou ter resolvido o contrato de arrendamento que incidia sobre o dito imóvel. Aquela declaração de resolução ocorreu mediante comunicação à devedora de 16 de outubro de 2023, tendo intentado subsequentemente, ação especial de despejo por falta de pagamento de rendas.
A resolução ocorre nos contratos bilaterais quando uma das partes o não cumpre, justificando-se, assim, que a contraparte o rompa (art. 432º do Cód. Civil) ou quando há uma alteração anormal da base negocial que atinge o equilíbrio das prestações (art. 437º do C. Civil). Tem efeitos imediatos e retroativos e sem dependência ou observância de qualquer prazo contratual. A apelante resolveu o contrato imputando à devedora um incumprimento culposo que, na sua ótica, justificava a declaração resolutiva.
Reclama nos autos créditos provenientes de rendas vencidas e não pagas durante a vigência do contrato de arrendamento - devidas inicialmente ao “FF” e, posteriormente, à credora reclamante, - até à sua resolução, acrescido do valor devido a título indemnizatório pela não entrega do locado desde 17.11.2023 até à presente data. O Plano só pode dispor relativamente aos créditos constituídos e vencidos à data do despacho de nomeação do AJP ou, no máximo, da apresentação da Lista de créditos - São os créditos aqui reconhecidos que definem a medida do voto de cada credor que, exceto quanto a créditos sob condição, é pacífico que não inclui, nunca, créditos vincendos. Se no direito de voto não os podem contabilizar para influenciar a aprovação ou não do plano, este também não os pode afetar.
A questão é que a resolução do contrato de arrendamento é objeto de discussão em ação própria e o Plano contém medida que pressupõe a manutenção/vigência do arrendamento, mais concretamente o seguinte: “(a) As rendas vincendas dos clubes dos quais a REVITALIZANDA é arrendatária (a saber, “XX”, “YY” e “ZZ”) não serão sujeitas a qualquer atualização (legal ou contratual), nos 3 primeiros anos após a homologação do PER”, (b) A atualização das rendas referidas no parágrafo anterior, só terá início a partir do 4.º ano a contar da data de homologação do PER”, o que nos reconduz à questão colocada pelo apelante relativa à violação de norma aplicável ao conteúdo do plano que considera verificada: violação do princípio da liberdade contratual e modificação da natureza dos créditos – 406º do CC e 196º do CIRE e sobre a qual não se pronunciou o Tribunal a quo.
Importará para o caso e nessa medida considerar os princípios fundamentais da ordem jurídica relativos aos créditos por obrigações de contratos bilaterais em que as contraprestações, recíprocas e sinalagmáticas, ainda estão em curso.
No PER, ao contrário do que sucede nos processos de insolvência em que rege o art. 120º do CIRE, os contratos bilaterais não se suspendem no seu decurso, nem o administrador judicial provisório ou o devedor podem optar pela sua recusa ou cumprimento. Isto é, o devedor pode como é evidente deixar de cumprir o contrato, voluntariamente, mas as suas obrigações não se extinguem e o seu cumprimento pode ser imposto por via da ação de cumprimento e da execução (art.º 817.º do Código Civil) e da execução específica. A modificação dos contratos apenas é possível nos termos do art.º 437.º do Código Civil (…). Um plano não pode introduzir modificações contratuais contra a vontade das contrapartes. Também no processo de insolvência isso não pode suceder. (…) A modificação unilateral do contrato consubstanciaria a imposição ao credor, contra a sua vontade, de uma diferente relação jurídica e posição contratual, o que seria uma afronta grave e injustificável aos seus direitos (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/09/2015, Relatora Maria de Deus Correia, processo n.º 442/14.4T8VFX-A.L1-6, citando Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, PER O processo especial de revitalização, Coimbra Editora, 2014, p.67-70, referido pelo apelante nas suas alegações e disponível para consulta in www.dgsi.pt).
A questão que releva neste ponto é a cláusula que altera o modo de atualização das rendas no contrato de arrendamento no pressuposto de que este se mantém em vigor, estabelecendo que as mesmas não serão sujeitas a atualização nos três primeiros anos (após a homologação do PER), contida num plano relativamente ao qual a contraparte nesse contrato não votou a favor e não prestou consentimento, como foi o caso do apelante ao não subscrever o acordo sujeito a homologação.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07/04/2016, relator: Jorge Arcanjo, processo n.º1655/14.4T8LRA.C1, https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/: “O plano de insolvência, e por maioria de razão, o plano de recuperação no PER tem sido qualificado como um verdadeiro negócio processual, ou seja, uma transacção (cf. Gisela Fonseca, “A Natureza Jurídica do Plano de Insolvência”, Direito da Insolvência, Estudos, pág.100 e segs., Maria do Rosário Epifânio, O Processo Especial de Revitalização, pág. 99, Ac STJ de 25/3/2014 ( proc. nº 6148/12), Ac RC de 6/11/2012 ( proc. nº 444/06), Ac RC de 1/4/2014 ( proc. nº 3330/13), disponíveis em www dgsi.pt).”
Assim sendo, na concordância com esta posição, exceção feita às alterações introduzidas nos créditos, as demais alterações que exijam o consentimento da contraparte, credor ou não, se este não votar favoravelmente o plano, devem ter este consentimento documentado. (cf. ainda o Acórdão desta Relação de 08/03/2022, referido supra), consentimento que sempre teria de ocorrer por escrito ou através de voto favorável ao plano.
Neste sentido, não tendo o apelante dado o seu consentimento à alteração do contrato (por escrito ou através de voto favorável ao plano), no que diz respeito à suspensão da atualização de rendas pelo período de três anos, esta cláusula é inoponivel a este credor, na qualidade de proprietária do imóvel sito na “ZZ” e na circunstância de a ação de desejo ser julgada improcedente, como defende.
Concluindo-se, como se vem de expor, que a cláusula em questão não é oponível ao credor apelante, há, todavia, que averiguar se existem fundamentos para recusar a homologação do Plano, como propugna o recorrente em razão da violação do princípio da igualdade.
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DA SITUAÇÃO MAIS DESFAVORÁVEL E DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Na suas conclusões recursivas (XVIII a XXXIII) diz o recorrente que dentro da mesma categoria de credores comuns, a devedora trata de forma desigual os credores comuns bancários na modalidade de leasing, proprietários de equipamentos essenciais à atividade – aos quais prevê pagar 100% de todos os créditos, juros, comissões e encargos bancários vencidos até à data da homologação do PER - e os credores comuns proprietários de locados (senhorios) nos quais é exercida essa mesma atividade - aos quais prevê pagar apenas 40% dos créditos vencidos até à data de homologação do PER, com um perdão de 60% dos créditos, comprometendo de forma irreparável os seus interesses e direitos, já que tanto os equipamentos, como os imóveis locados, são essenciais, em igual medida, para a atividade desenvolvida pela devedora. As condições de pagamento propostas no plano de revitalização são, deste modo, escandalosamente inferiores para os credores comuns não bancários nem proprietários de equipamentos, mas proprietários de imóveis onde a Devedora exerce a sua atividade, assentando o plano num tratamento desfavorável, injustificado, desproporcional e irrazoável de credores da mesma classe em violação do princípio da igualdade entre credores previsto no artigo 194.º do CIRE aplicável ex vi artigo 17.º-I, n.º 4 do CIRE, o que deveria ter conduzido o Tribunal a quo a recusar oficiosamente o plano conforme disposto no artigo 215.º do CIRE.
Contrapõem a apelada, quanto a este ponto, que não existem créditos vencidos e não pagos efetivamente devidos a credores bancários na modalidade de leasing; que nenhum dos credores na modalidade de leasing tem qualquer crédito vencido e não pago pela devedora, ao contrário dos restantes credores, e em particular dos credores senhorios, logo, efetiva e realmente, jamais se pode verificar tratamento preferencial entre os citados credores ou a violação do princípio da igualdade entre os mesmos; que, na realidade os (créditos e) credores bancários na modalidade de leasing não são iguais aos restantes credores, mormente aos credores senhorios, constituindo evidência dessa destrinça, a própria natureza do contrato, dos direitos e das obrigações que o mesmo encerra.
Importa analisar se ocorreu a apontada violação.
No caso sub judice mostram-se respeitadas a maiorias previstas no art. 17º-F, n.º 5, als. b) e c), estando o acordo subscrito por credores que representam 64,18% dos créditos reconhecidos (mesmo que, por hipótese, se desconsiderassem os votos correspondentes aos créditos das sociedades comerciais que exploram os ginásios (…), (…), (…) e (…), ainda assim, obteríamos uma percentagem superior a 50%), recolhendo ainda o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos, sendo mais de 50 % dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos definitiva.
Dispõe assim o artigo 194.º do CIRE que: 1) O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas. 2) O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável; 3) É nulo qualquer acordo em que o administrador da insolvência, o devedor ou outrem confira vantagens a um credor não incluídas no plano de insolvência em contrapartida de determinado comportamento no âmbito do processo de insolvência, nomeadamente quanto ao exercício do direito de voto.
Ao dispor que o plano obedece ao princípio da igualdade dos credores, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas, o n.º 1 deste artigo 194.º consagra uma dimensão material do princípio da igualdade, pondo em evidência as duas vertentes que o caracterizam: a necessidade de tratar do mesmo modo o que é semelhante e de tratar de modo diferenciado o que é distinto. Isto, sem prejuízo da possibilidade de os credores atingidos pela violação do princípio da igualdade darem a sua anuência, nos termos previstos no n.º 2, do mesmo artigo 194.º (cf. Catarina Serra, in Ob. Cit, pag. 474, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 10/07/2024, Relator Artur Dionísio, processo n.º 2907/23.8T8STS.P1 e da Relação de Coimbra de 26/04/2022, proc. Relatora Maria João Areias n.º840/21.7T8ACB.C1, disponíveis para consulta in www.dgsi.pt).
Como se refere neste último aresto do Tribunal da Relação de Coimbra, “os credores não têm de ser tratados todos da mesma maneira, abrindo-se espaço para uma discriminação positiva, fundada em específicos fatores de diferenciação, dentro dos quais se poderão contar a data da constituição, a fonte ou a proveniência do crédito e o respetivo montante, desde que a diferenciação se revele materialmente fundada. A proibição da violação do principio da igualdade não significa uma situação de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenças de tratamento, apenas impedindo que o tratamento diferenciado se funde em fatores de diferenciação ilegítimos ou outros que que “se apresentem contrários à dignidade humana, incompatíveis com o princípio do Estado de direito democrático, ou simplesmente arbitrários ou pertinentes”.
A jurisprudência dos tribunais superiores vem defendendo de forma consistente que haverá violação do princípio da igualdade sempre que o plano preveja o tratamento desfavorável de um ou mais credores em relação aos restantes e essa diferenciação não esteja justificada por razões objetivas (cfr. Acórdão desta 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/10/2020, Relatora Manuela Espadaneira Lopes, proc. n.º 27086/19.1T8LSB.L1-1) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24/05/2018, Relatora Isabel Peixoto Imaginário).
Neste sentido, refere-se o seguinte no citado aresto do Tribunal da Relação de Évora: «Relativamente ao sentido e alcance do princípio da igualdade dos credores consagrado no art. 194.º do CIRE, a jurisprudência que vem sendo consolidada pelos Tribunais Superiores assenta, designadamente e no que aqui importa salientar, nos seguintes vetores:
- estabelecendo o plano de revitalização do devedor diferenciações entre os credores, é necessário que nele se justifique o diferente tratamento, com a indicação das razões objetivas que lhe estão subjacentes; [Ac. STJ de 24/11/2015 (José Rainho)]
- necessário se torna, desde logo, justificar no próprio plano o diferente tratamento, com a indicação das razões objetivas para essa diferença; [Ac. STJ de 08/10/2015 (Júlio Gomes), processo n.º 1898/13.8TYLSB.S1]
- o princípio da igualdade dos credores não proíbe ao plano de insolvência que faça distinções entre eles; proíbe apenas diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, sem uma justificação razoável, segundo critérios objetivos relevantes; [Ac. TRC de 01/04/2014 (Henrique Antunes).]
- a simples menção de que existe necessidade do devedor vir a ser apoiado financeiramente no futuro pelas instituições financeiras credoras, não constitui razão objetiva justificadora da desigualdade de tratamento estabelecido no plano, quando tal menção não está acompanhada de uma vinculação efetiva, concreta e programada de apoio por parte dessas instituições financeiras; [Ac. STJ de 24/11/2015 (José Rainho)].
- o carácter estratégico de alguns credores é insuficiente para derrogar o princípio da igualdade dos credores de uma mesma classe quando faz recair sobre alguns deles, de forma desproporcionada, as perdas, ou seja, quando a revitalização do devedor é conseguida à custa do sacrifício grave ou severo de apenas alguns dos credores da mesma classe; [Ac. TRC de 17/03/2015 (Henrique Antunes)].
- a finalidade visada com a contração do crédito (crédito contraído para aquisição de habitação vs. crédito contraído para aquisição de bens de consumo) pode relevar para estabelecer diferenciação de tratamento no plano; [Ac. TRC de 01/04/2014 (Henrique Antunes).]
- ainda que alguma diferenciação se justifique, importa atentar na razoabilidade e no carater proporcional da diferenciação imposta pelo plano; [Ac. STJ de 24/11/2015 (José Rainho)].
- as diferenciações entre credores não podem radicar na própria necessidade de aprovação do plano; pelo contrário, é este que, na sua substância, tem que respeitar, tanto quanto possível, o princípio da igualdade entre os credores. [Ac. TRP de 14/05/2013 (Vieira e Cunha)].
Impõe-se, pois, tratar de forma idêntica todos os credores, mas levando em linha de conta a qualidade, natureza e finalidade dos respetivos créditos».
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in Ob. Cit., pág. 712: “A razão objectiva porventura mais clara que fundamenta a diferença de tratamento dos credores assenta na distinta classificação dos créditos, nos termos em que está agora assumida, no art. 47.º, do Código. Para além disso, dentro da mesma categoria há motivos para destrinçar, conforme o grau hierárquico que couber aos vários créditos. Mas a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito.”
No caso concreto, está em causa saber se é compaginável com o referido princípio da igualdade dos credores a diferenciação estabelecida no plano entre credores bancários proprietários de equipamentos essenciais à atividade (os senhorios dos prédios onde a devedora exerce a sua atividade) – aos quais se prevê pagar 40% de todos os créditos, juros, comissões e encargos bancários vencidos até à data da homologação do PER - e os credores comuns proprietários de locados (os locadores dos prédios onde a devedora exerce a sua atividade) - aos quais se prevê pagar 100% dos créditos vencidos até à data de homologação do PER.
No Plano justifica-se a diferenciação nos seguintes termos: “A apresentação de condições diferenciadas para estes credores, justifica-se pelo facto de os mesmos serem proprietários de equipamento cuja fruição é essencial para a manutenção da atividade da requerente.”
É certo que, como defende a apelada, estamos perante dois créditos comuns, mas cuja fonte é distinta, sendo que uns provêm de contratos de arrendamento e os outros de contratos de locação financeira ou leasing. Nestes últimos, o locador obriga-se, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados (art. 1º do DL n.º 149/95, de 24 de Junho – Regime da Locação financeira), logo são distintos os respetivos direitos e as obrigações deles emergentes. Nos contratos de locação financeira, a propriedade dos bens pertence ao credor (tal como no caso dos credores senhorios), todavia, ao contrário da locação “pura”, o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável a coisa objeto do contrato (art. 10º, al. f). No arrendamento, ou na locação “pura”, jamais o devedor poderá, por meio do respetivo contrato típico, vir a adquirir os bens objeto do mesmo, como anota a apelada.
Não obstante a natureza da fonte contratual da obrigação ser diversa, em ambos os casos, visa-se proporcionar ao locador o gozo temporário de uma coisa, no caso o imóvel. Em ambos os casos o arrendatário/locador é proprietário da coisa locada e a devedora neles exerce a sua atividade, pelo que são essenciais para a manutenção da sua atividade.
Como se referiu supra, no Plano justifica-se a diferenciação nos seguintes termos: “A apresentação de condições diferenciadas para estes credores, justifica-se pelo facto de os mesmos serem proprietários de equipamento cuja fruição é essencial para a manutenção da atividade da requerente.”, mas é omisso quanto à razão da diferenciação existente entre os credores senhorios e os credores locadores, na medida em que os primeiros veêm os seus créditos vencidos até à data da homologação do PER reduzidos com um perdão de 60%, e os segundos são pagos a 100%.
Embora a lei não defina o que deve considerar-se vício negligenciável, parece não restarem dúvidas de que não são negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza (cfr. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, In Ob. Cit., pág.782). Ou seja, será uma violação negligenciável das regras impostas, aquela que acarrete apenas uma derrogação de normas legais pelo plano de insolvência, desde que essas normas sejam derrogáveis, e não imperativas, em relação ao plano de insolvência. Diversamente são desconsideráveis as infrações que atinjam simplesmente regras de tutela particular que, podem ser afastadas com o consentimento do protegido. Sustentando uma interpretação mais ampla do conceito, referem ainda os mesmos autores (in Ob. Cit., LOc. Cit.) verdadeiramente do que se trata, para decidir se ela justifica ou não a recusa de homologação, é avaliar da relevância ou não da violação constatada.
Catarina Serra, in Ob. Cit, pag. 473, refere que, tentando colmatar a indeterminação do conceito, é razoável entender que a violação não negligenciável é aquela e apenas aquela que importe uma lesão grave de valores ou interesses juridicamente tutelados, isto é, uma lesão de tal modo grave que nem em atenção ao princípio da recuperação e aos interesses associados a este, o juiz pode deixar de recusar-se a homologar o plano, inviabilizando com isso a recuperação. Está implícito na norma o dever de o juiz proceder a uma ponderação - uma ponderação entre o interesse da recuperação e os interesses que sejam, em concreto, visados pela norma violada com vista a decidir se, em homenagem ao primeiro, a violação pode ser negligenciada”.
Em face dos princípios que subjazem ao plano de revitalização, em que a satisfação dos direitos dos credores deixou de ocupar o lugar privilegiado passando a atender-se, também, à recuperação do devedor, como resulta inequivocamente da exposição de motivos da proposta de lei que deu lugar à Lei 16/2012 (Proposta de Lei n.º 39/XII, de 30/12/2011, da Presidência do Conselho de Ministros), o PER assume uma forte presença de interesse publico na defesa da economia, assente na recuperação e manutenção das empresas viáveis, uma vez que a sua liquidação gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas, (cf. a este propósito Catarina Serra, in ob. cit, pág. 357 e o Ac. do STJ de 4 de abril de 2017, relator Júlio Gomes, processo n.º 2160/15.7T8STR.E1.S1, disponível para consulta in www.dgsi.pt.).
Já devem ser consideradas como não negligenciáveis todas as violações de normas que interfiram com a justa salvaguarda dos interesses/posições dos credores (Cf. Acórdão da Relação de Coimbra de 09/05/2017, Relator António Carvalho Martins, processo n.º 1006/15.0T8LRA-D.C1, disponível para consulta in www.dgsi.pt).
O princípio da igualdade dos credores supõe uma comparação de situações, a realizar a partir de determinado ponto de vista. O Tribunal deve limitar-se a analisar se a regulação desigual da situação dos credores é manifestamente desadequada, por inexistência de fundamento razoável e relevante (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/06/2014, Relatora Helena Melo, processo nº 404/13.9TBBCL.G2, disponível para consulta in www.dgsi.pt).
No caso, estamos, efetivamente, perante um tratamento desproporcional e desadequado, sendo certo que a devedora não apresentou no plano justificação para tal tratamento desigual, como seria exigível nos termos do disposto no artigo 194º do CIRE.
Atendendo ao conteúdo do conceito supra expendido, temos de concluir que o Plano de Revitalização aprovado, viola, de forma não negligenciável, o princípio da igualdade plasmado no art.º 194º do CIRE, tratando de forma diferenciada os credores senhorios e os credores locatários dos imóveis onde a ré exerce a sua atividade essencial, sem que tal se mostre justificado no mesmo por sérias razões objetivas, não constando sequer do plano qualquer justificação fundada e com a invocação de razões objetivas quanto a este ponto.
Em conclusão, concordamos com o entendimento expresso pela apelante no sentido de que no plano aprovado se verifica a violação do principio da igualdade, constatando-se o tratamento desfavorável entre os credores bancários senhorios e os credores bancários locadores, na medida em que a devedora exerce, quer nos imóveis arrendados quer naqueles locados em regime de locação financeira, a atividade necessária ao prosseguimento do seu objeto social, sem que exista qualquer razão objetiva, válida e atendível para tal tratamento diferenciado, devidamente fundamentada.
Pelos fundamentos referidos, o Plano não pode ser homologado, ficando, deste modo, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas em termos de recurso.
IV. Decisão:
Assim, em face do exposto, acordam as juízas desta 1º secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso e, por consequência, revogar a sentença da primeira instância e não homologar o plano de recuperação/revitalização da devedora “AA”, S.A.
Custas pela apelada (art.ºs 527º, nºs. 1 e 2, do CPC, e 17º e 17º-I, nº. 4, do CIRE).
Lisboa, 15-10-2024,
Susana Santos Silva
Paula Cardoso
Amélia Rebelo