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ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
BURLA QUALIFICADA
Sumário
I. O disposto no art.º 358º nº 3 do Cód. Processo Penal impõe a comunicação de alteração da qualificação jurídica constante da acusação ou da pronúncia, quando se demonstre que o arguido tem necessidade de alegar algo que antes não tenha previsto e alegado, isto é, de preparar uma nova defesa, já que se traduz num imperativo do princípio do contraditório e da salvaguarda de uma defesa eficaz por parte do arguido. II. Realizado o julgamento, a não comunicação da convolação do crime de burla qualificada, para a prática do mesmo crime, na sua forma simples, por mera alteração do valor do prejuízo, não viola quaisquer garantias de defesa do ora recorrente consagradas em tal preceito e no art.32º nº 1 da C.R.P., porquanto é tão só um minus relativamente à acusação e este teve conhecimento de todos os seus elementos constitutivos e possibilidade de os contraditar, não se verificando assim a nulidade prevista no art.º 379º nº 1 al.b) do Cód.Processo Penal. (da inteira responsabilidade do relator)
Texto Integral
Acordaram, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I-RELATÓRIO
I.1 No âmbito do processo comum singular n.º 68/21.6GFVFX, que corre termos pelo Juízo Local Criminal de Vila Franca de Xira - Juiz 1, em que é arguido AA, melhor identificado nos autos, foi proferida sentença, no qual se decidiu [transcrição]: “(…) Nestes termos, tendo em atenção as considerações expendidas e o quadro legal aplicável, decido: a) ABSOLVER AA da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas nos artigos 217.º n.º 1, 218.º, n.º 1 e 202.º al. a), todos do Código Penal; b) CONDENAR AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla, previsto e punido pelo artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de € 770,00 (setecentos e setenta euros); c) CONDENAR AA nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC, e nos demais encargos previstos na lei (artigos 513º, 514º Código de Processo Penal, 8º, nº 9, 16º e Tabela III Anexa ao Regulamento das Custas Processuais). (…)”
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I.2 Recurso da decisão final
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido AA para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respectiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]: (…) 1) Da Nulidade da sentença, por violação do art.º 358, nº 1 do CPP. O arguido foi acusado da prática de um crime de burla qualificada, mas foi condenado pelo crime de burla simples, uma vez que não foram provados factos da acusação. 2) Tendo sido verificada, durante a audiência, uma alteração não substancial dos factos devia o tribunal ter comunicado ao arguido a alteração, facultando-lhe, caso este o pretendesse, prazo para a preparação da defesa, o que não ocorreu (art.º 358, nº 1 do CPP). 3) Facto muito relevante para a defesa do arguido uma vez que o crime de burla simples, existindo restituição e concordância do ofendido, possibilita a extinção da responsabilidade criminal (art.º 206 do CPP). 4) Porque a omissão do disposto no art.º 358, nº 1 do CPP coloca em causa os direitos e garantias processuais do arguido, estamos perante uma nulidade nos termos da al. b), nº 1, do art.º 379 do CPP, a qual deve ser declarada com as necessárias consequências legais. 5) Do Direito. Da não verificação dos elementos constitutivos do crime de burla. O enriquecimento ilegítimo é elemento constitutivo do crime de burla, facto que não foi provado nos autos 6) Os comprovativos de pagamento não têm a indicação da conta de destino, apenas uma indicação um nome que pode ser (como se viu) inventado. 7) Fundamenta a douta sentença que “(…) mas a consumação não depende da verificação de tal enriquecimento, bastando, para tanto, que ao nível do tipo objectivo se verifique o dano, o empobrecimento. (…)”. 8) A fundamentação da sentença assenta numa presunção. Assentando o direito penal no princípio da legalidade, não pode a prova ser resumir-se a uma presunção, pois isso significa que qualquer engano pode ser qualificado de burla e tal conclusão viola o princípio da presunção de inocência, como tal estamos perante uma sentença ilegal por violação do art.º 1 do Cód. Penal e art.º 32, nº 2 da CRP. 9) Não se verificando um dos elementos que integram o crime de burla – o enriquecimento ilícito – tem o arguido de ser absolvido. 10) Da insuficiência da prova para a matéria de facto provada. Os factos dados como provados, ponto 5 e ponto 6 têm por base factos que foram dados como não provados (facto A e B); a diferença entre o valor que consta no orçamento e o valor objecto de transferência em 11/2/2021. 11) Não foi dado como provado que apenas era devido pelos trabalhos a realizar pelo recorrente o valor de 3.261,89€, não foram provados quais os trabalhos prestados pelo arguido, desconhecendo, o tribunal, qual a razão da diferença entre o valor do orçamento e da transferência. 12) Não há factos que sustentem que o valor de 322,11€ foi pago em excesso, porque não há factos que comprovem que trabalhos foram efectivamente acordados e prestados; assim há insuficiência da prova para a matéria dada como provada, consequentemente, não pode o recorrente ser condenado por burla quanto ao valor de 322,11€, devendo nesta parte ser absolvido. 13) Da matéria de facto. Dos factos dados como provados no ponto 5 e ponto 6. A matéria de facto dada como provada nos pontos 5 e 6, não reflecte, com verdade, a prova produzida na audiência de julgamento: é falso que o arguido tenha afirmado que os trabalhos tinham um custo de 3.261,89€, provado que foi apresentado um orçamento no valor de 3.261,89€ (depoimento da testemunha BB, gravação da Diligencia_68-21GGFVFX_2024-05-27_10-12-01(1).mp3, ao minuto 9:13, ao minuto 18.26 e ao minuto 19:49. 14) Até em termos temporais a matéria não tem consistência: as duas primeiras transacções ocorreram em 7/2/2021; a transferência da quantia de 3.584,00€ conforme documento junto aos autos, foi realizada em 11/2/2021; os trabalhos iniciaram-se e apenas em 17/3/2021, o queixoso teve conhecimento que haviam sido realizados duas transferências com o mesmo valor (ponto 7 dos factos provados); e no dia 25/3/2021 (ponto 8 dos factos provados) o arguido esteve na residência dos queixosos. 15) Com base na prova produzida não se pode concluir que a modificação tinha um custo de €3.261,89, que o BB ao pagar o valor de € 3.584,00 julgava ser o valor combinado em 5 e que o arguido se apropriou indevidamente da quantia de 322,11€. 16) Como tal tem os factos dados como provados ser alterados passando a constar a seguinte redacção: 5. No dia 11.02.2021, e porque BB tinha anteriormente manifestado interesse em mudar a instalação elétrica da sua residência, o arguido deslocou-se novamente à residência referida em 1., fez-se acompanhar do terminal de pagamento de ATM, apresentou-lhe um orçamento com o valor de € 3.261,89, que BB aceitou, exigindo-lhe o arguido que, previamente, à modificação procedesse ao pagamento desse valo 6. Nesse dia, pelas 15h53m, o arguido digitou no terminal de pagamento o valor de € 3.584,00, o BB introduziu o seu cartão de multibanco no terminal e pagou 17) devendo ser o recorrente absolvido do crime de burla quanto ao valor de 322,11€. Assim se fará a devida Justiça.”
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O recurso foi admitido, nos termos do despacho proferido em 08/07/2024, com os efeitos de subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito suspensivo.
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I.3 Resposta ao recurso
Efectuada a legal notificação, o Ministério Público junto da 1ª Instância respondeu ao recurso interposto pelo arguido AA, pugnando pela sua improcedência apresentando as seguintes conclusões [transcrição]: (…) 1. A douta sentença, coerente entre os fundamentos e o decidido, não viola o artigo 358.º do Código de Processo Penal, uma vez que a desqualificação do crime de burla face à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação foi irrelevante para a decisão da causa do ponto de vista da defesa do Recorrente, tendo o mesmo sido beneficiado com tal decisão, sendo que a extinção da responsabilidade criminal já seria abstratamente possível no crime de burla qualificada, nos termos do artigo 218.º, n.º 1 e 4 ex vi artigo 206.º, n.º 1, ambos do Código Penal, e se o ofendido nunca manifestou tal desejo, nunca o Recorrente se moveu nesse sentido, exercendo o seu legítimo direito ao silêncio na audiência de julgamento, não prestando declarações sobre os factos (estando o ofendido presente), e apesar do exercício desse direito não o poder prejudicar, também não o pode beneficiar. 2. Encontram-se preenchidos os elementos constitutivos do crime de burla, e ao contrário do alegado pelo Recorrente, não se tratou de um “qualquer engano”, uma vez que o montante indevidamente retirado da conta bancária do ofendido nunca lhe foi devolvido, apesar de este ter interpelado o Recorrente nesse sentido. 3. A prova é suficiente para a matéria de facto provada, nomeadamente, para os factos dados como provados nos pontos 5 e 6, já que o ofendido transferiu o montante de €3.584,00, julgando estar a transferir o montante de €3.261,89 respeitante ao orçamento que lhe foi apresentado, previamente (por exigência do Recorrente) aos trabalhos descritos no orçamento, daí o montante de €322,11 ter sido ilegitimamente apropriado ao ofendido. 4. Mesmo que o Recorrente fosse absolvido quanto ao valor de €322,11, sempre teria de ser condenado pelos pontos 1 a 4. O que está em causa é a qualificativa que absorve o tipo base, daí que a qualificação apenas se refere ao valor sendo que os elementos do tipo já eram do perfeito conhecimento do Recorrente. 5. A decisão recorrida está bem fundamentada, parecendo-nos justa e equilibrada, não violando qualquer princípio ou norma processual penal. 6. A decisão da douta sentença deve manter-se nos seus precisos termos face aos meios de prova existentes, em nome da realização da justiça e da verdade material. 7. Concluindo, dir-se-á, pois, que se nos afigura que o recurso do Recorrente não merece provimento pelo que deverá manter-se integralmente a douta sentença recorrida. (…)
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I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do qual, aderindo à posição da Digna Magistrada do Ministério Público na primeira instância, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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I.5. Resposta
Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao dito parecer.
* I.6 Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ1], e da doutrina2, são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal ad quem, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal3.
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II.2- Apreciação do recurso
Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões decidendas a apreciar são as seguintes:
a) De saber se a sentença recorrida é nula nos termos do art.º 379º nº 1 al. b) do Cód. de Processo Penal, por via da violação do disposto no art.º 358º do Cód. de Processo Penal.
b) Da insuficiência da prova para a matéria de facto provada dos pontos 5 e 6.
c) Da não verificação dos elementos constitutivos do crime de burla
Apreciemos então as questões suscitadas, pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem – isto é, de forma a que, por via da sucessiva apreciação de cada uma, se vá alcançando, na medida do necessário, um progressivo saneamento processual que permita a clarificação do objecto das seguintes.
Vejamos.
II.3 - Da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objecto de recurso]:
a. É a seguinte a matéria de facto considerada como provada pelo tribunal colectivo em 1ª Instância: (…) Da acusação 1. No dia 06.02.2021, pelas 23h30m, o arguido deslocou-se à residência de BB, sita na ... em ..., para reparar o quadro eléctrico da referida habitação, tendo dito a este que a reparação ascendia à quantia de € 1.837,50, fez-se acompanhar de um terminal de pagamento de ATM e digitou esse valor no terminal. 2. No dia 07.02.2021, pelas 01h58m BB introduziu o seu cartão de multibanco no terminal e inseriu o código pessoal tendo pago o valor referido em 1. 3. No final da operação referida em 2. o arguido disse a BB que o pagamento não se tinha concretizado porque tinha havido mau contacto entre o seu cartão de multibanco e o terminal de pagamento, digitou o valor de € 1.837,00 e solicitou-lhe que efectuasse novo pagamento no valor de € 1.837,00, tendo este concordado. 4. Assim, no dia 07.02.2021, pelas 01h59m, BB voltou a introduzir o seu cartão de multibanco no terminal, inseriu o código pessoal e pagou o valor referido em 3, não se tendo apercebido da alteração do valor efectuado pelo arguido. 5. No dia 11.02.2021, e porque BB tinha anteriormente manifestado interesse em mudar a instalação elétrica da sua residência, o arguido deslocou-se novamente à residência referida em 1., fez-se acompanhar do terminal de pagamento de ATM, disse-lhe que a modificação tinha um custo de € 3.261,89, que BB aceitou, exigindo-lhe o arguido que, previamente, à modificação procedesse ao pagamento desse valor. 6. Nesse dia, pelas 15h53m, o arguido digitou no terminal de pagamento o valor de € 3.584,00 que BB julgava ser o valor combinado em 5., introduziu o seu cartão de multibanco no terminal e pagou. 7. No dia 17.03.2021 BB apercebeu-se, na sequência do contacto do seu gestor de conta, que tinha pago duas vezes o mesmo valor e contactou o arguido. 8. No dia 25.03.2021, pelas 17h15m, o arguido deslocou-se à residência referida em 1., fez-se acompanhar de terminal de pagamento de ATM, digitou a quantia de € 1.837,74 e disse a BB que só lhe conseguiria devolver o valor de € 1.837,74 se ele introduzisse o cartão de multibanco no terminal, o que este aceitou e fez, inserindo inseriu o código pessoal. 9. Nesse mesmo dia 25.03.2021, em hora não concretamente apurada, mas depois das 17h15m, BB apercebeu-se que não tinha entrado na sua conta o valor de €1.837,74, que tinha efectuado novo pagamento nesse montante, e contactou o arguido. 10. Ainda nesse dia 25.03.2021, pelas 20h00m, o arguido enviou a BB, através da aplicação Whatsapp, um comprovativo de uma transferência no valor de € 3.674,00, que nunca foi realizada. 11. No dia 07.02.2021 BB efectuou pagamentos de € 1.837,50 (correspondente ao valor do serviço prestado) e de € 1.837,00, no dia 11.02.2021 de € 3.584,00, e no dia 25.03.2021, induzido em erro pelo arguido, introduziu o seu cartão de multibanco no terminal e efectuou um pagamento de € 1.837,74, tudo conforme combinado com o arguido, quantias essas que o arguido fez suas, dando-lhes o destino que entendeu. 12. BB só pagou a quantia referida em 3. porque acreditou, conforme o arguido lhe disse, que o pagamento não se tinha realizado devido a um problema de mau contacto com o terminal. 13. BB só inseriu o cartão de multibanco no terminal na situação referida em 8. porque acreditou, conforme o arguido lhe disse, que só assim o valor de € 1.837,74 lhe era devolvido. 14. A conta bancária n.º ..., do ..., é titulada pela empresa ..., cujo nome comercial/fantasia é ... e da qual o arguido era, e é, sócio e gerente. 15. O arguido disse a BB que tinha havido um problema de mau contacto do cartão com o terminal de pagamento, digitou no terminal um valor que não correspondia ao acordado e disse-lhe que era necessário que este introduzisse o seu cartão no terminal, levando-o a crer que o pagamento não tinha sido por si feito, que este tinha pago o valor acordado para o serviço indicado em 5. e que as quantias por si pagas em duplicado ser-lhe-iam devolvidas. 16. Ate à presente data, o arguido não devolveu as quantias pagas indevidamente por BB, provocando-lhe um prejuízo patrimonial no valor global de €3.996,85. 17. Com as condutas referidas em 3, 5, 6, 8, 10 e 15 o arguido agiu com o propósito, concretizado, de obter vantagem patrimonial a que sabia não ter direito, que de outra forma não obteria e que sabia que não lhe era devido, fazendo suas as quantias recebidas e, assim, causando a BB um prejuízo de montante equivalente. 18. O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal. Mais se provou: 19. O arguido é …, auferindo, em média, a quantia de €1.000,00 mensais; 20. Vive com a companheira, que trabalha como … auferindo a quantia de €850,00, e um filho de 13 anos de idade; 21. Vive em casa arrendada, pagando a quantia de €1.100,00 por mês; 22. Tem um crédito pessoal cuja prestação mensal é de €146,00, que se encontra em incumprimento há cerca de 2 anos; 23. Tem o ensino secundário; 24. Não tem antecedentes criminais.
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b. São os seguintes os factos dados como não provados pelo tribunal de 1ª Instância: (…) Da acusação A. Ate à presente data, e ao invés do acordado, o arguido não prestou os serviços referidos em 5.; B. O arguido nunca pretendeu prestar, como não prestou, o serviço … acordado em 5. a BB; Da contestação C. Que o valor de €1.837,00 tenha sido cobrado em duplicado ao ofendido devido a um erro do sistema de cobrança; D. Que o valor de €1.837,47 só não foi transferido para os queixosos no dia 25/03/2021 devido ao facto de o arguido não ter entendido bem as instruções dadas pelo Banco para o efeito. E. Em 2021, a empresa deixou de conseguir cumprir com as suas obrigações fiscais, teve vários clientes que não pagaram os trabalhos efectuados, pelo que ficou numa má situação financeira, tendo cessado a sua actividade nesse ano. Consigna-se que matéria meramente negatória da contestação e, bem assim, toda a que foi considerada irrelevante, repetida, instrumental, conclusiva ou de direito não se mostra elencada, nem nos factos provados, nem nos factos não provados. (…)
c. É a seguinte a motivação da decisão de facto apresentada pelo tribunal de 1.ª Instância: (…) Pese embora tenha apresentado contestação nos autos e tenha estado presente na audiência de julgamento, o arguido exerceu o seu legítimo direito ao silêncio, não prestando declarações sobre os factos. Assim, o Tribunal fundou a sua convicção com base na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência [declarações do queixoso BB e da testemunha CC], conjugada com a prova documental junta aos autos, de fls. 8 a 11, 12 e 15 a 16, 13, 22, 42 a 46, 47, 83 e 84, 95 e 98 a 101, procurando-se os seus pontos de convergência e/ou dissonância, à luz de critérios de experiência e normalidade de vida e nos termos do disposto no artigo 127.º Código de Processo Penal. Isto dito, concretizemos. Factos 1 a 13, 15 e 16: O queixoso BB, num depoimento espontâneo e que se afigurou sincero, relatou as circunstâncias em que o arguido se deslocou à sua habitação e em que foram efectuados todos os pagamentos em causa nos autos, relatando com suficiente pormenor todos os factos descritos nos pontos 1 a 13 e 16. Acresce que o seu depoimento mostra-se totalmente corroborado pelos elementos documentais juntos aos autos. Com efeito, o valor dos serviços prestados pelo arguido no dia 06.02.2021 mostra-se documentado na factura de fls. 15 e 16, emitida pela sociedade ..., no valor de €1.837,50 cujo comprovativo de pagamento se mostra junto a fls. 10. Por seu turno, os pagamentos «em duplicado» referentes a esta factura mostram-se documentados pelos documentos bancários de fls. 11 e 22, sendo ainda de relevar o teor do documento de fls. 13 que se reporta ao comprovativo de transferência bancária que o arguido remeteu ao queixoso com vista a convencê-lo de que teria procedido à devolução dos pagamentos em duplicado e, bem assim, o teor do ofício do Banco ..., de fls, 42, que atesta que tal transferência, no valor de €3.674,00 não foi realizada por não ter sido autorizada, tendo a este propósito sido esclarecido em audiência pela testemunha CC, funcionária do BPI, que a conta titulada pela sociedade do arguido não dispunha de saldo disponível para o efeito. No que se refere ao pagamento dos serviços contratados pelo queixoso e descritos no ponto 5, o depoimento de BB mostra-se igualmente corroborado pelo teor do orçamento de fls. 12, no valor de €3.261,89 e pelo teor dos documentos de fls. 9 e 22, que comprovam que o valor efectivamente pago foi de €3.584,00, e não o constante do orçamento (€3.261,89). O facto 14 resultou provado do teor dos documentos de fls. 43 a 46, 98 a 101, 12 e 15, que comprovam que a conta de destino dos pagamentos realizados por BB é titulada pela sociedade ..., que usa a designação ..., sendo que tal sociedade era - à data dos factos- uma sociedade unipessoal por quotas cujo único sócio e gerente é a pessoa do arguido (fls. 99 e 99v). Os factos 17 e 18 resultaram provados por outra não pode ter sido a motivação e o conhecimento do arguido em face dos comportamentos por si exteriorizados e julgados como provados nesta sede, de acordo com as máximas da experiência e da normalidade das coisas (tendo, por contraposição, resultado não provados os factos C e D). Com efeito, atentas as comprovadas circunstâncias em que ocorreram os factos, não é crível a tese avançada pelo arguido em sede de contestação, desde logo quando alega que o primeiro pagamento em duplicado se deveu a um erro do sistema bancário. De facto, em primeiro lugar, é de notar que no primeiro pagamento em «duplicado» o arguido digitou no terminal de pagamento uma quantia ligeiramente diferente do pagamento inicial- digitou o valor de €1.837,00 ao invés de €1.837,50 - tendo o tribunal criado a convicção de que, contrariamente ao alegado pelo arguido, tal diferença de €0,50 foi propositada, precisamente para evitar que o sistema bancário detectasse algum erro na operação atenta a sequência temporal desses dois pagamentos. Por outro lado, também não é crível que no dia 25 de janeiro de 2021 o arguido também estivesse em erro quanto à forma de utilização do terminal de pagamento para a suposta devolução da quantia paga em excesso, tanto que, a verdade é que o arguido não só não devolveu a quantia paga em excesso nessa operação (antes voltou a cobrar um novo valor), como nunca o fez até ao presente, tendo ainda simulado a realização de uma transferência que nunca foi concretizada. Donde, à luz das regras da experiência e da normalidade das coisas, é por demais evidente que o arguido agiu com o propósito de obter uma vantagem patrimonial indevida, que ascendeu à quantia global de €3.996,85 (1837,00€+1.837,74€+322,11€) induzindo o queixoso em erro no momento dos pagamentos, ora cobrando quantias «em duplicado» [factos 3 e 4 e 8], ora digitando no terminal de pagamento um valor diverso do acordado [factos 5 e 6], tudo sem que BB se apercebesse, fazendo suas as quantias indevidamente recebidas através da conta da sociedade de que era à data dos factos único sócio e gerente. Os factos 19 a 23 referentes às condições pessoais do arguido resultaram provados das declarações prestadas pelo próprio em audiência, o que fez de modo espontâneo e congruente, pelo que não resultando contrariadas por nenhum outro elemento dos autos nem afrontando as regras da experiência, foram valoradas positivamente. A ausência de antecedentes criminais do arguido resulta do respectivo certificado do registo criminal junto aos autos. Os factos A. e B. resultaram não provados uma vez que resultou do depoimento do ofendido que as obras que tinham sido contratadas foram, de facto, iniciadas pelo arguido. Contudo, em face da quebra de confiança ocorrida pelo facto de o arguido não ter devolvido ao queixoso as quantias indevidamente cobradas pela primeira reparação, terá sido o próprio ofendido quem impediu o arguido de continuar a realização da obra. Os factos C e D resultaram não provados em face da prova de factos contrários (factos 17 e 18). O facto E resultou não provado uma vez que sobre o mesmo não foi produzida qualquer prova em audiência. Daí a decisão (…).
d. É como segue o enquadramento jurídico–penal dos factos que vem efectuado pelo tribunal colectivo em 1.ª Instância: (…) IV. ENQUADRAMENTO JURIDICO-PENAL Vem o arguido acusado da prática de um crime de burla qualificada p. e p. qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas nos artigos 217.º n.º 1, 218.º, n.º 1 e 202.º al. a), todos do Código Penal. Dispõe o n.º1, do artigo 217º do Cód. Penal, que «quem com intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo através de erro ou de engano sobre factos, que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial, é punido com prisão até 3 anos ou com pena de multa». Por seu turno, dispõe o n.º 1 do artigo 218.º do Código Penal que « 1 - Quem praticar o facto previsto no n.º 1 do artigo anterior é punido, se o prejuízo patrimonial for de valor elevado, com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.;», isto é, de valor que exceda 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto, a que corresponde o valor de €5.100,00 (cfr. artigo 202º al. a) do Código Penal). Assim, são elementos constitutivos do crime de burla: - a determinação de outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a terceira pessoa, prejuízo patrimonial; - por meio de erro ou engano sobre factos astuciosamente provocados pelo agente; - com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo. O crime de burla é, em face dos elementos objectivos referidos, um crime de execução vinculada, em que a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência da utilização de um meio enganoso tendente a induzir outra pessoa num erro que, por seu turno, a leva a praticar actos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios. A este processo, globalmente considerado, se reconduz o conceito de “domínio-do-erro”, critério de imputação objectiva inerente ao crime de burla e que esgota o sentido da referência à “astúcia”, constante do artigo 217.º do Código Penal. É necessário, pois, que se verifique um duplo nexo de imputação objectiva. Ou seja, a prática pelo burlado de actos tendentes a uma diminuição do património (próprio ou alheio) tem de ser determinada pela conduta enganosa/astuciosa do agente e, ao mesmo tempo, os prejuízos patrimoniais (próprios ou alheios) têm de ser resultado destes actos do burlado, enganosamente determinados pelo agente. A aferição do que é uma conduta astuciosa por parte do agente reconduz-se à apreciação da existência ou não de um genuíno “domínio-do-erro”, entendido como a adequação do comportamento do agente às características do caso concreto por referência ao princípio da boa-fé. O engano ou erro consiste na provocação de uma falsa representação da realidade. O engano pode ser provocado por diversas formas: palavras, gestos ou actos concludentes. Por actos concludentes entendem-se todos aqueles que têm um sentido social inequívoco e que, não obstante, não corresponde à vontade do agente do crime, mas que ele aproveita para enganar o burlado. Há, igualmente, engano quando o agente do crime refere factos falsos e, bem assim, quando o agente dissimula factos verdadeiros relevantes. Quanto à astúcia, a mesma consiste no aproveitamento de uma vantagem cognitiva do agente sobre o burlado a qual lhe permite manipular a vontade deste. Mais, é necessário que o agente tenha a intenção de causar um prejuízo patrimonial ao burlado ou a terceiro, bem como que tenha a intenção de conseguir através da sua conduta um enriquecimento ilegítimo próprio ou alheio. Esta intenção tem que se consubstanciar num dos tipos de dolo: directo, necessário ou eventual (artigo 14.º do Código Penal). Não obstante se requeira que o agente actue com intenção de enriquecimento, a consumação do crime não depende da efectivação do último, verificando-se logo que ocorra o prejuízo patrimonial da vítima, isto é, logo que exista a saída de coisas ou de valores da esfera de disponibilidade fáctica da vítima. O crime em apreço é um crime de dano que só se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infracção ou de terceiro, configurando-se, ainda, como um crime material ou de resultado cortado posto que só se consuma com a saída de coisas ou de valores da esfera jurídica da vitima sendo que para a consumação é necessário, ao nível do tipo subjectivo, que o agente actue com intenção de obter para si ou para outrem, um enriquecimento ilegítimo; mas a consumação não depende da verificação de tal enriquecimento, bastando, para tanto, que ao nível do tipo objectivo se verifique o dano, o emprobrecimento. (Neste sentido, A. M. Almeida Santos, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pág. 277 e ss..). Ora, vertendo ao caso dos autos resulta que a materialidade provada permite à saciedade dar por verificados todos os elementos do tipo previsto no artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal. Com efeito, resultou provado que o arguido enganou o ofendido por 3 vezes: a primeira quando lhe pediu para repetir a operação de pagamento dizendo-lhe que a operação anterior não tinha sido processada (factos 3 e 4); a segunda quando introduziu no terminal de pagamento um valor a pagar superior ao valor do orçamento acordado com o arguido (factos 5 e 6); e a terceira quando convenceu o ofendido de que iria proceder à devolução da quantia paga em excesso através do terminal de pagamento quando, na realidade, o que fez foi processar um novo pagamento (factos 8 e 9). Ora, em face das circunstâncias em que os factos ocorreram é forçoso concluir que arguido, usando de astúcia, logrou iludir o ofendido de cada vez que este realizou um pagamento indevido, convencendo-o de que estaria a pagar somente os valores acordados pelas reparações e, bem assim, num segundo momento, que estaria a receber as devoluções dos valores indevidamente pagos. Acresce que resultou provado que o ofendido sofreu um prejuízo patrimonial no valor global de €3.996,85 correspondente à soma das quantias que pagou indevidamente. Por outro lado, resultou igualmente provado que todas as quantias pagas indevidamente pelo ofendido tiveram como destino a conta bancária ..., do Banco ..., que é titulada pela empresa ..., da qual o arguido era à data dos factos, único sócio e gerente. Em conclusão, mostrando-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal previsto no artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal, não subsistem dúvidas de que o arguido praticou o crime de burla. Aqui chegados, importa referir que o Ministério Público acusou o arguido na forma agravada, em face do valor do prejuízo patrimonial causado. Sucede que, da prova produzida em audiência resultou que o valor do prejuízo patrimonial causado pelo arguido foi de €3.996,85, que é inferior a 50 unidades de conta. Assim, não se tendo provado factos que permitam concluir pela qualificativa prevista no artigo 218.º, n.º 1 por referência ao artigo 202.º, al. a) do Código Penal, é forçoso concluir que a conduta do arguido integra apenas o tipo base do ilícito criminal de que vinha acusado. Em face de todo o exposto e não se tendo demonstrado causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, impõe-se a absolvição do arguido da prática do crime de burla qualificada, e a sua condenação pela prática do crime de burla simples. (…)”
»
II.4- Apreciemos, então, as questões a decidir.
a) De saber se a sentença recorrida é nula nos termos do art.º 379º nº 1 al. b) do Cód. de Processo Penal, por via da violação do disposto no art.º 358º do Cód. de Processo Penal.
O arguido/recorrente AA ocupa parte da sua pretensão recursória com a invocação de que a sentença recorrida se mostra afectada de nulidade em virtude de, alega, mostrar-se acusado da prática de um crime de burla qualificada, mas ter sido condenado pelo crime de burla simples, uma vez que não foram provados factos da acusação, e sem que tenham sido devidamente observados os pressupostos e condições previstas para tal efeito no art.º 358º do Cód. de Processo Penal – donde estarmos perante a nulidade processual prevista no art.º 379º/1/b) do Cód. de Processo Penal.
Mais sustenta que tal facto é muito relevante para a defesa do arguido uma vez que o crime de burla simples, existindo restituição e concordância do ofendido, possibilita a extinção da responsabilidade criminal (art.º 206 do CPP).
Vejamos.
Uma das consequências da estrutura acusatória do processo criminal consiste na designada vinculação temática do tribunal significando que o objecto do processo penal é aquele da acusação (ou da pronúncia), sendo esta que delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e o âmbito do caso julgado. Constitui ainda (a vinculação temática), a «pedra angular de um efectivo e consistente direito de defesa do arguido» assegurando os direitos de contraditoriedade e audiência - Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, edição 2004, pág. 145.
Já Gomes Canotilho e Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 1ª edição, vol. I, fls. 522, nota XI, a propósito do princípio do acusatório, referem: «O princípio acusatório é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal. Essencialmente, ele significa que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. Trata-se de uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial. Cabe ao tribunal julgar os factos constantes da acusação e não conduzir oficiosamente a investigação da responsabilidade penal do arguido (princípio do inquisitório). A «densificação» semântica da estrutura acusatória faz-se através da articulação de uma dimensão material (fases do processo) com uma dimensão orgânico-subjectiva (entidades competentes). Estrutura acusatória significa, no plano material, a distinção entre instrução, acusação e julgamento; no plano subjectivo, significa a diferenciação entre juiz de instrução (órgão de instrução) e juiz julgador (órgão julgador) e entre ambos e órgão acusador”.
Ora, o pleno exercício pelo arguido, em sede de julgamento, das garantias de defesa que lhe assistem, tem como pressuposto a estabilização do objecto processual logo que este tenha sido fixado pela acusação ou pela pronúncia, quando esta exista, objecto esse que, de acordo com o disposto nos arts. 283º ou 308º do Cód. de Processo Penal, se compõe obrigatoriamente de uma narrativa factual e de um certo enquadramento jurídico-penal dos factos narrados.
Nesta ordem de ideias, qualquer alteração do objecto processual tem de ser necessariamente excepcional e tem de ocorrer de modo a deixar ao arguido a oportunidade de reorganizar a sua defesa, na medida necessária, o que equivale a dizer, em concreto, dentro dos condicionalismos definidos pelos arts. 358º e 359º do Cód. de Processo Penal.
É, pois, precisamente neste fundamental enquadramento que surge o instituto da alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, o qual visa, precisamente, que em sede de julgamento sejam asseguradas as garantias de defesa ao arguido, pretendendo a lei processual penal que este não venha a ser julgado e condenado por factos diferentes daqueles por que foi acusado ou pronunciado, ou por factos que lhe não foram dados a conhecer oportunamente – isto é, que venha a ser censurado jurídico-criminalmente com violação do princípio do acusatório, sem que haja tido a possibilidade de adequadamente se defender.
Como se resumiu no Ac.RE de 13/05/2014, proc. 359/11.4PATVR.E1, «O instituto procedimental da alteração de factos [cfr. artigo 1.º n.º 1 alínea f) do CPP] tem por escopo assegurar as garantias de defesa do arguido, prevenindo um julgamento e uma condenação com base em materialidade de facto diversa daquela que, oportunamente, maxime, na acusação, lhe tenha sido comunicada – artigo 32.º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP)».
Os mecanismos previstos nos arts. 358º e 359º do Cód. de Processo Penal viabilizam, pois, a prossecução das finalidades do processo penal, garantindo os direitos de defesa do arguido e o processo justo.
Dando cumprimento processual às exigências assim colocadas, e na parte que aqui particularmente importa considerar, dispõe em especial o art.º 358º do Cód. de Processo Penal, sob a epígrafe «Alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia» o seguinte:
«1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa. 2 - Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa. 3 - O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.»
E é a consideração da absoluta essencialidade do respeito pelos princípios em causa nesta matéria que se traduz em quanto se dispõe, entretanto no nº 1, alínea b) do art.º 379º do Cód. de Processo Penal, que liminarmente comina de nula a sentença «que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º».
No que ao caso releva, importa salientar que com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, foi consagrado, por via do aditamento de um número ao artigo 358.º, n.º 3, do CPP a solução da livre qualificação jurídica dos factos pelo tribunal do julgamento, com reserva da obrigatoriedade de prévia comunicação ao arguido da alteração da qualificação jurídica e da concessão, a requerimento daquele, do tempo necessário à preparação da defesa.
Como salienta Oliveira Mendes, “ao alargar o âmbito de aplicação do instituto [da alteração não substancial dos factos] à alteração da qualificação jurídica dos factos, o legislador visou, também, assegurar as garantias de defesa do arguido, de acordo, aliás, com a Constituição da República, que impõe sejam asseguradas todas as garantias de defesa do arguido – n.º 1 do artigo 32.º -, consabido que a defesa do arguido não se basta com o conhecimento dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, sendo necessário àquela o conhecimento das disposições legais com base nas quais o arguido irá ser julgado (as disposições legais é que definem e estabelecem a natureza jurídica do facto, o tipo de culpa exigido para o seu preenchimento e demais elementos constitutivos, as sanções aplicáveis e outros elementos essenciais para a correcta e adequada defesa do arguido, devendo-se ter em vista que a própria tramitação processual depende da qualificação jurídica dos factos, sendo o que acontece «com a forma do processo, a competência do tribunal e o modo de exercício e a extensão do direito ao recurso” (In “Código de Processo Penal Comentado”, Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça, Almedina, 2014, pág. 1128).
Mas a doutrina e a jurisprudência têm convergido no sentido de considerar que a alteração da qualificação jurídica dos factos, prevista no nº3 do artigo em análise apenas deve ser comunicada ao arguido quando esta alteração é tomada contra ele, implicando um encurtamento inadmissível das possibilidades da sua defesa.
Com efeito, conforme refere o Ac. STJ de 31/10/07, P.07P3271, “o sentido da notificação dos interessados quando se vislumbra a possibilidade de serem alterados não substancialmente os factos ou a qualificação jurídica efectuada, decorre da necessidade de não pôr em causa o seu direito de defesa, o direito de se pronunciarem quanto a elementos surpresa de que não puderam oportunamente defender-se. E isso resulta claramente do preceito transcrito, quando se refere à alteração «não conhecida do arguido. Ora, tal não sucede quando o Tribunal se limita a alterar a qualificação jurídica, “desagravando” um crime de qualificado para simples, por entender que determinada circunstância qualificativa acaba por não ter no caso em apreciação o valor agravativo suposto pela norma; então, não só não se verifica surpresa, pois o interessado já fora chamado a pronunciar-se sobre a circunstância qualificativa que agora se tem por não verificada, como o bem jurídico protegido é o mesmo e se trata de uma reforma para melhoria da qualificação e consequente condenação – cf. Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II, anotação ao art.º 358.º.”
Neste sentido o acórdão do STJ de 12/09/2007, proc. n.º 07P2596, refere que “ É pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que a comunicação ao arguido a que alude o art.º 358.º, n.º 3, do CPP não é necessária quando a alteração da qualificação jurídica redunda na imputação ao arguido de um infração que representa um minus relativamente à da acusação ou da pronúncia, pois o arguido teve conhecimento de todos os seus elementos constitutivos e possibilidade de os contraditar ( v.g., convolação de furto ou de qualquer outro crime qualificado para o tipo simples.” (No mesmo sentido Ac.do STJ de 18/05/2023, proc.23/20.3GABNV.L1.S1 e Ac.RC de 22/03/2023, proc. 791/16.7PBLRA.C1)
Também esta orientação é defendida doutrinalmente.
Maia Gonçalves, entende que “…não é necessária a comunicação ao arguido quando a alteração da qualificação jurídica é para uma infração que represente um “minus” relativamente à da acusação ou da pronúncia, pois o arguido teve conhecimento de todos os seus elementos constitutivos e possibilidade de os contraditar. Aqui podem apontar-se os casos de convolação de furto ou de qualquer outro crime qualificado para o crime simples; (…) (in “Código de Processo Penal”, Almedina, 17.ª ed. pág. 815).
Também Oliveira Mendes, defende que, atenta a ratio do instituto, “… a alteração resultante da imputação de um crime simples ou “menos agravado”, quando da acusação ou da pronúncia resultava a atribuição do mesmo crime, mas em forma qualificada ou mais grave, por afastamento do elemento qualificador inicialmente imputado, não deve ser comunicada, visto que o arguido ao defender-se do crime qualificado ou mais grave se defendeu, necessariamente, do crime simples ou “menos agravado”, ou seja, defendeu-se em relação a todos os elementos de facto normativos pelos quais vai ser julgado – a jurisprudência do Supremo Tribunal tem-se orientado, de forma pacífica, neste preciso sentido, como se vê, entre outros, dos acórdãos de 02.07.17, 03.11.12, 04.03.10, 06.04.06, 06.05.10, 06.06.14 e 07.10.13, proferidos nos Processos n.ºs 3158/02, 1216/03, 4024/03, 658/06, 1290/06, 1415/06 e 3271/07.” (in obra e local citados).
Efectuadas estas genéricas considerações, revertamos à questão em concreto suscitada pelo arguido/recorrente nesta parte do seu recurso.
O art.207º nº1 do Código Penal, consagra o tipo fundamental da burla, estabelecendo que «Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.».
Ao estabelecer no seu n.º 3 que «o procedimento criminal depende de queixa», o legislador atribuiu à burla simples a natureza de crime semipúblico - sem prejuízo de nas situações enunciadas no art.207.º, do Código Penal, o crime de burla revestir natureza particular, por o procedimento criminal ficar dependente de acusação particular.
O referido normativo prevê ainda a possibilidade de aplicação do disposto no art.º 206º do Código Penal, conforme resulta do nº 4 do citado normativo.
O art.º 208.º do Código Penal, prevê a burla qualificada, estabelecendo dentro do tipo dois graus ou escalões de qualificação: um previsto no n.º 1 e, outro, no n.º 2, a que correspondem molduras penais diferentes.
Tal preceito determina ainda que:
«3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 206.º
4 - O n.º 1 do artigo 206.º aplica-se nos casos do n.º 1 e das alíneas a) e c) do n.º 2.»
Por fim, o art.206.º do Código Penal, estabelece:
«1 - Nos casos previstos nas alíneas a), b) e e) do n.º 1, na alínea a) do n.º 2 do artigo 204.º e no n.º 4 do artigo 205.º, extingue-se a responsabilidade criminal, mediante a concordância do ofendido e do arguido, sem dano ilegítimo de terceiro, até à publicação da sentença da 1.ª instância, desde que tenha havido restituição da coisa ou do animal furtados ou ilegitimamente apropriados ou reparação integral dos prejuízos causados.
2 - Quando a coisa ou o animal furtados ou ilegitimamente apropriados forem restituídos, ou tiver lugar a reparação integral do prejuízo causado, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância, a pena é especialmente atenuada.
3 - Se a restituição ou a reparação forem parciais, a pena pode ser especialmente atenuada.».
No presente processo o Ministério Público acusou o recorrente pelo crime de burla qualificada, previsto e punido, pelo artigo 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, por referência ao artigo 202.º, alínea a), todos do Código Penal.
Realizado o julgamento veio o mesmo a ser condenado pela prática de um crime de burla simples previsto e punido, pelo artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), num total de €770,00 (setecentos e setenta euros), para além das custas do processo, sendo o mesmo absolvido da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, previsto e punido, pelas disposições conjugadas nos artigos 217.º, n.º 1, 218.º, n.º 1, e 202.º, alínea a), todos do Código Penal, não tendo o Tribunal a quo usado do instituto previsto no art.358º do Cód. Processo Penal.
Seria de exigir tal?
Liminarmente, a resposta só pode ser negativa.
Como ficou explanado supra, tal instituto impõe a comunicação de alteração da qualificação jurídica constante da acusação ou da pronúncia, quando se demonstre que o arguido tem necessidade de alegar algo que antes não tenha previsto e alegado, isto é, de preparar uma nova defesa, já que se traduz num imperativo do princípio do contraditório e da salvaguarda de uma defesa eficaz por parte do arguido.
No caso concreto, a exigência dessa comunicação não se verifica, porquanto mantendo-se a factualidade da acusação a alteração da qualificação jurídica não constituiu uma agravação da sua posição processual, mas antes um “minus” relativamente à mesma acusação, centrada apenas no montante do valor do prejuízo.
O arguido apresentou contestação penal, onde invocou os seus argumentos relativamente à acusação que sustentava um valor global de €7.258,74, mas que se desdobrava nos seguintes termos:
Que no dia 07.02.2021 o ofendido BB teria efectuado o pagamento indevido de € 1.837,00, no dia 11.02.2021 de € 3.584,00 e no dia 25.03.2021, induzido em erro pelo arguido, de € 1.837,74.
Sucede que efectuado o julgamento, o tribunal a quo entendeu que relativamente ao pagamento de €3.584,00, apenas o valor de €322,11 seria indevido, pelo que entendeu que o prejuízo global causado seria apenas de €3.996,85 e fê-lo porque entendeu que a contrário do sustentado na acusação, entendeu dar como não provado que os trabalhos referidos no ponto 5 dos factos não ocorreram por causa imputável ao arguido, facto colocado em causa pelo arguido em sede de contestação, divergindo apenas no valor que o arguido digitou no terminal de pagamento e que o BB julgava ser o valor combinado no referido ponto 5 (mas que já era igualmente mencionado na acusação).
Em suma, o arguido sempre teve conhecimento de todos os factos que lhe eram imputados e a não comunicação da convolação do crime de burla qualificada, para a prática do mesmo crime na sua forma simples, por mera alteração do valor do prejuízo é tão só um minus relativamente à acusação e não violou quaisquer garantias de defesa do ora recorrente consagradas nos artigos 358º nº 3 do C.P.P. e 32º nº 1 da C.R.P., que a pode exercer em pleno, pois teve conhecimento de todos os seus elementos constitutivos e possibilidade de os contraditar.
Sustenta, o recorrente, que seria muito relevante para a defesa do arguido “uma vez que o crime de burla simples, existindo restituição e concordância do ofendido, possibilita a extinção da responsabilidade criminal (art.º 206 do CPP).” (sic)
Não se compreende sequer o alcance da alegação do recorrente, porquanto o crime pelo qual o mesmo vinha acusado, crime de burla qualificado, nos termos do art.217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, por referência ao artigo 202.º, alínea a), todos do Código Penal possibilitava já a aplicação de tal instituto, por força da remissão do nº4 do art.218º.
Sustentar agora que só em virtude da convolação é que o mesmo poderia utilizar tal instituto mostra-se destituído de qualquer sentido.
Para além disso, como acima se disse, o disposto no art.358º do Cód. Processo Penal pretende assegurar as garantias de defesa ao arguido, de modo a que este não venha a ser julgado e condenado por factos diferentes daqueles por que foi acusado ou pronunciado, ou por factos que lhe não foram dados a conhecer oportunamente, não contendendo com tal a faculdade ou não de recurso aos mecanismos previstos no art.º 206º do Cód. Processo Penal, “solução legal que insere no que vem sendo designado como justiça restaurativa (restorative justice), em que a reparação do dano, sobretudo nos crimes patrimoniais, seria adequada e suficiente para satisfazer as necessidades de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade das normas violadas”. (Ac.RP de 17/09/2014, proc. 844/09.8TAMAI.P1).
Improcede assim a nulidade invocada pelo arguido.
b) Da insuficiência da prova para a matéria de facto provada dos pontos 5 e 6.
Insurge-se o arguido contra a redacção dos factos 5 e 6 dos factos provados, sustentando uma outra, para em última instância entender que o arguido deve ser absolvido da prática de um crime de burla no valor de €322.11, porquanto não se pode concluir que a modificação tinha um custo de €3.261,89, e que o BB ao pagar o valor de €3.584.00 julgava que estava a pagar o anterior valor, sendo certo que utiliza técnica recursiva não linear e estanque, amiúde reiterando e recuperando argumentos, de forma pouco compreensível e confusa.
Ainda assim, é evidente que o mesmo pretende colocar em causa a matéria de facto dada como provada e substituí-la por outra que entende mais correcta.
Estamos sem dúvida caídos no campo da impugnação da matéria de facto.
Como é consabido, a decisão da matéria de facto em sede de recurso pode ser sindicada por duas vias alternativas:
– no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º nº2 do Cód. de Processo Penal, a que se convenciona chamar de revista alargada,
– ou através da designada impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º nº3/4/6, do mesmo diploma.
No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido art.º 410.º, cuja indagação, como resulta imposto do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento ; no segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art.º 412º do Cód. de Processo Penal.
A questão agora nesta parte suscitada pelo recorrente gravita, evidentemente, no âmbito do segundo dos caminhos expostos.
O erro de julgamento, consagrado no artigo 412º nº 3 do Cód. de Processo Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado; ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, ampliando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art.º 412º do Cód. de Processo Penal – isto é, nesta situação o recurso quer reapreciar concretos segmentos de prova produzida em primeira instância, havendo assim que a reproduzir tale quale em segunda instância, por forma a apreciar da verificação da específica deficiência suscitada.
Notar-se-á, não obstante, que nos casos de tal impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, mas antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, e sempre na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
E é exactamente por o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituir um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, os aludidos erros que o recorrente deverá expressamente indicar, que se impõe a este o ónus de proceder a uma especificação sob três vertentes, conforme estabelecido no art.º 412º nº 3 do Cód. de Processo Penal, onde se impõe que, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar :
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados,
b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida,
c) as provas que devem ser renovadas.
A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens [das gravações] em que se funda a impugnação [não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos], pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes [n.º 4 e 6 do artigo 412.º do Código de Processo Penal]4.
Como realçou o STJ, no acórdão de 12-06-2008, a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que se debruçando sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b), do nº 3, do citado artigo 412.º do Código de Processo Penal] [sublinhado nosso].
Por isso, haver prova produzida em sentido contrário, ou diverso, ao acolhido e considerado relevante pelo Tribunal a quo não só é vulgar, como é insuficiente para, só por si, alterar a decisão em sede de matéria de facto.
Em suma, para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente de especificar, nas conclusões, quais os pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, quais as provas [específicas] queimpõem decisão diversa da recorrida, demonstrando-o, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as [se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados] ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos [quando na ata da audiência de julgamento se faz essa referência - o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens]. “Importa, portanto, não só proceder à individualização das passagens que alicerçam a impugnação, mas também relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova susceptível de impor essa decisão diversa com o facto individualizado que se considera incorrectamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do n.º 3, do artigo 412.º, do C.P.P., a saber: indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida -, a demonstração desta imposição compete também ao recorrente [sublinhado nosso]. (Acórdão do TRL, desta 5.ª Secção, datado de 16-11-2021, Processo n.º 1229/17.8PAALM.L1-5).
Revertendo ao caso dos autos, temos que desde logo em cumprimento da primeira vertente da especificação aqui exigida, e imposta na alínea a) do art.º 412º nº3 do Cód. de Processo Penal, tendo o recorrente enunciado válida e especificadamente os pontos da matéria de facto provada cujo julgamento impugna, propugnando que a materialidade vertida nos mesmos deveria ser alterada, mormente os pontos 5 e 6 da matéria de facto dada como provada.
Analisemos, pois, procurando seguir o percurso efectuado pelo arguido recorrente nesta parte do seu recurso.
Os segmentos da matéria de facto provada relativamente ao qual o recorrente faz incidir a impugnação do respectivo julgamento é o seguinte: 5. No dia 11.02.2021, e porque BB tinha anteriormente manifestado interesse em mudar a instalação elétrica da sua residência, o arguido deslocou-se novamente à residência referida em 1., fez-se acompanhar do terminal de pagamento de ATM, disse-lhe que a modificação tinha um custo de € 3.261,89, que BB aceitou, exigindo-lhe o arguido que, previamente, à modificação procedesse ao pagamento desse valor. 6. Nesse dia, pelas 15h53m, o arguido digitou no terminal de pagamento o valor de € 3.584,00 que BB julgava ser o valor combinado em 5., introduziu o seu cartão de multibanco no terminal e pagou. In casu, o que o recorrente coloca em causa, num discurso confuso, como referimos já, é que o Tribunal a quo não poderia ter considerado que o valor dos trabalhos que o ofendido pretendia contratar eram tão só os que constavam do orçamento junto aos autos, e que como tal, ao proceder ao pagamento dos €3.584,00 não se pode igualmente concluir que o mesmo apenas pretendia pagar o valor de €3.261,89, e que o fazia induzido em erro pelo arguido.
A sentença recorrida sustenta tal factualidade na conjugação do depoimento do queixoso BB e no teor do orçamento de fls. 12, no valor de €3.261,89 e pelo teor dos documentos de fls. 9 e 22, que comprovam que o valor efectivamente pago foi de €3.584,00, e não o constante do orçamento (€3.261,89) e apela às regras da experiência e da normalidade das coisas, que o arguido agiu com o propósito de obter uma vantagem patrimonial indevida, “ora digitando no terminal de pagamento um valor diverso do acordado [factos 5 e 6], tudo sem que BB se apercebesse, fazendo suas as quantias indevidamente recebidas através da conta da sociedade de que era à data dos factos único sócio e gerente.”
Vejamos a prova produzida, sendo certo que os documentos em causa não são colocados em causa.
Ora, a testemunha BB, neste segmento prestou depoimento pouco seguro, mesmo titubeante, e depois de várias tentativas acaba por referir que teria acordado com o arguido na realização de umas obras em casa de sua mãe, que aquele teria referido que eram urgentes, mas instado a explicar o motivo da discrepância entre o que pagou efectivamente (€3.584,00) e o que se mostra referido no orçamento de fls.12 (€3.261,89) foi extremamente lacónico afirmando: Minuto 19:53 Procuradora: foi esta a fatura, mas o valor que aqui consta não corresponde ao mesmo valor que foi transferido? Testemunha: pois não, o resto será para pagar a mão de obra Procuradora: Portanto, além disto, mas aqui já constava a mão de obra na fatura? Testemunha: Peço desculpa, posso ver novamente o valor de transferência, (…) Minuto 20:36 P: e ao fazer o pagamento não se apercebeu que era superior ao da fatura? T: Se reparei, possivelmente achei que fosse algum extra Procuradora: Que tivesse a ver com mais alguma coisa que faltava na factura é isso?
Decorre da gravação que a testemunha terá anuído, uma vez que não foi mais perguntado sobre tal.
Deste depoimento resulta que a testemunha respondeu de forma imediata que se tivesse pago a mais é porque haveria algo que faltaria no orçamento (que o mesmo incorrectamente apelida de factura), referindo de forma espontânea que teria a ver com mão-de-obra, e apenas quando é instado sobre o facto de a mão-de-obra já figurar na mesma é que fica em dúvida, mas ainda assim, afirma que se trataria de um qualquer extra.
Apenas verbaliza que poderia não ter reparado no valor que lhe era pedido e que figurava no ATM quando afirma “se reparei”, para logo de seguida encadear tal possibilidade com um inequívoco, “achei que fosse algum extra”.
Deste depoimento resulta de forma muito clara duas conclusões: que para além do orçamento algum ou alguns outros valores eram devidos pela testemunha, pois só assim se explica a forma espontânea como o mesmo não manifestou qualquer estranheza sobre a discrepância entre o que pagou e o que estava orçamentado, e umbilicalmente ligado, que o motivo determinante para o pagamento de um valor superior ao que constava do orçamento não se deveu a um qualquer artificio ou ter sido induzido em erro pelo arguido, animado do propósito de o levar a dispor de quantias que não eram devidas, não existindo qualquer prova relativo a tal.
Já a concreta natureza de tais “extras” não foi possível determinar, atento o depoimento supra referido.
Aliás resulta das regras da experiência e da normalidade que, infelizmente, muitas destas obras realizadas em casas particulares são caracterizadas por uma não correspondência entre o que se factura e o que se realiza, tendo em vista a não facturação total de todas as obras realizadas, mormente tendo em vista evitar o pagamento de impostos.
Do depoimento da testemunha resulta sim que o mesmo se considerava “enganado”, mas pelo facto de a empresa do arguido pouco ou nada ter realizado das obras acordadas e não lhe ter sido devolvido o dinheiro que tinha pago antecipadamente (vd. Minuto 26:25) mas decorrendo igualmente do seu depoimento que foi ele que determinou que as obras parassem (Minuto 26:46).
Assim, afigura-se que não poderia ter o Tribunal a quo concluído que o BB apenas procedeu ao pagamento do valor de €3.584,00 porque não se apercebeu que o arguido tinha digitado tal valor no terminal de pagamento ATM, e pretendia apenas proceder ao pagamento do valor que constava do orçamento que lhe tinha sido entregue, porquanto tal não resulta demonstrado pela prova recolhida em audiência de julgamento.
Concomitantemente não poderia o mesmo concluir igualmente pelo preenchimento dos elementos típicos do crime de burla, relativamente a tal parcela, por falência probatória.
Tendo em atenção as considerações expendidas, será a seguinte a matéria de facto dada como provada no que a este aspecto diz respeito: 5. No dia 11.02.2021, e porque BB tinha anteriormente manifestado interesse em mudar a instalação elétrica da sua residência, o arguido deslocou-se novamente à residência referida em 1., fez-se acompanhar do terminal de pagamento de ATM, tendo apresentado um orçamento escrito de € 3.261,89, exigindo-lhe o arguido que, previamente, à modificação procedesse ao pagamento desse valor e de extras não concretamente apurados. 6. Nesse dia, pelas 15h53m, o arguido digitou no terminal de pagamento o valor de € 3.584,00, que BB aceitou, introduziu o seu cartão de multibanco no terminal e pagou.
Por outro lado, será dado como não provado que “o BB só pagou o valor referido em 6º porque estava convencido que estava a pagar o valor de € 3.261,89.”
Igualmente se alterará a matéria de facto nos pontos que contendem com a modificação a operar, como infra será espelhado.
Em suma, procede o invocado erro de julgamento da matéria de facto efectuado pela recorrente no âmbito da designada revista alargada prevista nos termos do art.º 412º nº3 do Cód. de Processo Penal.
Adiante, findo o percurso pela impugnação em sede de matéria de facto, se consignarão em concreto as alterações a introduzir nesta última relativamente ao que vem consignado na sentença recorrida.
c) Da não verificação dos elementos constitutivos do crime de burla
O Recorrente alega que “o enriquecimento ilegítimo é elemento constitutivo do crime de burla, facto que não foi provado nos autos”.
Vejamos:
Refere o disposto no art.217º do Código Penal que “quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
Assim, para estarmos em presença dos elementos constitutivos deste crime, é necessário que:
a) com o objectivo de obter um enriquecimento, o agente, astuciosamente, induza em erro ou engano o ofendido sobre os factos, consubstanciando, assim, um especial modus operandi;
b) através desses meios, determine o ofendido ou a contra-parte, à prática de actos causadores de prejuízos patrimoniais (ambos elementos objectivos do tipo);
c) os supra-referidos elementos objectivos deverão ser abrangidos pelo dolo do agente que, no entanto, não esgota a vertente subjectiva deste tipo legal de crime, dado ser-lhe indissociável uma particular intenção, um “dolo específico”, traduzido pela intenção de obter um enriquecimento ilegítimo.
O bem jurídico protegido por tal crime é o património, globalmente considerado, «como o conjunto de todas as “situações” e “posições” com valor económico detidas por uma pessoa e protegidas pela ordem jurídica» [Almeida Costa, “Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial”, Tomo II, pág. 279.].
Trata-se de um crime de dano, pois só se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infracção (o burlado) ou de um terceiro. Consuma-se o crime com a saída das coisas ou dos valores da esfera de “disponibilidade fáctica” do sujeito passivo ou da vítima, razão por que consubstancia um crime material ou de resultado [Idem, pág. 276].
Por outro lado, é um crime de resultado parcial ou cortado, na medida em que se caracteriza por uma “descontinuidade” ou “falta de congruência” entre os correspondentes tipos subjectivo e objectivo, porquanto, exigindo-se que o agente actue com a intenção de obter - para si ou para outrem - um enriquecimento ilegítimo, a consumação do crime não depende da concretização desse enriquecimento, bastando que, ao nível do tipo objectivo, se observe o empobrecimento (dano) da vítima.
Por último, a burla integra um delito de execução vinculada, no qual a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência da utilização, pelo agente, de um meio ardiloso, que induza a outra pessoa em erro, de molde a levá-la a praticar actos que lhe causem prejuízo.
O que pressupõe um duplo nexo de imputação objectiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de actos tendentes a uma diminuição do património e entre estes actos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial [Idem, pág. 293].
Aqui chegados, verifica-se que o recorrente labora em erro, porquanto, como vimos, para a consumação do crime de burla não é necessário o enriquecimento ilegítimo do agente, bastando-se com o empobrecimento da vítima, o que aquele nem coloca em causa.
E tal não parte de qualquer presunção, mas sim da construção do tipo legal em causa, que não o exige, sem que tal seja violador de qualquer princípio constitucional de presunção de inocência.
Mas afigura-se que o recorrente o que verdadeiramente pretende colocar em causa é que os valores que a vítima foi desapossada tenham tido como destino o mesmo e como tal não se provou não poderia ter sido condenado
Refere o mesmo, em conclusão, que “os comprovativos de pagamento não têm a indicação da conta de destino, apenas uma indicação um nome que pode ser (como se viu) inventado.”, partindo daí para a conclusão que a sentença assentou numa presunção.
Não lhe assiste qualquer razão.
O que se mostra provado é que o ofendido transferiu dinheiro seu, induzido em erro pelo Recorrente, através de um terminal de pagamento de ATM que este trazia para a conta de uma sociedade que lhe pertencia.
Ora, para além do prejuízo patrimonial causado ao ofendido, por meio de erro ou engano sobre factos astuciosamente provocados pelo Recorrente, para o preenchimento dos elementos constitutivos do crime de burla basta a intenção, e o enriquecimento ilegítimo pode ser obtido para terceiro, daí ser irrelevante saber se a conta de destino é ou não do Recorrente, apesar de ser facto provado que o Recorrente era, à data dos factos, o único sócio e gerente da firma ..., uma sociedade unipessoal por quotas cujo nome comercial/fantasia era ..., estando provado que o montante do prejuízo patrimonial que o ofendido sofreu foi retirado da sua conta por intermédio da utilização do referido terminal de pagamento de ATM que o Recorrente trazia.
Refere o arguido recorrente que a fundamentação da sentença assenta numa presunção o que determinaria que a mesma seria ilegal por violação do art.º 1 do Cód. Penal e art.º 32, nº 2 da CRP.
Não lhe assiste qualquer razão, sendo a utilização de presunções naturais por parte do julgador admitido na doutrina e jurisprudência de forma unânime.
Conforme refere o Ac.RP de 18/03/2015, proc. 400/13.6PDPRT.P1 «I – Quer a prova directa, quer a prova indirecta são modos, igualmente legítimos, de chegar ao conhecimento da realidade (ou verdade) do factum probandum. II – Em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (art.º 125.º do Cód. Proc. Penal), pelo que não pode ser excluída a prova por presunções (art.º 349.º do Cód. Civil), em que se parte de um facto conhecido (o facto base ou facto indiciante) para afirmar um facto desconhecido (o factum probandum) recorrendo a um juízo de normalidade (de probabilidade) alicerçado em regras da experiência comum que permite chegar, sem necessidade de uma averiguação casuística, a um resultado verdadeiro.».
No que tange às regras ou requisitos impostos sobre a apreciação da prova indirecta pelo tribunal, e não estabelecendo a lei processual penal regime específico nesta matéria, é aplicável também aqui o princípio geral de livre apreciação da prova, previsto no art.º 127º do Cód. de Processo Penal, que exactamente prevê que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
A livre apreciação da prova tem sempre de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão de modo a que seja possível, por qualquer pessoa, entender porque é que o tribunal se convenceu de determinado facto, ou, dito de outro modo (porque é que o juiz conferiu credibilidade a uma testemunha e descredibilizou outra, por exemplo).
O que o juiz não pode fazer nunca é decidir de forma imotivada ou seja, decidir sem indicar o iter formativo da sua convicção, «é o aspecto valorativo cuja análise há-de permitir (...) comprovar se o raciocínio foi lógico ou se foi racional ou absurdo» (cfr. Germano Marques da Silva, in ‘Curso de Processo Penal’, II, pág. 126 e segs.).
Ou seja, estamos perante um princípio basilar que, não obstante, não pode fazer perder de vista os próprios limites inerentes ao mesmo - e que determinam, acima de tudo, que não se está perante um poder discricionário, a usar pelo mesmo julgador sem qualquer critério. Na verdade, embora qualquer decisão do julgador penal assente na sua livre convicção, certo é que o processo de formação dessa mesma convicção é em si mesmo vinculado e sujeito a regras.
No que à valoração da chamada prova indirecta diz respeito, traduz–se isto em que o fundamento da sua credibilidade está igualmente dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, nada impedindo que, devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios e acordo com as regras da experiência, permita fundamentar a condenação.
Assim, fundando–se embora em presunções naturais – ou seja, em ilações que se retiram de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido –, essas ilações devem ser suportadas por um exercício motivado e claro que se revele conforme com regras de experiência especialmente reportadas ao contexto do caso em análise, e que permita afastar quaisquer dúvidas sobre a ocorrência do facto probando que por essa via se demonstra.
Nesta parte recorda–se o percurso da análise probatória levado a cabo pelo tribunal recorrido:
“Assim, o Tribunal fundou a sua convicção com base na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência [declarações do queixoso BB e da testemunha CC], conjugada com a prova documental junta aos autos, de fls. 8 a 11, 12 e 15 a 16, 13, 22, 42 a 46, 47, 83 e 84, 95 e 98 a 101, procurando-se os seus pontos de convergência e/ou dissonância, à luz de critérios de experiência e normalidade de vida e nos termos do disposto no artigo 127.º Código de Processo Penal. Isto dito, concretizemos. Factos 1 a 13, 15 e 16: O queixoso BB, num depoimento espontâneo e que se afigurou sincero, relatou as circunstâncias em que o arguido se deslocou à sua habitação e em que foram efectuados todos os pagamentos em causa nos autos, relatando com suficiente pormenor todos os factos descritos nos pontos 1 a 13 e 16. Acresce que o seu depoimento mostra-se totalmente corroborado pelos elementos documentais juntos aos autos. Com efeito, o valor dos serviços prestados pelo arguido no dia 06.02.2021 mostra-se documentado na factura de fls. 15 e 16, emitida pela sociedade ..., no valor de €1.837,50 cujo comprovativo de pagamento se mostra junto a fls. 10. Por seu turno, os pagamentos «em duplicado» referentes a esta factura mostram-se documentados pelos documentos bancários de fls. 11 e 22, sendo ainda de relevar o teor do documento de fls. 13 que se reporta ao comprovativo de transferência bancária que o arguido remeteu ao queixoso com vista a convencê-lo de que teria procedido à devolução dos pagamentos em duplicado e, bem assim, o teor do ofício do ... de fls, 42, que atesta que tal transferência, no valor de €3.674,00 não foi realizada por não ter sido autorizada, tendo a este propósito sido esclarecido em audiência pela testemunha CC, funcionária do BPI, que a conta titulada pela sociedade do arguido não dispunha de saldo disponível para o efeito. (…) O facto 14 resultou provado do teor dos documentos de fls. 43 a 46, 98 a 101, 12 e 15, que comprovam que a conta de destino dos pagamentos realizados por BB é titulada pela sociedade ..., que usa a designação ..., sendo que tal sociedade era - à data dos factos- uma sociedade unipessoal por quotas cujo único sócio e gerente é a pessoa do arguido (fls. 99 e 99v). Os factos 17 e 18 resultaram provados por outra não pode ter sido a motivação e o conhecimento do arguido em face dos comportamentos por si exteriorizados e julgados como provados nesta sede, de acordo com as máximas da experiência e da normalidade das coisas (tendo, por contraposição, resultado não provados os factos C e D). Com efeito, atentas as comprovadas circunstâncias em que ocorreram os factos, não é crível a tese avançada pelo arguido em sede de contestação, desde logo quando alega que o primeiro pagamento em duplicado se deveu a um erro do sistema bancário. De facto, em primeiro lugar, é de notar que no primeiro pagamento em «duplicado» o arguido digitou no terminal de pagamento uma quantia ligeiramente diferente do pagamento inicial- digitou o valor de €1.837,00 ao invés de €1.837,50 - tendo o tribunal criado a convicção de que, contrariamente ao alegado pelo arguido, tal diferença de €0,50 foi propositada, precisamente para evitar que o sistema bancário detectasse algum erro na operação atenta a sequência temporal desses dois pagamentos. Por outro lado, também não é crível que no dia 25 de janeiro de 2021 o arguido também estivesse em erro quanto à forma de utilização do terminal de pagamento para a suposta devolução da quantia paga em excesso, tanto que, a verdade é que o arguido não só não devolveu a quantia paga em excesso nessa operação (antes voltou a cobrar um novo valor), como nunca o fez até ao presente, tendo ainda simulado a realização de uma transferência que nunca foi concretizada. Donde, à luz das regras da experiência e da normalidade das coisas, é por demais evidente que o arguido agiu com o propósito de obter uma vantagem patrimonial indevida, que ascendeu à quantia global de 3.674,74 (1.837,00€+1.837,74€) (correcção nossa) induzindo o queixoso em erro no momento dos pagamentos, ora cobrando quantias «em duplicado» [factos 3 e 4 e 8], (…) fazendo suas as quantias indevidamente recebidas através da conta da sociedade de que era à data dos factos único sócio e gerente.”
E julga–se que não é merecedor de crítica este percurso analítico efectuado pela primeira instância, e as conclusões probatórias extraídas do mesmo.
O mesmo assenta em indícios claros e robustos, encadeados de acordo com um caminho cujos passos são sustentados pela lógica e pelo que inculcam as regras de experiência, reportadas ao normal acontecer perante uma situação em que alguém consegue, através de erro ou engano, levar a que outro lhe entregue quantias monetárias que são encaminhadas para uma conta bancária de uma empresa da qual aquele era o seu único sócio. Das regras da experiência e da normalidade nenhuma outra conclusão se pode retirar que não seja o arguido o destinatário último dessas quantias e delas se tenha apoderado.
Assim, nenhuma censura merece a sentença recorrida nesta parte.
*
Aqui chegados, e completado, pois, o percurso pela impugnação da decisão sobre a matéria de facto suscitado por via do presente recurso, cumpre fazer aqui funcionar a possibilidade concedida a esta instância de alteração da matéria de facto nos termos do art.º 431º al. b) do Cód. de Processo Penal – onde se dispõe que a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada, e nomeadamente, «se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º».
Assim, em conformidade com quanto vem de se decidir, e na medida correspondente, será de alterar a matéria de facto provada e não provada consignada em sede de sentença recorrida, nos termos a seguir consignados.
Tais alterações são aquelas que decorrem directamente dos pontos especificamente impugnados, e as que, no restante elenco da matéria de facto, cumprirá também alterar como decorrência necessária e inevitável daquelas primeiras.
Por forma a melhor apreender a globalidade das alterações em causa, opta–se por reproduzir integralmente o teor da matéria de facto, com aposição de negritos e sublinhados nas partes objecto de alteração. Em suma, a matéria de facto a considerar em definitivo como provada e não provada é a seguinte:
FACTOS PROVADOS
1. No dia 06.02.2021, pelas 23h30m, o arguido deslocou-se à residência de BB, sita na ... em Calhandriz, para reparar o quadro eléctrico da referida habitação, tendo dito a este que a reparação ascendia à quantia de € 1.837,50, fez-se acompanhar de um terminal de pagamento de ATM e digitou esse valor no terminal.
2. No dia 07.02.2021, pelas 01h58m BB introduziu o seu cartão de multibanco no terminal e inseriu o código pessoal tendo pago o valor referido em 1.
3. No final da operação referida em 2. o arguido disse a BB que o pagamento não se tinha concretizado porque tinha havido mau contacto entre o seu cartão de multibanco e o terminal de pagamento, digitou o valor de € 1.837,00 e solicitou-lhe que efectuasse novo pagamento no valor de € 1.837,00, tendo este concordado.
4. Assim, no dia 07.02.2021, pelas 01h59m, BB voltou a introduzir o seu cartão de multibanco no terminal, inseriu o código pessoal e pagou o valor referido em 3, não se tendo apercebido da alteração do valor efectuado pelo arguido.
5. No dia 11.02.2021, e porque BB tinha anteriormente manifestado interesse em mudar a instalação elétrica da sua residência, o arguido deslocou-se novamente à residência referida em 1., fez-se acompanhar do terminal de pagamento de ATM, tendo apresentado um orçamento escrito de € 3.261,89, exigindo-lhe o arguido que, previamente, à modificação procedesse ao pagamento desse valor e de extras não concretamente apurados.
6. Nesse dia, pelas 15h53m, o arguido digitou no terminal de pagamento o valor de € 3.584,00, que BB aceitou, introduziu o seu cartão de multibanco no terminal e pagou.
7. No dia 17.03.2021 BB apercebeu-se, na sequência do contacto do seu gestor de conta, que tinha pago duas vezes o mesmo valor e contactou o arguido.
8. No dia 25.03.2021, pelas 17h15m, o arguido deslocou-se à residência referida em 1., fez-se acompanhar de terminal de pagamento de ATM, digitou a quantia de € 1.837,74 e disse a BB que só lhe conseguiria devolver o valor de € 1.837,74 se ele introduzisse o cartão de multibanco no terminal, o que este aceitou e fez, inserindo inseriu o código pessoal.
9. Nesse mesmo dia 25.03.2021, em hora não concretamente apurada, mas depois das 17h15m, BB apercebeu-se que não tinha entrado na sua conta o valor de €1.837,74, que tinha efectuado novo pagamento nesse montante, e contactou o arguido.
10. Ainda nesse dia 25.03.2021, pelas 20h00m, o arguido enviou a BB, através da aplicação Whatsapp, um comprovativo de uma transferência no valor de € 3.674,00, que nunca foi realizada.
11. No dia 07.02.2021 BB efectuou pagamentos de € 1.837,50 (correspondente ao valor do serviço prestado) e de € 1.837,00, no dia 11.02.2021 de € 3.584,00, e no dia 25.03.2021, induzido em erro pelo arguido, introduziu o seu cartão de multibanco no terminal e efectuou um pagamento de € 1.837,74, tudo conforme combinado com o arguido, quantias essas que o arguido fez suas, dando-lhes o destino que entendeu.
12. BB só pagou a quantia referida em 3. porque acreditou, conforme o arguido lhe disse, que o pagamento não se tinha realizado devido a um problema de mau contacto com o terminal.
13. BB só inseriu o cartão de multibanco no terminal na situação referida em 8. porque acreditou, conforme o arguido lhe disse, que só assim o valor de € 1.837,74 lhe era devolvido.
14. A conta bancária n.º ..., do ..., é titulada pela empresa ..., cujo nome comercial/fantasia é ... e da qual o arguido era, e é, sócio e gerente.
15. O arguido disse a BB que tinha havido um problema de mau contacto do cartão com o terminal de pagamento, digitou no terminal um valor que não correspondia ao acordado e disse-lhe que era necessário que este introduzisse o seu cartão no terminal, levando-o a crer que o pagamento não tinha sido por si feito e que as quantias por si pagas em duplicado ser-lhe-iam devolvidas.
16. Ate à presente data, o arguido não devolveu as quantias pagas indevidamente por BB, provocando-lhe um prejuízo patrimonial no valor global de €3.674,74.
17. Com as condutas referidas em 3, 8, 10 e 15 o arguido agiu com o propósito, concretizado, de obter vantagem patrimonial a que sabia não ter direito, que de outra forma não obteria e que sabia que não lhe era devido, fazendo suas as quantias recebidas e, assim, causando a BB um prejuízo de montante equivalente.
18. O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
Mais se provou:
19. O arguido é …, auferindo, em média, a quantia de €1.000,00 mensais;
20. Vive com a companheira, que trabalha como … auferindo a quantia de €850,00, e um filho de 13 anos de idade;
21. Vive em casa arrendada, pagando a quantia de €1.100,00 por mês;
22. Tem um crédito pessoal cuja prestação mensal é de €146,00, que se encontra em incumprimento há cerca de 2 anos;
23. Tem o ensino secundário;
24. Não tem antecedentes criminais.
FACTOS NÃO PROVADOS
Da acusação
A. Ate à presente data, e ao invés do acordado, o arguido não prestou os serviços referidos em 5.;
B. O arguido nunca pretendeu prestar, como não prestou, o serviço elétrico acordado em 5. a BB;
C. Que o BB só pagou o valor referido em 6º porque estava convencido que estava a pagar o valor de € 3.261,89.
Da contestação
D. Que o valor de €1.837,00 tenha sido cobrado em duplicado ao ofendido devido a um erro do sistema de cobrança;
E. Que o valor de €1.837,47 só não foi transferido para os queixosos no dia 25/03/2021 devido ao facto de o arguido não ter entendido bem as instruções dadas pelo Banco para o efeito.
F. Em 2021, a empresa deixou de conseguir cumprir com as suas obrigações fiscais, teve vários clientes que não pagaram os trabalhos efectuados, pelo que ficou numa má situação financeira, tendo cessado a sua actividade nesse ano.
Nesta sequência, e como acima já se advertiu também, cumpre fazer reflectir as alterações assim introduzidas em sede de matéria de facto quer em sede de reponderação das consequências penais aplicáveis no caso.
Efectivamente, decorre desde logo do art.º 403º nº 3 do Cód. de Processo Penal que «A limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida».
É quanto se passa a fazer.
Assim, e no que respeita à responsabilidade criminal do arguido, as alterações da matéria de facto acima determinadas em nada obstam, como já se disse, ao preenchimento dos pressupostos típicos, de ilicitude e de culpa, reportados ao crime de burla simples, previsto nos termos do art.º 217º do Cód. Penal, sendo, nessa medida, indiscutível a qualificação jurídico–penal efectuada pelo tribunal de primeira instância.
Não oferece dúvidas, pois, a condenação do arguido pela prática do crime em causa.
Já quanto à determinação das consequências penais no caso, vejamos se se impõe alterar a decisão recorrida.
Na verdade, e como é consabido, como factores de escolha e graduação da pena concreta a aplicar em materialização de uma condenação criminal, há a considerar os parâmetros dos arts. 70º e 71º do Cód. Penal.
A primeira dessas disposições determina que «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
Ou seja, caso no sancionamento de determinado crime se estatua em alternativa pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deverá dar preferência à segunda sempre que tal se revele adequado e suficiente à protecção dos bens jurídicos em causa com a criminalização, e a socialização do agente do crime (cfr. art.º 40º do Cód. Penal).
Ora, in casu, sendo o crime de burla punível com pena de prisão ou de multa, o tribunal a quo já estipulou a opção pela pena de multa, opção que é indiscutível – desde logo por via da inviabilidade de esta instância, atenta a circunstância de o recurso haver sido interposto exclusivamente pelo arguido, não poder modificar, na sua espécie ou medida, a sanção constante da decisão recorrida em prejuízo deste (é o que impõe o princípio da proibição do reformatio in pejus, plasmado no art.º 409º nº1 do Cód. Penal), adiantando–se ainda assim que se julga ser essa opção perfeitamente justificada e adequada no caso.
Mas já quanto à medida da pena de multa aplicada, e cuja moldura abstracta é de 10 a 360 dias, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 217º nº 1 e 47º nº 1 do Cód. Penal, a fixação da medida concreta da mesma deve estabelecer–se de acordo com os parâmetros do art.º 71º do Cód. Penal, isto é, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção da prática de condutas criminalmente puníveis, devendo atender-se a todas as circunstâncias que - não fazendo parte do tipo de crime - depuserem a favor ou contra o arguido.
Na sentença recorrida já se elencam, como forma de enquadramento das necessidades penais aqui impostas, os essenciais elementos com relevo também para a determinação da medida concreta da pena aqui agora em causa, e que não se devem considerar já valorados na tipificação do crime objecto de punição.
E em resultado de tal exercício, vem o arguido condenada na pena concreta de 140 dias de multa, à taxa diária de €5,50.
Entre os factos considerados em sede de sentença se consignou designadamente – e bem, atenta a matéria de facto ali tida por assente – «o nível de ilicitude, que se afere por elevado atendendo ao valor do prejuízo patrimonial causado» – sublinhados agora apostos.
Ora, como vem de se decidir, a matéria de facto provada a considerar nesta sede mostra–se alterada de forma muito reduzida, pois o prejuízo patrimonial sofrido pelo ofendido passou de €3.996,85 para €3.674,74.
Desta forma o grau de ilicitude da actuação do arguido, quer ao nível do desvalor da acção, quer do respectivo resultado, reduziu-se de forma marginal face ao que foi considerado em sede de sentença, não sendo tal de modo a reduzir o nível de ilicitude da conduta do arguido.
Não podemos escamotear que o valor de que o arguido se apropriou é o equivalente a mais de 4 vezes o salário mínimo nacional, pelo que o mesmo tem um enorme peso na maioria dos agregados familiares portugueses.
Ora não pode deixar de se considerar que a condenação do Tribunal recorrido foi extremamente benevolente, pecando por defeito na fixação da medida concreta da pena.
Numa moldura penal entre os 10 aos 360 dias, o Tribunal a quo situou a medida da pena na metade inferior da mesma, sem que decorra dos elementos apurados qualquer tentativa do arguido em atenuar o prejuízo do ofendido, e sendo, como se referiu já, elevada a ilicitude da conduta do arguido.
Desta forma entende-se de manter a pena aplicada pelo tribunal recorrido, pese embora a alteração da matéria de facto acima referida.
III- DISPOSITIVO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, e, em conformidade:
1º. Altera–se a matéria de facto provada e não provada considerada em sede de sentença, nos termos e no sentido consignados no ponto II – 4 b) da presente decisão;
2º. No mais, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Sem custas, nos termos do que decorre do preceituado no artigo 513º, nº 1 a contrario do Cód. Processo Penal.
Notifique nos termos legais.
»
Lisboa, 22 de Outubro de 2024 (O presente acórdão foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos – art.º 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - encontrando-se escrito de acordo com a antiga ortografia)
Os Juízes Desembargadores,
João Grilo Amaral
Sandra Oliveira Pinto
Rui Poças
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1. Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.
2. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113.
3. Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995.
4. Conforme acórdão do S.T.J, n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012.