MEDIDA DA PENA
CONDIÇÕES PESSOAIS DO ARGUIDO
TOXICODEPENDÊNCIA
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário

I. Na determinação da medida da pena a aplicar a um arguido com 21 anos, acusado de um crime com uma moldura penal que se situa em patamares muito elevados, ligado ao mundo da toxicodependência, o apuramento das suas condições pessoais e económicas é um elemento determinante para uma decisão conscienciosa, podendo e devendo o tribunal a quo realizar as diligências investigatórias para o efeito.
II. Tal não acontece se não verificou que na data em que o mesmo deveria ter comparecido perante a DGRSP o mesmo se encontrava já detido, pelo que tal omissão lhe não era imputável, e logo aí deveria ter diligenciado pela realização do referido relatório, e mesmo aceitando-se que se poderia bastar pela obtenção de algumas informações tendo por base as suas declarações (o que face à idade do mesmo e à moldura penal do crime de que se encontrava acusado se afigura de difícil compaginação), tal nunca tal veio a ocorrer.
III. A pedra de toque para a conclusão que a omissão na sentença dos factos relevantes para a determinação da pena conduz ao vício previsto no artigo 410º nº 2 al. a) do Cód.Processo Penal, será sempre a inexistência de motivo justificativo da abstenção da acção investigatória pelo tribunal, distinguindo-se daquelas que em que as diligências são infrutíferas, ou porque o arguido se exime dolosamente à realização do relatório, ou das que não comparece em audiência de julgamento, em que não se verifica o mesmo.
IV. Em face do referido vício, deverá ser determinado o reenvio do processo para novo julgamento, cingido à investigação dos factos apontados nos termos dos artigos 426º, nº 1 e 426º-A, do Cód.Processo Penal, devendo ser solicitada a elaboração de relatório social e determinar-se a produção de quaisquer outros meios de prova que se entendam como necessários e adequados, proferindo-se em seguida novo acórdão que se pronuncie quanto às consequências jurídicas desse novo julgamento de facto, nomeadamente em relação à determinação da medida da pena.
(da inteira responsabilidade do relator)

Texto Integral

Acordaram, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
I.1 No âmbito do processo comum colectivo n.º 765/22.9PARGR, que corre termos pelo Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada - Juiz 2, em que são arguidos AA e BB, melhor identificados nos autos, foi proferido acórdão, no qual se decidiu [transcrição]:
“(…)
Face ao exposto, acordam os juízes que integram o tribunal coletivo do Juízo Central - 1ª secção Cível e Criminal - do Tribunal da Comarca dos Açores:
A.
Condenar o AA:
. pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelo artº. 21º, nº. 1 e 24º, al. a) do DL nº. 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-C e II-A, anexas àquele diploma legal, na pena de 7 (sete) anos de prisão;
. pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº. 86º, nº. 1, al. d), por referência ao artº. 3º, nº. 2, al. ab) e artº. 2º, nº. 1, al. m), todos da Lei nº.5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 (um) ano de prisão;
Em cúmulo jurídico fixar a pena única a AA em de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;
B.
Condenar o BB:
. pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelo artº. 21º, nº. 1 e 24º, al. a) do DL nº. 15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-C e II-A, anexas àquele diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;
C.
(…)
E.
Condenar os arguidos AA e BB a pagarem, solidariamente ao Estado o valor das vantagens que obtiveram com a prática do crime de trafico por que foram condenados no montante de €5.546,00 (cinco mil quinhentos e quarenta e seis euros);
F.
Condenar os arguidos AA e BB no pagamento das custas criminais com taxa a justiça de 3 uc´s para cada qual;
(…)”
»
I.2 Recurso da decisão final
Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recurso os arguidos AA e BB para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respectiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:
I.2.1 - Recurso interposto pelo arguido AA:
“(…)
CONCLUSÕES
1. Nas penas ora aplicadas ao arguido AA, pelo tribunal a quo, foram claramente violados os artigos: 40º, 50º, 71.º nºs 1 e 2, alíneas a), b), e d), 171.º n.º 1, e 3 alínea a), todos do Código Penal, 410º, n.º 2, alínea c), do Código Processo Penal, porquanto, os Meritíssimos Juízes "a quo" jamais poderiam ter concluído que "a droga que lhes foi apreendida era destinada, na sua grande parte, à venda tal como sucedia com os demais bens" , que "do negócio empreendido pelos arguidos de venda e cedência de estupefacientes, à carteira de clientes que tinham e os procuravam com esse fito, desses clientes recebendo a correspetiva contrapartida financeira que usavam para lá de suprirem as suas necessidades de consumo as despesas da sua vida; que ..."sabendo ainda que uma das consumidoras que forneciam, a CC, era menor de idade."
2. A convicção do Tribunal assentou nas declarações prestadas pelo arguido e pelas testemunhas arroladas pelo MP.
3. O arguido AA desmentiu ter obtido vantagem patrimonial com a venda do produto estupefaciente, admitindo que comprava a mais do que consumia, a pedido de outros consumidores, por ser ele quem era contatado pelo vendedor daquele produto e porque assim ficava mais barato, bem como negou ter conhecimento da idade da menor CC, o que foi por aquela confirmado, Cfr.o seu depoimento, que ficou registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, cujo início ocorreu pelas 10:16 horas e o seu termo pelas 10:47 horas, cuja audição se requer que seja efetuada).- Ata de 10-04-2024.
4. A testemunha DD afirma "não, não...quando ele ficou com a pulseira nunca mais fui lá" e fazia fretes com ele porque ele não tinha carta mas " nunca vi ele trazer nada nas mãos" "não sei o que ele ia buscar" "nunca vi ele dividir o material" e, afirma que frequentava a sua casa mas "nunca vi ninguém lá a morar" "ia duas ou três vezes por semana a casa do AA" e "ele tinha sempre em casa" mas depois diz que "fazia fretes também uma a duas vezes por semana...ele ia buscar droga", sendo que daqui contraria o fato de dizer que se dirigia a casa do AA para ir buscar droga uma duas vezes por semana e que ele a tinha sempre disponível para fornecer.
5. Confrontado com a leitura das declarações prestadas em sede de inquérito, diz que "nunca comprou droga ao AA". (cf. o seu depoimento, que ficou registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, cujo início ocorreu pelas 11:14 horas e o seu termo pelas 11:27 horas, cuja audição se requer que seja efetuada). - Ata de 10-04-2024.
6. Contudo, e contrariamente àquele, diz a testemunha CC, que o EE ia com ela a casa do AA vender droga, era ele (EE) quem fornecia a este...
7. Mais refere esta testemunha que começou a frequentar a casa do AA com o BB, como sua namorada, e "não lhe disse a idade que tinha", pelo que o AA desconhecia que era menor.
8. Refere aquela que o AA "vendia metade e metade era para consumir", o que vai de encontro às declarações prestadas por aquele enquanto diz que quando comprava para si trazia também para quem lhe pedia, porque "fica mais barato para todos".
9. CC afirma ainda que quem lhe facultou a droga foi o BB e não o AA "o AA deu ao BB e o BB deu a mim para fumar" ( cfr. o seu depoimento, que ficou registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, cujo início ocorreu pelas 11:38 horas e o seu termo pelas 12:02 horas, cuja audição se requer que seja efetuada.- Ata de 10-04-2024
10. FF refere que "ia para casa dele, do Sr. AA, para consumir", o que fazia há cerca de 3 anos, afirmando que "se eu tinha abria-me com ele, se ele tinha abria-se comigo" pois, "ele tinha para o seu consumo, nunca o vi traficando drogas"; consumia "um pacote, dois..." e o AA "tinha vezes que consumia dez..." " às vezes o AA oferecia e outras vezes, se tinha dinheiro, agava 5€ por pacote". (cf. o seu depoimento, que ficou registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, cujo início ocorreu pelas 12:06 e o seu termo pelas 12:17 horas, cuja audição se requer que seja efetuada). - Ata de 10-04-2024.
11. GG por sua vez confirma conhecer o AA porque "é meu cunhado" e comprou-lhe entre Junho e Agosto de 2023, "uma a duas vezes por semana", "às vezes não comprava nada" e refere ainda que o cunhado "abria-se comigo quando tinha, quando não tinha não se abria". Mais refere que não voltou a comprar ao AA após este ter sido detido. Confrontado com possível contradição no seu depoimento com aquele que prestou em sede de inquérito, manteve as que prestou em audiência de Julgamento pois assume que "tenho a cabeça avariada". (cf. o seu depoimento, que ficou registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, cujo início ocorreu pelas 12:17 e o seu termo pelas 12:27 horas, cuja audição se requer que seja efetuada). - Ata de 10-04-2024.
12. HH começa por dizer que "está zangado com o arguido AA, por causa dessas coisas do Tribunal. Refere que "fiz um negócio de um carro com o AA mas nega que tenha sido entregue por conta de dívida da droga pois, apesar de às vezes ficar a dever "entregou o carro por outro mas não foi para pagar dívida nenhuma. O AA pagou-me o dinheiro da diferença e duas gramas de sintética". Confirma que a última vez que comprou droga ao AA "foi antes de ele ser detido", "um tempo antes... talvez quando fez o negócio do carro". (cf. o seu depoimento, que ficou registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, cujo início ocorreu pelas 12:27 e o seu termo pelas 12:35 horas, cuja audição se requer que seja efetuada). - Ata de 10-04-2024
13. II, diz conhecer o AA e que consumiam juntos "ou eu comprava ou ele comprava". Na casa do AA "íamos em grupo para lá, agente fumava, estava no convívio", "se ele vendia não era a mim"; "agente ia para lá consumir", "eu costumava a levar, outros às vezes levavam", referindo-se à droga que consumiam em conjunto na casa do arguido AA. (cf. o seu depoimento, que ficou registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, cujo início ocorreu pelas 16:25 e o seu termo pelas 16:45 horas, cuja audição se requer que seja efetuada).- Ata de 17-04-2024
14. Esta testemunha ter vendido nada, negócios dele "epá, consumiam juntos. depoimento prestado enfatiza o fato de o AA nunca lhe nem ter conhecimento de quaisquer ele nunca me vendeu, ele deu-me" pois Tanto que, confrontada com o seu em sede de inquérito, no qual refere ter comprado ao "…"(alcunha pela qual o AA é conhecido, aquela testemunha mantém a versão de que nunca comprou "eu não disse nada disso" "eu disse foi que ele dava-me pacotes, não que me vendia", "nem tudo o que está aí foi o que eu disse", "o que eu disse foi que partilhavam droga em grupo". (cf. o seu depoimento, que ficou registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, cujo início ocorreu pelas 16:25 e o seu termo pelas 16:45 horas, cuja audição se requer que seja efetuada). - Ata de 17-04-2024
15. Por último prestou depoimento a testemunha JJ, o qual de forma pouco assertiva relatou que ia comprar droga a casa do AA mas não sabe precisar datas, frequência nem quantidades. Na verdade, primeiro diz que não comprou muita vez, terá sido durante um mês ou dois. Afirma "não me lembro da última vez que comprei ao AA"; depois "a última vez que consumi foi a 9 de Abril"; "desde que ele (AA) está com a pulseira comprei uma vez, um pacote"; mas "para trás não sei se foi semanas ou meses..."; "comprei durante um mês"; indagado se terá sido efetivamente durante apenas um mês responde que "não faço ideia porque um gajo compra aqui, compra ali, compra noutro lado..." Novamente confrontado com a possibilidade de ter adquirido droga ao AA após este estar com a pulseira diz que "pulseira nunca vi", "não posso afirmar...". Contudo diz que a última vez que comprou ao AA foi "este ano, a meio do ano" e, volta a referir que afinal "foi no ano que se passou, ou quase para o fim do ano, não sei datas".
16. Cumpre referir que a medida de coação de obrigação de permanência na habitação sujeita a meios técnicos de controlo à distância (que vieram a ser instalados em 10.08.2023) foi aplicada ao arguido AA por despacho de 28.07.2023, sendo que a testemunha JJ, que refere ter adquirido droga ao AA já após a aplicação daquela medida, apesar de "perdido" na noção de tempo e espaço, apenas fala em Abril (inicialmente), sem saber se de 2023 ou 2024 ou para o final do ano - sendo certo que se assim fosse AA custódio já não se encontraria a residir na morada em que a referida testemunha supostamente se dirigia para adquirir produto estupefaciente mas sim na morada pertencente ao seu pai, onde nunca ninguém referiu ter-se dirigido para adquirir produto estupefaciente.
17. Todas as testemunhas inquiridas referem ser a sua relação com o arguido em função dos consumos de ambas as partes, sendo certo que todos consumiam em conjunto, usando para o efeito a casa do AA.
18. Referem ainda que umas vezes pagavam, outras não pagavam, às vezes o AA "abria-se" outras vezes outros levavam, enfatizando esta realidade a testemunha II, ao referir que iam em grupo para lá, "agente fumava, estava no convívio", negando que o AA alguma vez lhe tivesse vendido droga, e realçando o fato de irem para lá consumir, podendo a droga ser facultada pelo AA ou não (“eu costumava a levar, outros às vezes levavam”)
19. Se atentarmos às declarações do arguido, no sentido de que efetivamente era ele quem ia comprar por conta dos consumidores que paravam pela sua casa para consumir, não são as mesmas discrepantes dos demais depoimentos.
20. Ao que parece o arguido comprava para si e para os consumidores que lhe pagavam, apenas, o preço de aquisição, às vezes nem isso, para que todos consumissem em conjunto, nada lucrando com tais "vendas".
21. CC, afirma que começou a frequentar a casa do AA com o EE e este sim, era quem vendia a droga ao AA.
22. Importa também atentar no depoimento de CC, no sentido de que o arguido AA não sabia a sua idade, nunca lhe perguntou nem ela o disse, apenas aquele sabia que esta era a namorada do BB que consigo morava, fato este que releva na medida em que foi imputada ao arguido AA a circunstância agravante a que alude a al.a) do artº.24º da LD, com referência ao segmento "entregue a menor".
23.Além disso, no que concerne àquela circunstância agravante, há que ter em conta que CC deixou claro que quem lhe facultou a droga foi o BB e não o AA ("o AA deu ao BB e o BB deu a mim para fumar").
24. Ainda, os Meritíssimos Juizes "a quo" entenderam não ter qualquer dúvida acerca do negócio empreendido pelos arguidos de venda e cedência de estupefacientes, à carteira de clientes que tinham e os procuravam com esse fito, desses clientes recebendo a correspetiva contrapartida financeira que usavam para lá de suprirem as suas necessidades de consumo as despesas da sua vida.
25. Salvo o devido respeito, que é muito, parece-nos não ter sido feita prova de que a contrapartida monetária recebida em troca dos estupefacientes adquiridos para aqueles, fosse além de suprir as necessidades de consumo, tendo o arguido AA assumido que comprava por conta de quem lhe pedia por ser ele quem conhecia o vendedor e que assim, ao comprar quantidades maiores quer ele quer os demais consumidores beneficiavam por sair mais barato.
26. Ainda ,em desfavor do arguido AA, foi considerado no douto acórdão que este arguido terá vendido produto estupefaciente já após a aplicação da medida de coação de permanência na habitação, considerando, neste sentido, os Meritíssimos Juízes a quo o depoimento da testemunha JJ, depoimento este, a nosso ver, do qual constam inúmeras incongruências que deixam, no mínimo, a dúvida sobre tal prática. Na verdade, esta testemunha não soube precisar, com a exatidão necessária, as datas em que poderia ter adquirido pela última vez droga ao arguido, se antes ou após a aplicação da medida, referindo também que nunca o viu com a pulseira. Ora, se se tiver que dar credibilidade ao depoimento desta testemunha, teria que ser como referência a data de última aquisição em Abril (certamente de 2023) ou então o final do ano (de 2023), sendo certo que a ter em conta a primeira data o arguido não estaria ainda sujeito a tal medida e a ter em conta a última data (final do ano) o arguido não estaria a residir na residência onde aqueles consumos eram feitos, mas sim em casa do seu pai - o que significa que, muito pouco provavelmente as datas apontadas pela testemunha estariam erradas e a última compra não poderia ter sido já no decurso da medida de permanência na habitação.
27. Pelo que, o Tribunal a quo tomou assim a sua convicção com erro notório na apreciação da prova, conjugada com as regras da experiência comum;
28. O douto acórdão não seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova apresentando, isso sim, uma conclusão ilógica, contraditória e notoriamente violadora das regras da experiência comum na apreciação das provas;
29. Existe, pois, erro notório que resulta do texto da decisão ora posto em crise, conjugado com as regras da experiência comum;
30. Erro notório "é aquele que não escapa ao homem comum e consubstancia-se quando no contexto factual dado como provado e não provado, existem factos que cotejados entre si, notoriamente se excluem, não podendo de qualquer modo harmonizar-se" - Ac. RL rec. 10398/2000, 9' secção. Ou mais recentemente no AC TRC Processo nº 2421/05 de 15/3/2006: O erro notório consubstancia-se num desvio interpretativo de uma dada situação de facto que se apresenta à leitura lógico-racional do indivíduo, aqui consideradas as envolventes sociais, históricas, pessoais e económicas, a decisão que elabore em erro notório há-de expressar esse desvio interpretativo como evidente e detetável a uma análise perfunctória, de feição intuitivo-racional, do caso em que ele se manifesta ou patenteia..."
31. Ora, as provas apreciadas, impunham que os Meritíssimos Juízes decidissem de forma diferente, isto é, atento o depoimento do arguido e das testemunhas, a absolvição do mesmo pela prática dos crimes de que veio acusado.
32. Ao decidir do modo que decidiu, o douto acórdão violou o disposto nos artigos 171.º, n.º 1, e nº 3, alínea a), ambos do Código Penal;
33. Por outro lado, pelo todo exposto e face ao contraditório da prova apresentada, bem como as demais dúvidas que nos suscita a prova nos termos apresentados, nada mais resta do que aplicar-se ao caso em apreço, o princípio geral de direito - In Dúbio Pro Reo - sendo corolário do Princípio da Presunção de Inocência, o que significa que a dúvida sobre a realidade de um facto deve ser decidida a favor do arguido;
34. Tudo isto no que concerne quer à prática do crime, por não ter ficado provado, a nosso ver, a que a contrapartida monetária recebida pelo arguido em troca do produto estupefaciente fosse para suprir necessidades para além do seu consumo aditivo, bem como quer à circunstância agravante no que concerne à cedência à menor CC, ficando a dúvida sobre o conhecimento, por parte do arguido, da idade real da mesma, circunstância esta que, infelizmente, no contexto em que são tidos estes consumos, pode não ser percetível.
35. Da prova produzida não resultou também, sem que seja possível colocar margem para dúvida, quer a atuação do arguido AA seria concertada com a do arguido BB ou que este tenha vendido a pedido ou por conta daquele. Na verdade, o que resulta dos depoimentos prestados é que os dois viviam na mesma casa e os dois vendiam droga. Não tendo as testemunhas ouvidas certezas da relação existente entre ambos sendo inúmeras vezes referido que o BB tinha o que era seu e o AA tinha o que era seu, tendo inclusive tido sido apreendido material distinto no quarto de cada um deles na residência comum.
36. AA foi ainda condenado pela prática do crime de porte de arma proibida, crime este relativamente ao qual não foi, em sede de audiência de julgamento produzida qualquer prova que permita condená-lo pelo mesmo. Aliás, em fase alguma da audiência de julgamento foi referida aquela arma ou a sua posse pelo mesmo.
37. Nos termos do artigo 412º nº 3 alínea c) do CPP, requer-se a reapreciação da prova, nomeadamente da prova testemunhal:
- Do arguido AA (cfr. o seu depoimento, que ficou registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, cujo início ocorreu pelas 10:16 horas e o seu termo pelas 10:47 horas, cuja audição se requer que seja efetuada). - Ata de 10-04-2024;
- Da testemunha DD (cfr. o seu depoimento, que ficou registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, cujo início ocorreu pelas 11:14 horas e o seu termo pelas 11:27 horas, cuja audição se requer que seja efetuada). - Ata de 10-04-2024;
- Da testemunha CC (cfr. o seu depoimento, que ficou registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, cujo início ocorreu pelas 11:38 horas e o seu termo pelas 12:02 horas, cuja audição se requer que seja efetuada). - Ata de 10-04-2024;
- Da testemunha FF (cfr. o seu depoimento, que ficou registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, cujo início ocorreu pelas 12:06 horas e o seu termo pelas 12:17 horas, cuja audição se requer que seja efetuada). - Ata de 10-04-2024;
- Da testemunha GG (cfr. o seu depoimento, que ficou registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, cujo início ocorreu pelas 12:17 horas e o seu termo pelas 12:27 horas, cuja audição se requer que seja efetuada). - Ata de 10-04-2024;
- Da testemunha HH (cfr. o seu depoimento, que ficou registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, cujo início ocorreu pelas 12:27 horas e o seu termo pelas 12:35 horas, cuja audição se requer que seja efetuada). - Ata de 10-04-2024;
- Da testemunha II (cfr. o seu depoimento, que ficou registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, cujo início ocorreu pelas 16:25 horas e o seu termo pelas 16:45 horas, cuja audição se requer que seja efetuada). - Ata de 17-04-2024 e
- Da testemunha JJ (cf. o seu depoimento, que ficou registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, cujo início ocorreu pelas 16:08 e o seu termo pelas 16:25, cuja audição se requer que seja efetuada) - Ata de 17-04-2024.
SEM prescindir e meramente á cautela, caso o anteriormente exposto não seja do entendimento de V. Exas, sempre se dirá o seguinte:
III - DA MEDIDA DA PENA:
38. A pena para além de fazer face às exigências de prevenção geral de revalidação contra fáctica da norma violada, terá que ter em conta as exigências individuais e concretas de socialização do agente, sendo certo que na sua determinação ter-se-á que entrar em linha de conta com a necessidade de evitar a dessocialização do agente;
39. Nesse sentido a pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva aplicada em cúmulo jurídico (relativa aos factos dados como provados), ao arguido, mostrava-se e mostra-se, claramente, desajustada;
40. Considerada que seja corretamente valorada a matéria dada como provada e respetivo enquadramento jurídico efetuado pelo Tribunal "a quo" sempre se impõe uma substancial redução da pena de prisão aplicada ao recorrente, em obediência aos princípios da adequação e humanidade das penas e tendo em atenção as condições do recorrente;
41. A determinação da medida da pena faz-se com recurso ao critério geral estabelecido no artigo 71.º, do Código Penal, tendo em vista as finalidades próprias das respostas punitivas em sede de Direito Penal, quais sejam a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal), sem esquecer, obviamente, que a culpa constitui um limite inultrapassável da medida da pena (artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal);
42. Com efeito, a partir da revisão operada em 1995 ao Código Penal, a pena passou a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais;
43. É este o critério da lei fundamental - artigo 18.º, n.º 2 - e foi assumido pelo legislador penal de 1995 (- Vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal (2001), 104/111); Ciência 48- Como refere Anabela Rodrigues (- In Revista Portuguesa de Criminal, "O modelo de na determinação da medida concreta da pena", Ano 12, n.º 2 prevenção Abril - Junho de 2002, 147/182.), o artigo 40.º, do Código Penal, após a revisão de 1995, condensa em três proposições fundamentais um programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de proteção dos bens jurídicos, de que a culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena, de onde resulta que: "Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas".
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e revogar-se a decisão recorrida, absolvendo o arguido AA dos crimes de tráfico agravado, p. e p. pelo artº.21º, nº.1 e 24º, al.a) do DL nº.15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-C e II-A, anexas àquele diploma legal, e detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº.86º, nº.1, al.d), por referência ao artº.3º, nº.2, al.ab) e artº.2º, nº.1, al.m), todos da Lei nº.5/2006, de 23 de Fevereiro, em que foi condenado e, caso não seja esse o entendimento de V. Exas deverão reduzir a pena de prisão que lhe foi aplicada em relação a esses crimes, e a pena que vier a ser aplicada ao mesmo, deverá ser suspensa na sua execução, com regime de prova.»
I.2.2 - Recurso interposto pelo arguido BB:
Na sequência de despacho ref.ª 22019816 de 11/09/2024, o arguido apresentou as seguintes conclusões corrigidas:
I -O arguido BB foi condenado pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelo artº.21º, nº.1 e 24º, al. a) do DL nº.15/93, de 22 de janeiro, com referência às Tabelas I-C e II-A, anexas àquele diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;
II - Em sede de determinação da medida da pena, e no que ao ora recorrente respeita, lê-se em douto acórdão dentre o mais, o seguinte:
“…Não ignoramos a idade do arguido BB…,” e . “…Os seus antecedentes, ainda que por crimes de natureza diversa, dão nota clara sobre as exigências de prevenção especial negativa.”. “…Deste modo, ponderando os factos na sua globalidade e sopesando todas as referidas circunstâncias, atenta a gravidade do seu comportamento, considera-se justa, adequada e proporcional: Para o BB, tendo em conta o grau de participação nos fatos: . a pena de 5 anos e 6 meses de prisão para o tráfico agravado.”. Ora,
III - Considerada que seja corretamente valorada a matéria dada como provada e respetivo enquadramento jurídico efetuado pelo Tribunal “a quo, entende, no entanto, a defesa, que esteve mal o Tribunal de que se recorre por ter o mesmo feito tábua rasa de alguns aspetos, bem como ao não ter atentado devidamente noutros, o que a ter acontecido, teria importado na aplicação de uma pena no seu mínimo legal, no caso, 5 anos, possibilitando-se desse modo a suspensão da sua execução. Como sejam o seu histórico de toxicodependência (desde os 16 anos), o facto de ainda ser jovem, não ter averbado no seu CRC crimes de igual natureza, que a agravação operada deu-se num quadro circunstancial em que sendo toxicodependente terá partilhado produto estupefaciente com a sua namorada, jovem que fora iniciada no consumo por outrem, além de outros aspectos referidos supra no nº 3.
IV - Aspetos muitos dos quais postos em evidencia pela testemunha CC. . Minutos 04:43 a 16:30, e 18:08 a 19:36
V - O desconhecimento por parte do tribunal do facto de que o arguido se encontrava detido no Estabelecimento Prisional Regional de ... à ordem do processo: 184/22.7PBRGR, não o exime de responsabilidade quanto à não realização do relatório Social, pois com uma mera consulta dos serviços de tal teria facilmente tido conhecimento, facto que a defesa entende ter prejudicado o arguido.
VI - Senhores Juízes Conselheiros, há que respeitar a livre apreciação da prova e a convicção do Tribunal, sem, contudo, se descurar o facto de assistir ao arguido o direito de exigir que o acórdão que determina a sua condenação - em especial a privação da sua liberdade – seja criteriosamente fundamentado e se sustente em factos que permitam, só por si, valorar o grau de ilicitude e a intensidade do dolo.
VII - Tal como não fundamentou, na perspetiva da defesa, de modo satisfatório a culpa do arguido, por terem sido ostensivamente desconsiderados os aspetos elencados no nº 3, igualmente descurando o Tribunal a quo na determinação das exigências de prevenção, nomeadamente, as exigências de prevenção especial.
VIII - Pena que para além de fazer face às exigências de prevenção geral de revalidação contra-fáctica da norma violada, terá que ter em conta as exigências individuais e concretas de socialização do agente, sendo certo que na sua determinação ter-se-á que entrar em linha de conta com a necessidade de evitar a dessocialização do
agente. Nesse sentido a pena de 5 anos e 6 meses de prisão mostra-se, claramente, desajustada.
IX - No que à determinação da pena concerne, atende-se, no que á determinação da medida da pena respeita, ao critério geral estabelecido quer no artigo 71.º, quer artigo 40.º, nº 1, constituindo a culpa um limite inultrapassável da medida da pena artigo 40.º, nº 2 todos do Código Penal.
X - O que do ponto de vista da defesa claramente não teve lugar.
XI - Dispõe o artigo 50º, n.º 1 do Código Penal que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”;
XII - Pugna a defesa por que se opere uma redução da pena aplicada ao arguido aqui recorrente, para o mínimo legal previsto, no caso, 5 anos de prisão, atenta a qualificação jurídica em presença, possibilitando-se desse modo a suspensão da sua execução, subordinada esta a um regime de prova exigente ao abrigo do disposto no artigo 53º nº 3 do Código Penal, suspensão essa subordinada a um apertado regime de prova focado preferencialmente no combate ao consumo de produto estupefaciente por parte do arguido.
XIII - Decidindo como decidiu, violou o douto acórdão o vertido nos artigos 40º n.º 1, 50º, 53º nº 3, 70º nºs 1 e 2, e 71º, todos do Código Penal, bem como o artigo 18.º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, revogar-se a decisão recorrida, reduzindo Vossas Excelências a pena de prisão de 5 anos e 6 meses aplicada ao arguido para o seu mínimo legal, em ordem a que possa a mesma ser suspensa na sua execução, suspensão condicionada a um apertadíssimo regime de prova, regime este com especial enfoque no que à problemática aditiva do arguido concerne.
Assim se fazendo a vossa tão desejada e costumada, JUSTIÇA!
(…)
Os recursos foram admitidos, nos termos do despacho proferido em 04/06/2024, com os efeitos de subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito suspensivo.
»
I.3 Resposta ao recurso
Efectuada a legal notificação, o Ministério Público junto da 1ª Instância respondeu ao recurso interposto pelos arguidos, pugnando pela sua improcedência apresentando as seguintes conclusões [transcrição]:
I.3.1 Relativamente ao arguido AA

(…)
1. Compulsadas as motivações de recurso apresentadas pelo recorrente, constata-se, que as mesmas não apresentam as conclusões devidamente formuladas, antes exibindo uma repetição do alegado, ainda que com uma redação um pouco menos extensa (ou mesmo “repetindo ipsis verbis largos trechos das motivações”). Consequentemente, deverá o recorrente para, no prazo legal e sob pena de rejeição do recurso, apresentar conclusões que resumam as razões do seu pedido, respeitando o objeto do recurso fixado na respetiva motivação nos termos dos artigos 417.º, n.ºs 3 e 4, 420.º, n.º 1, al.c), ambos do Código do Processo Penal.
2. A prova feita em Tribunal foi devidamente ponderada pelo Tribunal recorrido, que aplicou corretamente ao caso a lei aplicável, e encontrou o sancionamento devido, termos em que nenhuma censura merece o douto acórdão. A recorrente não tem razão, pois o acórdão impugnado não merece qualquer censura, pois que não enferma de omissões, nulidades ou vícios. A decisão recorrida mostra-se lógica, conforme às regras de experiência comum e é fruto de uma adequada apreciação da prova, segundo o princípio consagrado no artigo 127.º do Código do Processo Penal.
3. O acórdão refere claramente os meios de prova que serviram para o tribunal formar a sua convicção, garantindo que nele se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não omitindo a fundamentação no sentido da valoração das provas e da razão lógica da condenação do recorrente, não constituindo, portanto, uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou materialmente violadora das regras da experiência comum.
4. A recorrente limita-se a expor o seu julgamento dos factos, divergente daquele que foi feito pelo Tribunal, e tendo, como se verificou, este formado a sua convicção com provas não proibidas por lei, prevalece a convicção do tribunal sobre aquela que formulou o recorrente.
5. Ao contrário do que defende o recorrente o Tribunal não fez um juízo critico valorativo atentatório dos essenciais princípios da justiça, da legalidade, da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da proporcionalidade e do espírito ressocializador ínsito à matriz do nosso estado de direito democrático e às finalidades das penas - “Fins das penas”.
6. Na verdade, o douto acórdão recorrido como já referimos, não merece qualquer censura porque fez correta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.
7. A livre apreciação que, se por um lado se afasta de um sistema de prova legal (baseada em regras legais predeterminantes do seu valor), por outro, não admite também uma apreciação fundada apenas na convicção íntima e subjetiva do julgador.
8. Ao contrário do pretende defender o recorrente a livre apreciação da prova significa que o tribunal está vinculado ao dever de perseguir a verdade material do caso concreto que é trazido à sua apreciação, de tal modo que esta, embora livre, há de ser motivada e controlável, quer pelos destinatários da decisão quer pelas instâncias de recurso. Por isso se exige a explicitação do percurso lógico do julgador na decisão sobre a matéria de facto, que está na génese da sua convicção. A consequência deste sistema reflete-se, desde logo, na possibilidade de o tribunal formar a sua convicção na base do depoimento de uma testemunha, em desfavor do testemunho contrário, e fundar a convicção no depoimento de um mero declarante em desfavor de prova testemunhal, esta, em abstrato, com maior dignidade probatória.
9. No caso concreto consideraram-se também as máximas indiciárias fazendo-se relevar o tipo de testemunhos prestados que, juntamente com os pontos cristalizados do lastro de coincidência das várias versões apresentadas, destacando as declarações do recorrente que negou os factos e os que confirmou mas apresentado um discurso desculpabilizante, e com alto grau indiciário de probabilidade ou de verosimilhança, deram ao tribunal, na sua compreensão global, para além de toda a dúvida razoável, a verdade material da parcela dos factos dados como provados e não provados em julgamento … fazendo-se, ainda, apelo à realidade das coisas, à mundividência dos homens e regras de experiência que resultam do viver em sociedade.
10. Aqui chegados, há que referir, que nenhum vício foi levantado no que toca à prova apresentada na acusação, toda produzida em audiência, e nenhum lhe foi encontrado de forma oficiosa, pelo que toda ela será tida em conta na análise crítica a fazer no momento próprio.
11. No caso concreto, o recorrente nem sequer indicou especificadamente os pontos de que discorda, nem que outras provas poderiam impor decisão diversa, apenas manifesta a sua discordância em relação à valoração da prova feita pelo tribunal recorrido, afirmando que só os depoimentos dos das testemunhas da acusação são insuficientes, mas não justifica porquê.
12. Contudo, no presente caso, o Recorrente, fazendo no corpo da motivação as especificações previstas no artigo 412.º, n.º 3 do Código do Processo Penal, o que fez, realmente, foi uma interpretação alternativa da prova produzida em audiência, o que sendo compreensível, não é relevante como impugnação da matéria de facto, porque, por um lado, isso corresponderia à reapreciação global da prova produzida, o que, como vimos, não é admissível em sede de recurso, e, por outro ainda, porque corresponde à mera contraposição das suas convicções à do tribunal recorrido.
13. Ainda que assim não fosse, o tribunal, na fundamentação da matéria de facto explicou, com clareza e detalhadamente, o caminho lógico que percorreu para dar como provada aquela matéria e esse caminho foi razoável e corresponde a uma das soluções plausíveis (diremos mesmo, a mais plausível), segundo as regras da experiência. Deve, pois, improceder o recurso.
14. Também não vislumbramos na decisão recorrida qualquer dos vícios previstos no artigo 410., n.º 2 do Código do Processo Penal, que são de conhecimento oficioso e têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.
15. Da sua análise podemos concluir que nele se seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova. No caso concreto, não aquilatamos a existência de erro quanto à matéria de facto, quer em termos impugnação ampla, quer restrita, sem que se tivesse vislumbrado qualquer irregularidade relevante.
16. Neste caso específico, nem sequer estamos perante uma verdadeira impugnação da matéria de facto, pois o recorrente não cumpriu nenhum dos pressupostos exigidos pelo disposto no artigo 412.º nº 3 do Código do Processo Penal. O recurso deve improceder quanto à impugnação da matéria de facto.
17. E, tendo, como se verificou, formado a sua convicção com provas não proibidas por lei e seguindo todo um processo lógico e de acordo com as regras da experiência comum, prevalece a convicção do tribunal sobre aquela que formula o Recorrente.
18. Assim, todas as questões levantadas pelo Recorrente, quanto ao preenchimento dos elementos do tipo, estavam dependentes da alteração da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido, o que, como vimos, não ocorreu, pelo que a sua apreciação está prejudicada.
19. Por todo o exposto, o douto acórdão recorrido não merece qualquer censura porque fez correta aplicação do direito à matéria de facto provada, nem violou qualquer disposição legal, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos. Em concreto, o tribunal recorrido fixou a matéria de facto, no estrito cumprimento do artigo 374.º, n.º 2 do Código do Processo Penal, ao contrário do que defende o recorrente.
20. Portanto, a determinação da pena concreta foi feita dentro destes limites legais. A pena concreta não ultrapassou a medida da culpa, e atendeu às exigências da prevenção geral e especial.
21. Perante este quadro a pretensão do arguido/recorrente no sentido da redução de pena não deve proceder, não devendo ser alterada, já que se situa junto ao limite mínimo da pena, muito aquém do seu meio, e longínqua do limite máximo.
22. Assim, no caso concreto, atendendo a toda a factualidade, entendemos que não se verificam circunstâncias suscetíveis de mitigar a responsabilidade da arguida, concluindo que a pena aplicada é justa e adequada, sendo de manter, não violou quaisquer preceitos legais.
23. No caso vertente as exigências de prevenção geral são bastante elevadas com especial relevo nesta região tão flagelada pelas consequências associadas ao vício que a droga despoleta. Com efeito, estamos perante delitos que são alvo de grande censura comunitária, e que somos frequentemente confrontados na comarca (infelizmente cada vez mais como é noticiado amiúde) e cujos prejuízos, no que se reporta ao tráfico, são incalculáveis no que toca à saúde dos consumidores que, a final, é atingida. Ademais, o forte sentimento de insegurança gerado por situações desta natureza denota a necessidade de transmitir um sinal claro à comunidade no sentido da afirmação da validade da norma violada, restabelecendo o sentimento de segurança abalado pelo crime.
24. O grau de ilicitude da conduta e da culpa é acentuado atenta a sua concretização; a natureza dos produtos visados; quantidade; à persistência na atividade criminosa e especialmente o facto de ter facultado, por diversas vezes, produto estupefaciente a uma menor, CC.
25. A sua postura durante e após os factos demonstra que uma diminuta consciência crítica. Portanto, a determinação da pena concreta foi feita dentro destes limites legais. A pena concreta não ultrapassou a medida da culpa, e atendeu às exigências da prevenção geral e especial.
26. Não confessou os factos e dessa feita não revelaram qualquer interiorização acerca do desvalor das respetivas condutas, não mostrando qualquer arrependimento já que arreigam as suas condutas no vício que entendem tudo justificar.
27. O dolo é intenso, revelado na sua modalidade mais gravosa de dolo direto.
28. A sua postura durante e após a prática dos factos que nos remete para a consciencialização do desvalor das condutas que praticaram.
29. Deste modo, ponderando os factos na sua globalidade e sopesando todas as referidas circunstâncias, atenta a gravidade do seu comportamento, considera-se justa, adequada e proporcional a pena em que o recorrente foi condenado, muito perto do mínimo legal.
30. E, ainda de salientar que o recorrente facultou produto estupefaciente a uma menor.
31. Portanto, a determinação da pena concreta foi feita dentro destes limites legais. A pena concreta não ultrapassou a medida da culpa, e atendeu às exigências da prevenção geral e especial.
32. Este tipo de crime causa gravíssimos problemas de saúde pública e sociais em geral. Estamos perante um facto típico que tutela o bem jurídico – saúde pública, cujo grau de ilicitude se situa num grau elevado (basta considerar a destruição de famílias devido ao consumo de drogas).
33. Assim, tendo em atenção os padrões jurisprudenciais utilizados pelo Supremo Tribunal em matéria de correios de droga, atendendo ao limite definido pela culpa intensa do arguido, ao elevado grau de ilicitude da sua conduta, e às fortes exigências de prevenção geral que se fazem sentir, sendo
elevadas também as exigências de prevenção especial, não nos merece censura a pena de 7 anos de prisão fixada pelo Tribunal recorrido, pena que se considera justa e adequada ao crime praticado.
34. O recurso não merece, pois, provimento.
35. Tendo em consideração a pena fixada e o disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, fica prejudicada a questão da suspensão da execução da pena. Contudo sempre se dirá que, no caso “sub judice”, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, subjacentes à suspensão de execução da pena, não atingem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
36. Como consequência o douto acórdão não viola os preceitos legais “invocados” pelo recorrente.
Vossas Excelências, melhor saberão fazendo, JUSTIÇA!
(…).”
I.3.2 Relativamente ao arguido BB

(…)
1. - Questão Prévia: Compulsadas as motivações de recurso apresentadas pelo recorrente, constata-se, que as mesmas não apresentam as conclusões devidamente formuladas, antes exibindo uma repetição do alegado, ainda que com uma redação um pouco menos extensa (ou mesmo “repetindo ipsis verbis largos trechos das motivações”). Consequentemente, deverá o recorrente para, no prazo legal e sob pena de rejeição do recurso, apresentar conclusões que resumam as razões do seu pedido, respeitando o objeto do recurso fixado na respetiva motivação nos termos dos artigos 417.º, n.ºs 3 e 4, 420.º, n.º 1, al. c), ambos do Código do Processo Penal.
2. A prova feita em Tribunal foi devidamente ponderada pelo Tribunal recorrido, que aplicou corretamente ao caso a lei aplicável, e encontrou o sancionamento devido, termos em que nenhuma censura merece o douto acórdão.
3. No caso vertente as exigências de prevenção geral são bastante elevadas, com especial relevo nesta região tão flagelada pelas consequências associadas ao vício que a droga despoleta. Com efeito, estamos perante delitos que são alvo de grande censura comunitária, e que somos frequentemente confrontados na comarca (infelizmente cada vez mais como é noticiado amiúde) e cujos prejuízos, no que se reporta ao tráfico, são incalculáveis no que toca à saúde dos consumidores que, a final, é atingida.
Ademais, o forte sentimento de insegurança gerado por situações desta natureza denota a necessidade de transmitir um sinal claro à comunidade no sentido da afirmação da validade da norma violada, restabelecendo o sentimento de segurança abalado pelo crime.
4. O facto de facultar produto estupefaciente a uma menor, sua namorada, com 14 anos de idade, à data haxixe. E, posteriormente, foi a casa do AA pela mão do BB onde consumiu sintética do AA nada por ela pagando, o mesmo ocorreu com o consumo de haxixe que foi fornecida pelo AA e pela qual nada pagou.
5. A sua postura durante e após os factos demonstra que uma diminuta consciência crítica.
6. O dolo é intenso, revelado na sua modalidade mais gravosa de dolo direto.
7. Perante este quadro a pretensão do arguido/recorrente no sentido da redução de pena não deve proceder, não devendo ser alterada, já que se situa junto ao limite mínimo da pena, muito aquém do seu meio, e longínqua do limite máximo.
8. Deste modo, ponderando os factos na sua globalidade e sopesando todas as referidas circunstâncias, atenta a gravidade do seu comportamento, considera-se justa, adequada e proporcional a pena em que o recorrente foi condenado, muito perto do mínimo legal.
9. O recurso não merece, pois, provimento.
10. Tendo em consideração a pena fixada e o disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, fica prejudicada a questão da suspensão da execução da pena. Contudo sempre se dirá que, no caso “sub judice”, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, subjacentes à suspensão de execução da pena, não atingem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Como consequência o douto acórdão não viola os preceitos legais invocados pela recorrente.
Vossas Excelências, melhor saberão fazendo, JUSTIÇA!”
»
I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do qual, aderindo à posição da Digna Magistrada do Ministério Público na primeira instância, pronunciou-se no sentido da improcedência dos recursos.
»
I.5. Resposta
Pese embora tenha sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao dito parecer.
1.6 – Rejeição de recurso, nos termos do art.º 417º nº 3 do Cód.Processo Penal.
Concluso o processo, por despacho proferido no dia 11/09/2024 (refª 22019816), foi determinada a notificação dos arguidos recorrentes para, ao abrigo do disposto no artigo 417º nº3 do Cód. de Processo Penal, apresentarem, em 10 (dez) dias, novas conclusões do recurso interposto, em que delimitassem nos termos legalmente exigidos, e enunciados naquele mesmo despacho, quais as questões que pretendem ver apreciadas, sob pena de o recurso ser rejeitado.
Notificado para tal efeito, o recorrente AA nada veio fazer nos autos – mormente não apresentou novas conclusões cumprindo o aperfeiçoamento que ali foi determinado.
Cumpre apreciar:
Ora, conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ ], e da doutrina, são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal ad quem [sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, relativas a vícios que devem resultar directamente do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito), ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do C.P.P.)].
Por isso mesmo, pela sua extraordinária importância, a redacção das conclusões do recurso exige muito cuidado, devendo ser concisas, precisas e claras, precisamente porque são as questões nelas sumariadas que serão objecto de decisão.1
Determina o referido art.º 412º, nº 1, do diploma legal citado, que «a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso, e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido».
Daqui se retira que o recurso é uma peça processual necessariamente composta por duas partes: o corpo da motivação e as conclusões, cabendo às conclusões o papel de delimitar o objecto do recurso e consequentemente, de definir, em resumo, as questões a decidir.
Ora, é contrário à exigência do resumo, a repetição, ainda que com pequenas alterações, do que já foi extensamente referido na motivação de recurso. As conclusões devem consubstanciar-se e enquadrar-se no significado da palavra. Não pode deixar de ser assim sob pena de não serem conclusões, mas ainda motivação.
As conclusões podem ser mais ou menos longas conforme a complexidade da causa e a necessidade de sintetizar, mas o que não podem ser é praticamente a reprodução minuciosa e longa, do que já foi dito na motivação de recurso.
As conclusões devem sempre ser a síntese do que foi dito na motivação recursiva.
A função das conclusões é apontar, sob enumeração, as concretas questões que o recorrente entende que determinam uma solução diferente daquela a que chegou o Tribunal recorrido, de forma a garantir que o Tribunal de recurso entenda, com clareza e precisão, quais os efectivos fundamentos da discordância.
Sendo esta a finalidade das conclusões, naturalmente que por elas passa o cumprimento, quer do dever de lealdade processual para com os demais sujeitos processuais, quer do dever de colaboração com o Tribunal de recurso, não sendo função dos Tribunais de recurso descortinar todos e quaisquer fundamentos pelos quais as decisões recorridas possam ser revogadas.
Antes é exigível às partes, que desencadeiam a actuação recursiva, apontar os precisos fundamentos pelos quais entendem devida essa revogação, o que aliás funciona como garantia de que o Tribunal de recurso apreenderá e apreciará todos e cada um desses fundamentos.
Refere Alberto dos Reis que «As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação».
As conclusões são, portanto, e necessariamente, a enumeração clara e enxuta dos fundamentos pelos quais a parte entende que se justifica a alteração da decisão, a que, quanto muito, acresce um resumo muito sintético das preposições que configuram a exposição dos argumentos relativos a cada um desses fundamentos. Mais do que isso significa repetição de argumentos o que configura uma actuação processual inútil e prejudicial ao fim visado, e como tal proibida.
A exigência de conclusões não é, portanto e pelo que temos vindo a expor, uma mera formalidade, sem sentido, mas o corolário de uma necessidade de precisão da fundamentação do recurso, tanto mais premente quanto mais ampla é a faculdade de recorrer - não sendo desejável que o Tribunal de recurso se veja na continência de reapreciar, contra a vontade da parte, para além da intenção subjacente ao recurso, só porque ela é duvidosa ou não está suficientemente determinada, face à redacção da peça recursiva.
E tanto que assim o é, que a Lei 59/98, de 25/08, alterou o art.º 412º alargando o âmbito e o conteúdo dos ónus de especificação. A mesma lei, dando corpo àquilo que vinha sendo a orientação dominante no Tribunal Constitucional, resolveu a questão de saber qual a tramitação do recurso que não dê satisfatório cumprimento aos ónus de especificação, concedendo à parte a possibilidade de corrigir a deficiência e, desse modo, garantir a efectiva apreciação da sua pretensão recursória. Nesse sentido, alterou a redacção do art.º 417º, nº 3, do C.P.P. que passou a conter-se nos termos seguintes (no que ao caso interessa): «Se a motivação do recurso não contiver conclusões (….) o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas (…) sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada».
O intuito da alteração foi fazer prevalecer o direito ao recurso sobre os princípios do dispositivo e da celeridade, na ponderação de que está em causa um direito constitucionalmente reconhecido, que só deve ser obstado por razões ponderosas.
Mas tal prevalência não é absoluta. Não escamoteando a premência dos motivos que podem levar à rejeição do recurso, optou o legislador ordinário por conceder, expressamente, à parte, o direito à reformulação da peça recursória, mas deixou ao seu critério a ponderação sobre se mais lhe interessa a efectiva apreciação do recurso ou a inacção, para a qual, aliás, fixou expressa cominação. E aqui surge o ponto de equilíbrio entre os interesses em jogo: cabe à parte, consciente das consequências da sua actuação, optar pelo cumprimento dos ónus recursivos que levam ao efectivo conhecimento das questões colocadas em sede de recurso, ou pelo seu incumprimento, sabendo que ele importará a falta de conhecimento do mesmo. Este é o entendimento que resulta da conjugação do disposto no nº 6º do art.º 417º com o disposto no art.º 420º, nº 1, al. c), do C.P.P..
Refere o primeiro preceito que «após exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que «o recurso deva ser rejeitado»; e, nos termos do segundo normativo, o recurso deve ser rejeitado entre o mais, quando «o recorrente não apresente, complete ou esclareça as conclusões formuladas e esse vício afectar a totalidade do recurso, nos termos do nº 3 do artigo 417º».
Se as conclusões não respeitarem os requisitos que acabamos de enunciar, redundam em complexidade confusa e difícil de escrutinar pelo tribunal e, muitíssimo importante, pela parte recorrida, que vê muito dificultado o seu direito e exercício eficaz e esclarecido do contraditório, que, como é unanimemente reconhecido, é um princípio fundamental estruturante da nossa ordem jurídica e um dos pilares do Estado de Direito Democrático, inscrito no art.º 2.º da Constituição da República Portuguesa.
O arguido recorrente foi notificado, na pessoa da sua defensora, para corrigir as conclusões sob pena do recurso ser rejeitado. Foi, assim, cumprido o princípio constitucional previsto no art.º 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (Ac. TC, de 05.05.2004, processo n.º 98/04, acórdão n.º 322/04, www.tribunalconstitucional.pt.).
Os mandatários judiciais são, tal como os juízes e procuradores da república, profissionais especialmente habilitados, preparados e treinados para cumprir as regras e ónus do processo. As regras processuais são o meio e modo escolhido pelo Estado de Direito Democrático para defender os direitos de cada um, sem prejuízo para ninguém.
Nestes termos, o arguido recorrente não podia ignorar, por estar devidamente patrocinado em juízo, quais eram as consequências da manutenção da parte do seu articulado que denomina de conclusões sem ser nos termos do despacho que o convidou a apresentar conclusões que consubstanciem um efectivo resumo da motivação de recurso, antes optando por total mutismo.
Ora, tem sido unânime o entendimento na jurisprudência de que a sanção aplicável à repetição da motivação como conclusões é a rejeição do recurso, porque o vício afecta, necessariamente, todas as pretensões do recorrente. Vejam-se, neste sentido, os Acs. do STJ, em CJSTJ, 1999, I, 239 e em CJSTJ, 2004, I, e da RC, em CJ, 2004, IV, 46; e vejam-se, ainda, entre outros, o Ac. RL, P. 135/18.3SMLSB.L2-9, de 09/03/2023, Ac. RL, P. 827/09.3PDAMD.L15, de 15/02/2013 (Decisão sumária), o Ac. RE, P. 385/04.0EAFAR.E1, de 04/03/2010 (Decisão sumária), o Ac. RE, P. 1301/17.4T8STR.E1, de 21/12/2017 e o Ac. RG, P. 314/17.0GAPTL.G1, de 11/06/2019, todos in www.dgsi.pt.
Esta, é, de acordo com a lei, necessariamente, a sorte do recurso sub iudice, impondo-se concluir que o arguido não apresentou conclusões, o que constitui fundamento para rejeição do recurso.
Assim, conforme advertência naquele despacho expressamente formulada, nos termos do disposto no art.º 417º n.º 3 do Cód. de Processo Penal, rejeita–se o recurso interposto nos autos pelo recorrente AA.
*
No que concerne ao arguido BB, o mesmo apresentou as conclusões que acima, em local próprio, se dão já conta, devendo os autos prosseguirem para apreciação do recurso do mesmo.
*
I.7 Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
»
II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ2], e da doutrina3, são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal ad quem, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal4.
»
II.2- Apreciação do recurso
Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões decidendas a apreciar são as seguintes:
a. Se a medida concreta da pena de prisão, aplicada ao arguido BB, é excessiva, devendo ser reduzida para 5 anos de prisão;
b. Da possibilidade de aplicação do instituto da suspensão da pena, nos termos do art.º 50º do Cód.Penal.
Vejamos.
II.3 - Da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objecto de recurso]:
a. É a seguinte a matéria de facto considerada como provada pelo tribunal colectivo em 1ª Instância:
(…)
Da acusação:
1.
Desde data concretamente não apurada, mas que se situará em meados do ano de 2022 e até pelo menos o mês de agosto de 2023, que o arguido AA, conhecido como “…” e, nos últimos três quatro meses, o BB se vêm dedicando à venda a terceiros, mediante contrapartida monetária ou outra, para consumo direto e/ou revenda, de substâncias estupefacientes, designadamente de (alfa)-PHP (comumente designada droga sintética), a consumidores finais, residentes nas freguesias de ... e no restante concelho de ...;
Para o efeito, decidiram distribuir tarefas entre ambos, ficando a realização dos contatos, do acondicionamento do produto, da sua entrega aos consumidores e recebimento dos pagamentos a cargo destes;
O lucro obtido com a venda do produto estupefaciente era, no período em que uniram esforços, dividido entre os arguidos segundo critérios desconhecidos;
Os arguidos AA e BB adquiriam a desconhecidos (alfa)-PHP que posteriormente fracionavam/recortavam em panfletos mais pequenos e revendiam a terceiros que os procuravam quer na residência onde se encontravam quer por contacto telefónico;
Quase sempre, os arguidos utilizaram a sua habitação, sita na ... situada junto ao estabelecimento de restauração e bebidas denominado «...», onde ali se deslocavam os consumidores, que após baterem na porta de entrada, ficavam a aguardar pela entrega, por parte dos arguidos do produto estupefaciente, mediante a contrapartida monetária ou outra;
Alguns consumidores entravam na predita residência para no seu interior, em conjunto, consumirem (alfa)-PHP e canábis;
Os arguidos procediam, por vezes, à venda de (alfa)-PHP nas ruas de Porto Formoso;
Cada meio grama de (alfa)-PHP era vendida entre €25,00 (vinte e cinco) e €30,00 (trinta euros);
Com tal atividade os arguidos auferiam quantias monetárias que constituíam a sua única fonte de obtenção de rendimentos;
Com efeito, os arguidos AA e BB não, no período aqui em causa, possuíam qualquer atividade remunerada, encontrando-se na condição de desempregados;
No desenrolar desta atividade, estes arguidos, utilizando o procedimento acima descrito, efetuaram diariamente entregas de quantidades de produtos estupefacientes a terceiros;
2.
No período temporal indicado acima, os arguidos AA, primeiro e BB, depois, entregaram, diariamente, ao consumidor FF, pelo menos 1 (um) pacote de (alfa)-PHP e dele receberam, em pagamento e por cada qual, a quantia de €5,00 (cinco euros) por cada pacote, coisa que importa o valor global de €2.250,00 (15 meses = 450 dias x 1 compra por dia a €5,00);
3.
Nesse mesmo período, os arguidos AA, primeiro e BB, depois, entregaram, de forma concertada, diariamente, à consumidora II, pelo menos 1 (um) pacote de (alfa)-PHP e dela receberam, em pagamento, a quantia de €5,00 (cinco euros) por cada pacote, coisa que importa o valor global de €2.250,00 (15 meses = 450 dias x1 compra por dia a €5,00);
4.
Entre o início do ano de 2022 e até pelo menos o dia 2 de dezembro de 2022, o arguido AA entregou, cerca de três vezes por semana, ao consumidor HH, um pacote de sintética por €5,00 (cinco euros) cada, chegando, em parte dessa vezes, que não se apuraram em concreto, a entregar-lhe meios gramas de (alfa)-PHP, pelo preço compreendido entre €25,00 (vinte e cinco euros) e €35,00 (trinta e cinco euros), coisa que importa, ao menos o valor global de €66,00 (11 meses = 44 semanas x 3 compras por semana = 132 x €5,00);
5.
No período compreendido entre fevereiro de 2023 e início de agosto de 2023, os arguidos AA, primeiro e depois com o BB entregaram, de forma concertada, diariamente, ao consumidor JJ, pelo menos 2 (dois) pacotes de (alfa)-PHP e dele receberam, em pagamento, a quantia de €5,00 (cinco euros) por cada pacote, coisa que importa o valor total de €3.150,00 (7 meses = 210 dias x 3 compras dia = 630 x €5,00);
6.
No período compreendido entre junho de 2023 e início de agosto de 2023, os arguidos AA e BB entregaram, de forma concertada, duas vezes por semana, ao consumidor GG, pelo menos 2 (dois) pacotes de (alfa)-PHP e dele receberam, em pagamento, a quantia de €5,00 (cinco euros) por cada pacote, coisa que importa o valor total de €80,00 (2 meses = 8 semanas x 2 compras por semana = 16 x €5,00);
7.
No período compreendido entre 23.5.2023 e 18.7.2023, no interior da residência apontada em 1., os arguidos AA, primeiro e com BB depois, cederam gratuita e diariamente, pelo menos dois pacotes de (alfa)-PHP, a CC, nascida a 21.6.2006, para consumo daquela;
8.
Acresce que, no dia 3 de setembro de 2022, cerca das 17h42 no parque de estacionamento do ..., sito na ... o arguido AA detinha na sua viatura de matrícula ..-..-PC:
. 1 (um) punhal com cabo em plástico duro com comprimento total de 23,5 cm, com lâmina de 13 cm;
. no porta luvas, sete sacos de plástico, contendo no seu interior folhas de canábis, com o peso de 83,500 gramas, suficiente para 133 doses;
. na consola central do veículo, uma tesoura;
Nessas mesmas circunstâncias, o arguido AA detinha consigo 10 (dez) embalagens, em formato de panfletos, contendo no seu interior (alfa)-PHP, com o peso de 0,434 gramas; a quantia monetária de €85,00 (oitenta e cinco euros), repartida em duas notas faciais de €20,00 (vinte euros), uma nota de €10,00 (dez euros) e sete notas de €5,00 (cinco euros) e um telemóvel, de marca Google;
Nesse mesmo dia 3 de setembro de 2022, cerca das 19h30, o arguido AA detinha na sua residência, sita na ..., concelho de ...:
. 1 (um) tubo em cartão, contento 19,770 gramas de folhas de canábis, suficientes para 11 (onze) doses;
. 1 (um) tupperware para acondicionamento de produto estupefaciente;
. 1 (um) frasco contendo 45 (quarenta e cinco) recortes plásticos;
. 1 (um) frasco preto;
. 1 (uma) balança digital de precisão;
. 1 (um) frasco de plástico; e
. 1 (uma) colher de café.
9.
O produto estupefaciente que o arguido AA detinha, naquelas circunstâncias, consigo, destinava-se a ser cedido e/ou vendido a terceiros;
Os instrumentos que o arguido detinha destinava-se ao acondicionamento, preparação, dosagem e embalamento do produto estupefaciente que tinha como fim último ser vendido a terceiros consumidores;
O dinheiro que o arguido AA transportava e detinha, naquelas circunstâncias, correspondia ao lucro por aquele obtido com a venda de estupefaciente;
10.
No dia 3 de maio de 2023, pelas 16h15, na ..., o arguido AA transportava no veículo de matrícula ..-..-UA, um doseador artesanal de produto estupefaciente; uma colher metálica de pequenas dimensões e €380,00 (trezentos e oitenta euros) em notas, repartidas em quinze notas de €20,00, sete notas de €10,00, e em duas notas de €5,00, que o arguido obteve da venda de (alfa)-PHP a terceiros;
Os instrumentos que o arguido detinha destinava-se ao acondicionamento, preparação, dosagem e embalamento do produto estupefaciente que tinha como fim último ser vendido a terceiros consumidores;
11.
No dia 16 de maio de 2023, pelas 15h15, na ... o arguido AA detinha no interior do veículo automóvel de matrícula ..-..-UA um saco de plástico, em formado de panfleto, contendo no seu interior (alfa)-PHP, com o peso de 0,909 gramas e ainda trinta euros em notas do banco central europeu, proveniente da venda de droga sintética pelo arguido AA;
O produto estupefaciente que o arguido AA detinha, naquelas circunstâncias, consigo, destinava-se a ser cedido e/ou vendido a terceiros;
12.
No dia 26 de julho de 2023, cerca das 9h40, no interior da residência de AA sita na ..., o arguido AA detinha:
. 1 (um) plástico contendo 1,694 gramas de folhas de canábis, suficiente para 3 doses individuais;
. 6 (seis) pedaços de resina de canábis, com o peso bruto de 6,180 gramas, suficiente para 32 doses individuais;
. 5 (cinco) pacotes de plástico contento no seu interior 3,097 gramas de (alfa)-PHP;
. vários recortes em plástico;
. 1 (um) telemóvel marca Redmi;
. a quantia monetária de €620,00 (seiscentos e vinte euros), em notas do banco central europeu, repartidas por 20 (vinte euros) notas de €20,00 (vinte euros), 19 (dezanove) notas de €10,00 (dez euros) e 6 (seis) notas de €5,00 (cinco euros);
. vários recortes em plástico usados para o acondicionamento de produto estupefaciente; e
. 1 (um) excedente de vários recortes de plástico;
O produto estupefaciente que o arguido AA detinha, naquelas circunstâncias, consigo, destinava-se a ser cedido e/ou vendido a terceiros;
Os instrumentos que o arguido detinha destinava-se ao acondicionamento, preparação, dosagem e embalamento do produto estupefaciente que tinha como fim último ser vendido a terceiros consumidores;
O dinheiro que o arguido AA detinha, naquelas circunstâncias, correspondia ao lucro por aquele obtido com a venda de estupefaciente;
13.
Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido BB detinha:
. 1 (uma) balança de precisão;
. 1 (uma) tampa proveniente de uma balança de precisão que BB atirou pela janela;
. 8 (oito) pacotes contendo no seu interior 0,693 gramas de (alfa)-PHP;
. 3,385 gramas de folhas de canábis, insuficientes para 1 dose individual;
. 1 (um) pacote de plástico contento no seu interior 0,123 gramas de (alfa)-PHP;
. 1 (um) plástico de onde foram extraídos vários círculos; e
. 1 (um) telemóvel de marca Samsung, de cor preta;
O produto estupefaciente que o arguido BB detinha, naquelas circunstâncias, consigo, destinava-se a ser cedido e/ou vendido a terceiros;
Os instrumentos que BB detinha destinava-se ao acondicionamento, preparação, dosagem e embalamento do produto estupefaciente que tinha como fim último ser vendido a terceiros consumidores;
14.
No dia 26 de julho de 2023, cerca das 9h40, na residência sita na ..., o arguido BB guardava, um saco de plástico recortado e vários círculos de plástico para doseamento e acondicionamento de produto estupefaciente e um livro de notas;
15.
Os arguidos AA e BB agiram da forma acima descrita, de comum acordo e em conjugação de esforços e intenções, bem como de modo livre, voluntário e consciente, com a intenção concretizada de, durante todo o período temporal acima indicado, procederem à venda lucrativa de produtos estupefacientes, mormente canábis e (alfa)-PHP;
O que foram fazendo de forma diária e praticamente ininterrupta, embora soubessem que se tratavam de substâncias cuja aquisição, transporte, detenção, venda ou cedência são proibidas por lei e criminalmente punidas;
Distribuindo tarefas entre si, acordando em conjunto o preço de cedência do produto estupefaciente aos indivíduos que posteriormente procediam à venda a terceiros consumidores, e na coleta dos lucros dessa cedência;
Os arguidos sabiam que a consumidora CC tinha menos de 17 anos de idade e, ainda assim, não se coibiram de ceder àquela, nas condições supra descritas, (alfa)-PHP para seu próprio consumo;
O arguido AA conhecia a natureza e caraterísticas da arma branca que detinha, nas descritas circunstâncias, a qual é afeta a atividades agrícolas, venatórias e florestais;
Igualmente estava ciente que detinha o punhal fora do local do seu normal emprego, sem qualquer justificação, o que quis e fez;
Bem sabiam ainda os arguidos que as suas condutas eram proibidas pela lei penal;
Mais se provou:
16.
Que por conta das vendas acima apontadas, arrecadou o AA, conluiado, mais para o fim com o BB, a verba global de €5.546,00;
Resulta dos relatórios sociais e dos CRC´s dos arguidos:
17.
a).
AA, à data da prática dos factos, encontrava-se a residir numa casa arrendada, sito na .... À data, e durante um período de três meses, residiu, igualmente, nesta habitação o coarguido BB, que o arguido tem como seu amigo desde a infância, tendo, no entanto, num passado recente, terminado o relacionamento de amizade. AA encontrava-se em situação economicamente precária, uma vez que estava desempregado e que dependia/sobrevivia de apoio social, designadamente, do Rendimento Social de Inserção (RSI), então, de cerca de €220 (duzentos e vinte euros) e de alguns trabalhos pontuais que executava na área da … e da prática da …. Com as despesas fixas mensais, então, atinentes à renda da habitação no valor de €200 (duzentos euros). Desde dezembro do ano passado que se encontra a residir com o progenitor KK, de 67 anos de idade, reformado por invalidez, da profissão de …, cuja dinâmica familiar é tida como positiva, contexto que foi confirmado junto de fontes da comunidade. A habitação, propriedade do progenitor, dispõe de razoáveis condições de habitabilidade e salubridade. A satisfação das necessidades básicas atuais encontra-se assegurada, de forma precária, através da reforma por invalidez atribuída ao progenitor, no valor de cerca de €400 (quatrocentos euros) e de apoio social para a compra de medicação do pai, que sofre de graves problemas de saúde. O Rendimento Social de Inserção (RSI) que recebia foi suspenso, por não ter comparecido no Núcleo de Ação Social local para renovação do mesmo, mas será novamente avaliado e, possivelmente, renovado, uma vez que se encontra sujeito a obrigação de permanência na habitação com vigilância. AA é considerado um indivíduo que adota uma postura adequada e colaborante. Com os principais encargos tem as despesas fixas mensais com o consumo doméstico no valor de cerca de €130 (cento e trinta euros). Por outro lado, importa referir que AA, com 42 anos de idade, é o segundo de uma fratria de três elementos, nascido no seio de um agregado familiar de humilde condição socioeconómica e cultural, cuja infância e adolescência decorreram na presença dos progenitores e das irmãs. A mãe, falecida há cerca de quinze anos era doméstica. Passou por um processo de crescimento e desenvolvimento envolto numa dinâmica familiar adequada e na qual, não obstante algumas dificuldades económicas, viveu uma infância feliz, graças aos pais que se apontaram como figuras presentes e capazes de impor regras e normas de conduta aos filhos. Não obstante ter integrado o sistema de ensino em idade própria, e não ter registado nenhuma retenção até ao 7º ano de escolaridade, optou por abandonar o sistema de ensino, quando se encontrava a frequentar o 8º ano de escolaridade, aos 14 anos de idade, habilitado com o 7º ano de escolaridade, tudo em razão de dificuldades ao nível da aprendizagem da língua inglesa e francesa e, igualmente, com o intuito de contribuir para a economia familiar. Após o abandono do sistema de ensino, começou por trabalhar na …, na qual permaneceu durante cerca de quinze anos. Paralelamente, exercia, igualmente, trabalhos na …, esta última durante cerca de quatro anos, vindo mais tarde, e após o divórcio, a vivenciar situações frequentes de desemprego, por questões relacionadas com a sua problemática aditiva. Quando foi sujeito à referida medida de coação, encontrava-se desempregado e tem a ficha inativa desde ........2021 no Centro de Qualificação e Emprego por não ter comparecido a convocatória. AA, com dezassete anos de idade, contraiu matrimónio com LL, com quem esteve casado durante cerca de vinte e dois anos, tendo deste casamento nascido cinco filhas, atualmente com idades compreendidas entre os vinte e seis e os dez anos de idade, que se encontram à guarda da progenitora. Após o divórcio, AA optou por abdicar dos bens do casal, a favor das filhas, pelo que ficou sem bens materiais, situação que veio a originar instabilidade emocional, culminando em estado depressivo e consequente início do consumo de Novas Substâncias Psicoativas (NSP), quando tinha trinta e nove anos de idade, como forma de atenuar o sofrimento sentido. Apuraram-se, outrossim, consumos abusivos de bebidas alcoólicas por parte do arguido, que originaram desavenças e a institucionalização da ex-mulher em casa abrigo, juntamente com as filhas e consequente separação do casal. Na sequência deste processo, foi sujeito a acompanhamento por parte desta Equipa no âmbito do Processo nº 532/18.4PARGR, no qual foi sujeito a avaliação médica para despiste de eventual problemática aditiva ao álcool, não tendo sido reconhecida problemática a esse nível. AA nunca foi sujeito a tratamento à problemática aditiva a substâncias psicoativas e desde que foi sujeito a medida de coação de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de ... e posteriormente com vigilância eletrónica, apontando, ainda assim, abstinente ao consumo de substâncias psicoativas. Relativamente à ocupação dos tempos livres, antes de ser sujeito à referida medida de coação, dedicava-se à atividade piscatória, em obras de beneficiação na habitação, em jogos de tabuleiro e em trabalhos manuais, pelo que ainda mantém estas três últimas ocupações. AA é um indivíduo reservado/tímido que apresenta fragilidades ao nível emocional/interação pessoal, baixo sentido critico e de autovitimização, atribuindo o seu atual circunstancialismo de vida ao contexto do divórcio e à sua problemática aditiva. Revela, igualmente, dificuldades ao nível do controlo dos impulsos, não antecipando o resultado dos seus comportamentos, essencialmente quando sob o efeito de substâncias psicoativas. AA teve o primeiro contacto com o Sistema de Justiça em 2018 quando, no âmbito do Processo nº 532/18.4PARGR foi sujeito a medida de coação de proibição de contactos (com LL, ex-mulher), com vigilância eletrónica, pela prática de um crime de violência doméstica, que ocorreu entre 24.8.2018 e 2.11.2018. No âmbito do mesmo processo, foi-lhe aplicado o instituto da suspensão provisória do processo pelo período de dois anos, com obrigação de frequência do Programa CONTIGO, direcionado para agressores de violência doméstica, que cumpriu. Em março de 2023, pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, (Processo nº 83/23.5PARGR), foi condenado na pena de setenta dias de multa, substituída por setenta horas de trabalho a favor da comunidade, que, igualmente, cumpriu. Face ao presente Processo, AA apresentou discurso de demarcação de responsabilidades, não assumindo qualquer tipo de comportamento menos ajustado ao contexto de dependência aditiva. É em termos pessoais que o arguido centra o impacto decorrente do facto de ter sido constituído arguido no âmbito do presente processo, denotando dificuldade ao nível da autocrítica, não incluindo o potencial impacto da sua conduta em terceiros. Embora contrariado, revelou-se recetivo a uma eventual reação penal, embora ansioso/receoso perante a continuação da privação da liberdade e possível reclusão em meio prisional. Junto da Polícia de Segurança Pública, apurou-se que o arguido se encontra indiciado no NUIPC nº 29/23.0PBRGR, pela alegada prática de um crime de trafico de estupefacientes, ocorrida em 3.2.2023. AA, com 42 anos de idade, nascido no seio de um agregado familiar de humilde condição socioeconómica e cultural, é um indivíduo cujo processo de crescimento e desenvolvimento decorreu no seio de um agregado familiar aparentemente estruturado, no qual foram incutidas pelas figuras parentais regras e normas de conduta, contexto que lhe terá proporcionado um percurso de vida minimamente estruturado. Iniciou os consumos de substâncias psicoativas, na fase de divórcio dos progenitores, problemática que veio a desestabilizar o percurso de vida do arguido a todos os níveis. Embora beneficie de apoio por parte do progenitor e de se tratar de um indivíduo com hábitos de trabalho, a recente situação de desemprego, que resulta na incapacidade de se autonomizar, associada a vulnerabilidades de competências de planeamento e resolução de problemas, tendendo a agir de forma impulsiva, poderão dificultar a adequação da conduta do arguido às normas/regras sociais vigentes, contextos que se afiguram como fatores de risco;
b).
Este arguido já foi condenado:
 Por sentença de 9.2.2023, por factos integradores do crime de condução sem habilitação legal praticados em 28.1.2023, na pena de multa; e
 Por sentença de 23.5.2023, por factos integradores do crime de desobediência praticados em 16.5.2023, na pena de multa;
18.
a).
BB…porque não compareceu nas DGRS, não temos informações a seu respeito;
b).
Este arguido já foi condenado:
 Por sentença de 25.10.2023, por factos integradores do crime de furto simples praticados em 8.7.2022, na pena de multa; e
 Por sentença de 9.11.2023, por factos integradores dos crimes de furto qualificado praticados em 27.6.2022 e 25.8.2022, na pena de multa.
(…)
b. São os seguintes os factos dados como não provados pelo tribunal de 1ª Instância:
(…)
Da acusação:
19.
Os arguidos AA e BB diariamente adquiriam 10 dez gramas de (alfa)-PHP que posteriormente fracionavam/recortavam em panfletos mais pequenos e revendiam a terceiros que os procuravam quer na residência onde se encontram quer por contacto telefónico;
20.
No que toca às vendas preconizadas pelos arguidos, que foram para lá do que consta dos pontos 2. a 7. supra.
(…)
c. É a seguinte a fundamentação relativa à determinação das consequências penais no caso:
(…)
BB - Escolha e determinação da medida da pena:
O crime de detenção de arma proibida praticado pelo arguido AA é punido, abstratamente, com pena de prisão ou multa.
Sendo assim e quanto a este, coloca-se-nos o problema de ter de optar entre a aplicação de uma ou de outra das penas.
Nos termos do disposto no artº.70º do CP, o tribunal deverá dar preferência à pena não privativa da liberdade "sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição" (exigências de prevenção e de reprovação do crime), contudo, in casu, verificamos que o arguido foi já condenado em penas de multa que não vieram a surtir o efeito que com elas se pretendia, pois não se mostraram idóneas a afastar o arguido da prática de crimes. Acresce que os factos praticados pelo arguido formam um conjunto aglutinado ao nível temporal e da dinâmica, sendo uns, causa ou consequência dos precedentes, não devendo, por isso e por razões de natureza preventiva especial, ser dissociados uns dos outros nomeadamente através da aplicação de penas de natureza distinta que teria um efeito de menorização de uns face aos demais. Só a prisão acautela os fins das penas.
Determinação da medida da pena:
O crime de tráfico de estupefaciente agravado praticado em coautoria pelos arguidos AA e BB [artºs.21º, nº.1 e 24º, al. a) do DL 15/93, de 22.1] cometido pelos arguidos é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos de prisão.
O crime de detenção de arma proibida [artº.86º, nº.1, al. d), por referência ao artº. 3º, nº. 2, al.ab) e artº.2º, nº.1, al.m), todos da Lei n.º 5/2006, de 23.2] cometido pelo arguido AA é punido, face à escolha acima preconizada, com pena de prisão de prisão de 1 mês a 4 anos.
Não ignoramos a idade do arguido BB…contudo, porque se trata de crime exaurido, consumando-se com o último ato, neste já ele tinha para mais de 21 anos…não beneficiando, assim, do regime penal para jovens.
Posto isto, importa determinar a medida concreta da pena a aplicar a cada qual.
Nos termos do disposto pelo artº. 40º do CP, a finalidade primeira das penas reside na tutela dos bens jurídicos, devendo traduzir, a sua aplicação, a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade da norma violada, sem perder de vista, na medida do possível, a reinserção social do arguido, ou seja, as exigências de prevenção e de repressão geral da criminalidade, por um lado, e, por outro, as exigências específicas de socialização e de prevenção da prática de novos crimes.
Do disposto no artº.71º, nº.1 do CP decorre que a determinação da medida da pena é, dentro dos limites estabelecidos na lei, feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, estabelecidas no citado artº. 40º.
Encontrada a moldura da pena, fixada em função das exigências de prevenção geral positiva, devem então funcionar as exigências de prevenção especial, em particular as exigências de prevenção especial positiva ou de socialização, para a determinação concreta da pena, tendo sempre presente que a culpa representa o limite inultrapassável da mesma.
Sendo estes os postulados de que devemos partir, cumpre dar realização prática aos mesmos, o que faremos nos termos do artº.71º, nº.2 do CP.
Em conformidade com o disposto neste último normativo, na determinação concreta da pena devemos atender “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.
No caso vertente as exigências de prevenção geral são bastante elevadas…com especial relevo nesta região tão flagelada pelas consequências associadas ao vício que a droga despoleta. Com efeito, estamos perante delitos que são alvo de grande censura comunitária, e que somos frequentemente confrontados na comarca (infelizmente cada vez mais como é noticiado amiúde) e cujos prejuízos, no que se reporta ao tráfico, são incalculáveis no que toca à saúde dos consumidores que, a final, é atingida. Ademais, o forte sentimento de insegurança gerado por situações desta natureza denota a necessidade de transmitir um sinal claro à comunidade no sentido da afirmação da validade da norma violada, restabelecendo o sentimento de segurança abalado pelo crime.
O grau de ilicitude da conduta e da culpa é acentuado atenta a sua concretização; a natureza dos produtos visados; quantidade; à persistência na atividade criminosa e aos meios usados.
Os seus antecedentes, ainda que por crimes de natureza diversa, dão nota clara sobre as exigências de prevenção especial negativa.
Não confessaram os factos e dessa feita não revelaram qualquer interiorização acerca do desvalor das respetivas condutas…não mostrando qualquer arrependimento já que arreigam as suas condutas no vício que entendem tudo justificar.
O dolo é intenso, revelado na sua modalidade mais gravosa de dolo direto.
A sua postura durante e após a prática dos factos que nos remete para a consciencialização do desvalor das condutas que praticaram.
As suas condições pessoais, sociais e profissionais reveladas no respetivo relatório social, no que toca ao AA…apontam para a falta de integração a todos os níveis.
Assim, apresentam-se de monta considerável as necessidades de prevenção especial no sentido negativo…pois tem antecedentes criminais por crime da mesma natureza.
Deste modo, ponderando os factos na sua globalidade e sopesando todas as referidas circunstâncias, atenta a gravidade do seu comportamento, considera-se justa, adequada e proporcional:
Para o AA:
. a pena de 7 anos de prisão para o tráfico agravado; e
. a pena de 1 ano de prisão para a detenção de arma proibida.
E, cúmulo, escudando-nos nas razões já acima expostas, afixar a pena única em 7 anos de 6 meses de prisão.
Para o BB, tendo em conta o grau de participação nos fatos:
. a pena de 5 anos e 6 meses de prisão para o tráfico agravado.
*
BC - Da aplicação aos arguidos do perdão a que se reporta a lei 38-A/2023, de 2.8.:
Tendo em conta a natureza dos crimes por que foram condenados, não podem beneficiar do perdão aqui em causa.
(…)”
»
II.4- Apreciemos, então, as questões a decidir.
Questões de conhecimento oficioso: vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal:
Estamos perante vícios formais, também designados de vícios decisórios, que se encontram previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, que, conforme decorre do referido preceito legal, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, não se estendendo, pois, a outros elementos, nomeadamente que resultem do processo, mas que não façam parte daquela decisão, sendo, portanto, inadmissível o recurso a elementos àquela estranhos para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento5. Tratam-se, portanto, de vícios intrínsecos da sentença que visam o erro na construção do silogismo judiciário.
De tal preceito decorre:
“1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.”
Ora, da análise de tal preceito legal decorre, portanto, que a decisão sobre a matéria de facto é suscetível de ser posta em causa por via dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, vícios decisórios esses que, conforme se referiu supra, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal, ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício reporta-se à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não com a falta de prova para a decisão da matéria de facto provada[10].
Trata-se de uma insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, de um “vício de confecção da matéria de facto”, (…) impeditivo de bem se decidir , tanto no plano objectivo como subjectivo, o julgador quedou-se por uma investigação lacunar, deixou de indagar factos essenciais à decisão de direito, figurando na acusação, defesa ou resultantes da decisão da causa, impedindo de bem decidir no plano do direito, comprometendo a conclusão final do silogismo judiciário”.(vd.Ac.STJ de 28/09/2023, proc. 24/19.4PBPTM.E1.S1)
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, vício previsto no artigo 410º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal, consiste na incompatibilidade, insuscetível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. O que ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o erro notório na apreciação da prova, vício previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis.
Trata-se de um erro de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.
“Com a invocação do vício de erro notório questiona-se, não o conteúdo da prova em si, nomeadamente do que foi dito no depoimento ou nas declarações prestadas, cujo teor se aceita, mas a utilização que foi dada à referida prova, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto, na medida em que o tribunal valorizou a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados ou então quando da decisão se extrai de modo óbvio que optou por decidir, na dúvida, contra o arguido”. (Ac.RC. de 24/04/2018, proc.1086/17.4T9FIG.C1)
Resumindo, o erro notório traduz-se, basicamente, em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando determinado facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo.
Tal erro já não se verifica se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não conduz ao referido vício.
Por fim, relembre-se, os erros da decisão, para poderem ser apreciados ou mesmo conhecidos oficiosamente, devem detectar-se, sem esforço de análise, a partir do teor da própria sentença, sem recurso a elementos externos como seja o cotejo das provas disponíveis nos autos e/ou produzidas em audiência de julgamento.
Resulta do acórdão recorrido, no que diz respeito às condições económicas e sociais do arguido BB que “…porque não compareceu nas DGRS, não temos informações a seu respeito”.
Analisando o processo resulta que:
Em 09/04/2024, por ref.ª 5671171, a DGRSP informa o Tribunal que “ o arguido BB não compareceu nas instalações desta Equipa, no passado dia 03/04/2024, e até ao momento não justificou o motivo da sua ausência, pelo que, não foi possível a realização de entrevista com vista à elaboração do Relatório Social”.
Da acta de audiência de julgamento de 10/04/2024 consta a seguinte informação “aquando da chamada foi-me informado por um membro da assistência que o arguido BB encontrava-se recluso no EP de ... desde o dia 2 do corrente mês, o que foi confirmado pela Ilustre advogada e por contacto telefónico com o EP de ... (que se disponibilizou em conduzir o arguido a este Tribunal), o que transmiti ao Mm.º Juiz Presidente.”.
Da mesma acta resulta o seguinte despacho: “em suma, não foi possível, até à presente data, realizar o relatório social, falta que será suprida, eventualmente, se comparecer, perante as declarações que apresentar relativamente às condições pessoais.”
Nessa data o arguido não prestou declarações, mas veio a prestá-las na audiência de julgamento que se realizou em 17/04/2024, sem que lhe tenham sido feitas quaisquer perguntas sobre a sua condição sócio-económica.
Cumpre apreciar:
Conforme refere o art.º 1º al. g) do Cód. Processo Penal, o relatório social “é a informação sobre a inserção familiar e socioprofissional do arguido e, eventualmente, da vítima, elaborada por serviços de reinserção social, com o objetivo de auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, para os efeitos e nos casos previstos na lei”
Por sua vez, resulta do art.370º nº1 do Cód.Processo Penal que “O tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respetiva atualização quando aqueles já constarem do processo.”
Por seu turno, preceitua o art.º 71º do Código Penal, sob a epígrafe “Determinação concreta da pena” (na parte que ora releva):
“1 – A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 – Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
(…)
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 – Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.”
No caso sub judice, da análise do acórdão, temos por assente que o tribunal a quo decidiu sobre a medida da pena a aplicar ao arguido BB sem que tivesse sido junto aos autos o respetivo relatório social, não obstante tivesse sido solicitado à DGRSP a sua elaboração.
Face à informação daquela entidade, que referia que o arguido não tinha comparecido em data na qual se veio a apurar que estava já detido, sempre seria de concluir que tal omissão lhe não era imputável.
Neste caso, tendo atempadamente solicitado o envio de tal elemento, foi porque entendeu que o mesmo poderia vir a ser essencial para a determinação da medida da pena, em caso de condenação, pelo que deveria ter solicitado a sua realização com urgência, face à natureza igualmente urgente do processo, sendo certo que a audiência não terminaria nesse dia e seria designada nova data para o efeito.
Seguiu o tribunal a quo outro caminho, sustentando que iria indagar junto do arguido sobre as suas condições sócio-pessoais.
A verdade é que tal nunca veio a acontecer, sem que tivesse sido produzido em audiência outro meio de prova atinente a tal, invocando para efeitos de consideração da sua conduta anterior os antecedentes criminais, atento o teor do certificado de registo criminal junto a aos autos, e cristalizando apenas no acórdão “não temos informações a seu respeito”.
Terá o tribunal a quo desenvolvido todas as diligências possíveis para obter prova sobre as condições pessoais e sociais do arguido?
Afigura-se-nos claramente que não, pelo contrário, omitiu de forma decisiva as várias opções de diligências investigatórias que tinha ao seu alcance para o apuramento de tais factos, demitindo-se de tal função e plasmou no acórdão que tal se devia à conduta do arguido.
Não curou de verificar que na data em que o mesmo deveria ter comparecido perante a DGRSP o mesmo se encontrava já detido, pelo que tal omissão lhe não era imputável, e logo aí deveria ter diligenciado pela realização do referido relatório.
E mesmo aceitando-se que se poderia bastar pela obtenção de algumas informações tendo por base as suas declarações (o que face à idade do mesmo e à moldura penal do crime de que se encontrava acusado se afigura de difícil compaginação), nunca tal veio a ocorrer.
Respigando aqui as considerações acima tecidas sobre o disposto no art.º 410º nº 2 al. a) do Cód.Processo Penal, vimos que o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista a sua importância para a decisão.
É sem dúvida a situação que analisamos, em que relativamente à questão de determinação da medida da pena, no segmento das condições pessoais e económicas, nada se apurou, numa situação em que o arguido tem 21 anos, encontra-se acusado de um crime cuja moldura penal se situa em patamares muito elevados e mostra-se ligado ao mundo da toxicodependência.
Afigura-se assim que tais elementos eram determinantes para uma decisão conscienciosa, podendo e devendo o tribunal a quo ter realizado as diligências investigatórias para o efeito.
Reitera-se, como elemento decisivo, a possibilidade de o tribunal ter obtido tais informações, distinguindo-se de todas aquelas que em que as diligências são infrutíferas, ou porque o arguido se exime dolosamente à realização do relatório, ou das que não comparece em audiência de julgamento.
A pedra de toque para a conclusão que a omissão na sentença dos factos relevantes para determinar a pena conduz ao vício previsto no artigo 410º nº 2 al. a), será sempre a da existência ou não de motivo justificativo da abstenção da acção investigatória pelo tribunal.
Não o fazendo verifica-se do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto na al. a) do n.º 2 do art. 410º do Código de Processo Penal.
Seguimos aqui o Ac. RP de 09/11/2016, proc.1927/05.9TAVNG.P1 quando refere:
I - A omissão na sentença dos factos relevantes para determinar a pena, apenas conduz ao vicio do art.º 410º n.º 2 al. a) CPP se do processo, resultar que o tribunal não teve a iniciativa de os investigar quando devia e podia tê-lo feito sendo possível produzir essa prova.6
Tal vício emerge, conforme exige esse preceito, do texto da decisão recorrida, apreciada na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, podendo assim concluir-se, que com os factos dados como provados, não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou no que concerne à determinação da medida da pena.
Constatada a existência do apontado vício, importa determinar o reenvio do processo para novo julgamento, cingido à investigação dos factos acima apontados nos termos dos artigos 426º, nº 1 e 426º-A, do CPP.
Para o efeito, deverá ser solicitada a elaboração de relatório social e determinar-se a produção de quaisquer outros meios de prova que se entendam como necessários e adequados, proferindo-se em seguida novo acórdão, em consequência do que assim se apurar, nos termos conjugados dos arts. 410º, n.º 2, al. a), 426º, nº 1, e 426º-A, que se pronuncie quanto às consequências jurídicas desse novo julgamento de facto, nomeadamente em relação à determinação da medida da pena.
*
Tendo-se verificado o aludido vício de índole processual, devendo a matéria de facto relativa a esta parte dos autos ser alvo de novo julgamento, o objecto do recurso interposto pelo arguido BB mostra-se liminarmente prejudicado pelos termos de tal decisão anterior, face ao seu âmbito.
*
III- DISPOSITIVO
Nestes termos, em face de tudo o exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Lisboa decidem:
- por se verificar o vício do art.º 410º n º2 al. a) do Cód. de Processo Penal, determinar, ao abrigo do disposto no art.º 426º nº 1 do Cód. de Processo Penal, o reenvio parcial do processo para novo julgamento, relativamente ao arguido BB, devendo ser solicitado a elaboração de relatório social sobre o mesmo, e determinar-se a produção de quaisquer outros meios de prova que se entendam necessários e adequados, tendo em vista o apuramento da sua condição social e económica, devendo em conformidade ser proferida Acórdão que se pronuncie quanto às consequências jurídicas desse novo julgamento de facto, nomeadamente em relação à determinação da medida da pena.
O novo julgamento terá lugar nos termos do disposto no art.º 426º–A do Cód. de Processo Penal.
Sem custas, nos termos do que decorre do preceituado no artigo 513º, nº 1 a contrario do Cód. Processo Penal.
*
- rejeitar o recurso interposto nos autos pelo recorrente AA, nos termos do disposto no art.º 417º nº 3 do Cód. de Processo Penal, conforme determinado no ponto 1.6.
Condena-se o arguido recorrente em 3 UCs de taxa de justiça.
*
Comunique-se, de imediato, à 1.ª instância, com cópia.
Notifique nos termos legais.
*
Lisboa, 22 de Outubro de 2024
(O presente acórdão foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos – art.º 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - encontrando-se escrito de acordo com a antiga ortografia)
Os Juízes Desembargadores,
João Grilo Amaral
Rui Poças
Ester Pacheco dos Santos
_______________________________________________________
1. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, pág. 350, Alberto dos Reis, C. P. Civil anot. V, pág.359 e Ac. do S.T.J. de 4Fev.93, na C.J. Acs. do STJ ano I, torno 1, pág.140. Na C.J. Acs. do STJ ano I, tomo 1, pág.140
2. Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.
3. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113.
4. Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995.
5. Cfr. Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pág. 279; Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. Pág. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., págs. 77 e ss..
6. Ver igualmente Ac. RG de 10/07/2018, proc. 108/18.6GAEPS.G1, Ac. RG de 02/05/2023, proc. 154/21.2GAMNC.G1, Ac.RC de 01/06/2022, proc. 218/21.2GCCVL.C1