Em matéria de crimes de tráfico de estupefacientes, salvo situações excepcionais de tráfico de menor gravidade, a ausência de antecedentes criminais não conduz à aplicação de penas no limite mínimo abstractamente estabelecido e, muito menos, à suspensão de execução da pena. As exigências de prevenção de integração para reafirmação dos valores afectados e a afirmação comunitária da validade das normas que protegem os valores subjacentes à punição do crime de tráfico de estupefacientes a isso obstam.
1. No Tribunal Judicial da Comarca de ... Oeste, Juízo Central Criminal de ..., Juiz 3, por acórdão de 15 de Abril de 2024, foram os arguidos AA e BB condenados pela prática, em coautoria material, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo disposto no art.º 21º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-B e I-C anexas ao mesmo diploma, sendo o arguido AA condenado na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, e o arguido BB na pena de 6 (seis) anos de prisão.
2. Inconformados com tal decisão, vieram ambos os arguidos interpor recurso per saltum para este Supremo Tribunal de Justiça, retirando das respectivas motivações, as seguintes conclusões: (transcrição)
AA
A) O arguido AA foi condenado, numa pena única de cinco anos e seis meses de prisão efectiva.
B) O Tribunal a quo deu como provados os factos constantes na decisão e que não iremos reproduzir, pois o objecto do presente recurso respeita apenas a discordância que temos relativamente a medida da pena e pena aplicada.
C) Em nosso entender a pena aplicada é deveres exagerada.
D) De acordo com o artº 21º do DL.15/93, de 22 de janeiro,, sob a epígrafe “Tráfico e outras actividades ilícitas” a moldura penal abstracta é de 4 a 12 anos.
E) Nos temos do Artº 40º que dispõe sobre as finalidades das penas:”“a aplicação de penas e das medidas de segurança, visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, de acordo com o artº 71º do mesmo diploma.
F) Como se tem reiteradamente afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no Artº 18º nº 2 da CRP, segundo o qual “ a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo s restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
G) A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artº 27º, nº2 da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou de proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo a qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –adequação- que implica que a pena deve ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido restrito –de acordo com o qual deve ser encontrado na justa medida, impedindo deste modo, que possa ser despropositada ou excessiva.
H) Como se tem reafirmado, para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o citado no Artº 71º, nº 2 – considerar os factores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, os factores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjectivo – indicados na alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente”, bem como os factores atinentes ao agente, que tem que ver com a sua personalidade – factores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente, na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto e na alínea f) (falta preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto).
I) O comportamento do agente, a que se refere as circunstâncias das alíneas e) e f), adquire particular relevo para a determinação da medida da pena com vista das exigências de prevenção geral especial-
I) O Artº 77º, nº 1 do CP – estabelece que o critério específico a usar na fixação da medida da pena única é o da consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente.
J) É aqui que reside o busílis da questão. Será necessário aplicação duma pena tão elevada a um jovem, que tem família que o apoio, como a mãe e a irmã, quando muitas vezes em situações mais “graves” com maiores quantidades de produto e grau de pureza elevados são aplicadas penas de prisão inferiores àquela que lhe foi aplicada.
K) É que quanto às exigências de prevenção geral e especial, elas são médias. Vejamos:
4. O grau de ilicitude é baixo, pois nem se pode afirmar que ao arguido transacionava produto estupefaciente, pois nenhuma prova foi feita.
5. O dolo sendo directo, não é particularmente intenso;
6. A condição sócio económica do arguido é muito modesta.
7. A quantia encontrada na posse doa arguido tinha sido recebido por herança por morte do pai.
L) Tudo ponderado no que respeita à pena por tráfico de estupefacientes – artº 21º D.L.15/93, de 22 de Janeiro, a mesma deveria situar-se entre os 4 anos e os 4 anos e 6 meses, até ao máximo dos 5 anos.
M)Depois de explanarmos que o Recorrente deveria ser condenado numa pena não superior aos 5 anos de prisão, há que ponderar se a mesma deverá ser suspensa na sua execução.
N) A decisão recorrida, ao optar pela aplicação de uma pena efectiva, em detrimento de pena não privativa da liberdade, fê-lo, além do mais, ao arrepio das modernas correntes doutrinais.
O) O tribunal a quo afastou a aplicação da pena suspensa até pela condenação na pena de 6 anos e 3 meses de prisão, superior aos 5 anos, por considerar que só assim se visam acautelar de modo adequado e suficiente as finalidades da punição.
P) Por outro lado, o atirar arguidos como o Recorrente para “dentro” de um estabelecimento prisional é muito mau para efeitos de ressocialização, até porque como todos sabemos as prisões são verdadeiras escolas do crime, pelo é nosso entendimento que ao arguido deve ser dado uma última chance, uma vez que este tem apoio familiar, o que é benéfico para a sua reinserção social e é primário.
Q) A correcta interpretação do estipulado pelo legislador (Artº 71º do Cõd. Penal), deve conduzir à prevalência de considerações de prevenção especial de socialização, sobre outras, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
R) O recorrente reúne os pressupostos básicos da aplicação da pena de substituição e o tribunal ainda assim dispunha de elementos que lhe permitem formular um juízo de prognose positivo logo favorável.
S) Sem olvidar que, a pena suspensa na sua execução não perde a sua virtualidade enquanto elemento dissuasor da prática de novos crimes que é, pois todo e qualquer arguido sujeito a uma pena suspensa na respectiva execução sabe que se prevaricar a suspensão será revogada, além de ser objecto de apertado acompanhamento através do regime de prova.
T) Tudo ponderado e pese embora as exigências de prevenção, entendemos que deve ser decretada a suspensão da execução de tal pena (Artº 50º do Cód. Penal) e, atentos os antecedentes criminais do arguido, tal suspensão deverá ficar sujeita, cumulativamente a regime de prova.
O Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou, entre outros os Artºs 18º e 32º da CRP, o Art 127º do CPP, os artºs 70º, 71º, 72º, 73º, 77º, nº 2 do Cp e ainda os artºs 410º, nº 2, al. a), b) e c) do CPP e 412º al. a), b) CPP e ainda o artº 340º, CPP e ainda ao artigo 50º do C.P.
Nestes termos e nos mais de direito, que V.Exas doutamente suprirão, deve o presente acórdão ser revogado e proferido outro que condene o arguido numa pena única não superior a 5 anos e suspensa na sua execução.
Assim decidindo, V. Exas farão a costumada JUSTIÇA
BB
A) O arguido BB Foi condenado, numa pena única de SEIS ANOS DE PRISÃOA EFECTIVA.
B) O Tribunal a quo deu como provados os factos constantes na decisão e que não iremos reproduzir, pois o objecto do presente recurso respeita apenas a discordância que temos relativamente a medida da pena e pena aplicada.
C) Em nosso entender a pena aplicada é deveres exagerada.
D) De acordo com o artº 21º do DL.15/93, de 22 de janeiro,, sob a epígrafe “Tráfico e outras actividades ilícitas” a moldura penal abstracta é de 4 a 12 anos.
E) Nos temos do Artº 40º que dispõe sobre as finalidades das penas:” “a aplicação de penas e das medidas de segurança, visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, de acordo com o artº 71º do mesmo diploma.
F) Como se tem reiteradamente afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no Artº 18º nº 2 da CRP, segundo o qual “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo s restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
G) A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artº 27º, nº2 da CRP), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou de proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo a qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –adequação- que implica que a pena deve ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido restrito – de acordo com o qual deve ser encontrado na justa medida, impedindo deste modo, que possa ser despropositada ou excessiva.
H) Como se tem reafirmado, para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o citado no Artº 71º, nº 2 – considerar os factores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, os factores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjectivo – indicados na alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente”, bem como os factores atinentes ao agente, que tem que ver com a sua personalidade – factores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente, na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto e na alínea f) (falta preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto).
I) O comportamento do agente, a que se refere as circunstâncias das alíneas e) e f), adquire particular relevo para a determinação da medida da pena com vista das exigências de prevenção geral especial-
I) O Artº 77º, nº 1 do CP – estabelece que o critério específico a usar na fixação da medida da pena única é o da consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente.
J) É aqui que reside o busílis da questão. Será necessário aplicação duma pena tão elevada a um jovem, que tem família que o apoio, como a mãe e a irmã, quando muitas vezes em situações mais “graves” com maiores quantidades de produto e grau de pureza elevados são aplicadas penas de prisão inferiores àquela que lhe foi aplicada.
K) É que quanto às exigências de prevenção geral e especial, elas são médias. Vejamos:
4. O grau de ilicitude é baixo, pois nem se pode afirmar que o arguido transacionava produto estupefaciente, pois nenhuma prova foi feita.
5. O dolo sendo directo, não é particularmente intenso;
6. A condição sócio económica do arguido é muito modesta.
7. A quantia encontrada na posse do arguido tinha sido guardada a pedido duma pessoa que o mesmo não quis revelar para não ter problemas.
L) Tudo ponderado no que respeita à pena por tráfico de estupefacientes – artº 21+º D.L.15/93, de 22 de Janeiro, a mesma deveria situar-se entre os 4 anos e 6 meses e os 5 anos..
M)Depois de explanarmos que o Recorrente deveria ser condenado numa pena não superior aos 5 anos de prisão, há que ponderar se a mesma deverá ser suspensa na sua execução.
N) A decisão recorrida, ao optar pela aplicação de uma pena efectiva, em detrimento de pena não privativa da liberdade, fê-lo, além do mais, ao arrepio das modernas correntes doutrinais.
O) O tribunal a quo afastou a aplicação da pena suspensa até pela condenação na pena de 6 anos, superior aos 5 anos, por considerar que só assim se visam acautelar de modo adequado e suficiente as finalidades da punição.
P) Por outro lado, o atirar arguidos como o Recorrente para “dentro” de um estabelecimento prisional é muito mau para efeitos de ressocialização, até porque como todos sabemos as prisões são verdadeiras escolas do crime, pelo é nosso entendimento que ao arguido deve ser dado uma última chance, uma vez que este tem apoio familiar, o que é benéfico para a sua reinserção social.
Q) A correcta interpretação do estipulado pelo legislador (Artº 71º do Cod. Penal), deve conduzir à prevalência de considerações de prevenção especial de socialização, sobre outras, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
R) O recorrente reúne os pressupostos básicos da aplicação da pena de substituição e o tribunal ainda assim dispunha de elementos que lhe permitem formular um juízo de prognose positivo logo favorável.
S) Sem olvidar que, a pena suspensa na sua execução não perde a sua virtualidade enquanto elemento dissuasor da prática de novos crimes que é, pois todo e qualquer arguido sujeito a uma pena suspensa na respectiva execução sabe que se prevaricar a suspensão será revogada, além de ser objecto de apertado acompanhamento através do regime de prova.
T) Tudo ponderado e pese embora as exigências de prevenção, entendemos que deve ser decretada a suspensão da execução de tal pena (Artº 50º do Cód. Penal) e, atentos os antecedentes criminais do arguido, tal suspensão deverá ficar sujeita, cumulativamente a regime de prova.
O Tribunal a quo ao decidir como decidiu violou, entre outros os Artºs 18º e 32º da CRP, o Art 127º do CPP, os artºs 70º, 71º, 72º, 73º, 77º, nº 2 do Cp e ainda os artºs 410º, nº 2, al. a), b) e c) do CPP e 412º al. a), b) CPP e ainda o artº 340º, CPP e ainda ao artigo 50º do C.P.
Nestes termos e nos mais de direito, que V.Exas doutamente suprirão, deve o presente acórdão ser revogado e proferido outro que condene o arguido numa pena única não superior a 5 anos e suspensa na sua execução.
Assim decidindo, V. Exas farão a costumada JUSTIÇA (fim de transcrição)
3. O Ministério Público na 1ª Instância apresentou resposta aos recursos, retirando das respectivas motivações, as seguintes conclusões: (transcrição)
AA
1. Por Acórdão proferido nos presentes autos foi o AA condenado pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-B e I-C, anexas a este diploma, na pena de 5 (cinco) anos 6 (seis) meses de prisão.
2. Ocrime praticado pelo arguido - tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo rt.º 21.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 15/93, de 22.01, - é punível com prisão de 4 a 12 anos.
3. Nos crimes de tráfico de estupefacientes as finalidades de prevenção geral impõem-secom particularacuidade, pelaforte ressonâncianegativa,naconsciênciasocial,
das actividades que os consubstanciam.
4. Impondo-se, neste tipo de crimes, uma forte reacção punitiva tendo em conta os nefastos efeitos que o consumo de droga origina nas pessoas, nas famílias e na sociedade,
os quais são do conhecimento geral.
5. No caso dos autos milita contra o arguido, o grau da ilicitude dos factos, o grau da culpa, dado que o arguido agiu com dolo directo e intenso e as exigências de prevenção geral que são de considerar muito acentuadas, dada a frequência com que ocorrem crimes contra o património associados ao consumo de estupefacientes, bem como problemas de saúde pública associados ao tráfico e consumo de droga e comportamentos desviantes associados, o que provocaum enorme sentimento de insegurança e alarme social e suscita, por parte da comunidade, uma necessidade acrescida de restabelecimento da confiança na validade das normas infringidas, a exigir por parte do tribunal severidade na punição.
6. De salientar, ainda, as quantidades de produto estupefaciente detidas e a vantagem económica obtida expressa na quantia monetária que lhe foi apreendida.
7. Ora, o Recorrente não falou em audiência de discussão e julgamento, fazendo uso do seu direito ao silêncio.
8. Porém, em sede de 1º interrogatório judicial de arguido detido negou dedicar-se à venda de produto estupefaciente, alegando que apenas deu boleia ao seu coarguido, desconhecendo que o mesmo transportava consigo produto estupefaciente, o que não se coaduna com as regras da lógica nem com as regras da experiência comum.
9. Por outro lado, alegou,então, que aquantiamonetáriaque tinhanasua residência - € 13.670,00, fraccionada, a maior parte, em notas com o valor facial de € 10,00 (197 notas) e € 20,00 (515 notas), tendo outras de valor facial de € 50,00 (12 notas), € 100,00 (2 notas) e de € 200,00 (3 notas) – correspondia a parte da quantia herdada por falecimento do seu pai, no ano anterior, sendo que, num primeiro momento se arrogou proprietário da totalidade daquela quantia que, inicialmente, ascenderia a € 21.000,00. Posteriormente, alegou que lhe pertenceria apenas a quantia de € 4 ou 5 mil sendo que o restante era da sua irmã. Alegou, ainda, que não tinha esse dinheiro no banco por receio penhoras por coimas rodoviárias sendo certo que era da sua conta bancária, de que era titular, que eram mensalmente debitadas as quantias de amortização de crédito por si contraído e despesas domésticas.
10. De notar que o valor facial da maior parte das notas detidas pelo Recorrente – 10 e 20€ - correspondem ao valor do produto estupefaciente normalmente adquirido pelos consumidores.
11. Daqui resulta que o Recorrente não confessou os factos e não revelou arrependimento.
12. Milita a seu favor a sua juventude, o facto de não ter antecedentes criminais e de beneficiar de apoio familiar.
13. Por tudo isto, considera-se correcta a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão em que o Recorrente foi condenado.
14. Logo, e sem necessidade de mais considerações, atenta a pena em que foi condenado, a mesma não pode ser suspensa na sua execução, por inadmissibilidade legal.
15. Nada havendo a censurar à pena aplicada.
16. No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito.
17. Nesta conformidade, negando-se provimento ao recurso e mantendo-se o douto acórdão recorrido, será feita justiça.
Consequentemente, deve o Acórdão recorrido ser confirmado.
BB
1. Por Acórdão proferido nos presentes autos foi o arguido BB condenado pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-B e I-C, anexas a este diploma, na pena de 6 (seis) anos de prisão.
2. Ocrime praticado pelo arguido - tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 15/93, de 22.01, - é punível com prisão de 4 a 12 anos.
3. Nos crimes de tráfico de estupefacientes as finalidades de prevenção geral impõem-secom particularacuidade, pelaforte ressonâncianegativa,naconsciênciasocial,
das actividades que os consubstanciam.
4. Impondo-se, neste tipo de crimes, uma forte reacção punitiva tendo em conta os nefastos efeitos que o consumo de droga origina nas pessoas, nas famílias e na sociedade,
os quais são do conhecimento geral.
5. Milita contra o arguido, o grau da ilicitude dos factos, o grau da culpa, dado que o arguido agiu com dolo directo e intenso e as exigências de prevenção geral que são de considerar muito acentuadas, dada a frequência com que ocorrem crimes contra o património associados ao consumo de estupefacientes, bem como problemas de saúde pública associados ao tráfico e consumo de droga e comportamentos desviantes associados, o que provocaum enorme sentimento de insegurança e alarme social e suscita, por parte da comunidade, uma necessidade acrescida de restabelecimento da confiança na validade das normas infringidas, a exigir por parte do tribunal severidade na punição.
6. De salientar, ainda, as quantidades de produto estupefaciente detidas e a vantagem económica obtida expressa na quantia monetária que lhe foi apreendida.
7. Ora, o Recorrentenapartefinalda audiênciadediscussão ejulgamentopretendeu falar e referiu que o produto estupefaciente que foi encontrado na sua residência não lhe pertencia. Que o estava a guardar para outra pessoa, que não quis identificar, e que foi coagido a tal. Que lhe ofereceram € 50,00/dia e iria guardar o produto durante 3 dias que era o período que a sua mãe e a sua irmã estariam fora. O dinheiro que lhe foi apreendido
pertencia à pessoa que lhe deu a droga para guardar. O produto estava num saco e o dinheiro numa gaveta. Pediram-lhe para ir buscar o produto que tinha no carro. A balança que lhe foi apreendida era para pesar o seu próprio consumo. Não se recordava para o que era o coador, bem como a película aderente e os sacos. Consumia cerca de 10/15 gr/semana de haxixe. Esporadicamente consumia cocaína. Tinha as facas, a lâmina, etc, por ser consumidor.
8. Ora, o facto de ter a película aderente, os sacos (980), a balança, as facas, a lâmina, o coador com vestígios de canábis e cocaína, tudo artigos relacionados com o tráfico de produto estupefaciente, levam a concluir que o produto que lhe foi apreendido lhe pertencia e não a terceira pessoa que o “coagiu” a guardá-lo.
9. Conclusão essa reforçada pela quantia monetária que lhe foi apreendida, que se encontrava guardada em local diferente do local onde se encontrava o produto (se lhe tivessesido para guardar produto edinheiro, serialógicoque estivessetudo acondicionadono mesmo local) e o modo como se encontrava fraccionada.
10. Daqui resulta que o Recorrente não confessou os factos e, consequentemente, não revelou arrependimento.
11. As exigências de prevenção especial são significativas tendo em consideração que, à data dos factos em apreço nos autos, já registava duas condenações transitadas em julgado pela prática de crime de consumo de estupefaciente, tendo, por conseguinte, já sido submetido, por duas vezes, a julgamento, o que deveria ter sido suficiente para o motivar para um comportamento conforme ao Direito e para o alertar para as consequências nefastas do consumo de estupefacientes. As duas condenações sofridas após a prática dos factos em apreço nos autos, por factos anteriores a estes, são igualmente elucidativas do tipo de vida desenvolvido à data por este Arguido, em casa de quem, de resto, foram apreendidos os meios usados para o desenvolvimento da atividade de venda de produto estupefaciente.
12. Milita a seu favor a sua juventude e o facto de beneficiar de apoio familiar.
13. Por tudo isto, considera-se correcta a pena de 6 (seis) anos de prisão em que o Recorrente foi condenado.
14. Logo, e sem necessidade de mais considerações, atenta a pena em que foi condenado, a mesma não pode ser suspensa na sua execução, por inadmissibilidade legal.
15. Nada havendo a censurar à pena aplicada.
16. No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito.
17. Nesta conformidade, negando-se provimento ao recurso e mantendo-se o douto acórdão recorrido, será feita justiça.
Consequentemente, deve o Acórdão recorrido ser confirmado.
No entanto, Vossas Excelências decidirão fazendo, como sempre, a costumada JUSTIÇA (fim de transcrição)
4. Neste Supremo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu douto parecer, concluindo pela improcedência dos recursos.
5. Notificados os recorrentes não responderam.
Realizado o exame preliminar, colhidos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação
6. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça1 e da doutrina2 no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso que ainda seja possível conhecer.3
Da leitura dessas conclusões, os recorrentes colocam apenas a este Supremo Tribunal, como questão a decidir a medida das penas em que foram condenados e a sua eventual suspensão na sua execução.
7. Estão provados os seguintes factos: (transcrição)
1. Os Arguidos AA e BB dedicaram-se, desde data não concretamente apurada, mas anterior a ... de ... de 2023, à venda de produto estupefaciente, nomeadamente canábis e cocaína;
2. Para o efeito, os Arguidos AA e BB guardavam no interior das suas residências o referido produto estupefaciente, que depois cortavam e acondicionam, para proceder à sua venda a consumidores que os contactam para esse efeito;
3. No dia ........2023, pelas 22h30, os Arguidos AA e BB encontravam-se no interior da viatura de matrícula ..-VP-.., quando foram abordados por CC;
4. De seguida, os Arguidos AA e BB iniciaram a marcha do veículo ..-VP-.. e dirigiram-se para a ..., na qual circulavam em excesso de velocidade, tendo recebido ordem de paragem por parte de agentes da PSP, que seguiam em viatura policial, através dos meios luminosos instalados na viatura policial, sendo estes audíveis e visíveis;
5. Cientes do que traziam consigo no interior da referida viatura, o Arguido AA, enquanto condutor da mesma, desobedeceu a tal ordem e imprimiu maior velocidade ao veículo, tentando ausentar-se do local sem ser intercetado pelos agentes da PSP;
6. Chegados à Rua ...na ..., o Arguido AA deparou-se com um veículo imobilizado à sua frente, cortando a sua linha de marcha, motivo pelo qual teve que imobilizar a viatura que conduzia;
7. Ato continuo, os agentes da PSP que seguiam no encalço da viatura ..-VP-.. colocaram a viatura policial à frente da viatura ..-VP-.., impedindo assim que o Arguido AA reiniciasse a sua marcha e abandonasse o local;
8. Ao aperceber-se que a viatura policial se encontrava à frente da viatura ..-VP-.., o ArguidoBB arremessou uma embalagem de cor castanha para o exterior da viatura, a qual continha 5 placas de canábis (resina) com o peso de 573,703 gramas, com um grau de pureza de 20,8%, correspondente a 2.386 doses;
9. Os Arguidos transportavam ainda no interior da viatura ..-VP-.. dois frascos com vestígios de canábis;
10. Naquele momento, o Arguido BB detinha na sua posse €905,00 (novecentos e cinco Euros) em numerário, fracionado da seguinte forma:
a. 5 (cinco) notas com o valor facial de €5,00 (cinco euros), no valor total de €25,00 (vinte e cinco euros);
b. 18 (dezoito) notas com o valor facial de €10,00 (dez euros), no valor total de €180,00 (cento e oitenta euros);
c. 20 (vinte) notas com o valor facial de €20,00 (vinte euros), no valor total de €400,00 (quatrocentos euros);
d. 4 (quatro) notas com o valor facial de €50,00 (cinquenta euros), no valor total de €200,00 (duzentos euros);
e. 1 (uma) nota com o valor facial de €100,00 (cem euros);
11. No interior da sua residência, sita no Largo ..., mais concretamente no seu quarto, o Arguido BB detinha:
a. 85 (oitenta e cinco) placas de canábis (resina), com o peso de 7693,953 gramas, com um grau de pureza de 19,5%, correspondente a 30.006 doses;
b. 1 (um) plástico com canábis (resina), com o peso de 26,873 gramas, com um grau de pureza de 38,7%, correspondente a 207 doses;
c. 1 (um) plástico com canábis (resina), com o peso de 4,652 gramas, com um grau de pureza de 24,2%, correspondente a 22 doses;
d. 1 (uma) caixa com canábis (resina), com o peso de 5,066 gramas, com um grau de pureza de 38,1%, correspondente a 38 doses;
e. 1 (coador) com vestígios de canábis e cocaína;
f. 1 (uma) lâmina de barbear com vestígios de canábis e cocaína;
g. 1 (um) cartão com vestígios de canábis e cocaína;
h. 1 (uma) balança de precisão com vestígios de cocaína;
i. 1 (um) estilete;
j. 2 (duas) facas com vestígios de canábis;
k. 2 (dois) rolos de pelicula aderente;
l. 980 (novecentos e oitenta) embalagens de sacos;
m. 1 (um) plástico contendo 378,000 gramas de creatina;
n. 1 (uma) caixa de cartão com vestígios de canábis e cocaína;
o. €3.250,00 (três mil, duzentos e cinquenta euros) em numerário, fracionado da seguinte forma:
i. 27 (vinte e sete) notas com o valor facial de €50,00 (cinquenta euros), no valor total de € 1.350,00 (mil, trezentos e cinquenta euros);
ii. 9 (nove) notas com o valor facial de €100,00 (cem euros), no valor total de €900,00 (novecentos euros);
iii. 29 (vinte e nove) notas com o valor facial de €20,00 (vinte e euros), no valor total de €580,00 (quinhentos e oitenta euros);
iv. 38 (trinta e oito) notas com o valor facial de €10,00 (dez euros), no valor total de €380,00 (trezentos e oitenta euros);
v. 8 (oito) notas com o valor facial de €5,00 (cinco euros), no valor total de €40,00 (quarenta euros).
12. Por sua vez, o Arguido AA, detinha no interior da sua residência, sita na Av. Dr. Miguel Bombarda, n.º 221, Cv Dta., Sintra, mais concretamente na sala da habitação, 1 (um) plástico com canábis (resina), com o peso de 17,651 gramas, com um grau de pureza de 20,2%, correspondente a 71 doses;
13. E detinha, ainda, no interior do seu quarto, na sua referida habitação, €13.670,00 (treze mil, seiscentos e setenta euros) em numerário, fracionado da seguinte forma:
a. 515 (quinhentas e quinze) notas com o valor facial de €20,00 (vinte euros), no valor total de €10.300,00 (dez mil e trezentos euros);
b. 2 (duas) notas com o valor facial de €100,00 (cem euros), no valor total de €200,00 (duzentos euros);
c. 12 (doze) notas com o valor facial de €50,00 (cinquenta euros), no valor total de €600,00 (seiscentos euros);
d. 197 (cento e noventa e sete) notas com o valor facial de €10,00 (dez euros), no valor total de €1.970,00 (mil, novecentos e setenta euros);
e. 3 (três) notas com o valor facial de €200,00 (duzentos euros), no valor total de €600,00 (seiscentos euros).
14. Os Arguidos AA e BB agiram de forma concertada e mediante um plano previamente elaborado, bem sabendo que detinham as mencionadas quantidades de substância estupefaciente, cuja natureza e características bem conheciam, não as destinando ao seu próprio consumo, mas sim à distribuição, a uma multiplicidade de consumidores que os abordassem para o efeito, mediante uma contrapartida monetária, obtendo avultados lucros dessa atividade, o que quiseram e conseguiram;
15. Os Arguidos agiram de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
B - Das Condições pessoais dos Arguidos:
16. AA reside sozinho na morada dos autos;
17. Os pais separaram-se em 2021;
18. O pai faleceu em ... de 2022, vítima de doença súbita;
19. A mãe reside em ..., desde a separação;
20. Este Arguido tem uma irmã - DD -, com 21 anos de idade, fruto da mesma relação, a qual se mantém a residir com a mãe;
21. Tem mais uma irmã consanguínea, com 26 anos de idade, residente em ...;
22. Este Arguido reside em apartamento, com condições de habitabilidade, arrendado pelos avós;
23. O Arguido concluiu o 6º ano do ensino básico, desistindo do percurso escolar durante a frequência do 9º ano;
24. À data dos factos em apreço nos autos este Arguido encontra-se desempregado, tendo exercido funções para a O..., Lda, entre ... de 2023 e ... de 2024, em regime de prestação de serviços;
25. O Arguido trabalhou como ..., por conta de outrem, entre maio e julho de 2023, auferindo cerca de €180,00 semanais, tendo tal atividade cessado por sua iniciativa;
26. O Arguido suporta €180,00 mensais referentes a crédito atinente a aquisição de veículo automóvel;
27. O Arguido consome canábis desde os dezassete anos de idade, inicialmente em contexto de convívio com outros indivíduos consumidores, evoluindo depois para um consumo mais isolado socialmente;
28. O Arguido pratica arte marcial ... desde 2022, três vezes por semana, no clube de artes e desportos de ..., ...;
29. Não são conhecidos problemas de saúde a este Arguido;
30. BB é o filho mais velho de uma fratria de 2 irmãos e o seu desenvolvimento decorreu no seio de uma família estruturada, com relações harmoniosas entre os membros, não se verificando separações ou conflituosidade significativa entre os pais;
31. O agregado deste Arguido residia em casa própria, sita em ..., ..., sendo a sustentabilidade familiar assegurada pelo trabalho dos pais, a mãe como costureira, por conta própria, e o pai, como fiel de armazém;
32. Durante a frequência escolar apresentou algumas dificuldades, tendo reprovado, duas vezes, no 5º ano de escolaridade;
33. Foi orientado para acompanhamento psicológico e psiquiátrico aos 13 anos de idade e seguido em consultas regulares de pedopsiquiatria até aos 16 anos, sendo-lhe diagnosticado deficit de atenção;
34. Com a terapêutica prescrita prosseguiu os estudos, sem outras reprovações;
35. O falecimento do pai, aos 14 anos de idade, constituiu-se um marco relevante na sua vida, quer pela proximidade afetiva que tinha ao progenitor, quer pelo facto da mãe (então com os seus progenitores a cargo) ter passado por uma fase depressiva e com menor disponibilidade para acompanhar os filhos;
36. Não obstante, o Arguido conseguiu completar o 9º ano de escolaridade e frequentar o 10º ano;
37. O Arguido iniciou o consumo de haxixe a partir dos 16 anos de idade;
38. Abandonou a escola assim que completou 18 anos de idade e, por opção própria, começou a trabalhar no M........., em regime de part time, em horário noturno, trabalho que perdurou cerca de 1 ano, e que abandonou para trabalhar em bares, à noite;
39. Este facto, atentos os horários, motivou uma redução dos contactos com a família, e uma menor perceção do quotidiano de BB, desconhecendo a mãe do Arguido os meios que este frequentava e as pessoas com quem, habitualmente, convivia;
40. O Arguido contribuía regularmente para as despesas familiares;
41. Com o fecho das atividades comerciais, devido à pandemia Covid 19, ficou desempregado e sem conseguir qualquer ocupação laboral regular, realizando, pontualmente, alguns biscates, com o pai de um amigo;
42. Esteve cerca de 6 meses a trabalhar, em regime temporário, para a empresa S...., ficando novamente desempregado.
43. A mãe, atenta a redução de rendimentos, foi procurar trabalho no exterior, iniciando funções numa fábrica de ...;
44. Aquando da sua detenção, este Arguido encontrava-se a trabalhar, em regime de contrato, como gestor de uma frota da U..., com um vencimento mensal entre 800 e 900 euros;
45. Preso desde ... de 2023, em contexto prisional, o Arguido BB tem demonstrado capacidade para cumprir os normativos institucionais, não registando averbamentos disciplinares;
46. A sua reclusão surpreendeu a família, embora não tenha alterado a sua disponibilidade para vir a apoiá-lo, quer em meio prisional, quer futuramente, no exterior;
47. O agregado, constituído pela mãe e irmã, vive em casa própria, sem encargos bancários, estando presentemente as despesas a cargo da progenitora, único membro laboralmente ativo da família;
48. A irmã terminou recentemente um curso de formação profissional, na área de massagem desportiva, e encontra-se em fase ativa de procura de trabalho;
49. Em meio prisional, o Arguido pretende investir nos estudos – completar o 10º ano -, e trabalhar ou fazer alguma formação profissional a que tenha acesso;
50. O Arguido AA não tem antecedentes criminais registados;
51. O Arguido BB foi condenado:
a. por decisão de 19.01.2023, transitada em julgado em 20.02.2023, proferida no âmbito do Proc. n.º 689/22.0..., do Juiz 3, do Juízo de Pequena Criminalidade de ..., pela prática, em 17.06.2022, de factos consubstanciadores de 1 (um) crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 40º, n.º 2, do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C anexa ao mesmo, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco Euros), num total de €200,00 (duzentos Euros);
b. por decisão de 31.05.2023, transitada em julgado em 30.06.2023, proferida no âmbito do Proc. n.º 734/21.6..., do Juiz 3, do Juízo Local Criminal de ..., pela prática, em 30.06.2021, de factos consubstanciadores de 1 (um) crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 40º, n.º 2, do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C anexa ao mesmo e Portaria n.º 94/96, de 26.03, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €8,00 (oito Euros), num total de €480,00 (quatrocentos e oitenta Euros), pena esta declarada extinta em 01.10.2023, por força do art.º 2º da Lei n.º 55/2023, de 08.09;
c. por decisão de 28.11.2023, transitada em julgado em 10.01.2024, proferida no âmbito do Proc. n.º 37/22.9..., do Juiz 1, do Juízo Local Criminal de ..., pela prática, em 20.09.2022, de factos consubstanciadores de 1 (um) crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, p. e p. pelos art.ºs 21º, n.º 1, e 25º, al. a), do DL n.º 15/93, de 22.01, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 (dezoito) meses, com regime de prova;
d. por decisão de 10.12.2023, transitada em julgado em 01.02.2024, proferida no âmbito do Proc. n.º 250/22.9..., do Juiz ..., do Juízo Central Criminal de ..., pela prática, em 29.10.2022, de factos consubstanciadores de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 25º do DL n.º 15/93, de 22.01, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, com regime de prova. (fim de transcrição)
8. Em sede de medida pena, escreveu-se na douta decisão recorrida: (transcrição)
Determinação da medida da pena e outras consequências jurídicas do crime:
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta dos Arguidos, importa agora determinar o tipo de pena a aplicar e a fixação da sua medida concreta.
O crime de tráfico de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.
Quanto à determinação da medida da pena, a mesma rege-se pelos princípios consagrados no art.º 40º do Código Penal, nos termos do qual o objetivo primordial da aplicação de uma pena será a proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na comunidade (prevenção especial positiva). Haverá que ter em conta, sendo caso disso, o disposto no art.º 70º, que determina a preferência por penas não detentivas da liberdade, em relação àquelas detentivas, sempre que as primeiras puderem “realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
De acordo como disposto no art.º 71º, n.º 1, do Código Penal, “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (art.º 40º, n.º 2, do Código Penal).
Toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo a culpa concreta do agente, o que implica, por um lado que não há pena sem culpa, e por outro, que esta decide da medida daquela, afirmando-se como seu limite máximo, havendo que ter presente as razões de prevenção geral (proteção dos bens jurídicos) quanto aos fins das penas (art.º 40º, n.º 1, do Código Penal), e os fins de prevenção especial.
Isto é, a determinação da pena concreta fixar-se-á em função:
- da culpa do agente, que constituirá o limite máximo, por respeito do principio politico-criminal da necessidade da pena, e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art.ºs 1º e 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa);
- das exigências de prevenção geral, que constituirão o limite mínimo, sob pena de ser posta em risco a função tutelar do direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada;
- e de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão fixar o quantum da pena dentro daqueles limites – neste sentido v.g. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequência Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág. 213 e ss..
Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente, ou contra ele, nomeadamente as referidas nas alíneas do n.º 2 do art.º 71º do Código Penal:
- a ilicitude do facto;
- o modo de execução e suas consequências;
- grau de violação dos deveres impostos ao agente;
- o grau de intensidade do dolo;
- as circunstâncias que rodearam o cometimento do crime, nomeadamente, os fins ou motivos que o determinaram e a sua reiteração no tempo;
- condições pessoais do agente e a sua situação económica;
- a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
- a falta de preparação para manter uma conduta licita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
A determinação da medida da pena, in concreto, far-se-á de harmonia com o disposto no já referenciado art.º 71º, n.º 1, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes, atendendo-se nesta determinação, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente as enunciadas no art.º 71º, n.º 2.
Pela via da culpa, segundo refere o Prof. Figueiredo Dias (in “As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 239), releva para a medida da pena a consideração do ilícito típico, ou seja, “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, conforme prevê o art.º 71º, n.º 2, al. a).
A culpa, como fundamento último da pena, funcionará como limite máximo inultrapassável da pena a determinar (art.º 40º, n.º 2), fornecendo a prevenção geral positiva (“proteção de bens jurídicos”) o limite mínimo que permita a reposição da confiança comunitária na validade da norma violada.
Por fim, é dentro desses limites que devem atuar considerações de prevenção especial, isto é, de ressocialização do agente (cf., neste sentido, Figueiredo Dias, Ob. Cit., págs. 227 e seguintes; Anabela Rodrigues, in R.P.C.C., 2, 1991, pág. 248 e seguintes; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de novembro de 1994, in B.M.J. 441º, pág. 145).
Posto isto, e tendo presente que:
- as exigências de prevenção geral que se fazem sentir no caso em apreço são elevadíssimas, atenta a frequência, impacto social e alarme social que o crime de tráfico de estupefaciente gera, especialmente na Comarca de ..., atenta a frequência com que este tipo de crime nesta é praticado e a insegurança que gera na comunidade que aqui reside e trabalha.
Para além da degradação e destruição dos seres humanos provocada pelo consumo de estupefacientes, que o tráfico potencia, associada à dependência que o consumo de estupefacientes provoca surge a criminalidade induzida pela dependência criada (por parte daqueles que, não tendo meios próprios para o fazer, cometem outros crimes, com vista a adquirir rendimentos para aquisição de produto estupefaciente).
Não podendo deixar de se ter, ainda, em atenção a intensidade de lesão dos bens jurídicos que lhes está associada (sendo, entre o mais, de todos conhecidos os risco de desenvolvimento de doenças mentais/danos de ordem psiquiátrica, frequentemente irreversíveis, decorrentes do consumo do estupefaciente em causa, não obstante seja vulgarmente apelidado de “droga leve”) e a forma como a atividade de tráfico de estupefacientes é desenvolvida, com total desprezo por aqueles bens jurídicos e pela lei que os visa proteger, sendo encarada, pelos envolvidos, com naturalidade;
- os Arguidos atuaram com dolo direto e intenso;
- a vantagens económicas obtidas pelos Arguidos, expressas desde logo nas quantias monetárias que lhes foram apreendidas, são muito significativas;
- as quantidades de estupefaciente detidas pelos Arguidos - 573,703 gramas canábis (resina), com um grau de pureza de 20,8%, correspondente a 2386 doses aquando da interceção e detenção dos Arguidos; 85 (oitenta e cinco) placas de canábis (resina), com o peso de 7693,953 gramas, com um grau de pureza de 19,5%, correspondente a 30.006 doses, 1 (um) plástico com canábis (resina), com o peso de 26,873 gramas, com um grau de pureza de 38,7%, correspondente a 207 doses, 1 (um) plástico com canábis (resina), com o peso de 4,652 gramas, com um grau de pureza de 24,2%, correspondente a 22 doses; 1 (uma) caixa com canábis (resina), com o peso de 5,066 gramas, com um grau de pureza de 38,1%, correspondente a 38 doses, em casa do Arguido BB; e 1 (um) plástico com canábis (resina), com o peso de 17,651 gramas, com um grau de pureza de 20,2%, correspondente a 71 doses, em casa do Arguido AA (considerando o valor médio de referência previsto no mapa a que se refere o artigo 9º da Portaria 94/96, de 26 de março, tendo em conta a concentração de concreta das substâncias ativas no produto apreendido) - são igualmente muito consideráveis;
- as exigências de prevenção especial são igualmente significativas, mais expressivas no que respeita ao Arguido BB, que, à data dos factos em apreço nos autos, já registava duas condenações transitadas em julgado pela prática de crime de consumo de estupefaciente, tendo, por conseguinte, já sido submetido, por duas vezes, a julgamento, o que deveria ter sido suficiente para o motivar para um comportamento conforme ao Direito e para o alertar para as consequências nefastas do consumo de estupefacientes. As duas condenações sofridas após a prática dos factos em apreço nos autos, por factos anteriores a estes, são igualmente elucidativas do tipo de vida desenvolvido à data por este Arguido, em casa de quem, de resto, foram apreendidos os meios usados para o desenvolvimento da atividade de venda de produto estupefaciente.
O Arguido AA não regista antecedentes criminais.
Em favor dos Arguidos não podemos deixar de registar a sua relativa jovialidade (nascidos em ........2020 e ........1999) e que beneficiam de apoio familiar, o qual não se mostrou, no entanto, suficiente para os demover da prática de ilícitos criminais.
Posto isto, atenta a moldura penal aplicável ao ilícito criminal em apreço e ponderado, então, todo o circunstancialismo descrito, bem como as quantidades e qualidades do produto estupefaciente em causa, sopesando as agravantes e atenuantes e, globalmente, a sua culpa, sendo esta reconduzível a um juízo valorativo que atende a todos os elementos aduzidos e conjugando-os com regra de experiência comum e com apelo, ainda, a elementos relativos à lógica, à moral e ao direito, entende o Tribunal justa e adequada (sem olvidar a jurisprudência dos tribunais superiores nesta matéria e alguma necessidade de encontrar parâmetros igualizadores das penas aplicadas em circunstâncias semelhantes) a condenação:
- do Arguido AA na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em coautoria, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo disposto no art.º 21º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-B e I-C anexas ao mesmo diploma;
- do Arguido BB na pena de 6 (seis) anos de prisão, pela prática, em coautoria material, de 1 (um) crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo disposto no art.º 21º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-B e I-C anexas ao mesmo diploma;
penas estas ainda, assim, muito próximas do limite mínimo da moldura penal aplicável ao ilícito em apreço, para o que contribuiu, em muito, a sua relativa jovialidade.
9. Apreciando
Como ficou referido os arguidos nos seus recursos, apenas questionam a medida das penas em que foram condenados, pugnando pela sua redução e eventual suspensão na sua execução.
Analisemos, então, as penas aplicadas aos arguidos e a sua proporcionalidade, em função dos factos anteriormente elencados e os seus graus de culpa.
Em sede de medida da pena, o legislador estatui como parâmetros de determinação da mesma que deve ser fixada - “(…) dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” visando a aplicação das penas “(…) a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” e levando ainda em conta “(…) todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (…)” considerando, nomeadamente, os factores de determinação da pena a que se referem as várias alíneas do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal (artigos 71º, nº1 e nº2 e 40º, nº1 e nº2) do mesmo código.
A culpa, enquanto pressuposto de toda a pena, como resulta do princípio matricial da dignidade da pessoa humana e do direito à liberdade, consagrados nos artigos 1º e 27º da Constituição da República Portuguesa, é, ao mesmo tempo, o limite inultrapassável da pena e o critério para a sua fixação, o qual deverá funcionar balizado pelos fins das penas.
A densificação jurisprudencial dos critérios de determinação da pena, tem sido feita, por este Supremo Tribunal de Justiça, de modo a considerar e ponderar o equilíbrio entre “exigências de prevenção geral”, a “tutela dos respectivos bens jurídicos”, a “socialização do agente” e o seu grau de culpa, enquanto limite da pena.
Como refere este Supremo Tribunal de Justiça, ponderando os referidos equilíbrios, “(...) Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente”,4 ou “(...) a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todo exigível”5.
Ao nível doutrinal, refere Figueiredo Dias que a medida da pena "(...) há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto (...) a protecção de bens jurídicos assume um significado prospectivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida".6
No mesmo sentido, Fernanda Palma considera que, “(…) A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos – prevenção geral negativa, incentivar a convicção de que as normais penais violadas são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos – prevenção geral positiva. A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral”.7
Ainda, no mesmo sentido, Anabela Rodrigues considera também que a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa “que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada (…)”. Acrescenta a autora, que a prevenção especial se traduz na “(…) necessidade de socialização do agente, embora no sentido, modesto, mas realista, de o preparar para no futuro não cometer outros crimes”, sendo certo que ambas são balizadas pela culpa “ (…) a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas (…) Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado”.8
Neste mesmo sentido, Figueiredo Dias considera, “(…) culpa e prevenção são assim dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena ( em sentido estrito ou de determinação concreta da pena”)9, acrescentando, “ (…) comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida ótima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente».10
Ainda neste sentido, Hans Heinrich Jescheck, considera que “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”11 ou, nas palavras de Claus Roxin, “a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial).”12
Os crimes de tráfico de estupefacientes têm sido considerados pelo Supremo Tribunal de Justiça, em consonância com a opção legislativa da sua punição, como afectando “(…) valores sociais fundamentais, e de intensos riscos para bens jurídicos estruturantes, e cuja desconsideração perturba a própria coesão social, não só pelo enorme perigo e dano para a saúde dos consumidores de produtos estupefacientes, como por todo o cortejo de fracturas sociais que lhes andam associadas, quer nas famílias, quer decorrentes de infracções concomitantes, quer ainda pela corrosão das economias legais com os ganhos ilícitos resultantes das actividades de tráfico” e a “dimensão dos riscos e das consequências faz surgir, neste domínio, uma particular saliência das finalidades de prevenção geral – prevenção de integração para recomposição dos valores afectados e para a afirmação comunitária da validade das normas que, punindo as actividades de tráfico, protegem tais valores.”13
Perante o enquadramento legal e os grandes princípios jurisprudenciais e doutrinais em matéria de medida da pena, bem como a fundamentação efectuada na douta decisão recorrida, não logramos descortinar qualquer excesso nas penas em que os arguidos foram condenados.
Como se pode ler na transcrição efectuada, o Tribunal a quo ponderou o dolo directo com que os arguidos actuaram, o elevado grau de ilicitude manifestado na quantidade de estupefacientes apreendidos, (mais de 8kgs de canábis (resina), correspondente a 32 730 doses), a apreensão de vários objectos próprios de preparação e divisão do mesmo (balança de precisão com vestígios de cocaína, coador com vestígios de canábis e cocaína, lâmina com vestígios de canábis e cocaína, rolos de pelicula aderente, 980 embalagens de sacos e 378 gramas de creatina (frequentemente utilizada como produto de corte), no elevado montante de quantias monetárias apreendidas aos arguidos resultantes da actividade criminosa ( €4.155,00 ao arguido BB e €13.670,00 ao arguido AA) e ainda as condições pessoais de cada um dos arguidos e a ausência de antecedentes criminais, em relação ao arguido AA e os antecedentes criminais do arguido BB, relativos a factos semelhantes aos dos presentes autos, tudo enquadrado pelos respectivos graus de culpa.
Importa ainda salientar as fortes exigências de prevenção geral neste tipo de crime, dado o seu elevado número14 e o forte contributo para o sentimento de insegurança, já que o mesmo potencia, por força da dependência que a droga cria nos consumidores, um outro vasto conjunto de crimes associados, nomeadamente crimes contra o património, para os compradores poderem sustentar o vício.
Como refere o Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu douto parecer, citando Figueiredo Dias “ O traficante é insensível à desgraça alheia, cria alarme e insegurança e descrença nos órgãos aplicadores da lei caso estes não ofereçam um ponto ótimo de quantum punitivo capaz de assegurar uma tutela efetiva e consistente dos bens jurídicos, não sendo aconselhável descer abaixo de um limiar mínimo abaixo do qual, comunitariamente, a punição não realiza a sua finalidade, além do mais de proteção dos importantes bens jurídicos que põe em crise”15
Alega o recorrente AA, como circunstância atenuante para a redução da pena, a ausência de antecedentes criminais e, por arrastamento, a suspensão de execução da pena.
Não tem razão o recorrente.
Na verdade, em matéria de crimes de tráfico de estupefacientes, salvo situações excepcionais de tráfico de menor gravidade, a ausência de antecedentes criminais não conduz à aplicação de penas no limite mínimo abstractamente estabelecido e, muito menos, à suspensão de execução da pena. As exigências de prevenção de integração para reafirmação dos valores afectados e a afirmação comunitária da validade das normas que protegem os valores subjacentes à punição do crime de tráfico de estupefacientes a isso obstam.
Perante a factualidade dada como provada e tendo em conta o que fica referido anteriormente e ainda as fortes exigências de prevenção geral e também especial (em particular em relação ao arguido BB) e tendo ainda em conta os efeitos nefastos que o crime de tráfico de estupefacientes acarreta para a saúde pública, não podemos deixar de concordar com o Tribunal recorrido sobre os elevados graus de culpa dos arguidos.
Na verdade, as penas aplicadas situam-na abaixo da mediana das penas abstractamente estabelecidas e afiguram-se proporcionais à gravidade dos factos e às culpas dos recorrentes, e mostram-se necessárias para satisfazer as acentuadas necessidades de prevenção geral e especial acima assinaladas, só assim se protegendo de forma eficaz e bastante as expectativas da comunidade quanto à revalidação das normas jurídico-penais violadas.
Improcedem, assim, as reclamadas reduções de pena.
Mantendo-se as penas, ficam prejudicadas as reclamadas suspensões de execução das mesmas.
Em resumo, improcedem ambos os recursos, confirmando-se o acórdão recorrido.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 3ª Secção Criminal, em julgar improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos AA e BB e em consequência confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, por cada um deles, em 5 (cinco) UC’s - artigo 513.º, n. º1 do Código de Processo Penal e artigo 8º n.º 9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais).:
Lisboa, 25 de Setembro de 2024.
Antero Luís (Relator)
Horácio Correia Pinto (1º Adjunto)
Lopes da Mota (2º Adjunto)
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1. Neste sentido e por todos, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/09/2006, proferido no Proc. Nº O6P2267.
2. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113.
3. Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995.
4. Sumário do acórdão de 31-01-2012, Proc. Nº 8/11.0PBRGR.L1.S
5. Ac. STJ de 22-09-2004, Proc. n.º 1636/04 - 3.ª ambos in www.dgsi.pt
No mesmo sentido, Prof. Figueiredo Dias (“O Código Penal Português de 1982 e a sua reforma”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Fasc. 2-4, Dezembro de 1993, págs. 186-187).
6. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime - Noticias Editorial, pág. 227).
7. As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva” in “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, 1998, AAFDL, pág. 25-51 e in “Casos e Materiais de Direito Penal”, 2000, Almedina, pág. 31-51.
8. A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade", Coimbra Editora, pág. 570 e seguintes).
9. Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág. 214.
10. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, 2.º a 4.º, Abril-Dezembro de 1993, pág. 186 e 187.
11. Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194.
12. Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113).
13. Acórdão de 11 de Abril de 2007, Proc. 07P645, disponível em www.dgsi.pt
14. Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) 2023, verificou-se, nesse ano, um aumento de 19,4% na criminalidade conexa com tráfico e consumo de estupefacientes, correspondente a 9276 crimes, disponível em https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.