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SUSPEIÇÃO
DISCORDÂNCIA DE DECISÕES JURISDICIONAIS
Sumário
1. A apreciação sobre se a situação invocada pelo requerente da suspeição se enquadra, ou não, na previsão legal do artigo 120.º do CPC, prende-se, tão só, com a materialização ou não dos requisitos do incidente, e não, com qualquer apreciação de natureza jurisdicional ou substantiva, relativamente ao mérito da pretensão esgrimida por qualquer dos sujeitos processuais. 2. O incidente de suspeição não constitui o mecanismo adequado para expressar a discordância jurídica ou processual de uma parte sobre o curso processual ou sobre os atos jurisdicionais levados a efeito pelo julgador. 3. Se é certo que o pedido de escusa terá por finalidade prevenir e excluir situações em que possa ser colocada em causa a imparcialidade do julgador, bem como, a sua honra e considerações profissionais, o seu deferimento com uma determinada causa não compromete que, deixando tal causa de existir, o processo venha a ser novamente tramitado pela juíza escusada a quem o processo foi remetido. 3. Na verdade, devendo os motivos sérios e válidos atinentes à imparcialidade de um juiz, ser apreciados de um ponto de vista subjetivo e objetivo, a supressão superveniente dos pressupostos factuais que justificaram, em determinado momento e circunstâncias a escusa, comporta a eliminação dos fundamentos objetivos e subjetivos em que tal escusa assentou, não envolvendo tal tramitação, assumida pela juíza escusada – que, aliás, foi comunicada às partes há mais de um ano a esta parte - a existência de motivo sério e grave que comprometa a imparcialidade devida à Sra. Juíza a quem foi, primitivamente, concedida escusa, designadamente, para com o requerente da suspeição, se este nenhuma relevância teve para o deferimento de tal escusa.
Texto Integral
I.
1. “A”, pai da menor “B”, nascida a (…) 2019, a que se referem os autos de alteração da regulação das responsabilidades parentais com o n.º (…) e os autos de processo tutelar com o n.º (…), que correm termos no Juízo de Família e Menores da Amadora - Juiz (…), veio, por requerimento anexo a email, apresentado em juízo em 17-07-2024, requerer incidente de suspeição, nos termos do disposto nos artigos 119.º a 122.º do CPC, relativamente à Sra. Juíza “C”, requerendo a sua substituição do processo e respetivos apensos, concluindo requerendo “seja pedida a gravação da audiência de 20 de Maio de 2024 para que se possa verificar quem é que destratou quem e/ou quem é que tratou com prepotência quem”, alegando, em suma, que: “1. O exponente é o pai (adiante “progenitor”) de “B”, menor, nascida em (…) 2019, ou seja, com cinco anos de idade. 2. Os pais da sobredita menor apartaram-se, sendo que “A” tentou prosseguir a sua vida, sem, contudo, deixar de cuidar da sua (única) filha. 3. A separação entre o progenitor e a mãe de sua filha conduziu à regulação das responsabilidades parentais, tramitada no PROC. n.º (…) que conta já com o apenso G, e corre no JUIZ (…), do Tribunal de Família e Menores da Amadora, da Comarca de Lisboa Oeste; 4. Na sequência da regulação do poder parental, a menina ficou entregue aos cuidados do pai em regime de guarda partilhada, dividida semanalmente com a mãe. 5. O progenitor conta com o apoio da família, designadamente do seu irmão, “D”, tio da menor dos autos (adiante “tio”). Assim, p.e. quando aquele não pode levar e/ou buscar a filha à escola, sita na Escola Básica de (…), é o tio que o faz, como é do conhecimento dos autos. 6. Note-se que, nos dias em que a menor fica com a mãe, a mesma só é por esta levada à escola quando a progenitora lhe apetece, incumprindo sistematicamente e de forma deliberada o decidido pelo Tribunal, sem que apresente qualquer justificação plausível para o efeito, e, nesta levantada pelos avós maternos e/ou pela avó, e tia-avó materna, que a transportam no respetivo veículo automóvel, (pese embora tenha a progenitora alegado em pleno tribunal o contrário, querendo esta fazer crer que os seus referidos “ascendentes são portadores de graves problemas de saúde que os impossibilitam de conduzir e por via disso ser sempre ela a ir buscar a sua filha à escola a horas tardias” e assim, ter conseguido enganar o tribunal ao ponto do pai ter aí sido fortemente pressionado pela senhora juiz titular do processo, no sentido de ter de ser ele próprio ou o seu irmão (tio paterno), a assegurar o transporte da menina de regresso da escola a casa, num qualquer dia da semana em que esta esteja à guarda da mãe, o que tem desde então sido por estes cumprido a todas as terças-feiras, apesar de conscientes da falsidade que tal decisão/imposição tem por base). 7. Contextualizando sumariamente o litígio: a. a mãe da menor não aceitou a separação, persegue o progenitor e fez queixas de violência doméstica infundadas contra o mesmo; b. a mãe da menor escuda-se nas queixas e arremessa-as em tribunal como se fossem sentenças condenatórias do pai da menor; c. a mãe da menor alega infundadamente, mas também, que é perseguida pelo “tio” da menor; d. a mãe da menor não aceita que esta vá à escola em Sintra, pois ela vive na Amadora e prefere que a menina frequente uma escola na rua onde vive; ou até qualquer outra; o importante é que no entendimento dela, a menor não vá à escola na Vila de Sintra, apesar de a filha gostar muito de ali estar; e. a mãe da menor invoca que a sua organização pessoal e familiar não lhe permite ir à escola em Sintra para ali deixar a filha, por causa da distância, alegando dificuldade de transporte, pese embora tenha veiculo automóvel próprio e até o utilize como meio de transporte habitual/prioritário, e não alternativo para o efeito de levar a filha à escola, ainda que, quando lhe apetece; apesar de não utilizar o comboio como meio de transporte, a mesma mãe alega que os “comboios” são um obstáculo difícil de vencer, justificando aliás as faltas da filha à escola nomeadamente em situações de greves da CP, ainda que, saiba que quer o pai, como o tio, estão sempre dispostos a colmatarem essas alegadas lacunas/vicissitudes em prol do superior interesse da criança e muito embora conscientes da inexistência das mesmas, mas ainda assim, sem sucesso, por conta de resistência exercida pela mãe; f. a mãe da menor alega que não tem apoio familiar que lhe permita suprir tais dificuldades, porém, a menina diz ao pai e tio, que “não anda, nem nunca andou de comboio, nem de avião”, o que já se comprovou junto do Tribunal, pois é transportada em veículo dos avós e/ou da mãe (quando esta a leva). g. a mãe da menor já foi condenada em Má Fé, pois mente reiteradamente/compulsivamente sem qualquer pejo. 8. Enfim, o argumentário da mãe é vasto, mas tem um único propósito, ou seja, mudar a escola da menor e diminuir o contato entre a menina e o pai. 9. Tal situação de litígio tem interferido na pequena “B”, pois esta já diz que “é separada”, que “a mãe lhe diz que o pai é mau, porque se separou delas e não quer voltar mais para elas”, que “a mãe fica triste por ela ir para o pai”, que a mãe é “uma cusca”, pois “pergunta tudo, quer saber tudo sobre o pai”. 10. O pai trata muito bem da menina, e como menina da sua idade, leva-a a passear, a visitar a avó paterna, a sobrinha, filha de “D” (tio paterno), leva-a ao médico, enfim, dá-lhe o ambiente que entende ser adequado a uma criança de cinco anos, afastando-a de qualquer ambiente negativo. 11. Ora, a mãe da menor que não aceita partilhar a menina com o pai, nem família deste, tudo tenta para alcançar o seu objetivo e requereu a alteração da regulação do poder paternal, ainda que se mantenham os pressupostos de facto e de direito em que assenta a regulação parental em vigor. 12. Apesar de se manterem os pressupostos de facto e de direito em que assenta a regulação parental em vigor, ei-la que interessada em colocar a menor numa escola no Cacém, pretende com mais um apenso obter o que não conseguiu até aqui, como se de um recurso encapotado pós trânsito em julgado da já proferida Decisão/Sentença que vigora se tratasse. 13. O processo está atualmente entregue à Mm.ª Senhora Dr.ª Juiz de Direito “C”; esta Magistrada pediu escusa em 11 de Maio de 2022, no âmbito dos autos sob o n.º 343/21.0T8AMD, o que lhe foi deferido em 30 de Maio de 2022, com rectroactividade a 11 de maio de 2022. Vide DOC. n.º 1, cujo conteúdo se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos. 14. A “escusa foi deferida por decisão singular da Sra. Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.05.2022 com o fundamento dessa queixa indiciar a existência de alguma animosidade contra a Sra. Juíza, nos termos do artigo 120º nº1, al. g), do CPC.”, 15. Sendo que a Senhora Dr.ª Juiz de Direito invocou no seu pedido de escusa “que foi apresentada queixa contra si no CSM pela Mandatária (…) que intervém no processo como Advogada de uma das partes”, mais concretamente, a Sr.ª. Dr.ª (…), mandatária da mãe da menor, 16. A qual por sua vez, em 16 de fevereiro de 2023, substabeleceu sem reserva na Sr.ª Dr.ª (…), que agora acompanha a mãe da menor. 17. Ora, a Senhora Dr.ª Juiz de Direito “C” retornou aos autos, 18. Sendo que a advogada substabelecida nada disse ou promoveu relativamente ao retorno da Juiz de Direito que motivou a queixa junto de Conselho Superior de Magistratura. 19. Em 20 de Maio de 2024, o progenitor não pôde comparecer na conferência de pais, agendada para aquela data, segundo a notificação para o efeito. Vide DOC. n.º 2, cujo conteúdo se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos. 20. De facto, o progenitor foi acometido de doença súbita, como veio a comprovar através de justificação para o efeito. Vide DOC. n.º 3, cujo conteúdo se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos. 21. Como se não bastasse, a mandatária do progenitor também estava doente, sendo-lhe fisicamente impossível locomover-se. 22. Sabendo que a sua advogada estava impedida, e estando ele impedido também, o progenitor delegou no seu irmão, Diogo Camilo Costa, poderes para o representar na sobredita audiência, 23. Declaração de vontade que consignou no papel que se junta, como DOC. n.º 4, cujo conteúdo se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos. O progenitor pensou que o podia fazer, atento o disposto no artigo 35.º/4, do REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL (RGTC), constante da Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro, sem prejuízo de, se o tribunal assim o entendesse, proceder a posterior ratificação com a devida cominação. 24. Em 20 de Maio de 2024, o tio da menina apresentou-se na conferência e entregou a Delegação de poderes especiais de representação (vide DOC. 4 supra), a qual aliás, diga-se de passagem, até foi considerada nesse mesmo dia pelos Serviços do Tribunal como tal, aquando do pedido de Declaração de sua presença para o efeito que o ali levou, conforme DOC. n.º 5, cujo conteúdo se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos. Contudo, 25. A Mm.ª Senhora Dr.ª Juiz de Direito entendeu não aceitar a declarada vontade do progenitor, expressamente dizendo na sala de audiência “isto não tem valor jurídico nenhum” e, após reação do tio da menina, 26. A Mmª Senhora Juiz fê-lo sair da sala com estes seguintes dizeres: “O senhor saia, saia da sala se faz favor, saia da sala se faz favor”. O que o “tio” fez, alegando que tudo estaria gravado e devia fazer-se constar em Ata. Após tal ocorrido, 27. Em 27 de Maio de 2024, o progenitor e seu irmão deslocaram-se ao Tribunal, e nessa data a Senhora funcionária da secretaria judicial entregou ao segundo, em mão e sem mais, o papel que lhe outorgava o sobredito poder de representação (vide DOC. 4 supra). Foi, ainda, lavrado o auto de entrega do papel, a pedido do progenitor, porquanto e de outra forma, a intenção da sobredita funcionária era tão só entregar em mão ao tio o referido “papel”. Vide DOC. n.º 6, cujo conteúdo se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos. Estranhou-se tal facto, Pois, 28. No caso de o papel em causa não ter qualquer efeito jurídico, crê-se que a correção processual mandaria que tal entrega fosse precedida de um despacho ordenando o desentranhamento do aludido papel e motivo a tal conducente, 29. O que, julga saber-se, inexistia naquela data. Por outro lado, 30. O progenitor não entendeu o motivo da não admissão do seu irmão na sobredita conferência de pais, de 20 de Maio de 2024, pois, assim crê, o processo em causa tem a natureza de jurisdição voluntária e, por isso, não exige representação obrigatória por advogado, a não ser em sede de recurso (Cfr. artigo 18.º/1, RGTC, constante da Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro). 31. Por isso, também, o progenitor pretendeu aceder à ata relativa à sessão de 20 de Maio de 2024 e segundo lhe foi dito pela advogada que constituiu, apesar de constar do CITIUS o registo “ata”, não constava o documento em PDF, 32. Pelo que o progenitor requereu nos termos que junta como DOC. n.º 7 e muito concretamente, que fosse lavrada a ata da aludida conferência. 33. Em 21 de Junho de 2024, o progenitor teve conhecimento da existência da ata, que se junta como DOC. n.º 8, cujo conteúdo se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos. 34. O relatado na ata não corresponde à verdade integral dos factos, pois, a. O irmão do progenitor não desrespeitou e/ou perturbou o tribunal, como se retira do lavrado. O que se pode comprovar pela gravação da sessão em causa. b. A Mm.ª Senhora Dr.ª Juiz de Direito não “solicitou” ao irmão do progenitor que este saísse da sala de audiência, outrossim, ordenou que o mesmo saísse e fê-lo prepotentemente, c. A Mm.ª Senhora Dr.ª Juiz de Direito refere que “Foi apresentado ao Tribunal uma folha de papel com título “declaração” alegadamente emitida pelo progenitor em a favor do seu irmão “D” a fim de o aqui representar com alegação de que “é conhecedor de toda a matéria em questão que nos autos e designadamente da falsidade das alegações da mãe” (sic). Negrito e sublinhado do exponente. d. Com efeito, o “papel” é titulado como “Declaração”, que é a declaração da vontade do declarante, “A”, aqui exponente; e. Igualmente, a Mm.ª Senhora Dr.ª Juiz de Direito estriba-se em advérbios de modo, como “alegadamente”, sem porém o mesmo se justificar, porquanto, e como acima mencionado, o impedimento dos progenitores pode ser suprido nos termos do artigo 35.º do RGTC. Assim, 35. Não se entende o motivo pelo qual, não pôde o progenitor mandatar o seu irmão em sua representação na conferência em causa, 36. Quando, repete-se, a lei permite a representação através dos “seus ascendentes ou irmãos” (cfr. artigo 35.º/4, RGTC), 37. Sendo que nem todos terão o dom da juridicidade de um Magistrado, como p.e.a da Mm.ª Senhora Dr.ª Juiz de Direito em causa, 38. A lei refere que o representante se apresente “com poderes especiais para intervir no ato”, resultando do “papel” devolvido, a expressa declaração do progenitor em ser representado no ato pelo seu irmão, mais resultando que aquele é conhecedor de toda a situação e, muito concretamente das falsidades da mãe da menor, 39. A qual, note-se, já foi condenada por litigância de má fé nos autos, tal a manipulação que faz da realidade fáctica. 40. O progenitor teve também conhecimento que houve contato com as assistentes sociais que acompanham o processo e que estas já sabiam do teor da ata, 41. Onde o irmão do progenitor, tio extremoso e muito interessado na sobrinha, é relatado como “um perturbador da ordem pública”. 42. O progenitor sente-se intimidado pela Mm.ª Senhora Dr.ª Juiz de Direito que, é notório pela sua atitude, tem despachado um conjunto de diligências que a procederem, prejudicariam a responsabilidade parental que lhe foi consentida, caso o progenitor não comprove tudo o que profere nos autos. 43. Urge, por ser importante, saber se a Magistrada em causa violou os deveres a que está adstrita no exercício das suas funções e, designadamente: a. Pode a mesma Magistrada voltar a desempenhar funções num processo onde já pediu escusa, e esteve em causa a animosidade entre a Magistrada e a advogada da mãe da menor? b. Pode a mesma Magistrada impedir o irmão do progenitor de o representar na conferência de pais? c. Pode a mesma Magistrada mandar entregar posteriormente em mão ao tio da menor o papel que lhe consigna os poderes para representar o seu irmão enquanto progenitor da menina, sem o preceder de despacho para o efeito? Ou pode simplesmente proceder como procedeu? d. Podendo fazê-lo, porque não o fez em 20 de Maio de 2024, quando o irmão do progenitor foi mandado sair da sala de audiência? 44. Cremos que a resposta a todas as questões é “não”. Todavia, a postura da sobredita magistrada, suscita as maiores reservas sobre a sua isenção e imparcialidade no presente processo. 45. É que, como muito bem se sabe não basta ser justo, é preciso parecer e neste caso em concreto, esse princípio não se encontra assegurado, na verdade, nem sequer demonstrado. 46. Não se crê, face a todo o exposto, que a imparcialidade e a objetividade que se espera de um Magistrado esteja presente nos autos, onde o progenitor é requerido, como aliás demonstrado ao recusar a representação do progenitor pelo seu irmão (…)”.
2. Com a comunicação referida em 1, o requerente da suspeição juntou outros documentos, entre os quais, comunicação da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa ao Juiz do Juízo de Família e Menores da Amadora – Juiz 3, datada de 30-05-2022 e referente ao processo de escusa n.º (…) que correu termos neste Tribunal da Relação de Lisboa, formulado pela Sra. Juíza de Direito “C” de intervir no processo n.º 343/21.0T8AMD.
3. Da referida comunicação de 30-05-2022 consta, nomeadamente, escrito que: “Comunica-se a V. Exª, que foi deferido o pedido de escusa em 11-05-2022, solicitado pela Mmª Juiz “C”, no âmbito dos autos sob o nº 343/21.0T8AMD”.
4. Com data de 16-05-2023 foi proferido nos autos principais – com o n.º 343/21.0T8AMD, pela substituta legal da referida Sra. Juíza, despacho onde se lê o seguinte: “Estes autos foram distribuídos ao J(…) do Juízo de Família e Menores da Amadora. Foi pedida escusa pela Sra. Juíza da causa invocando que foi apresentada queixa contra si no CSM pela Mandatária (…) que intervém no processo como Advogada de uma das partes. Resulta do ofício que antecede que tal escusa foi deferida por decisão singular da Sra. Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.05.2022 com o fundamento dessa queixa indiciar a existência de alguma animosidade contra a Sra. Juíza, nos termos do artigo 120º nº1, al. g), do CPC. Sucede que a ilustre Mandatária (…) substabeleceu sem reserva os seus poderes forenses a favor da Sra. Dra. (…) em 16.02.2023, como decorre do requerimento de 01.03.2023. Assim, a ilustre Mandatária que com a sua actuação deu azo ao deferimento daquele pedido de escusa deixou de intervir nestes autos, não subsistindo o fundamento da escusa. Por outro lado, a signatária, em substituição, já proferiu todas as decisões de mérito neste processo principal e em todos os seus apensos (A, B, C e D), pondo termo aos mesmos. Pelo exposto, tendo cessado o motivo do pedido de escusa e do seu deferimento, a signatária não tem competência para continuar a intervir nos autos pois estes não lhe foram distribuídos, devendo ser aberta conclusão à Sra. Juíza titular do processo, o que se determina.
5. Com data de 06-06-2023, a Sra. Juíza de Direito “C” proferiu, naqueles autos principais, despacho onde se lê o seguinte: “Solicito a apresentação do processo físico (…)”.
6. Com data de 27-06-2023 – que foi objeto de notificação às partes por notificação expedida em 27-06-2023 - a Sra. Juíza de Direito “C” proferiu, naqueles autos principais, despacho onde se lê o seguinte: “Providencie no sentido de a Ilustre mandataria ter acesso aos autos via Citius. (…) Verifica-se que foi junto aos autos a decisão sobre o pedido de escusa remetido ao Exmo. Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa. Tal pedido é de natureza confidencial bem como a decisão que sobre ele recaiu a qual foi notificada pessoalmente à requerente. Salvo melhor opinião, não pode, em consequência estar junta aos autos. Pelo exposto, determino o imediato desentranhamento e determino que o mesmo me seja entregue em mão bem como a sua retirada do sistema. Mais determino que se oficie junto do tribunal da Relação de Lisboa que atenta a natureza confidencial da matéria do pedido de escusa, só a signatária do mesmo deve autorizar a sua junção ao processo. (…) Mais parece resultar da análise dos autos que muitas dos requerimentos e decisões não foram impressas. Assim, devem constar dos autos todos os requerimentos/articulados e respectivos documentos, relatórios sociais, perícias, promoções e pareceres do Ministério Público, actas, despachos judiciais e sentenças (cfr ordem de serviço nº 3/2017), o que se determina. (…) Quanto ao requerimento apresentado pela progenitora relativamente à mudança de estabelecimento de ensino já o progenitor respondeu em 24.05.2023, pelo que, atento o hiato temporal já decorrido, notifique os mesmos para, em três dias, virem aos autos esclarecer se a discórdia ainda se mantém. Caso a discórdia ainda se mantenha, designo o próximo dia 04 de Julho de 2023 pelas 10 horas (…)”.
7. Na sequência do referido em 1., a Sra. Juíza de Direito “C”, por despacho de 25-07-2024, veio responder – nos presentes autos – que: “(…) O presente incidente não passa de um uso reprovável de um meio processual para protelar e evitar que a signatária ou o Juiz de turno profira decisão quanto à mudança do estabelecimento de ensino da menor subsumível ao disposto no artigo 542º, nº 1, al. d), do C.P.C.. Esclarece-se o seguinte: - À signatária foi deferido o pedido de escusa por ela solicitado em virtude de uma das mandatárias constituídas pela progenitora ter feito afirmações que consubstanciavam a prática dos crimes difamação e denúncia caluniosa. - Em virtude de lhe ter sido concedida escusa, o processo passou a ser tramitado pela Juiz que legalmente substitui a signatária a qual tramitou o processo até que a progenitora constituiu nova mandatária. - Em consequência disso, a Mta Juiz que substituta legal da signatária, remete o processo para o Juiz 3 com a argumentação de que o motivo que esteve na base da escusa já não se verificava. - O processo de escusa é de natureza pessoal e sigilosa não podendo a exposição apresentada pelo juiz que apresenta o pedido de escusa nem a decisão que recaiu sobre tal pedido ser junta aos autos pelo que, desde já, se solicita que se averiguem responsabilidades sobre como e porque razão o requerente tem de tal conhecimento. - Note-se que o pedido de escusa apresentado pelo juiz não é de natureza exclusivamente pessoal do juiz que a apresenta como é estritamente pessoal a decisão que recair sobre tal pedido. - Reforçando tal prática, é o facto de o pedido de escusa ser dirigido directamente ao Exmo. Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa pelo Juiz que nele expõe os seus fundamentos pessoais que justificam tal pedido e o facto de a decisão sobre ele proferida ser pessoalmente notificada ao Juiz. - Sempre foi esta a prática normal nos Tribunais, não se concebendo outra, nem a signatária deu qualquer autorização para que o seu pedido de escusa e a decisão que sobre ele recaiu fossem do conhecimento de terceiros. - A decisão do pedido de escusa é correspondência pessoal da signatária que desconhece como e o porquê de a mesma se encontrar junta aos autos. - Quanto ao de mais, cumpre salientar que: - A conferência de pais para tentar obter acordo sobre a escolha do estabelecimento de ensino a frequentar pela menor esteve marcada quatro vezes, tendo sido desmarcada e adiada porque, sistematicamente poucos dias antes das datas agendadas, ou a mandatária, ou o progenitor se encontravam alegadamente doentes ou ausentes. - A pessoa que irrompeu pela sala de audiências e disse ser tio da menor interrompeu a conferência (que não é aberta ao público) bramindo o documento junto aos autos que nenhum poder lhe conferia para intervir na conferência num tom e atitude desrespeitosa para com o Tribunal. - Para melhor esclarecimento juntam-se os sucessivos pedidos de adiamentos por parte da mandatária do progenitor por motivo de alegada doença e as respectivas actas. É tudo quanto me oferece dizer ao abrigo do disposto no artigo 122º, nºs 1 e 2, do C.P.C. Junte de imediato os documentos suprarreferidos. Remeta de imediato ao Exmo. Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa. Mais solicito que seja extraída certidão do requerimento inicial e me seja entregue (…)”.
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II. Vejamos:
Nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 120.º do CPC, as partes podem opor suspeição ao juiz quando ocorrer motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, o que ocorrerá, nomeadamente, nas situações elencadas nas suas alíneas a) a g).
Com efeito, o juiz natural, consagrado na CRP (cfr. artigos 32.º, n.º 9 e 203.º), só pode ser recusado quando se verifiquem circunstâncias assertivas, sérias e graves.
E os motivos sérios e graves, tendentes a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador, resultarão da avaliação das circunstâncias invocadas.
O TEDH – na interpretação do segmento inicial do §1 do art.º 6.º da CEDH, (“qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei”) - desde o acórdão Piersack v. Bélgica (8692/79), de 01-10-82 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57557) tem trilhado o caminho da determinação da imparcialidade pela sujeição a um “teste subjetivo”, incidindo sobre a convicção pessoal e o comportamento do concreto juiz, sobre a existência de preconceito (na expressão anglo-saxónica, “bias”) face a determinado caso, e a um “teste objetivo” que atenda à perceção ou dúvida externa legítima sobre a garantia de imparcialidade (cfr., também, os acórdãos Cubber v. Bélgica, de 26-10-84 (https://hudoc.echr.coe.int/ukr?i=001-57465), Borgers v. Bélgica, de 30-10-91, (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-57720) e Micallef v. Malte, de 15-10-2009 (https://hudoc.echr.coe.int/fre?i=001-95031) ).
Assim, o TEDH tem vindo a entender que um juiz deve ser e parecer imparcial, devendo abster-se de intervir num assunto, quando existam dúvidas razoáveis da sua imparcialidade, ou porque tenha exteriorizado relativamente ao demandante, juízos antecipados desfavoráveis, ou no processo, tenha emitido algum juízo antecipado de culpabilidade.
A dedução de um incidente de suspeição, pelo que sugere ou implica, deve ser resguardado para casos evidentes que o legislador espelhou no artigo 120.º do CPC, em reforço dos motivos de escusa do juiz, a que se refere o artigo 119.º do CPC.
A imparcialidade do Tribunal constitui um requisito fundamental do processo justo. “A imparcialidade, como exigência específica de uma verdadeira decisão judicial, define-se, por via de regra, como ausência de qualquer prejuízo ou preconceito, em relação à matéria a decidir ou às pessoas afectadas pela decisão” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-02-2013, Pº 1475/11.8TAMTS.P1-A.S1, rel. SANTOS CABRAL).
O direito a um julgamento justo, não se trata de uma prerrogativa concedida no interesse dos juízes, mas antes, uma garantia de respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, de modo a que, qualquer pessoa tenha confiança no sistema de Justiça.
Do ponto de vista dos intervenientes nos processos, é relevante saber da neutralidade dos juízes face ao objeto da causa.
Com efeito, os motivos sérios e válidos atinentes à imparcialidade de um juiz terão de ser apreciados de um ponto de vista subjetivo e objetivo.
Sintetizando, referiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-11-2022 (Pº 38/18.1TRLSB-A, rel. ORLANDO GONÇALVES) que “de um modo geral, pode dizer-se que a causa da suspeição há de reportar-se a um de dois fundamentos: uma especial relação do juiz com alguns dos sujeitos processuais, ou algum especial contacto com o processo”.
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III. Colocados os parâmetros enunciados que importa observar, analisemos a situação concreta apreciando se o incidente de suspeição deverá proceder ou improceder.
A Justiça é feita caso a caso, tendo em consideração a real e objetiva situação a dirimir.
O Juiz não é parte nos processos, devendo exercer as suas funções com a maior objetividade e imparcialidade.
Com efeito, os juízes têm por função ser imparciais e objetivos, fundando as suas decisões na lei e na sua consciência.
Como dispõe o artigo 4.º, n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, os juízes julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.
De acordo com o n.º 2 do artigo 4.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, a independência dos magistrados judiciais manifesta-se na função de julgar, na direção da marcha do processo e na gestão dos processos que lhes forem aleatoriamente atribuídos.
No seu requerimento de suspeição em apreço, o respetivo requerente invocou diversas circunstâncias inerentes à tramitação do processo acima mencionado e às vicissitudes do mesmo e dos seus apensos.
Em particular, mencionou o requerente diversas circunstâncias sobre os termos em se concretizou a conferência de pais realizada em 20-05-2024 no âmbito do apenso (…), nomeadamente: “(…) Em 20 de Maio de 2024, o progenitor não pôde comparecer na conferência de pais, agendada para aquela data (…) foi acometido de doença súbita (…) a mandatária do progenitor também estava doente, sendo-lhe fisicamente impossível locomover-se. (…) Sabendo que a sua advogada estava impedida, e estando ele impedido também, o progenitor delegou no seu irmão, Diogo Camilo Costa, poderes para o representar na sobredita audiência, (…) Declaração de vontade que consignou no papel que se junta, como DOC. n.º 4, cujo conteúdo se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos. O progenitor pensou que o podia fazer, atento o disposto no artigo 35.º/4, do REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL (RGTC), constante da Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro, sem prejuízo de, se o tribunal assim o entendesse, proceder a posterior ratificação com a devi[d]a cominação”.
Mais refere que o seu irmão e tio da menor se apresentou na conferência e entregou a Delegação de poderes especiais de representação, que a Sra. Juíza “entendeu não aceitar a declarada vontade do progenitor, expressamente dizendo na sala de audiência “isto não tem valor jurídico nenhum” e que, após reação daquele, a Sra. Juíza “fê-lo sair da sala com estes seguintes dizeres: “O senhor saia, saia da sala se faz favor, saia da sala se faz favor (…) O progenitor não entendeu o motivo da não admissão do seu irmão na sobredita conferência de pais, de 20 de Maio de 2024, pois, assim crê, o processo em causa tem a natureza de jurisdição voluntária e, por isso, não exige representação obrigatória por advogado, a não ser em sede de recurso (Cfr. artigo 18.º/1, RGTC, constante da Lei n.º 141/2015, de 08 de setembro).
Prossegue o requerente relatando circunstâncias processuais que, nos termos que refere, ocorreram nos dias 27-05-2024 e 21-06-2024, referindo, a respeito desta última data que, “o progenitor teve conhecimento da existência da ata, que se junta como DOC. n.º 8, cujo conteúdo se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos. (…) O relatado na ata não corresponde à verdade integral dos factos, pois, a. O irmão do progenitor não desrespeitou e/ou perturbou o tribunal, como se retira do lavrado. O que se pode comprovar pela gravação da sessão em causa. b. A Mm.ª Senhora Dr.ª Juiz de Direito não “solicitou” ao irmão do progenitor que este saísse da sala de audiência, outrossim, ordenou que o mesmo saísse e fê-lo prepotentemente, c. A Mm.ª Senhora Dr.ª Juiz de Direito refere que “Foi apresentado ao Tribunal uma folha de papel com título “declaração” alegadamente emitida pelo progenitor em a favor do seu irmão “D” a fim de o aqui representar com alegação de que “é conhecedor de toda a matéria em questão que nos autos e designadamente da falsidade das alegações da mãe” (sic). Negrito e sublinhado do exponente. d. Com efeito, o “papel” é titulado como “Declaração”, que é a declaração da vontade do declarante, “A”, aqui exponente; e. Igualmente, a Mm.ª Senhora Dr.ª Juiz de Direito estriba-se em advérbios de modo, como “alegadamente”, sem porém o mesmo se justificar, porquanto, e como acima mencionado, o impedimento dos progenitores pode ser suprido nos termos do artigo 35.º do RGTC (…)”.
Finalmente, o requerente alude a outras vicissitudes processuais – embora sem concretização de datas – dizendo que: “40. O progenitor teve também conhecimento que houve contato com as assistentes sociais que acompanham o processo e que estas já sabiam do teor da ata, 41. Onde o irmão do progenitor, tio extremoso e muito interessado na sobrinha, é relatado como “um perturbador da ordem pública””.
Conclui o requerente que se sente “intimidado pela Mm.ª Senhora Dr.ª Juiz de Direito que, é notório pela sua atitude, tem despachado um conjunto de diligências que a procederem, prejudicariam a responsabilidade parental que lhe foi consentida, caso o progenitor não comprove tudo o que profere nos autos (…) a postura da sobr[e]dita magistrada, suscita as maiores reservas sobre a sua isenção e imparcialidade no presente processo (…)”.
Paralelamente, o requerente da suspeição veio referir que: “13. O processo está atualmente entregue à Mm.ª Senhora Dr.ª Juiz de Direito “C”; esta Magistrada pediu escusa em 11 de Maio de 2022, no âmbito dos autos sob o n.º 343/21.0T8AMD, o que lhe foi deferido em 30 de Maio de 2022, com rectroactividade a 11 de maio de 2022. Vide DOC. n.º 1, cujo conteúdo se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos. 14. A “escusa foi deferida por decisão singular da Sra. Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.05.2022 com o fundamento dessa queixa indiciar a existência de alguma animosidade contra a Sra. Juíza, nos termos do artigo 120º nº 1, al. g), do CPC.”, 15. Sendo que a Senhora Dr.ª Juiz de Direito invocou no seu pedido de escusa “que foi apresentada queixa contra si no CSM pela Mandatária (…) que intervém no processo como Advogada de uma das partes”, mais concretamente, a Sr.ª. Dr.ª (…), mandatária da mãe da menor, 16. A qual por sua vez, em 16 de fevereiro de 2023, substabeleceu sem reserva na Sr.ª Dr.ª (…) que agora acompanha a mãe da menor. 17. Ora, a Senhora Dr.ª Juiz de Direito “C” retornou aos autos, 18. Sendo que a advogada substabelecida nada disse ou promoveu relativamente ao retorno da Juiz de Direito que motivou a queixa junto de Conselho Superior de Magistratura”.
A Sra. Juíza de Direito, insurgindo-se contra a divulgação da decisão do pedido de escusa, contrapôs, em suma, que lhe “foi deferido o pedido de escusa por ela solicitado em virtude de uma das mandatárias constituídas pela progenitora ter feito afirmações que consubstanciavam a prática dos crimes difamação e denúncia caluniosa”, passando o processo “a ser tramitado pela Juiz que legalmente substitui a signatária a qual tramitou o processo até que a progenitora constituiu nova mandatária”, remetendo a sua substituta legal, o processo para o Juiz (…) com a argumentação de que o motivo que esteve na base da escusa já não se verificava. Pronunciou-se ainda sobre os termos que precederam e foram contemporâneos com a conferência de pais acima mencionada.
Liminarmente, importa salientar que a apreciação sobre se a situação invocada pelo requerente da suspeição se enquadra, ou não, na previsão legal do artigo 120.º do CPC, prende-se, tão só, com a materialização ou não dos requisitos do incidente, e não, com qualquer apreciação de natureza jurisdicional ou substantiva, relativamente ao mérito da pretensão esgrimida por qualquer dos sujeitos processuais, a qual, não nos incumbe decidir, nem a poderemos efetuar.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 121.º do CPC, “o prazo para a dedução da suspeição corre desde o dia em que, depois de o juiz ter despachado ou intervindo no processo, nos termos do n.º 2 do artigo 119.º, a parte for citada ou notificada para qualquer termo ou intervier em algum ato do processo (…)” (cfr. n.º 1), sendo que, “se o fundamento da suspeição ou o seu conhecimento for superveniente, a parte denuncia o facto ao juiz logo que tenha conhecimento dele, sob pena de não poder mais tarde arguir a suspeição (…)” (cfr. n.º 3).
Tendo em conta que, segundo o próprio requerente da suspeição, o mesmo tomou conhecimento da factualidade em que fundamenta a suspeição – assente na diligência de 20-05-2024 – em 21-06-2024, a apresentação de requerimento de suspeição em 17-07-2024 é de ter por intempestiva, o que determinaria que o incidente deduzido soçobrasse.
Todavia, mesmo que assim não sucedesse, cumpre salientar que não se patenteia qualquer das circunstâncias a que se referem as alíneas a) a f) do n.º 1, do artigo 120.º do CPC, que determinam a suspeição.
Quanto à alínea g) – existência de inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários – tem-se entendido que “não constitui fundamento específico de suspeição o mero indeferimento de requerimento probatório (RL, 7-11-12, 5275/09) nem a inoportuna expressão pelo juiz sobre a credibilidade das testemunhas (RG 20-3-06, 458/06)” (assim, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 148).
Do facto de um juiz ter proferido decisões desfavoráveis a uma das partes não pode extrair-se qualquer ilação quanto a eventuais sentimentos de amizade ou inimizade ou, até, de mera simpatia ou antipatia por uma delas, ou ainda de parcialidade (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-05-2002, Pº 01P3914, rel. SIMAS SANTOS).
Efetivamente, a função jurisdicional “implica, pela sua própria natureza e quase sem excepções, a necessidade de dar razão a uma das partes e negá-la à outra, rejeitando as suas pretensões e sacrificando os seus interesses concretos. Daí que não seja possível retirar do facto de alguma, ou algumas, das pretensões formuladas por uma das partes terem sido rejeitadas a conclusão de que o julgador está a ser parcial ou a revelar qualquer inimizade contra a parte que viu tais pretensões indeferidas" (despacho do Presidente da Relação de Lisboa de 14-06-1999, in CJ, XXIV, 3.º, p. 75).
No seu requerimento, o requerente da suspeição invoca, quase exclusivamente, nos termos sobreditos a respeito da tramitação processual acima identificada, questões de natureza jurisdicional, manifestando a sua discordância com as decisões jurisdicionais tomadas no processo (como sejam os termos em que foi decidida a “representação”/”presença” do seu irmão na conferência de pais de 20-05-2024), mas este descontentamento não pode ser apreciado em incidente de suspeição.
Não se conformando com as decisões judiciais proferidas, o requerente da suspeição tem ao seu dispor todos os mecanismos legais de impugnação que sejam processualmente admissíveis.
De facto, os recursos (ou as reclamações ou outros meios impugnatórios), a interpor nos termos e segundo os pressupostos legalmente previstos, são os mecanismos legais para se poder reagir em tais situações e para se aquilatar da correta ou incorreta aplicação da lei.
Podemos entender que o requerente da suspeição não se reveja no conteúdo de posições tomadas no processo pela Sra. Juíza, mas tal descontentamento não implica a constatação de alguma parcialidade do julgador.
O incidente de suspeição não é, de facto, o mecanismo adequado para expressar a discordância jurídica ou processual de uma parte sobre o curso processual ou sobre os atos jurisdicionais levados a efeito pelo julgador. A jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem, de forma constante, evidenciado esta asserção (disso são exemplo as decisões expressas nos seguintes acórdãos: TRL de 11-10-2017, Pº 6300/12.0TDLSB-A-3, rel. JOÃO LEE FERREIRA; TRP de 21-02-2018, Pº 406/15.0GAVFR-A.P1, rel. ELSA PAIXÃO; TRP de 11-11-2020, Pº 1155/18.3T9AVR-A.P1, rel. JOSÉ CARRETO; TRE de 08-03-2018, Pº 13/18.6YREVR, rel. JOÃO AMARO).
Não logramos descortinar na invocação do requerente da suspeição a respeito das decisões tomadas em 20-05-2024 nenhuma circunstância que possa conduzir ao afastamento da Sra. Juíza, não se demonstrando, o por si alegado, envolver a existência de motivo – muito menos, sério e grave - adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do julgador.
Estas considerações são extensivas à circunstância de a Sra. Juíza de Direito ter “reassumido” a tramitação do processo, que não denota fundar motivo para o deferimento da suspeição.
Importa, desde logo, referir que a referida intervenção assentou em decisões que não vieram a ser contestadas senão, com o requerimento anexo ao email ora enviado em 17-07-2024, pelo requerente da suspeição, quando ocorreram ainda no ano de 2023.
Para além disso, se é certo que, o pedido de escusa terá por finalidade prevenir e excluir situações em que possa ser colocada em causa a imparcialidade do julgador, bem como, a sua honra e considerações profissionais, o seu deferimento com uma determinada causa não compromete que, deixando tal causa de existir – tanto mais que tal sucedeu, por via de decisão jurisdicional tomada nesse sentido pelo substituto legal da escusada - , o processo venha a ser novamente tramitado pela juíza escusada a quem o processo foi remetido.
Na verdade, devendo os motivos sérios e válidos atinentes à imparcialidade de um juiz, ser apreciados de um ponto de vista subjetivo e objetivo, a supressão superveniente dos pressupostos factuais que justificaram, em determinado momento e circunstâncias a escusa, comporta a eliminação dos fundamentos objetivos e subjetivos em que tal escusa assentou, não envolvendo tal tramitação, assumida pela juíza escusada – que, aliás, foi comunicada às partes há mais de um ano a esta parte - a existência de motivo sério e grave que comprometa a imparcialidade devida à Sra. Juíza a quem foi, primitivamente, concedida escusa, designadamente, para com o requerente da suspeição, se este nenhuma relevância teve para o deferimento de tal escusa.
Observando os factos tal como o faria um cidadão médio, não se deteta nos atos processuais em que teve intervenção a Sra. Juíza visada – cujas considerações têm, aliás, arrimo nos elementos processuais constantes dos autos - qualquer atitude pessoal reveladora de suspeita de quebra da sua imparcialidade.
Assim sendo, entendemos não se encontrarem reunidos os pressupostos que materializam o incidente, o que conduz à sua improcedência.
Não se nos afigura a existência de litigância de má-fé do requerente da suspeição, não se patenteando alguma das circunstâncias a que se reporta o n.º 2 do artigo 542.º do CPC.
*
IV. Face ao exposto, indefiro a suspeição deduzida relativamente à Sra. Juíza de Direito “C”.
Custas a cargo do requerente do incidente.
Notifique.
Lisboa, 05-08-2024,
Carlos Castelo Branco
(Vice-Presidente, com poderes delegados – cfr. Despacho 2577/2024, de 16-02-2024, D.R., 2.ª Série, n.º 51/2024, de 12 de março).