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CONFLITO DE DISTRIBUIÇÃO
ATRIBUIÇÃO
MESMO RELATOR
Sumário
1. Nos termos do artigo 218.º do CPC, se, em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo nº. 3 do artigo 682º, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator, visando-se a continuidade do relator quando, em consequência de anulação ou revogação, a questão não ficou encerrada. 2. O critério que parece resultar da previsão normativa do artigo 218.º do CPC e na manutenção ou não do relator anterior assenta na circunstância de o objeto da reformulação da decisão primeiramente proferida – e do consequente recurso dela interposto – resultar encerrada, ou não, com o recurso decidido. 3. Se a decisão do tribunal superior põe definitivamente termo à questão em causa no recurso, qualquer outro recurso que no mesmo processo venha a ser interposto posteriormente, fica sujeito a distribuição e não a atribuição ao primitivo relator. 4. Se a decisão do tribunal ad quem não põe termo definitivo à questão em discussão no recurso e implica uma nova decisão, como por exemplo, nos casos em que tribunal superior ordena a produção ou renovação de produção de meios de prova, manda corrigir deficiências de fundamentação de facto, manda aditar novos factos, ou determina o aperfeiçoamento de articulados, então, não pondo essas decisões termo definitivo à questão subjacente ao objeto do recurso, operará a regra da manutenção do relator estabelecida no artigo 218.º do CPC. 5. No caso em apreço, as questões que foram objeto do primitivo recurso não resultaram encerradas, determinando, por uma parte, a revogação da decisão proferida pela primeira instância e, por outra parte, a consideração de prejudicialidade no seu conhecimento. 6. A necessidade de cumprimento do ordenado pelo Tribunal da Relação ocasionou um novo julgamento e uma nova sentença da 1ª. instância, sendo que o objeto do litígio não versou sobre aspetos diferentes, mas antes, debruçou-se sobre a mesma questão jurídica em discussão, não podendo considerar-se “encerrado”, para efeito de aplicação do disposto no artigo 218.º do CPC, o leque de questões objeto do recurso apresentado primeiramente ao tribunal de recurso. 7. Compreende-se, pois, que deva manter-se o relator – e o coletivo não impedido – entendendo-se que estamos perante uma situação enquadrável no artigo 218º do CPC.
Texto Integral
I.
1) “A” instaurou ação declarativa, contra “B”, “C” e “D” pedindo a declaração de nulidade, por simulação, de um contrato de compra e venda de imóvel, celebrado a 31-01-1985;
2) Em 05-01-2021 foi realizada audiência prévia, tendo o julgador considerado que os autos continham já todos os elementos que permitiam uma decisão sobre o mérito da causa;
3) Com data de 05-07-2021, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório: “Decisão Destarte, o Tribunal decide julgar improcedente o pedido formulado contra os RR “B” e “C” e, consequentemente, absolvê-los do pedido. Decide, no que diz respeito ao pedido formulado contra “D”, homologar a confissão que o mesmo fez deste pedido e, consequentemente, declarar a nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda referente a 1/3 do prédio urbano sito na sito na Rua (...) com vão de porta para a Rua (…), com o valor patrimonial atual de €1.951.103,83 (um milhão, novecentos e cinquenta e um mil, cento e três euros e oitenta e três cêntimos), inscrito na matriz urbana da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho sob o artigo (…) e declarar válido o contrato de doação, dissimulado, com o mesmo objecto. As custas serão pela A e 3ª R, na proporção de 2/3 para a primeira e de 1/3 para o 3ºR.”
4) Notificada, a autora “A” interpôs recurso de apelação da sentença que, admitido, foi distribuído à 2ª Secção desta Relação, a um coletivo composto pelos Exmos. Juízes Desembargadores, Dr. “X”, como relator, Dr. “Y”, como 1º adjunto e, Dra. “Z” como 2ª adjunta.
5) Este coletivo, com data de 10-03-2022, proferiu acórdão, onde concluiu revelar-se “infundada a homologação da confissão do pedido declarada pelo Tribunal Recorrido quanto ao R. “D”, termos em que nessa parte importa revogar a decisão recorrida”, decidindo o seguinte: “V. DECISÃO Pelo exposto, julgam-se procedentes os recursos interpostos e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir seus termos no Tribunal recorrido com prolação de despacho de aperfeiçoamento nos termos referidos.”
6) Baixados os autos à 1ª instância, foi proferido em 09-05-2022 despacho de convite ao aperfeiçoamento, que a autora acatou.
7) Em 12-01-2023 teve lugar audiência prévia com indicação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.
8) Em 24-10-2023, realizou-se a audiência final e, com data de 11-03-2024, foi proferida nova sentença, com o seguinte teor decisório: “Decisão Destarte, o Tribunal decide julgar improcedente o pedido formulado contra os RR “B” e “C” e, consequentemente, absolvê-los do pedido. Decide, no que diz respeito ao pedido formulado contra “D”, homologar a confissão que o mesmo fez deste pedido e, consequentemente, declarar a nulidade, por simulação, do contrato de compra e venda referente a 1/3 do prédio urbano sito na sito na Rua (…), com vão de porta para a Rua (…), com o valor patrimonial atual de €1.951.103,83 (um milhão, novecentos e cinquenta e um mil, cento e três euros e oitenta e três cêntimos), inscrito na matriz urbana da União das Freguesias de Sacavém e Prior Velho sob o artigo (…) e declarar válido o contrato de doação, dissimulado, com o mesmo objecto. As custas serão pela A e 3º R, na proporção de 2/3 para a primeira e de 1/3 para o 3ºR.”
9) Notificada da sentença de 11-03-2024, a autora “A” interpôs recurso de apelação que, em 26-06-2024 foi atribuído ao mesmo coletivo da 2ª Secção que havia proferido o primeiro acórdão.
10) Por despacho do relator do anterior coletivo de 28-06-2024 foi decidido: “I. Segundo o disposto no artigo 218.º do CPCivil, «Se, em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida (…), tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação (…), o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator». Como expressão do princípio da plenitude da assistência do juiz, nomeadamente da concentração do recurso num mesmo juiz, consagra-se naquele preceito legal a regra de que o processo deve ser atribuído ao anterior Relator sempre que volte ao Tribunal da Relação em razão de anulação ou revogação por ele proferida e a nova decisão recorrida seja uma decorrência direta daquela anulação ou revogação. A «nova decisão» apelada a que se refere a norma é aquela que constitui uma decorrência direta da anulação ou revogação anteriormente proferida pela Relação e tão-só ela. II. Na situação vertente. Por acórdão de 10.03.2022, este Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão relatado pelo aqui subscritor, julgou procedentes os recursos interpostos e, em consequência, revogou a decisão recorrida, determinando que os autos prosseguissem seus termos no Tribunal recorrido, com prolação de despacho de aperfeiçoamento. Regressados os autos à primeira instância, foi aí proferido despacho de aperfeiçoamento na sequência do qual os autos prosseguiram seus termos: - A A. apresentou petição inicial aperfeiçoada, - Os RR. deduziram contestação reformulada, - Realizou-se audiência prévia, na qual se identificou o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova, - Procedeu-se a audiência final, - Foi proferida sentença, - A A. interpôs recurso de apelação daquela sentença, - Em 25 de junho último, para conhecimento daquele recurso, os autos foram objeto de «atribuição» «manual» ao signatário, conforme decorre do «Histórico de Distribuições» constante do citius. Ou seja, in casu a decisão ora apelada não constitui uma decorrência direta do referido acórdão de revogatório de 10.03.2022, termos em o recurso foi indevidamente distribuído ao signatário, por inaplicável ao caso o referido artigo 218.º do CPCivil, devendo antes ser distribuído, por sorteio eletrónico, aleatoriamente, conforme disposto no artigo 213.º do CPCivil, na redação da Lei n.º 55/2021, de 13.08. III. Pelo exposto, determino a remessa dos autos à Secção Central do Tribunal da Relação de Lisboa a fim de aí ser dada baixa da atribuição dos autos ao signatário e, em seguida, se proceder à distribuição dos mesmos, por sorteio. Notifique”.
11) Remetidos os autos à Secção Central desta Relação, foi o recurso distribuído a novo coletivo, da 6ª Secção, composto pelo Exmo. Juiz Desembargador, Dr. “AA”, como relator e tendo como adjuntos o Dr. “BB” e a Dra. “CC”.
12) Por despacho de 23-08-2024, o relator referido em 11) proferiu a seguinte decisão: “Conflito Negativo de Distribuição. (…) 11- Coloca-se a questão de saber se o recurso de apelação ora em causa devia ter sido submetido à distribuição ou, ao invés, sido atribuído ao anterior colectivo nos termos do que determina o artº 218º do CPC. Vejamos. O artº 218º do CPC, com epígrafe “Manutenção do relator, no caso de novo recurso”, determina: “Se, em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo nº 3 do artigo 682º, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator.” A letra da norma afigura-se-nos clara: o preceito estatui a dispensa da distribuição quando, tendo o processo baixado, por decisão do tribunal superior, ao tribunal a quo e venha a ser interposto um novo recurso para o mesmo tribunal superior. Como é conhecido, trata-se de um preceito inovador que foi introduzido no nosso sistema processual civil aquando da reforma de 2013, tendo o Legislador, no Preâmbulo da Proposta de Lei 1132/XII/2, justificado essa medida como visando reforçar o Princípio da Unidade e Tendencial Concentração do Julgador, estabelecendo duas novas regras “…nos casos de transferência ou promoção, o juiz perante quem decorreu a audiência elabora também a sentença.” E, “…no que respeita aos tribunais superiores, estabelece-se identicamente como regra a manutenção do relator, no caso de ter de ser reformulada a decisão recorrida e, na sequência de tal reformulação, de vir a ser interposto e apreciado um novo recurso”. (sublinhado e realce nossos). A doutrina vê o preceito como a expressão do Princípio da Plenitude e Assistência do Juiz expressamente consagrado no artº 605º do CPC (Cf. Geraldes/Pimenta/Sousa, CPC anotado, Vol. I, 2ª edição, pág. 263; Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, CPC anotado, Vol. 1º, 3ª edição, pág. 408). Estão explicitamente abarcados os casos em que o tribunal superior, anulando a decisão ou o acórdão recorrido, determina a remessa do processo ao tribunal a quo (Geraldes/Pimenta/Sousa, CPC…, cit., pág. cit.) e este venha a proferir nova decisão por consequência do que foi determinado pelo tribunal ad quem. Como foi fundamentado pela Exma. Presidente desta Relação no âmbito de um Conflito de Distribuição no Proc. 3962/21.0T8LSB.L2 (a que tivemos acesso) “Com efeito, pretende-se com o preceito a continuidade do relator quando em consequência de anulação ou revogação, a questão não ficou encerrada” (…) “A finalidade do artº 218º do CPC é a de fazer retomar ao mesmo relator inicial o recurso relativo a decisão anulada ou revogada depois de corrigidos os vícios que motivaram a anterior revogação ou anulação.” E, citando o Ac. do STA, 03/12/2020, refere “Nos termos do artº 218º do CPC é juiz natural do processo aquele que proferiu a primeira decisão no processo ainda que se imponha nova decisão do tribunal na sequência de anulação ou revogação ao abrigo dos poderes conferidos pelo nº 3 do artº 682º do CPC”. Concorda-se plenamente com esta orientação. Na verdade, salvo o devido respeito, a lei (artº 218º) não limita ou restringe a regra da manutenção do relator somente às situações de consequência directa, (conforme parece defender o Exmo Colega relator original), em que a nova decisão proferida pelo tribunal a quo, tenha sido determinada directamente pela decisão do tribunal ad quem. Se assim fosse, a regra da manutenção do relator estaria restringida a um limitado número de casos, o que que contrariaria a mens legis que acima referimos “…a regra a manutenção do relator, no caso de ter de ser reformulada a decisão recorrida e, na sequência de tal reformulação, de vir a ser interposto e apreciado um novo recurso”. Por exemplo, a ser assim, a regra não seria aplicável“…aos casos em que o tribunal de recurso determina a remessa do processo ao tribunal a quo a fim de apreciar questões que tenham ficado prejudicadas e que não possam ou não devam ser apreciadas por aquele…”, sendo certo que a doutrina defende, justamente, a aplicação da regra da manutenção do relator a essas situações (Cf. Geraldes/Pimenta/Sousa, CPC…cit., pág. 263). Portanto a regra da manutenção do relator deve ser aplicada “…quando em consequência de anulação ou revogação pelo tribunal superior, a questão não ficou encerrada…”. Ou seja, o critério determinativo da não manutenção do anterior relator será o do encerramento definitivo da questão sob recurso no tribunal ad quem. Isto é, se a decisão do tribunal superior põe definitivamente termo à questão em causa no recurso, qualquer outro recurso que no mesmo processo venha a ser interposto posteriormente fica sujeito à distribuição e não à regra de manutenção do relator. Assim, por exemplo, se o tribunal de recurso decide sobre um caso de não admissão de um meio prova, ou algum incidente de intervenção de terceiros, ou sobre a não suspensão da instância, ou sobre a competência absoluta do tribunal, ou condene em multa ou outra sanção processual, qualquer outro recurso que venha posteriormente a ser interposto fica sujeito a distribuição. Porém, se a decisão do tribunal ad quem não põe termo definitivo à questão em discussão no recurso e implica uma nova decisão, como por exemplo, nos casos em que tribunal superior ordena a renovação de produção de prova ou de novos meios de prova, ou manda corrigir deficiências de fundamentação de facto ou, mande aditar novos factos, ou determine despachos de aperfeiçoamento de articulados, então, qualquer dessas decisões não põe termo definitivo à questão e, por conseguinte, funciona a regra da manutenção do relator estabelecida no artº 218º do CPC. Percebe-se que assim deva ser: o legislador, com a regra da manutenção do relator, visou, por um lado, profilaticamente, “…obviar à proliferação de decisões meramente formais nas instâncias superiores e prossegue também objectivos atinentes à eficiência dos mecanismos processuais, na medida em que a apreciação do novo recurso que venha a ser interposto incumbe ao mesmo relator (com intervenção, se possível, dos mesmos adjuntos,)” (Geraldes/Pimenta/Sousa, CPC anotado…cit., pág. 263); e, por outro lado, “…tendo na sua base a ideia de que é vantajoso para a coerência e adequação da decisão final do processo concentrar a apreciação da causa, em cada instância, no mesmo julgador (ou julgadores).” (Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. I, 3ª edição, pág. 408). Ora, no caso em apreço, o primeiro acórdão proferido nos autos, a 10/03/2022 determinou “… revoga-se a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir seus termos no Tribunal recorrido com prolação de despacho de aperfeiçoamento nos termos referidos:”. E, a nova sentença, ora sob recurso, foi proferida, precisamente, em consequência daquele primeiro acórdão: o juiz do tribunal a quo mandou aperfeiçoar a petição e prosseguiu os autos até à prolação de nova sentença. A nova sentença surge, pois, como consequência ou sucessão de actos processuais determinados por causa ou por efeito do acórdão de 10/03/2022. O mesmo é dizer que a nova sentença foi proferida em consequência daquele acórdão de 10/03/2023. A esta vista, salvo o devido respeito, não havia fundamento para remeter o recurso à distribuição, antes devendo ser atribuído ao anterior relator nos termos da regra da manutenção do relator do artº 218º do CPC. Há, pois, erro na distribuição. Verifica-se, assim, um conflito negativo de distribuição. Ora, embora a lei processual civil não contenha norma expressa relativa aos conflitos de distribuição que surjam entre Juízes do mesmo Tribunal da Relação, o artº 114º do CPC, estatui que “…O disposto nos artigos 111º a 113º é aplicável a quaisquer outros conflitos que devam ser resolvidos pelas Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça…”. A esta luz, compete à Exma. Presidente deste Tribunal da Relação de Lisboa, dirimir este conflito de distribuição face ao que dispõe o artº 113º do CPC. Pelo exposto decide-se: a)- Declarar que há erro na distribuição deste recurso, devendo ser observada a regra de manutenção do anterior relator (colectivo); b)- Apresentem-se os autos à Exma. Presidente deste Tribunal da Relação de Lisboa, para dirimir este conflito negativo de distribuição”.
*
II.
Nos termos do disposto no artigo 203.º do CPC, o ato processual da “distribuição” – designado pelo legislador como “especial” – tem a seguinte finalidade: “É pela distribuição que, a fim de repartir com igualdade o serviço judicial, se designa a secção, a instância e o tribunal em que o processo há de correr ou o juiz que há de exercer as funções de relator.”.
De harmonia com o previsto no artigo 204.º do CPC, as operações de distribuição e registo previstas nos números 2 a 6, são realizadas por meios eletrónicos, as quais devem garantir aleatoriedade no resultado e igualdade na distribuição do serviço, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º (n.º 1).
A portaria a que se refere o referido normativo é – no que respeita aos tribunais judiciais -a portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto (retificada pela declaração de retificação n.º 44/2013, de 25 de outubro), alterada pelas portarias n.ºs. 170/2017, de 25 de maio (cfr. retificação n.º 16/2017, de 6 de junho), 267/2018, de 20 de setembro, 86/2023, de 27 de março e 360-A/2023, de 14 de novembro.
De harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 204.º do CPC, a distribuição é presidida por um juiz, designado pelo presidente do tribunal de comarca e secretariado por um oficial de justiça, com a assistência obrigatória do Ministério Público e, caso seja possível por parte da Ordem dos Advogados, de um advogado designado por esta ordem profissional, todos em sistema de rotatividade diária sempre que, quanto àqueles, a composição do tribunal o permita.
A distribuição obedece às seguintes regras (cfr. artigo 204.º, n.º 4, do CPC):
a) Os processos são distribuídos por todos os juízes do tribunal e a listagem fica sempre anexa à ata;
b) Se for distribuído um processo a um juiz que esteja impedido de nele intervir, deve ficar consignada em ata a causa do impedimento que origina a necessidade de fazer nova distribuição por ter sido distribuído a um juiz impedido, constando expressamente o motivo do impedimento, bem como anexa à ata a nova listagem;
c) As operações de distribuição são obrigatoriamente documentadas em ata, elaborada imediatamente após a conclusão daquelas e assinada pelas pessoas referidas no n.º 3, a qual contém necessariamente a descrição de todos os atos praticados.
A lei regula outros aspetos acessórios, prescrevendo, em particular, no n.º 6 do artigo 204.º do CPC (com a redação conferida pelo D.L. n.º 97/2019, de 26 de julho e pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto) que, “sem prejuízo do disposto nos números anteriores, nos casos em que haja atribuição de um processo a um juiz, deve ficar explicitada na página informática de acesso público do Ministério da Justiça que houve essa atribuição e os fundamentos legais da mesma”.
Por seu turno, estabelece o n.º 1 do artigo 205.º do CPC que, “a falta ou irregularidade da distribuição não produz nulidade de nenhum ato do processo, mas pode ser reclamada por qualquer interessado ou suprida oficiosamente até à decisão final”.
A lei processual prevê disposições particulares sobre o ato de distribuição nos tribunais superiores, a que se referem, em particular, os artigos 213.º a 218.º do CPC, que, em suma, se podem resumir ao seguinte:
- A distribuição que contém as espécies referidas no artigo 214.º do CPC, é efetuada uma vez por dia, de forma eletrónica;
- A distribuição é presidida por um juiz, designado pelo presidente do respetivo tribunal e secretariado por um oficial de justiça, com a assistência obrigatória do Ministério Público e, caso seja possível por parte da Ordem dos Advogados, de um advogado designado por esta ordem profissional, todos em sistema de rotatividade diária, podendo estar presentes, se assim o entenderem, os mandatários das partes;
- É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 204.º, n.ºs. 4 a 6 do CPC, com as seguintes especificidades:
a) A distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro;
b) Deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo;
- Quando tiver havido erro na distribuição, o processo é distribuído novamente, aproveitando-se, porém, os vistos que já tiver; mas se o erro derivar da classificação do processo, é este carregado ao mesmo relator na espécie devida, descarregando-se daquela em que estava indevidamente;
- A distribuição é efetuada por meios eletrónicos, nos termos previstos nos artigos 204.º e 213.º do CPC; e
- Na distribuição atende-se à ordem de precedência dos juízes, como se houvesse uma só secção.
O Regulamento nº 269/2021, de 22 de março, do Conselho Superior da Magistratura, Regulamento das Situações de Alteração, Redução ou Suspensão da Distribuição de Processos (publicado no DR nº 56/2021, Série II, de 22-03-2022) veio estabelecer, por seu turno, os princípios, critérios, requisitos e procedimentos a que deve obedecer a determinação pelo Conselho Superior da Magistratura das medidas a que aludem os artigos 149.º, n.º 1, alíneas n) e o), 151.º, alínea c), e 152.º -C, n.º 1, alíneas g) e h), do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aplicáveis aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Primeira Instância, definindo diversas situações:
a) Distribuição: conjunto de operações de repartição automática, semiautomática e manual, por sorteio, dos processos entrados em Juízo, nos Juízos que integrem mais do que um Magistrado Judicial;
b) Alteração da distribuição: modificação das operações de repartição dos processos entrados em Juízo, nos Juízos que integrem mais do que um Magistrado Judicial, realizada no sistema informático de suporte à atividade dos Tribunais, através do modo manual por certeza;
c) Redução da distribuição: modificação das operações de repartição dos processos entrados em Juízo, realizada no sistema informático de suporte à atividade dos Tribunais, operada através da fixação de uma percentagem do número total de processos ou na limitação das espécies processuais a repartir, com os fundamentos previstos na alínea h) do n.º 1 do artigo 152.º -C do Estatuto dos Magistrados Judiciais, sendo que em caso de limitação quantitativa, a diferença entre o número de processos correspondente à percentagem fixada e o número total de processos que deveria ser repartido pelo Magistrado, de acordo com os modos de distribuição que comportem sorteio, é repartido pelos demais Magistrados que integrem a unidade orgânica, efetuando o sistema informático, de forma automática, as compensações nos contadores da distribuição;
d) Suspensão da distribuição: interrupção, por tempo determinado, das operações de repartição dos processos entrados em Juízo, nos Juízos que integrem mais do que um Magistrado Judicial, realizada no sistema informático de suporte à atividade dos Tribunais;
e) Redistribuição: repetição do conjunto de operações de repartição automática, semiautomática e manual, por sorteio, dos processos entrados em Juízo, nos Juízos que integrem mais do que um Magistrado Judicial, a qual pode comportar ou não a exclusão de um ou mais Magistrados Judiciais da nova repartição e pressupõe, em qualquer caso, que os processos objeto da mesma já tinham sido distribuídos em momento anterior, pela forma indicada em a).
Estabelece o artigo 4.º do referido Regulamento os princípios gerais nesta matéria: “A alteração, suspensão, redução da distribuição ou a consequente redistribuição de processos, pressupõe a impossibilidade de substituição por outro juiz, devendo garantir aleatoriedade no resultado e igualdade na distribuição do serviço, assegurando a salvaguarda dos princípios do juiz natural, da legalidade, da proibição do desaforamento, da independência e da imparcialidade dos tribunais”, regulando-se, nos artigos seguintes do Regulamento, as diversas situações que podem determinar a alteração, redução ou suspensão de distribuição.
Sobre situações de “segunda distribuição” dispõe o artigo 217.º do CPC, nos seguintes termos: “1 - Se no ato da distribuição constar que está impedido o juiz a quem o processo foi distribuído, é logo feita segunda distribuição na mesma escala; o mesmo se observa caso, mais tarde, o relator fique impedido ou deixe de pertencer ao tribunal. 2 - Se o impedimento for temporário e cessar antes do julgamento, dá-se baixa da segunda distribuição, voltando a ser relator do processo o primeiro designado e ficando o segundo para ser preenchido em primeira distribuição; se o impedimento se tornar definitivo, subsiste a segunda distribuição”.
Por seu turno, estabelece o artigo 218.º do CPC – com a epígrafe “Manutenção do relator, no caso de novo recurso” – que: “Se, em consequência de anulação ou revogação da decisãorecorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo n.º 3 do artigo 682.º, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator”.
É indiscutível que toda a norma jurídica carece de interpretação. E a interpretação da lei há-de efetuar-se seguindo uma metodologia hermenêutica que, levando em conta todos os elementos de interpretação - gramatical, histórico, sistemático e teleológico -, permita determinar o adequado sentido normativo da fonte correspondente ao "sentido possível" do texto (letra) da lei.
Com efeito, resulta do artigo 9.º do Código Civil que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº 1), não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2); na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3).
Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1996, p. 188 e ss.), sobre o problema da interpretação a que se refere o Código Civil, expende, nomeadamente, as seguintes considerações: "I - O art. 9.º deste Código, que à matéria se refere, não tomou posição na controvérsia entre a doutrina subjectivista e a doutrina objectivista. Comprova-o o facto de se não referir, nem à "vontade do legislador", nem à "vontade da lei", mas apontar antes como escopo da actividade interpretativa a descoberta do "pensamento legislativo" (art. 9.º, 1.º). Esta expressão, propositadamente incolor, significa exactamente que o legislador não se quis comprometer (...). II - Começa o referido texto por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra mas reconstituir a partir dela o "pensamento legislativo". Contrapõe-se letra (texto) e espírito (pensamento) da lei, declarando-se que a actividade interpretativa deve - como não podia deixar de ser - procurar este a partir daquela. A letra (o enunciado linguístico) é, assim, o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art.º 9.º, 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) "que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso". Pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto "falhado" se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação. Afasta-se assim o exagero de um subjectivismo extremo que propende a abstrair por completo do texto legal quando, através de quaisquer elementos exteriores ao texto, descobre ou julga descobrir a vontade do legislador. Não significa isto que se não possa verificar a eventualidade de aparecerem textos de tal modo ambíguos que só o recurso a esses elementos externos nos habilite a retirar deles algum sentido. Mas, em tais hipóteses, este sentido só poderá valer se for ainda assim possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto infeliz que se pretende interpretar. III - Ainda pelo que se refere à letra (texto), esta exerce uma terceira função: a de dar um mais forte apoio àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correcto das expressões utilizadas. Com efeito, nos termos do art.º 9.º, 3, o intérprete presumirá que o legislador "soube exprimir o seu pensamento em termos adequados". Só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e directo da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo. IV - Desde logo, o mesmo n.º 3 destaca outra presunção: "o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas". Este n.º 3 propõe-nos, portanto, um modelo de legislador ideal que consagra as soluções mais acertadas (mais correctas, justas ou razoáveis) e sabe exprimir-se por forma correcta. Este modelo reveste-se claramente de características objectivistas, pois não se toma para ponto de referência o legislador concreto (tantas vezes incorrecto, precipitado, infeliz) mas um legislador abstracto: sábio, previdente, racional e justo. Só que não convém exagerar a tónica objectivista, pois já vimos ser ponto assente que a nossa lei não tomou partido entre as duas correntes (a subjectivista e a objectivista). Pode, porém, acontecer que a interpretação mais natural e directamente condizente com a fórmula verbal não corresponda à solução mais acertada. Nesta hipótese, as duas presunções entrarão em conflito. Por qual das interpretações optar? Manuel de ANDRADE propõe para esta hipótese a procura de um certo ponto de equilíbrio, nos seguintes termos: "Dentre os dois sentidos, cada um deles o mais razoável sob um dos aspectos considerados, deve preferir-se aquele que menos se distanciar da razoabilidade sob o outro aspecto". É esta uma directriz equilibrada, sem dúvida; mas é óbvio que apenas será de observar se o "impasse" se mantiver depois de exauridos os outros elementos de interpretação mencionados pelo art.º 9.º e que ainda falta referir. V - O n.º 1 do art.º 9.º refere mais três desses elementos de interpretação: a "unidade do sistema jurídico", "as circunstâncias em que a lei foi elaborada" e as "condições específicas do tempo em que é aplicada". Tomemos em primeiro lugar estes dois últimos elementos. Entre eles não existe qualquer hierarquia ou melhor, como diz A. VARELA, "nenhum significado especial possui a ordem por que são indicados esses dois factores". O primeiro destes factores, "as circunstâncias do tempo em que a lei foi elaborada", representa aquilo a que tradicionalmente se chama a occasio legis: os factores conjunturais de ordem política, social e económica que determinaram ou motivaram a medida legislativa em causa. Por vezes o conhecimento destes factores é mesmo indispensável para se poder atinar com o sentido e alcance da norma - sobretudo quando esta é já antiga e foi fortemente condicionada por factores de conjuntura. O segundo dos dois elementos, as circunstâncias vigentes ao tempo em que a lei é aplicada, tem decididamente uma conotação actualista e, talvez deva afirmar-se, a referência que o art.º 9.º lhe faz significa que o legislador aderiu ao actualismo. Com efeito, este não é de forma alguma incompatível com a utilização de elementos históricos como meios auxiliares da interpretação da lei. A posição historicista, essa é que seria incongraçável com a consideração das circunstâncias do tempo de aplicação da lei para efeitos de determinar o sentido decisivo com que esta deve valer. Não tem que nos surpreender essa posição actualista do legislador se nos lembrarmos que uma lei só tem sentido quando integrada num ordenamento vivo e, muito em especial, enquanto harmonicamente integrada na "unidade do sistema jurídico", de que falaremos a seguir. Cumpre ainda anotar que, quanto mais uma lei esteja marcada, no seu conteúdo, pelo circunstancialismo da conjuntura em que foi elaborada, tanto maior poderá ser a necessidade da sua adaptação às circunstâncias, porventura muito alteradas, do tempo em que é aplicada. O que bem mostra que a consideração, para efeitos interpretativos, da occasio legis (circunstâncias do tempo em que a lei foi elaborada) tem em vista uma finalidade bem diversa da consideração, para os mesmos efeitos, das condições específicas do tempo em que é aplicada. Acolá trata-se muito especialmente de conferir à letra (ao texto) um sentido possível (quando o texto de per si seja totalmente equívoco) ou de identificar o ponto de vista valorativo que presidiu à feitura da lei; aqui trata-se, por um lado, de transpor para o condicionalismo actual aquele juízo de valor e, por outro lado, de ajustar o próprio significado da norma à evolução entretanto sofrida (pela introdução de novas normas ou decisões valorativas) pelo ordenamento em cuja vida ela se integra. VI - Com isto abeiramo-nos de um último factor ou ponto de referência da interpretação: "a unidade do sistema jurídico". Dos três factores interpretativos a que se refere o n.º l do art.º 9.º, este é sem dúvida o mais importante. A sua consideração como factor decisivo ser-nos-ia sempre imposta pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica. Como diz LARENZ, "a lei vale na verdade para todas as épocas, mas em cada época da maneira como esta a compreende e desimplica, segundo a sua própria consciência jurídica". A isto há que acrescentar que, se o legislador actual insuflou de espírito novo o ordenamento jurídico ou o regime de uma dada matéria, se altera o termo de referência para a compreensão da fórmula verbal de uma norma antiga que se mantenha em vigor”.
Referia Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, II Vol., p. 525) que: “(...) Nos tribunais superiores (Relações e Supremo Tribunal de Justiça) de constituição colectiva, é pela distribuição que se apura quais os juízes que hão-de intervir no julgamento do feito (...). Lê-se no artigo 209.º que a distribuição aponta o juiz que há-de exercer as funções de relator; e dos artigos 226.º, 227.º e 700.º se conclui igualmente que a distribuição visa somente a determinar o desembargador ou o conselheiro a quem cabe exercer o papel de relator. Mas como os desembargadores e os conselheiros estão colocados no tribunal por certa ordem, previamente fixada, (...), e, por outro lado, os juízes chamados a intervir são os imediatos ao relator (arts. 707.º e 728.º), segue-se que, designado o relator, ficam necessariamente designados os outros julgadores. (...)”.
De facto, nos tribunais superiores, antes da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto, a distribuição bastava-se com a determinação aleatória do relator, pois, estando os juízes desembargadores ou conselheiros colocados no tribunal por certa ordem pré-fixada, em termos da sua antiguidade na categoria correspondente, assim se determinava a composição do tribunal coletivo (mostrando-se, por consequência, que não seria necessária qualquer previsão no sentido de abranger na previsão do artigo 218.º do CPC, então em vigor, a expressa referência aos juízes adjuntos que compunham, com o relator, o coletivo.
Sucede que, com a alteração conferida pela Lei n.º 55/2021, de 13 de agosto, as alíneas do n.º 3 do artigo 213.º do CPC passaram a prever que a distribuição “é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro” e que “deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo”.
A referida lei teve por base o projeto de Lei 553/XIV/2ª, que visou introduzir mecanismos de controlo da distribuição eletrónica dos processos judiciais, procedendo à décima alteração ao Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho lendo-se na respetiva Exposição de motivos, nomeadamente, o seguinte: “(…) Determinam-se regras claras a que deve obedecer a distribuição: (i) os processos são distribuídos por todos os juízes do tribunal, ficando a listagem anexa à ata; (ii) se for distribuído um processo a um juiz que esteja impedido de nele intervir, deve ficar consignada em ata a necessidade de fazer nova distribuição por ter sido distribuído a um juiz impedido, constando expressamente o motivo do impedimento, bem como anexa à ata a nova listagem; (iii) as operações de distribuição são obrigatoriamente documentadas em ata, elaborada imediatamente após a conclusão daquelas e assinada pelas pessoas nelas presentes, a qual contém necessariamente a descrição de todos os atos praticados. Nos casos em que haja atribuição de um processo a um juiz, exige-se que fique explicitada na página informática de acesso público do Ministério da Justiça que houve essa atribuição e os fundamentos legais da mesma. (…) As alterações ora introduzidas ao Código do Processo Civil aplicam-se à distribuição de processos não só nos tribunais de 1.ª instância, mas também nos tribunais superiores, concretamente nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça, sendo que nestes últimos se introduzem as seguintes especificidades: (i) a distribuição é feita para apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente, sem aplicação do critério da antiguidade ou qualquer outro; (ii) deve ser assegurada a não repetição sistemática do mesmo coletivo de juízes. Estas especificidades justificam-se para eliminar as eventuais cumplicidades existentes entre os juízes que compõem o coletivo decisor do recurso e para favorecer a existência de uma efetiva equipa que aprecia e decide o objeto do recurso. Como é sabido, no atual sistema, o relator a quem é distribuído o processo nos tribunais superiores é, por regra, acompanhado sempre dos mesmos juízes-adjuntos, o que gera climas de confiança excessivos e propícios a análises menos ponderadas por parte destes últimos, sendo exatamente isto que este projeto também pretende evitar. É precisamente para evitar que situações dessas sucedam que se propõe que as distribuições nos tribunais superiores sejam feitas por relator e por juízes-adjuntos, procurando-se garantir que não sejam sempre os mesmos juízes a constituir a dupla decisora (no crime) ou o trio decisor (no cível) (…)”.
Sucede que, com a entrada em vigor da referida lei, para além de se ter deixado intocada a previsão do n.º 2 do artigo 652.º do CPC e do artigo 203.º do CPC, não se alterou o regime constante do artigo 218.º do mesmo Código.
Em face da conjugação das normas atualmente em vigor pode, assim, questionar-se, no caso de ocorrer a situação prevista no artigo 218.º do CPC – de se manter o relator, no caso de novo recurso e tenha, no primeiro, ocorrido decisão de anulação ou revogação com remessa do processo à 1.ª instância (caso em que o processo lhe deverá ser atribuído) – se deverá proceder-se, ou não, à distribuição do processo por novos adjuntos em conformidade com o previsto nas mencionadas alíneas do n.º 3 do artigo 213.º do CPC.
A interpretação normativa da previsão do artigo 218.º do CPC há-de efetuar-se não só no seu sentido literal, mas, compreender-se não só no contexto histórico – sendo que a sua previsão literal fazia sentido num regime em que os juízes adjuntos estavam pré-determinados, por força da consideração da respetiva ordenação – mas também, interpretando a referida norma atualística e sistematicamente, por forma a concluir que, em caso de se ter determinado primeiramente a anulação ou revogação com remessa do processo para julgamento e, ocorrendo este, venha a ter lugar novo recurso, não visou o legislador (salvo se ocorra motivo de impedimento de um dos juízes adjuntos), que se efetuasse nova distribuição, pela simples circunstância de que, o ato de distribuição inicialmente efetuado não padece de qualquer erro ou irregularidade, antes, tendo, legitima e propriamente à face da lei então em vigor, determinado o relator (e os juízes adjuntos) que deveriam julgar o recurso inicial e, que, caso a decisão fosse de anulação ou de revogação de decisão da 1.ª instância – e o processo houvesse de prosseguir termos – em caso de novo recurso, julgariam o novo recurso.
A constituição do coletivo com novos juízes adjuntos, na apontada situação, determinaria, na prática, uma situação de desaforamento ilegítimo (cfr. artigo 39.º da LOSJ) face à designação legal dos juízes determinada pela primeira operação distributiva efetuada (e com referência à determinação dos juízes adjuntos que a lei, à data, então, compelia a efetuar).
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III.
Dispõe o artigo 218º do CPC que: “Se em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo nº. 3 do artigo 682º, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator”.
Como anotam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª ed., 2023, p. 249): “Esta norma introduzida no CPC de 2013 rege estritamente sobre matéria recursória, constituindo expressão do princípio da plenitude da assistência do juiz (art.º 605º). À mesma subjaz um intuito profiláctico de obviar à proliferação de decisões meramente formais nas instâncias superiores e prossegue também objectivos atinentes à eficácia dos mecanismos processuais, na medida em que a apreciação do novo recurso que venha a ser interposto incumbe ao mesmo relator”.
Pretende-se com o preceito, a continuidade do relator quando, em consequência de anulação ou revogação, a questão não ficou encerrada.
Conforme se lê na exposição de motivos da Proposta de lei n.º 113/XII, de 22-11-2012 (que deu origem ao Código de Processo Civil), a respeito do regime instituído pelo artigo 218.º do CPC: “Procede-se ao reforço do princípio da concentração do processo ou do recurso num mesmo juiz. No que respeita aos tribunais superiores, estabelece-se identicamente como regra a manutenção do relator, no caso de ter de ser reformulada a decisão recorrida e, na sequência de tal reformulação, de vir a ser interposto e apreciado um novo recurso. Se, em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça em sede de revista, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator”.
O critério que parece resultar da previsão normativa do artigo 218.º do CPC e na manutenção ou não do relator anterior assenta, pois, na circunstância de o objeto da reformulação da decisão primeiramente proferida – e do consequente recurso dela interposto – resultar encerrada, ou não, com o recurso decidido.
Assim, se em consequência de anulação ou revogação da decisão recorrida ou do exercício pelo Supremo Tribunal de Justiça dos poderes conferidos pelo nº. 3 do artigo 682º, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido e dela for interposta e admitida nova apelação ou revista, o recurso é, sempre que possível, distribuído ao mesmo relator.
Nos mesmos moldes se orientou a decisão singular proferida pelo Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora de 13-02-2020 (Pº 308/16.3T8SLV.E2, rel. CANELAS BRÁS): “…quando se encerra o tema objecto do recurso, se não ordena tal reformulação (apenas que se confirma ou revoga o decidido) e o processo volta a subir em novo recurso: aí já não vai para o mesmo relator”.
Assim, se a decisão do tribunal superior põe definitivamente termo à questão em causa no recurso, qualquer outro recurso que no mesmo processo venha a ser interposto posteriormente fica sujeito a distribuição e não a atribuição ao primitivo relator.
Se por exemplo, o tribunal de recurso decide sobre a não admissão de um meio prova, sobre a admissão de incidente de intervenção de terceiros, sobre a não suspensão da instância, sobre a competência absoluta do tribunal, ou condene em multa ou outra sanção processual, qualquer outro recurso que venha posteriormente a ser interposto fica sujeito a distribuição, uma vez que se hão-de considerar encerradas as questões objeto do recurso.
Porém, se a decisão do tribunal ad quem não põe termo definitivo à questão em discussão no recurso e implica uma nova decisão, como por exemplo, nos casos em que tribunal superior ordena a produção ou renovação de produção de meios de prova, manda corrigir deficiências de fundamentação de facto, manda aditar novos factos, ou determina o aperfeiçoamento de articulados, então, não pondo essas decisões termo definitivo à questão subjacente ao objeto do recurso, operará a regra da manutenção do relator estabelecida no artigo 218.º do CPC.
Vejamos a situação dos autos:
No caso em apreço, entende o Juiz Desembargador a quem o processo foi primeiramente atribuído que a decisão objeto da segunda apelação – proferida na sequência do curso dos autos na 1.ª instância após o cumprimento da decisão de convite ao aperfeiçoamento de articulado - não constitui uma decorrência direta do acórdão revogatório proferido em 10-03-2022, considerando que não é caso de acionamento do disposto no artigo 218.º do CPC.
Por seu turno, o Juiz Desembargador a quem ulteriormente o processo foi distribuído entende, ao invés, que o artigo 218.º do CPC não limita ou restringe a regra da manutenção do relator somente às situações de consequência direta, em que a nova decisão proferida pelo tribunal a quo, tenha sido determinada diretamente pela decisão do tribunal ad quem, devendo a regra da manutenção do relator ser aplicada “…quando em consequência de anulação ou revogação pelo tribunal superior, a questão não ficou encerrada…”, sucedendo que, no caso, a nova sentença surgiu como consequência ou sucessão de atos processuais determinados por causa ou por efeito do acórdão de 10-03-2022.
Ora, decorre do acórdão prolatado em 10-03-2022 nomeadamente o seguinte: “(…) o Tribunal recorrido entendeu que o alegado nos artigos 15.º e 27.º da petição inicial não concretizava o benefício ou vantagem fiscal neles aludido, não decorrendo de tal peça processual factualidade integradora do «intuito de enganar terceiros», enquanto pressuposto da simulação, termos em que julgou improcedente a ação. Discordamos de um tal entendimento e consequente procedimento. Embora o «intuito de enganar terceiros» não esteja suficientemente explicitado na petição inicial, julga-se que dos referidos artigos 15.º e 27.º da petição inicial é possível inferir minimamente que a alegada simulação visou ludibriar as autoridades fiscais e, pois, o erário público. Claro que a matéria alegada em tais artigos precisava de concretização. Neste contexto, em conformidade com o referido artigo 590.º, n.º 4, do CPCivil, a fim de concretizar matéria de facto constante dos artigos 15.º e 27.º da petição inicial, concretizando no respetivo âmbito o intuito dos simuladores de enganar terceiros, na situação em apreço justificava-se que o Tribunal recorrido proferisse despacho de aperfeiçoamento nesse sentido. Ao assim não proceder, o Tribunal recorrido omitiu um ato que a lei prescreve. Em consequência e uma vez que o Tribunal recorrido julgou improcedente a ação em razão de deficiência da petição inicial que o despacho de aperfeiçoamento omitido deveria ter apontado, conhecendo, assim, de questão de que não podia desde logo conhecer, importa considerar nula a decisão recorrido, por excesso de pronúncia, quanto à declarada improcedência da ação relativamente aos RR. “C” e “B”, nos termos do referido artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPCivil, conforme supra explicitado (…).”.
Resulta da decisão proferida que as questões que foram objeto do primitivo recurso não resultaram encerradas, determinando, por uma parte, a revogação da decisão proferida pela primeira instância e, por outra parte, a consideração de prejudicialidade no seu conhecimento.
A necessidade de cumprimento do ordenado pelo Tribunal da Relação ocasionou um novo julgamento e uma nova sentença da 1ª. instância, sendo que o objeto do litígio não versou sobre aspetos diferentes, mas antes, debruçou-se sobre a mesma questão jurídica em discussão, não podendo considerar-se “encerrado”, para efeito de aplicação do disposto no artigo 218.º do CPC, o leque de questões objeto do recurso apresentado primeiramente ao tribunal de recurso.
Como se aludiu no Ac. do STA. de 03-12-2020 (Pº 0163/19.1BEPRT, rel. ANA PAULA PORTELA): “Nos termos do art.º 218º do CPC é juiz natural do processo aquele que proferiu a primeira decisão no processo ainda que se imponha nova decisão do tribunal na sequência de anulação ou revogação ou ao abrigo dos poderes conferidos pelo nº. 3 do art.º 682º do CPC”.
Na situação presente, as questões submetidas para dirimir, não são distintas das anteriores, antes um seu desenvolvimento e determinadas na sequência de acórdão primeiramente proferido.
Compreende-se, pois, que deva manter-se o relator – e o coletivo não impedido – entendendo-se que estamos perante uma situação enquadrável no artigo 218º do CPC.
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IV.
Nos termos expostos, decide-se o presente conflito de distribuição, no sentido de ser a competência para a tramitação dos autos radicar nos Juízes Desembargadores que intervieram na prolação da decisão do recurso apreciado por acórdão de 10-03-2022.
Notifique e d.n., determinando-se a remessa dos autos à secção central, para que seja dada baixa na distribuição ultimamente efetuada, devendo proceder-se à atribuição do processo aos Juízes Desembargadores que intervieram na prolação da decisão do recurso apreciado por acórdão de 10-03-2022.