TÍTULO EXECUTIVO
DÍVIDA COM GARANTIA REAL
CONTRATO DE MÚTUO
ESCRITURA DE CONSTITUIÇÃO DE HIPOTECA
Sumário


1 – A execução exige um título executivo, do qual deve resultar o dever de prestar. É ele a base da execução, tal como a configura.
2 – Existindo título executivo, o credor tem o direito de executar o património do devedor (art. 817º do CCiv) ou, em certos casos, de um terceiro (art. 818º do CCiv).
3 – A falta de título executivo constitui fundamento de oposição à execução por embargos de executado.
4 – Na execução por dívida provida de garantia real sobre bem de terceiro, quando o exequente pretenda acionar apenas o terceiro, deve apresentar o título de que decorre a constituição ou reconhecimento da dívida, e o título de constituição da garantia no património do terceiro.
5 – Na execução instaurada contra os terceiros titulares do bem imóvel dado de garantia, em que tanto o contrato de mútuo constitutivo e recognitivo da dívida exequenda, celebrado pela exequente com a devedora, como a escritura de constituição da hipoteca outorgada pelos executados acompanharam o requerimento executivo, no qual são invocados expressamente aqueles dois documentos e os factos tendentes a demonstrar a existência da dívida e a constituição da garantia, a circunstância de a exequente alegar, desnecessariamente, que o título executivo é a escritura de hipoteca não conduz à conclusão que falta título executivo para a execução.

Texto Integral


Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1.1. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que EMP01..., SA, move a AA e BB, vieram os Executados deduzir oposição à execução mediante embargos, pedindo que seja julgada extinta a execução.
Para o efeito e em síntese, alegaram a inexistência de título executivo por a escritura de hipoteca junta com o requerimento executivo não constituir título executivo, nos termos do artigo 703º, nº 1, al. b), do CPC, em virtude de nela não se reconhecer a existência de qualquer obrigação anteriormente constituída. Mais alegaram a prescrição da dívida exequenda, com fundamento em a hipoteca ter sido constituída para garantia do pagamento de todas as responsabilidades assumidas pela sociedade EMP02..., Lda., emergentes de um contrato de mútuo bancário e de ter sido acordado que a obrigação de reembolso do capital mutuado seria efetuada através de um plano de amortização, sendo que, em 21.07.2008, com a falta de pagamento da prestação pela mutuária se verificou o vencimento antecipado de todas as prestações, estando assim decorrido o prazo de prescrição previsto pelo artigo 310º, al. e), do CCiv. Alegaram ainda a inadequação da forma do processo.

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Contestou a Exequente, concluindo pela improcedência dos embargos.
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1.2. Dispensada a audiência prévia, proferiu-se saneador-sentença, a julgar procedente a oposição à execução e a absolver os Executados da instância executiva.
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1.3. Inconformada, a Embargada interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

«1. O presente recurso visa reagir contra a fundamentação de direito adotada pelo douto Julgador a quo, designadamente no que diz respeito à interpretação dos artigos 703.º, n.º 1, al. b) e 707.º do CPC.
2. Salvo devido respeito – que é muito – estamos perante uma errada aplicação dos factos ao direito.
3. A douta sentença ora sob recurso é parca no que diz respeito à fundamentação de direito.
Vejamos,
4. A complexidade do presente caso, principalmente das relações jurídicas aqui em causa, exige uma ponderação casuística, sem a qual não é possível alcançar uma decisão justa. E, inelutavelmente, a complexidade dessas relações jurídicas estende-se ao título executivo que serve de base à presente execução.
5. O documento aqui apresentado como título executivo é a escritura de hipoteca voluntária constituída sobre a fração ... a favor do Banco 1..., entretanto cedente à aqui recorrente, e o contrato de mútuo celebrado entre o Banco 1... e sociedade EMP02..., Lda.
6. Vale por isto dizer que estamos perante um título executivo composto, e não perante um título executivo estanque, dependente de uma apreciação conjunta e agregadora de todos os documentos que o compõem.
7. No caso sub judice, apenas a conjugação dos referidos documentos permite compreender a relação contratual em causa, a obrigação subjacente e a hipoteca que a garante, bem como o valor que, à presente data, se encontra em dívida.
8. Apesar do douto Tribunal a quo reconhecer a celebração de um contrato de mútuo entre o Banco 1..., entretanto cedente à aqui recorrente, e a sociedade mutuária, cujo gerente era, à data, o executado; a constituição de uma hipoteca voluntária a favor do banco mutuante por parte dos embargantes sobre imóvel do qual são proprietários; e que a referida hipoteca tem o fim de garantir o pagamento das responsabilidades assumidas ou a assumir pela sociedade mutuária perante o banco mutuante,
9. Não reconhece que a conjugação daqueles dois documentos (contrato de mútuo e escritura de hipoteca) permite alcançar título executivo, complexo na sua estrutura é certo, mas que confere a certeza da existência da obrigação exigida, nos termos do artigo 703º, n.º 1, al. b) e 707.º do CPC.
10. O que é importante que se perceba é que o contrato de mútuo não é um documento avulso que a recorrente junta aos autos para fazer prova da existência de obrigação, mas sim que é parte integrante do título executivo aqui oferecido, sem qual não é possível apreender factos da maior relevância para o objetivo que a presente execução visa prosseguir.
Sucede que,
11. O que douto Tribunal a quo não compreendeu é que a embargada não pretende atribuir força executiva a documento que não consta da enumeração do artigo 703.º do CPC, mas sim que seja atribuída força executiva a um conjunto de dois documentos – a um conjunto formado pelo contrato de mútuo celebrado a 30.08.2005 e a escritura de hipoteca celebrada a 24.03.2006.
12. E sim, o problema está no artigo 707.º do CPC, quando interpretado da forma plasmada na sentença ora sob recurso.
13. Nesse sentido, aderimos in totum à tese vertida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proc. n.º 2465/20.5T8VIS-A.C1.S1, de 31.03.2022, relatado por Nuno Pinto Oliveira, disponível in www.dgsi.pt.
14. “Ora o princípio da tipicidade dos títulos executivos do art. 703.º, n.º 1, é compatível com uma interpretação extensiva do art. 707.º do Código de Processo Civil — ainda que a norma do art. 707.º do Código de Processo Civil fosse uma norma excepcional, sempre as normas excepcionais seriam susceptíveis de interpretação extensiva. Cf. art. 11.º do Código Civil: “As normas excepcionais… admitem interpretação extensiva””.
15. “O caso exemplar, típico, de aplicação da segunda alternativa do art. 707.º do Código de Processo Civil é aquele “em que as partes não se tenham vinculado bilateral ou unilateralmente, à conclusão de um negócio jurídico, mas se tenham limitado a prever, em documento autêntico ou autenticado, a possibilidade dessa celebração, nomeadamente constituindo logo garantia (maxime, hipotecária) que cubra a realização daquela previsão”.
16. In casu, atrevemo-nos a avançar com uma terceira alternativa à interpretação do artigo 707.º do CPC, que evidentemente surge da contemplada no ora citado acórdão, que se prende com o seguinte: na escritura de hipoteca sob análise, os embargantes, para além de preverem a possibilidade da celebração de negócio jurídico entre o Banco 1... e a sociedade H.V.S, nomeadamente constituindo logo garantia hipotecária que cubra a realização daquela previsão, constituem igualmente garantia de crédito anteriormente cedido e que o contrato de mútuo vem, para o que aqui se pretende, complementar.
17. O facto de a obrigação ter sido constituída anteriormente não pode, salvo melhor entendimento, prejudicar a coordenação do presente caso ao artigo 707.º do CPC, o qual se deve considerar cumprido.
Ademais,
18. A respeito da hipoteca em apreço, esta carateriza-se por ser genérica, garantindo obrigações presentes e futuras com determinado limite de valor.
19. Conforme pode ler-se na escritura de hipoteca, a mesma foi constituída sobre a fração autónoma designada pela letra ..., da qual os embargantes são proprietários, e para garantir o pagamento de todas as responsabilidades assumidas ou a assumir pela sociedade mutuária junto do Banco 1..., entretanto cedente à embargada, por crédito concedido ou a conceder até ao limite global de 99.759,58€.
20. Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo “a obrigação garantida pela hipoteca pode ser futura ou condicional”.
21. É unânime na jurisprudência que a determinabilidade do objeto das hipotecas genéricas apenas é exigida quanto ao objeto sobre que recai e quanto ao montante do crédito garantido – vide Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, proc. n.º 1067/20.0T8VNF-A.G2.S1, de 28.11.2023, relatado por Maria João Vaz Tomé, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proc. n.º 2915/14.0T8OAZ-A.P1, de 10.09.2019, Lina Baptista, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. n.º 1376/06.1TBCRB-A.C1, de 24.03.2009,Sílvia Pires, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, 2450/04, de 16.11.2004, relatado por Monteiro Casimiro, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
22. Se atentarmos no texto da escritura da hipoteca, bem como na certidão permanente do registo predial do imóvel hipotecado, fração ..., verificamos que, sabemos a identidade do devedor, é feita referência à relação negocial creditícia em causa, sabemos qual o bem hipotecado e o valor máximo garantido, sendo este último expressamente referido no registo da hipoteca.
23. Assim, revestindo a presente hipoteca voluntária a qualidade de genérica, jamais poderia prever o documento probatório das obrigações futuras emergentes daquele contrato de mútuo em específico, daí que se defenda, tanto no presente recurso como na contestação aos embargos, que só a complementaridade de documentos origina um título executivo perfeito.
24. Aliás, se essa previsão fosse condição necessária para lhe conferir validade ou força executiva, então a constituição de qualquer hipoteca genérica seria à partida inviabilizada.
25. Ora, é precisamente essa a consequência do entendimento vertido na douta sentença recorrida, a qual, com o devido respeito, não deve ser mantida na ordem jurídica, pois viola o artigo 686.º, n.º 2 do C.Civ. e 703.º, .º 1, al. b) e 707.º do CPC.
26. Deverá o Respeitável Tribunal ad quem julgar procedente o presente recurso, por provado, revogando a douta decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos ulteriores termos.»
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Os Embargantes apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Requereram, mas não foi admitida, a ampliação do âmbito do recurso.
O recurso foi admitido.
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1.4. Questão a decidir

Atentas as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto (artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, importa apreciar se falta ou não título executivo à execução.
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II – Fundamentos

2.1. Fundamentação de facto

Na decisão recorrida julgaram-se demonstrados os seguintes factos:
«3.1. No dia 23/12/2010, a Exequente celebrou com o Banco 1..., S.A., através de escritura pública, contrato de Cessão de Créditos Hipotecários.---
3.2. No dia 30/08/2005, o Banco 1..., S.A. e a EMP02..., Ld.ª, representada pelo seu gerente, o ora executado AA, celebraram contrato de mútuo, através do qual o primeiro outorgante concedeu à segunda um empréstimo no montante de € 118.200,00, o qual se destinava a reestruturar o crédito da mutuária junto do Banco 1... e tinha o prazo de 300 meses.---
3.3. No âmbito do contrato de mútuo celebrado, o valor emprestado seria reembolsado em prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros de acordo com o plano do conhecimento da mutuária.---
3.4. Todos os pagamentos eram efetuados por débito na conta de depósitos à ordem, junto do Banco 1..., aberta em nome da mutuária, a qual se obrigou a manter devidamente provisionada para o efeito.---
3.5. No dia 24/03/2006, os executados AA e BB constituíram a favor do Banco 1... hipoteca voluntária sobre a fração autónoma designada pela letra ..., da qual são proprietários, correspondente a uma habitação no ... andar, com uma varanda e uma garagem privativa na cave, do prédio urbano sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...55º-M, afecto ao regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz com o artigo ...83.---
3.6. A hipoteca foi constituída para garantia do pagamento de todas as responsabilidades assumidas pela sociedade EMP02... pelo crédito concedido até ao limite global de € 99.759,58, dos juros à taxa Euribor a três meses, acrescida de um spread de cinco pontos percentuais, sendo a taxa inicialmente aplicável de 9,5%, acrescida de 4% em caso de mora, a título de cláusula penal e, bem assim, das despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogado e solicitador, computadas para efeitos de registo em € 3.990,38, sendo, por isso, o montante máximo do crédito e acessórios de € 144.152,79.---
3.7. A hipoteca constituída sobre o aludido imóvel foi registada, na data de 18.04.2006, na Conservatória do Registo Predial ....---
3.8. A mutuária EMP02... incumpriu a obrigação a que estava contratualmente adstrita, deixando de provisionar a conta à ordem aberta em seu nome, com vista ao pagamento mensal da prestação devida a título de reembolso do empréstimo concedido.---
3.9. Tendo sido devidamente interpelada para pagamento da prestação em falta, vencida a 21.07.2008, a mutuária não procedeu de acordo.---
3.10. Nos termos do “ARTIGO QUINTO” da escritura de hipoteca, “a hipoteca pode ser executada quando, vencida qualquer das obrigações cujo cumprimento assegura, a mesma não for paga, ou quando não for cumprido qualquer dos deveres assumidos perante o Banco 1..., emergentes dos contratos celebrados ou a celebrar com a SOCIEDADE ou deste documento”.---
3.11. Na data de entrada do requerimento executivo, encontra-se em dívida o capital de € 123.836,43, a título de incumprimento da prestação mensal vencida a 21.07.2008, acrescido dos juros vencidos, que se cifravam em € 77.879,36.---»
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2.2. Do objeto do recurso

A ação executiva tem por finalidade a realização coativa de uma obrigação (prestação) devida ao credor. Perante o incumprimento da obrigação, o credor tem o direito de executar o património do devedor (art. 817º do CCiv) ou, em certos casos, de um terceiro (art. 818º do CCiv).
Diz-nos o nº 5 do artigo 10º do CPC que «toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.»
Por conseguinte, a execução exige um título executivo, do qual deve resultar o dever de prestar. É ele a base da execução, tal como a configura.
A falta de título executivo constitui fundamento de oposição à execução por embargos de executado (arts. 729º, al. a), 730º e 731º do CPC). Constitui ainda fundamento de recusa (art. 725º, nº 1, do CPC), ou de indeferimento liminar (art. 726º, nº 2, al. a)) do requerimento executivo ou, se apreciada mais tarde, de rejeição oficiosa da execução (art. 734º, nº 1).

No caso em apreciação, os Embargantes alegaram que o título executivo é «a escritura da hipoteca junta como Doc. nº 3» e o Tribunal recorrido também assim considerou.
Por sua vez, a Embargada, ora Recorrente, alega que o «título executivo é a escritura de hipoteca voluntária constituída sobre a fração ... a favor do Banco 1..., entretanto cedente à aqui recorrente, e o contrato de mútuo celebrado entre o Banco 1... e sociedade EMP02..., Lda.» (conclusão 5ª). Sustenta que «estamos perante um título executivo composto, e não perante um título executivo estanque, dependente de uma apreciação conjunta e agregadora de todos os documentos que o compõem.»
Posto isto, pergunta-se: o título dado à execução é apenas a escritura de hipoteca ou, diferentemente, integra a aludida escritura e o contrato de mútuo celebrado entre mutuário (Banco 1... - instituição bancária cujo crédito foi posteriormente cedido à Exequente) e mutuante (sociedade EMP02..., não demandada na presente execução, instaurada contra terceiros)?
Com o requerimento executivo a Exequente ofereceu vários documentos, entre os quais constam a referida escritura de hipoteca (doc. nº 3) e o contrato de mútuo (doc. nº 2). Segundo a sua ordem de apresentação, este até precede aquela.
Nos termos do artigo 724º, nº 4, al. a), do CPC, o requerimento executivo deve ser acompanhado «de cópia ou do original do título executivo, se o requerimento executivo for entregue por via eletrónica ou em papel, respetivamente».
Como ambos os documentos acompanharam o requerimento executivo, a resposta sobre qual ou quais os documentos em que se baseia a ação executiva terá de ser obtida através da apreciação do teor do requerimento executivo.
O conteúdo do requerimento executivo mostra-se definido no artigo 724º, nºs 1 a 3, do CPC, impondo-se na al. d) do nº 1 que o exequente exponha «sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, podendo ainda alegar os factos que fundamentam a comunicabilidade da dívida constante de título assinado apenas por um dos cônjuges». Com relevo, deve ainda formular o pedido (v. al. f)).
No caso vertente, tendo o requerimento executivo sido apresentado por via eletrónica, fez-se constar do formulário o seguinte teor:
«Finalidade: Iniciar Novo Processo
Tribunal Competente: ... - Tribunal Judicial da Comarca de ... Espécie: Execução Sumária (Ag.Execução)
Valor da Execução: 144 152,79 € (Cento e Quarenta e Quatro Mil Cento e Cinquenta e Dois Euros e Setenta e Nove Cêntimos)
Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Dívida civil [Cível (Central)]
Título Executivo: Escritura
Factos:
1. No dia 23/12/2010, a exequente EMP01..., S.A., celebrou com o Banco 1..., S.A., através de escritura pública, contrato de Cessão de Créditos Hipotecários - conforme doc. n.º 1, que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
2. Por esse motivo, o crédito que ora se visa satisfazer foi cedido pelo Banco 1... à EMP01..., S.A, aqui Exequente, acompanhado da respetiva garantia constituída, como infra se explicará.
3. No dia 30/08/2005, o Banco 1..., S.A e a EMP02..., LDA, representada pelo seu gerente, o ora executado AA, celebraram contrato de mútuo, através do qual o primeiro outorgante concedeu à segunda um empréstimo no montante de €118.200,00 (cento e dezoito mil e duzentos euros) - cfr. doc. n.º 2, que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
4. O referido empréstimo destinava-se a reestruturar o crédito da mutuária EMP02..., Lda junto do Banco 1... e tinha o prazo de 300 (trezentos) meses.
5. No âmbito do contrato de mútuo celebrado, o valor emprestado seria reembolsado em prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros de acordo com o plano do conhecimento da mutuária.
6. Ademais, todos os pagamentos eram efetuados por débito na conta de depósitos à ordem, junto do Banco 1..., aberta em nome da mutuária, a qual se obrigou a manter devidamente provisionada para o efeito.
Acresce que,
7. No dia 24/03/2006, os executados AA e BB constituíram a favor do Banco 1... hipoteca voluntária sobre a fração autónoma designada pela letra ..., da qual são proprietários, correspondente a uma habitação no ... andar, com uma varanda e uma garagem privativa na cave, do prédio urbano sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...55º-M, afecto ao regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz com o artigo ...83 - conforme resulta da cópia certificada da escritura pública e documento complementar que ora se juntam como doc. n.º 3 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
8. A hipoteca foi constituída para garantia do pagamento de todas as responsabilidades assumidas pela sociedade EMP02..., LDA pelo crédito concedido até ao limite global de 99.759,58€ (noventa e nove mil, setecentos e cinquenta e nove euros e cinquenta e oito cêntimos), dos juros à taxa Euribor a três meses, acrescida de um spread de cinco pontos percentuais, sendo a taxa inicialmente aplicável de 9,5%, acrescida de 4% em caso de mora, a título de cláusula penal e, bem assim, das despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogado e solicitador, computadas para efeitos de registo em € 3.990,38, sendo, por isso, o montante máximo do crédito e acessórios de 144.152,79€ (cento e quarenta e quatro mil, cento e cinquenta e dois euros e setenta e nove cêntimos).
9. A hipoteca constituída sobre o aludido imóvel foi registada, na data de 18.04.2006, na Conservatória do Registo Predial ..., conforme resulta da Certidão do Registo Predial que ora se junta como doc. n.º 4 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
– estando registada a favor da exequente atenta o AVERB. – AP. ...39 de 2010/12/29.
Sucede que,
10. A mutuária EMP02..., LDA incumpriu a obrigação a que estava contratualmente adstrita, deixando de provisionar a conta à ordem aberta em seu nome, com vista ao pagamento mensal da prestação devida a título de reembolso do empréstimo concedido.
11. Tendo sido devidamente interpelada para pagamento da prestação em falta, vencida a 21.07.2008, a mutuária não procedeu de acordo com o que lhe era exigido.
12. Nos termos do “ARTIGO QUINTO” da escritura de hipoteca, “a hipoteca pode ser executada quando, vencida qualquer das obrigações cujo cumprimento assegura, a mesma não for paga, ou quando não for cumprido qualquer dos deveres assumidos perante o Banco 1..., emergentes dos contratos celebrados ou a celebrar com a SOCIEDADE ou deste documento.”
13. E, nos termos do artigo 703.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, a escritura da hipoteca junta como doc. n.º 3 constituiu o título executivo que serve de fundamento à presente ação.
14. Através da constituição da hipoteca, aceitaram os executados, por respeito ao bem sobre o qual constituíram hipoteca, a responsabilidade por uma obrigação futura contraída por um terceiro, ou seja, a escritura de hipoteca constitui, per se, uma obrigação na esfera jurídica dos executados, configurando aquele documento um reconhecimento de dívida.
16. Aliás, é precisamente esse o sentido do artigo 458.º do Código Civil, o qual tem aqui aplicabilidade.
17. Ademais, considerando o anteriormente exposto, o prazo de prescrição do direito que aqui se invoca é o prazo ordinário de 20 anos, nos termos do artigo 309º e al. a) do art. 730.º do Código Civil.
Nestes termos,
18. Na presente data, encontra-se em dívida o capital de €123.836,43 (cento e vinte e três mil, oitocentos e trinta e seis euros e quarenta e três cêntimos), a título de incumprimento da prestação mensal vencida a 21.07.2008, acrescido dos juros vencidos, que se cifram em €77.879,36 (setenta e sete mil, oitocentos e setenta e nove euros e trinta e seis cêntimos) - cfr. doc. n.º 5 que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais) e vincendos até efetivo e integral pagamento.
19. - Nos termos do n.º 2 do art. 54.º do CPC "A execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro segue diretamente contra este se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor."
20. - Ainda de modo consonante preceitua o n.º 2 do art. 735.º do CPC que, nos «casos especialmente previstos na lei, podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele».
21. - Deste modo, é a Exequente credora dos ora Executados do montante de 201 715,79 €, todavia, atento o montante máximo garantido pela hipoteca incidente sobre o bem onerado, o pedido reduz-se a 144.152,79 € e nessa conformidade, o crédito aqui invocado é certo, líquido e exigível, sendo exequível o título que serve de fundamento à presente acção (n.º 5 do art. 10.º, al. c) do n.º 2 do art. 550.º e art. 703.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil).
 (…)».

Estando adquirido que a Exequente é a atual titular do crédito (v. doc. nº 1), por lhe ter sido cedido pelo primitivo credor (o Banco 1..., SA), a presente execução não foi instaurada contra a devedora (EMP02..., Lda.), mas sim contra os titulares do bem imóvel dado de garantia, ou seja, AA e BB.
Por conseguinte, a presente execução foi instaurada contra os Executados ao abrigo do disposto no artigo 54º, nº 2, do CPC (v. ainda art. 818º do CCiv), invocando-se que se trata de dívida provida de garantia real, no caso hipoteca, sobre bem imóvel dos demandados, e por a Exequente pretender fazer valer a garantia. Como resulta da mencionada disposição legal, a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro face à obrigação exequenda tem de seguir contra este sempre que o exequente pretenda fazer valer a garantia[1].
Os documentos juntos demonstram a constituição da hipoteca para garantia do crédito exequendo (doc. nº 3) e ainda o registo de tal garantia real (doc. nº 4). Mas o documento nº 2 junto com o requerimento executivo também demonstra o contrato de mútuo e as obrigações que resultavam do mesmo, sendo que a mutuária desde logo se considerou «devedora da quantia mutuada, dos respectivos juros e demais encargos emergentes deste contrato» (cláusula 10ª, intitulada “confissão de dívida”). Aliás, como se tratava de um contrato destinado a reestruturar um crédito anteriormente concedido, o valor mutuado já se encontrava na disponibilidade da mutuária.
Portanto, se nos ativermos apenas aos documentos que acompanharam o requerimento executivo, abstraindo de qualquer outro elemento delimitativo, a Exequente possui título executivo. Não falta título executivo para a pretensão deduzida, traduzida na realização coativa da prestação devida, no montante de € 144.152,79, que corresponde precisamente ao montante máximo garantido pela hipoteca que incide sobre o bem imóvel onerado.
Não obstante, a singela apresentação da escritura pública de constituição de hipoteca não constituiria título executivo suficiente relativamente à obrigação exequenda.
Para efeitos da al. b) do nº 1 do artigo 703º do CPC, o documento exarado ou autenticado, para poder servir de base a execução, deve importar a constituição ou o reconhecimento de qualquer obrigação pelo próprio título.
Sucede que a constituição duma garantia real para o caso de incumprimento do devedor principal não é um título constitutivo do direito a uma prestação pecuniária ou recognitivo do direito à mesma prestação; não constitui ou reconhece a obrigação pecuniária; constitui apenas uma garantia para o caso de o devedor principal incumprir determinado acordo, não demonstrando o montante e a exigibilidade da dívida que garante. Aliás, os Executados não são devedores; são terceiros relativamente ao contrato de mútuo. Ao contrário do alegado no requerimento executivo, a escritura de hipoteca não constitui um reconhecimento de dívida; nenhuma dívida declararam existir, nem previram propriamente uma obrigação futura (para além da que resulta da constituição da garantia), pois apenas definiram o âmbito da garantia da hipoteca. Como se salienta na sentença recorrida, dessa escritura «constam apenas declarações negociais típicas da constituição duma garantia real relativa a um crédito acordado anteriormente.»
É de notar que o artigo 707º do CPC, enquanto caso especial da al. b) do nº 1 do artigo 703º, admite a exequibilidade de tais documentos relativamente a obrigações futuras.
Porém, para que o documento exarado ou autenticado, por notário ou outras entidades com competência para tal, tenha força executiva é necessário que convencione prestações futuras ou preveja a constituição de obrigações futuras e que seja acompanhado de prova complementar do título nos exatos termos previstos no artigo 707º do CPC.
Enfatiza-se que a escritura de hipoteca é apenas constitutiva da garantia que passa a onerar o imóvel. Em face desse instrumento notarial, não se pode atribuir aos titulares do imóvel a vontade negocial de reconhecer a existência da dívida cujo pagamento a hipoteca constituída garante, pois isso equivale a ultrapassar os limites objetivos do declarado na escritura. Note-se que os Executados são terceiros relativamente ao contrato de mútuo e às obrigações que dele emergem para a respetiva devedora; em virtude da escritura de hipoteca, não passam a devedores, sendo apenas garantes do cumprimento da obrigação.
No caso dos autos, além da escritura de constituição da hipoteca, a Exequente juntou aos autos, acompanhando o requerimento executivo, o contrato de mútuo celebrado entre o Banco 1... e a sociedade EMP02..., Lda.
Este contrato de mútuo constitui e reconhece uma dívida, sendo, por si mesmo, um título executivo contra a devedora. Essa dívida é precisamente aquela que a hipoteca garante.
O conjunto dos dois documentos demonstra a existência da obrigação e que pela mesma responde o bem imóvel dos Executados. Portanto, objetivamente existe título executivo contra os Executados.
Os dois documentos evidenciam o direito à prestação que na execução se pretende realizar coativamente contra os Executados, limitado naturalmente ao bem imóvel hipotecado. A dívida é da devedora e responde pela mesma o bem hipotecado, tendo os Executados que ser demandados em virtude da regra de legitimidade passiva constante do nº 2 do artigo 54º do CPC. 
Nada do que se acaba de dizer contém qualquer inovação jurisprudencial ou doutrinal, pois, como salienta Rui Pinto[2] «[o] nº 2 do artigo 54º [do CPC] primeira parte permite ao exequente acionar apenas o terceiro sem sequer demandar o devedor. No plano documental, deve apresentar o título executivo de que decorre a constituição ou reconhecimento da dívida, e o título material de constituição da garantia no património do terceiro. Este último assegura a legitimidade complementar do terceiro.»
Sucede que numa execução não basta, sem mais, juntar o documento (ou documentos) em que se baseia a execução[3]. A execução tem causa de pedir e pedido.
Como salienta Miguel Teixeira de Sousa[4], «a causa de pedir não preenche a mesma função no processo declarativo e no processo executivo», uma vez que na execução «não está em discussão a existência da obrigação exequenda, pelo que a causa de pedir só serve para individualizar essa mesma obrigação». Por conseguinte, na execução a causa de pedir exerce a função de individualização da obrigação exequenda.
Estando obrigada a expor no requerimento executivo «os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo», verifica-se que a Exequente deu cumprimento a tal imposição, especificando exaustivamente a sua legitimidade (arts. 1º e 2º do requerimento executivo), a constituição e reconhecimento da obrigação exequenda (arts. 3º a 6º), o incumprimento pela devedora da obrigação assumida (art. 7º, 10º e 11º) e os fundamentos pelos quais os Executados são demandados (arts. 8º, 9º, 12º, 19º, 20º e 21º).
Em suma, se atendermos aos documentos juntos e aos factos que fundamentam o pedido expostos no requerimento executivo, não se verifica falta de título executivo.
Tudo seria simples se se resumisse ao exposto.
Sucede que no requerimento inicial, não obstante apresentar os dois documentos que justificam a demanda dos Executados e de fundamentar devidamente a exigibilidade da quantia exequenda, a Exequente afirma:
«13. E, nos termos do artigo 703.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil, a escritura da hipoteca junta como doc. n.º 3 constituiu o título executivo que serve de fundamento à presente ação.
14. Através da constituição da hipoteca, aceitaram os executados, por respeito ao bem sobre o qual constituíram hipoteca, a responsabilidade por uma obrigação futura contraída por um terceiro, ou seja, a escritura de hipoteca constitui, per se, uma obrigação na esfera jurídica dos executados, configurando aquele documento um reconhecimento de dívida.»
Nessa parte não se alegam «os factos que fundamentam o pedido», não se expõe a causa de pedir. A individualização da obrigação exequenda, que é a função da causa de pedir, é realizada noutros artigos do requerimento executivo, os quais já se mencionaram.
No nosso entender, nos dois referidos parágrafos do requerimento executivo, a Exequente limita-se a operar uma qualificação jurídica do título executivo, que se considera desnecessária, pois a lei não o exige.
A questão subsequente é esta: o Tribunal está vinculado à referida qualificação, devendo ignorar o documento junto aos autos e expressamente invocado no requerimento executivo que demonstra a obrigação exequenda, cujo cumprimento pode ser exigido dos Executados em virtude da demonstrada hipoteca que onera o seu bem imóvel?
Ressalvada a devida consideração, a resposta não pode deixar de ser negativa.
O que a lei exige é que o exequente faça constar do requerimento executivo as menções referidas no artigo 724º, nºs 1 a 3, do CPC e que seja acompanhado do título executivo, bem como, se necessário, dos documentos complementares do título previstos noutras disposições.
Quaisquer qualificações ou razões de direito que o exequente exponha no requerimento executivo não vinculam o tribunal, uma vez que, segundo o artigo 5º, nº 3, do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5º, nº 3, do CPC).
Se o exequente não quer que um documento constitua ou forme o título executivo, pura e simplesmente, não o junta nem alega nada quanto a ele. Se o apresenta com o requerimento executivo e o invoca para fundamentar a existência da obrigação exequenda, o juiz tem de o considerar, dando-o como adquirido processualmente. Não pode é ser apresentado e o tribunal ficar impedido de o considerar em virtude de uma posição pessoal sobre o que é o título executivo. Significativamente, se se incorpora licitamente no processo um documento, o tribunal não está impedido de o apreciar e de o valorar juridicamente.
O caso dos autos nem sequer é de incompletude, isto é, de falta de elementos que devem acompanhar ou integrar o requerimento executivo. O ato pelo qual a Exequente deu impulso processual inicial à ação executiva mostra-se completo e adequado à finalidade prosseguida com a demanda dos Executados. A questão é de outra ordem: de qualificação jurídica, isto é, de interpretação e aplicação de regras de direito.
Quando muito, mas a nosso ver sem razão, poder-se-ia argumentar que o requerimento, ao indicar que o título executivo é a escritura de constituição da hipoteca, mas juntando também o título executivo demonstrativo da obrigação exequenda, padeceria de uma deficiência. Uma tal deficiência não constituiria motivo para rejeitar a execução, antes para convidar a Exequente a supri-la.
Repare-se que nos parece pacífico que naqueles casos em que o exequente alude no requerimento executivo a um título executivo composto ou, genericamente, em que o título executivo carece de ser complementado por outro documento, se faltar um documento expressamente invocado, o exequente deve ser convidado a apresentar tal documento num determinado prazo[5].
Ora, por maioria de razão, estando juntos aos autos todos os documentos que permitem acionar os Executados e mostrando-se especificada a origem da obrigação exequenda, comprovada pelo respetivo título executivo, não poderia concluir-se pela inexistência de título executivo.
O título executivo acompanhou o requerimento executivo e todos os elementos que o integram foram expressamente invocados. Aliás, a existência do título executivo até resulta da mera análise dos factos que se deram como provados na sentença.
Pelo exposto, procede a apelação.
Decaindo no recurso, os Recorridos são responsáveis pelas custas (artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC).
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III – Decisão

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, na procedência da apelação, revoga-se a decisão recorrida, julga-se improcedente a exceção de falta de título executivo e determina-se o prosseguimento dos autos para apreciação dos demais fundamentos dos embargos deduzidos.
Custas pelos Recorridos.
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Guimarães, 10.10.2024
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida
Maria Luísa Duarte Ramos
Alcides Rodrigues


[1] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código Civil Anotado, vol. 1º, 4ª edição, Almedina, pág. 133.
[2] A ação Executiva, AAFDL Editora, 2018, pág. 288.
[3] A função principal do requerimento executivo é a de apresentar um título à execução, mas há outros elementos que a lei manda integrar naquele ato impulsionador da ação executiva.
[4] Acção Executiva Singular, Lex, 1998, pág. 69.
[5] É o que decorre do artigo 726º, nºs. 4 e 5, do CPC. V. ainda o art. 734º do CPC.