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CONTRATO DE MÚTUO
PRESTAÇÕES
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Sumário
I – Aos contratos de mútuo cujo cumprimento é composto de diferentes prestações, englobando reembolso do capital e pagamento de juros, aplica-se o prazo prescricional de 5 anos, e não o ordinário de 20 anos. A tal não obsta o disposto no art. 781º do CC se, em consequência do contrato, a falta de pagamento de uma prestação importar o vencimento de todas. II – O referido fica a dever-se ao facto de o vencimento, antecipado, de todas as prestações do contrato de mútuo subsequentes àquela cujo pagamento foi omitido - sempre parte da obrigação una de capital e juros -, nos termos do contrato e do estatuído no artigo 781º do Código Civil - na consideração da circunstância de tal vencimento não implicar a obrigação de pagar os juros remuneratórios nelas incorporados, como decidido foi no Acórdão do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 7/2009, de 25/3/2009; DR, 1ª Série, de 5-05-2009 - não altera a natureza jurídica da obrigação (que contratual continua a ser, apesar da perda do benefício do prazo) e, por isso, também não altera a subsunção jurídica a efectuar, nela baseada. III – No Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2022, de 30-6-2022, do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República., 1.ª série, de 22/09/2022, uniformizou-se a jurisprudência no sentido de: “I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.” “II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:
1 – RELATÓRIO
Nos presentes autos de oposição à execução mediante embargos de executado[1] que AA, residente na Rua ..., ... ... move contra EMP01... - Stc, S.A., com sede na Avenida ..., ..., ... Lisboa, o embargante peticiona que seja declarada extinta a obrigação exequenda e, por tal efeito, extinta a execução, alegando, em síntese, a excepção dilatória de ilegitimidade da exequente (art. 53º/1 do CPC), a prescrição da obrigação cambiária resultante do aval prestado na livrança dada à execução (arts. 70º e 77.º da LULL), a prescrição da obrigação relação material (capital e juros) subjacente ao título de crédito em causa (art. 310º do CC),assim como invocou que não lhe foram comunicadas, informadas e explicadas as cláusulas contratuais relativas ao contrato de mútuo subjacente à livrança dada à execução.
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Tendo sido proferido despacho liminar, o exequente/embargado deduziu oposição, pugnando pela improcedência da oposição deduzida.
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Os autos foram instruídos.
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Aberta conclusão nos autos, o Mmº Juiz a quo proferiu o seguinte despacho:
- CONTRADITÓRIO QUANTO À DISPENSA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA –
Mostrando-se findos os articulados admitidos pela presente oposição à execução e, ademais, encontrando-se os autos em condições de ser imediatamente decididos quanto ao respetivo mérito, sem necessidade de produção de provas suplementares, importaria designar audiência prévia nos termos e para os efeitos do art.º 591.º, n.º 1, al. b) do CPC.
No entanto, considerando que as questões solvendas acham-se suficientemente debatidas nos articulados, bem inequivocamente demonstradas por documentos, seria inútil e mesmo violador do princípio da economia processual (cfr. 130.º do CPC) a designação de uma audiência prévia exclusivamente para este fim.
Deste modo, ao abrigo do artigos 3.º, n.º 3 (que impõe a observância do princípio do contraditório), 6.º, n.º 1 (que inscreve o dever de dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu célere andamento), 7.º, n.º 1 (onde se menciona o dever de mandatários e magistrados concorrerem para composição litígio de forma breve) e 547.º do CPC (no qual se menciona a necessidade de adotar uma tramitação processual adequada às especificidades da causa), convido as partes para, em 05 (cinco) dias, informarem se prescindem da realização da audiência prévia, sendo o seu silêncio tido como aceitação tácita quanto a prescindirem da realização dessa diligência [cfr., acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12/09/2019 (processo n.º 2470/09.2TBMAI-A.P1, relatora Judite Pires)]. Notifique.
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Não prescindindo a embargada da realização da audiência prévia, teve lugar a mesma após agendamento, não tendo logrado êxito a tentativa de conciliação aí efectuada.
As partes foram então advertidas de que os presentes embargos reúnem já todos os elementos para conhecer do mérito da causa, sem necessidade de ulterior produção de prova.
Seguidamente, foram declarados abertos os debates sobre a matéria de facto e de direito, pertinentes à causa, tendo sido dada a palavra, separadamente, ao Ilustre Mandatário do embargante e ao Ilustre Mandatário da embargada, que fizeram as suas alegações, findas as quais o Mmº Juiz ordenou que os autos lhe fossem conclusos a fim de proferir decisão.
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Concluídos os autos, o Mmº Juiz a quo proferiu a seguinte decisão: Considerando que, em face dos factos alegados e comprovado nos autos, o estado do processo permite, sem necessidade de produção de provas suplementares, a apreciação total do mérito da presente oposição à execução e, ademais, tendo sido realizada audiência prévia nos termos do art.º 591.º, n.º 1, al. b) do CPC, passa-se a decidir imediatamente a causa.
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- VALOR DA CAUSA (art.º 306.º, nºs 1 e 2, do CPC) -
30.765,98€ (trinta mil setecentos e sessenta e cinco euros e noventa e oito cêntimos).
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- SANEAMENTO [artigo 595.º, n.º 1, al. a)] -
O Tribunal tem competência internacional, material, hierárquica, territorial e pelo valor.
Inexistem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias.
As partes têm legitimidade para a presente causa e estão representadas.
Inexistem outras exceções dilatórias, nulidade processuais ou questões prévias.
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- CONHECIMENTO IMEDIATO DO MÉRITO DA CAUSA [artigo 595.º, n.º 1, al. b)] - I – RELATÓRIO AA deduziu oposição, mediante embargos, à execução que lhe é movida por EMP01... – STC, SA, alegando, em síntese, a exceção dilatória de ilegitimidade da exequente(art.º 53.º n.º1 do CPC), a prescrição da obrigação cambiária resultante do aval prestado na livrança dadas à execução(art.º 70.º e 77.º da LULL), a prescrição da obrigação relação material (capital e juros) subjacente ao título de crédito em causa(art.º 310.º do CC), assim como invocou que não lhe foram comunicadas, informadas e explicadas as cláusulas contratuais relativas ao contrato de mútuo subjacente à livrança dada à execução.
§
Notificado, o exequente/embargado deduziu oposição, pugnando pela improcedência da oposição deduzida.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Garantem os autos, pelo acordo das partes e atenta a documentação junta, os seguintes:
A) FACTOS ASSENTES 1. Por contrato denominado de «cessão de créditos», outorgado a 18/05/2012, o Banco 1..., SA (antes designado por Banco 1..., SA) cedeu à sociedade Banco 2... SARL, entre outros, os créditos decorrentes do mútuo descrito de 4) a 8), com inclusão de capital, juros, indemnizações e quais outras obrigações pecuniárias; 2. Por contrato denominado de «cessão de créditos», outorgado a 16/03/2021, a sociedade Banco 2... SARL cedeu à exequente EMP01... – STC, SA, entre outros, os créditos decorrentes do mútuo descrito de 4) a 8), com inclusão de capital, juros, indemnizações e quais outras obrigações pecuniárias; 3. No dia 17/07/2023, EMP01... – STC, SA intentou execução para pagamento de quantia certa contra AA e BB, no valor total de 15.316,12 € [8.484,46€ de capital, 6.806,16€ de juros moratórios e 25,50€ de taxa de justiça], acrescida de juros moratórios vincendos desde a propositura da execução até integral pagamento; 4. A exequente EMP01... – STC, SA ofereceu, como título executivo, a livrança emitida a 18/06/2003, pelo Banco 3..., SA, com vencimento a 02/07/2003, no valor de 8.484,46€, subscrita por CC e DD, em cujo verso os executados AA e BB assinaram a seguinte declaração: «Bom por aval aos subscritores»; 5. A livrança referida em 4) foi subscrita e avalizada em branco, no âmbito do contrato de crédito n.º ...80, celebrado a ../../1999, entre Banco 3..., SA (mutuante) e por CC e DD (mutuários), nos termos do qual o primeiro concedeu aos segundos um mútuo no valor de 3.314.139$00 [equivalente a 16.540,85€], à taxa de juros fixa nominal de 20%, que estes se obrigaram a restituir àquele em 60 (sessenta) prestações mensais, no valor de 90.286$00 [equivalente a 445,35€], vencendo-se a primeira no dia 10/04/1999 e as restantes aos dias 10 dos meses subsequentes, através de débito a efetuar da conta n.º ...01-Banco 4..., SA; 6. No contrato referido em 5), os executados AA e BB surgem identificados como «1.º Avalista» e «2.º Avalista», tendo subscrito a seguinte declaração: «Declaramos ser Avalista(s) do(s) Proponente(s) deste empréstimo e de ter(mos) sido informado(s) por este (s) do montante da divida a contrair, bem como das cláusulas deste Contrato de Crédito que declaro(amos) conhecer e aceitar, avalizando para o efeito, a Livrança de Caução em branco anexa ao Contrato». 7. Nas condições gerais do contrato descrito em 5), constam, entre o mais que daqui se dá por reproduzido, as seguintes cláusulas: «(…) 8. Garantias – Em garantia do bom pagamento do capital emprestado, respetivos juros e demais encargos do presente Contrato, o(s) proponente(s) presta(m) as garantias que venham a ser especificamente exigidas pelo Banco. Sempre que a prestação de garantias por parte do(s) Proponente(s) seja efetuada mediante a subscrição de títulos cambiários, será sempre aposta nos títulos, de acordo com o DL n.º 259/91, a expressão “não à ordem”. (…) 10. Convenção de Preenchimento – O(s) Proponente(s) autoriza(m) expressamente o Banco, através de qualquer um dos seus funcionários, a preencher qualquer livrança por si subscrita e não integralmente preenchida, designadamente no que se refere à data de emissão, data de vencimento, ao local de pagamento e aos seus valores, até ao limite das responsabilidades assumidas pelo(s) Proponente(s) perante esta mesma Instituição de crédito, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem dos títulos (…) 12. Antecipação do vencimento – O Banco poderá considerar antecipadamente vencidas todas as prestações emergentes do Contrato e exigir o cumprimento imediato, caso ocorra o não cumprimento de qualquer obrigação»; 8. Por carta datada de 18/06/2003, Banco 3... declarou, por escrito, a AA e BB, entre o mais, o seguinte: «No dia 08 de Abril de 1999 foi celebrado um contrato de empréstimo entre o Banco 3... e o Sr. CC, no valor de 15.530,86€ (…), no qual V. Ex.ª assumiu a responsabilidade de Avalista. O contrato de empréstimo acima referido encontra-se em situação de incumprimento, por falta de pagamento de 8 prestações, no valor total de 3.256,41 € (este montante inclui juros de mora). Tendo sido infrutíferos os contactos com o(s) proponente(s) do contato com vista à resolução do incumprimento, é agora exigível, nos termos do disposto na cláusula 12.ª o pagamento da totalidade do valor em dívida, que inclui o montante das prestações em atraso e do capital em dívida até ao final do prazo do empréstimo, acrescido de despesas extrajudiciais incorridas. Acresce informar que iremos efectuar o preenchimento da livrança de caução, entregue para o efeito por V.ª Ex.ª pelo montante de 8.484,46€ (…) quantia essa que deve ser enviada para o Banco 3... para a morada abaixo indicada até ao dia ../../2003 (data de vencimento da livrança). Aquele valor refere-se às seguintes parcelas: Capital em dívida – 7.178,37€; Juros 1.119,83€; Imposto de Selo – 44,79€; Selagem do título 41,71€. Despesas Extrajudiciais – 99,76. Total da livrança a pagar – 8.484,46€»; 9. O embargante AA foi citado para a execução a 30/10/2023;
10. No dia 25/07/2003, nos Juízos Cíveis da Comarca do Porto, Banco 3..., SA intentou execução ordinária, para pagamento de quantia certa, contra CC, DD, AA e BB, a qual correu os seus termos sob o n.º 24637/03...., oferecendo, como título executivo, a livrança indicada em 4); 11. AA e BB foram citados para os termos da execução indicada em 10) no dia 12/11/2003; 12. Por decisão judicial proferida a 08/02/2017, transitada em jugado a 22/03/2017, a execução n.º 24637/03.... foi declarada extinta por deserção.
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B) MOTIVAÇÃO
Os factos referidos de 1) a 9)resultam do teor do próprio requerimento executivo, bem como dos contratos de cessão de créditos e contrato de mútuo n.º ...80, juntos com o requerimento executivo [ref.ª ...58 – 20/07/2023], do original da livrança oferecida como título executivo [ref.ª ...67 – 09/10/2023] e, por fim, do demonstrativo da citação do executado para a execução apensa [ref.ª ...66 – 10/11/2023].
Por sua vez, os factos indicados de 10) a 12)resultam integralmente da certidão judicial extraída da execução n.º 24637/03.... [ref.ª ...22 – 18/04/2024].
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C) DIREITO
- CESSÃO DE CRÉDITOS –
A exequente [EMP01... – STC, SA] estriba a sua pretensão executiva na circunstância de ter adquirido o crédito exequendo à sociedade Banco 2... SARL, a qual, por sua vez, o tinha recebido da entidade Banco 1..., SA (antes designado por Banco 1..., SA), tudo conforme os negócios translativos descritos em 1) e 2) dos factos provados.
Ora, a cessão de créditos define-se como um contrato pelo qual o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou parte do seu crédito (e respetivas garantias e direitos acessórios), o que acarreta a substituição do credor originário por outra pessoa, mas mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional, visto que a única modificação consiste na transferência do lado ativo da relação obrigacional (art.º 577.º, 578.º e 582.º do Código Civil).
Por seu turno, em relação ao devedor, a cessão de créditos torna-se eficaz quando a mesma lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite (art.º 583.º n.º 1 do CC), sendo pacífica a jurisprudência e a doutrina no sentido de que a notificação a que se refere o art.º 583.º, n.º 1 do CC pode concretizar-se através da citação do executado para os termos da ação executiva, na medida em que esta é apta a proporcionar ao devedor o conhecimento da transmissão do crédito, sendo certo que o conhecimento (e não o consentimento) é o único elemento constitutivo da eficácia da cessão em relação ao devedor [cfr. PESTANA VASCONCELOS (A Cessão de Créditos em Garantia e a Insolvência – Em particular da Posição do Cessionário na Insolvência do Cedente, Coimbra editora, Coimbra, 2007, pág. 405) e ANA TAVEIRA DA FONSECA (Anotação ao artigo 583.º, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, pág. 610); cfr., ainda, acórdãos do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de 10/05/2021 (processo n.º 348/14.7T8STS-AV.P1.S1, relator Ricardo Costa) e de 07/09/2021 (processo n.º 348/16.2T8BJA-A.E1.S1, relatora Maria Clara Sottomayor)].
Por outro lado, ainda, não sofre contestação, outrossim, tanto na doutrina como na jurisprudência, a conclusão de que, na sequência de uma cessão de créditos (art.º 577.º e 582.º do CC), tramitem-se para o cessionário as garantias e acessórios do crédito cedido, entre os quais, caso existam, todos os documentos e títulos de crédito entregues como garantia e para titulação do crédito cedido (v.g. livranças), assim como a possibilidade do cessionário as poder preencher de acordo com o respetivo pacto de preenchimento, tudo sem prejuízo, do devedor poder esgrimir perante o cessionário todos os meios de defesa existentes à data da cessão e que pudessem ser invocados perante o cedente, ainda que aquele os desconhecesse (art.º 585.º do CC) [cfr. ABEL DELGADO (Lei uniforme Sobre Letras e Livranças, Anotada, 6ª Edição, páginas 83 e 85), FERRER CORREIA (Lições de Direito Comercial, Volume III, páginas 170 e seguintes), FRANÇA PITÃO (Letras e Livranças, 3ª Edição, página 89); cfr., v.g., acórdão do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de 06/12/2018 (processo n.º 653/14.2TBGMR-B.G1.S2, relator Abrantes Geraldes), do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES de 05/04/2018 (processo n.º 653/14.2TBGMR-B1, relator Eugénia Cunha), de 02/11/2022 (processo n.º 4496/20.6T8VNF-A.G2, relatora Conceição Sampaio) e de 18/04/2024 (processo n.º 836/23.4T8GMR-A.G1, relator José Flores) e de do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA de 04/11/2021 (processo n.º 5999/20.8T8SNT-B.L1-6, relator Manuel Rodrigues)].
Assim, resulta da matéria de facto mencionada em 1) e 2) que, em função das sucessivas cessões de créditos operadas de modo formalmente válido (art.º 578.º do CC), a exequente adquiriu o crédito detido sobre os mutuários CC e DD e que, por efeito desta cessão, transmitiu-se para a exequente a livrança subjacente ao crédito transmitido, a qual se acha avalizada pelos executados AA e BB.
Por sua vez, independentemente de saber se a exequente ou os anteriores titulares dos créditos cedidos lograram (ou não) notificar o executado/embargante das sucessivas cessões efetuadas, certo é que tal notificação alcançou-se, mais não seja, com a citação do executado para a execução [facto 9)], razão pela qual é de concluir pela eficácia da cessão (art.º 583.º do CC) e, bem assim, que a exequente é legítima portadora da livrança dada a execução.
- PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO CARTULAR –
Conforme decorre da causa de pedir executiva, a exequente intentou execução contra AA e BB, oferecendo, como título executivo, a livrança referida em 4), avalizada por este, circunstanciando que a mesma foi emitida no âmbito do contrato de mútuo descrito de 5) a 7) e preenchida após a resolução desse mesmo contrato de mútuo. Ora, em primeiro lugar, invocou o embargante que a obrigação cambiária resultante do aval por si prestado na livrança já está prescrita.
Nas ações cambiárias (no caso executiva), a causa de pedir assenta, exclusivamente, na obrigação cartular assumida pelo obrigado cambiário, resultante da aposição da sua assinatura no título de crédito, por contraposição com as denominadas ações causais, nas quais a causa de pedir assenta na relação subjacente ao negócio jurídico que frutificou a obrigação cambiária (cfr. ABEL PEREIRA DELGADO, LULL, 5.ª Ed., 1984, pp. 163 a 175).
Naqueles casos, a causa de pedir das ações cambiárias diretas, na sua vertente executiva (artigos 48.º e 77.º, da LULL), movidas pelo portador da livrança (exequente) contra os avalistas (executados), basta-se, precisamente, com a obrigação cambiária decorrente da prestação dos avales, dispensando-se a relação material subjacente, a qual, não obstante, poderá ser discutida, caso se encontrem no domínio das relações imediatas.
Na verdade, o aval é uma garantia típica dos títulos de crédito, consistente no ato pelo qual um terceiro garante o pagamento dela por parte de um dos subscritores da letra ou da livrança (art.º 30.º e 31.º da LULL), sendo que, através dele, introduz-se um novo valor patrimonial que acresce ao valor patrimonial do direito de crédito que é próprio da operação, garantindo-o, estando, em causa, não uma garantia subsidiária, mas cumulativa, respondendo o avalista solidariamente (art.º 47.º § 1 da LULL), na medida em que, com a sua prestação, presta uma garantia cambiária consistente no próprio pagamento da livrança e não uma obrigação de cumprimento da obrigação avalizada.
Por isso mesmo, a responsabilidade do avalista é autónoma, não estando sequer dependente da validade da obrigação garantida (art.º 32.º § 2 da LULL), nem mesmo da existência da obrigação do afiançado, razão pela qual responde da “mesma maneira que a pessoa por ele afiançada” (art.º 32.º, § 1, da LULL), ou seja, o avalista ocupa posição igual àquele por quem deu o seu aval.
O avalista é, assim, responsável “nos termos da medida típica da operação avalizada, não considerada em concreto, mas de acordo com a sua aparência” (cfr. PEREIRA DE ALMEIDA, Direito Comercial III, Títulos de Crédito, 1986/87, p. 222), gerando uma obrigação autónoma que nasce, vive e subsiste independentemente daquela, abstraída do regime substantivo eventualmente existente entre o avalista e o avalizado [OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, Títulos de Crédito, vol. III, p. 170, e VAZ SERRA, RLJ, ano 103, p. 429, nota 2].
No caso, o embargante invocou a prescrição da obrigação cambiária, relevando, nesta matéria, o 70.º da LULL quando se refere que «todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento», preceito que é aplicável às livranças por força do art.º 77.º da LULL.
Ora, uma vez que «o dador é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada» (art.º 32º, da LULL), daí decorre que ao avalista do subscritor da livrança – como é o caso do embargante – é aplicável o mesmo prazo de prescrição que é aplicável ao subscritor, ou seja, o prazo de três anos a contar da data de vencimento constante do título[cfr., entre muitos outros, jurisprudência, entre muitos outros, acórdãos do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de 09/09/2008 (processo n.º n.º 08A1999, relator Azevedo Ramos) e de 19/06/2019 (processo n.º 1025/18.5T8PRT.P1.S1, relator Bernardo Domingos); do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO de 19/12/2012 (processo n.º 230/10.7TBMAI-A.P1, relator Araújo de Barros), de 07/01/ 2019 (processos n.º 1025/18.5T8PRT.P1, relator Jorge Seabra) e do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES de 17/12/2019 (processo n.º 409/18.3T8MDL-A.G1, relator Helena Melo)].
Assim, sabendo-se que a livrança referida em 4) venceu-se a 02/07/2003, a prescrição da obrigação cartular em análise (aval) ocorreria em 02/07/2006, sendo certo, porém, que, ainda no ano de 2003 (12/11/2003), os executados foram citados para a execução n.º 24637/03...., a qual havia sido intentada contra os mesmos com base nesse mesmo título de crédito [factos 10) e 11)], razão pela qual esse prazo de prescrição interrompeu-se a 12/11/2003, conforme decorre no art.º 323.º, n.º 1 do CC.
Ora, decorre 326.º, n.º 1 do CC que «a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte», concretamente o art.º 327.º, n.º 1 do CC que tem o seguinte teor: «se a interrupção resultar de citação (…), o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo».
Significa isto, pois, que o prazo de prescrição a que alude o art.º 70.º da LULL, interrompido com a citação dos executados para a execução n.º 24637/03...., reiniciou-se no dia imediatamente seguinte ao trânsito em julgado da decisão que extinguiu a execução n.º 24637/03.... [facto 12)], ou seja, reiniciou-se a 23/03/2017 e findaria a 23/03/2020.
No entanto, na contabilização deste prazo, há que atender à suspensão excecional dos prazos de prescrição imposta pela legislação aprovada na sequência da pandemia provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2.
Com efeito, de acordo com as medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, o curso dos prazos de prescrição foram suspensos entre os dias 09/03/2020 e o dia 03/06/2020e, posteriormente, entre o dia 22/01/2021 e o dia 06/04/2021, num período total de 162 dias(cfr. artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na sua reação originária, conjugado com o Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março; e artigos 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, e ainda artigo 2.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e artigo 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril).
Daí que, sabendo-se que, aquando da suspensão do prazo de prescrição ocorrida a 09/03/2020, por efeito do mencionado regime excecional, faltavam 15 dias (09/03/2020 a 23/03/2020) para o prazo de prescrição do art.º 70.º da LULL mesmo se completar, a contagem deste período de 15 dias remota a sua contagem no dia seguinte aquele em que findou a suspensão imposta por lei, ou seja, retomou a sua contagem a 04/06/2020 e findou definitivamente a ../../2020, quando a execução apensa apenas foi intentada em 2023. Deste modo, estando integralmente decorrido o prazo prescricional da obrigação cartular do aval prestado na livrança dada à execução, desde o dia ../../2020, assiste ao embargante o direito de recusar o cumprimento da prestação cambiária(art.º 304.º, n.º 1 do CC).
- VALIA DO TÍTULOS ENQUANTO QUIRÓGRAFO DE DÍVIDA -
A prescrição da obrigação cartular não implica, necessariamente, a prescrição da obrigação fundamental subjacente à emissão das livranças, podendo, por isso, equacionar-se a questão de saber se as livranças valem enquanto quirógrafos de dívida, sendo que isso mesmo é expressamente admitido pelo art.º 703.º, al. c) do CPC, desde que o exequente alegue no requerimento inicial os factos constitutivos da relação subjacente à sua emissão[cfr. ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA e LUÍS DE SOUSA (CPC Anotado, Almedina, 2020, Vol. II, pág. 26)].
Na verdade, como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/09/2019 (processo n.º 125/16.0T8VLF-A.C1.S1, relatora Rosa Tching), «a ratio da admissibilidade do título de crédito prescrito como título executivo, enquanto mero quirógrafo, consiste, assim, no facto de o documento constituir um reconhecimento de dívida, assinado pelo devedor, o que significa que o título prescrito só pode ser usado como quirógrafo no âmbito das relações imediatas, quando está no âmbito das relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato (…) isto é, nas relações em que os sujeitos cambiários são concomitantemente os sujeitos das convenções extracartulares».
A este propósito, a exequente alegou que «(…) 6. A Cedente primária, no âmbito da sua actividade, celebrou com os ora Executados, o contrato com os ora Executados, o contrato, ao qual foi atribuído o n.º ...80 (…) 7. O referido contrato, tinha como objecto, um empréstimo. 8. No contrato ora mencionado, o valor concedido foi de € 16530,81 (dezasseis mil quinhentos e trinta euros e oitenta e um cêntimos), a ser liquidado em 60 (sessenta) prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de € 445,35 cada, perfazendo o valor total das prestações em € 26721,40- (…) 9. Conforme o “Descritivo do Bem e Condições de Financiamento”, o vencimento da primeira prestação dar-se-á no dia 10 do mês seguinte ao da celebração do contrato, sendo que as restantes prestações vencer-se-ão ao mesmo dia dos períodos sucessivos. 10. Face ao incumprimento reiterado da aqui Executada, foi resolvido o contrato e preenchida a livrança pelo valor de € 8484,46».
No entanto, conforme resulta do teor do contrato de mútuo carreado pela exequente, os executados AA e BB não intervieram no mesmo na qualidade de mutuários, mas – apenas e só– enquanto avalistas, na medida em que, no contrato referido em 5), os executados AA e BB surgem identificados como «1.º Avalista» e «2.º Avalista» e subscreveram a seguinte declaração: «Declaramos ser Avalista(s) do(s) Proponente(s) deste empréstimo e de ter(mos) sido informado(s) por este (s) do montante da divida a contrair, bem como das cláusulas deste Contrato de Crédito que declaro (amos) conhecer e aceitar, avalizando para o efeito, a Livrança de Caução em branco anexa ao Contrato».
Ora, a qualidade de avalista impõe a quem presta o aval, exclusivamente, a obrigação de honrar a vínculo cartular que assumiu, sem que, ao nível da relação material subjacente à emissão do título, exista necessariamenteuma relação jurídica causal (mero obséquio ou subscrição de favor), como poderá, no reverso, haver a vontade expressa (art.º 628.º, n.º 1 do CC) de prestar um termo de fiança, destinado a garantir o cumprimento da obrigação que emerge para o avalizado do negócio jurídico subjacente à subscrição do título [cfr. PEDRO PAIS DE VASCONCELOS (Direito Comercial- Títulos de Crédito, Ed. Reimpressa AAFDL 1988/89, págs. 77)].
Todavia, para se considerar que a prestação do aval tem subjacente uma fiança, necessário se torna a alegação [no requerimento executivo – art.º 703.º, al. c)] e prova, por parte do exequente, de que o avalista/executado se quis obrigar, v.g. como fiador, pelo pagamento da obrigação fundamental, ou seja, que a relação subjacente ao aval era a prestação de uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado da relação subjacente ou fundamental, vontade essa que deve ser expressamente declarada[cfr., neste sentido, acórdãos do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de 30/11/2023 (processo n.º 6816/14.3YYLSB-A.L1.S1, relator António Barateiro Martins), do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES de 04/04/2017 (processo n.º 49/16.1T8MDL-B - G1, relatora Maria Purificação Carvalho), de 05/03/2020 (processo n.º 6967/18.5T8GMR.G1, relatora Fernanda Proença Fernandes), de 13/02/2020 (processo n.º 632/18.0T8VCT-A.G1, relatora Ana Cristina Duarte, de 07/05/2020 (processo n.º 2063/10.1TBBRG.G1, relator Jorge Santos), de 26/11/2020 (processo n.º 7891/19.0T8VNF-A.G1 (relatora Maria Cristina Cerdeira)e de 04/06/2020 (processo n.º 7917/19.7T8VNF.G1, relator João Ramos Lopes), do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO de 26/05/2015 (processo n.º 665/13.3TBLSD-A.P1, relatora Ana Paula Amorim) e de 08/11/ 2018 (processo n.º 2381/14.0TBVNG-A.P1, relator Freitas Vieira), do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA de 21/05/2013 (processo n. 4052/10.7TJCBR-B.C1, relator Freitas Neto) e de 10/09/2019 (processo n.º 2296/17.0T8PBL-A.C1, relator Barateiro Martins)].
Isto é assim, porque, como bem se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/09/2019 (processo n.º 125/16.0T8VLF-A.C1.S1, relatora Rosa Tching), «ainda que se admita que, economicamente, o aval possui um fim semelhante à fiança (…) -, visando, em regra e na maioria dos casos, garantir o cumprimento da obrigação de pagamento da letra (livrança) - se aquele a favor de quem for prestado o aval a não pagar, a verdade é que o aval e a fiança não deixam de ser figuras jurídicas de natureza distinta, que não se confundem. Como decorre do art. 32º, da L.U.L.L, o aval constitui uma obrigação autónoma, que não está dependente da validade da obrigação garantida, nem da existência da obrigação do avalizado, apresentando-se, por isso, despida das características de subsidiariedade e acessoriedade típicas da fiança (cfr. arts. 627º e 634º, ambos do C. Civil). E porque assim é, não se pode presumir que na base do aval está um negócio extracambiário de fiança, pelo que, mesmo nos casos em que a prestação do aval, tem como relação subjacente uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado, ou seja, a vontade dos avalistas de se obrigarem como fiadores, se a obrigação cambiária do avalista prescrever, torna-se necessário alegar e demonstrar que o avalista pretendia obrigar-se como fiador pelo pagamento da obrigação principal» [cfr., no mesmo sentido, ENGRÁCIA ANTUNES (Títulos de Crédito, Uma Introdução, 2009, Coimbra Editora, p. 81 e 82) e CAROLINA CUNHA (Manual de Letras e Livranças, Almedina, 2016, p. 157 a 159)].
Com efeito, na ação intentada pelo portador do título contra o avalista não existe qualquer relação causal, porque o aval, pela sua natureza, não tem necessariamente uma relação subjacente (v.g. subscrições de favor) e, deste modo, o título de crédito prescrito não pode subsistir como título executivo em relação ao avalista, porque da assinatura aposta no título não se pode presumir que existe uma obrigação (causa jurídica), relevando, para o efeito, a especial natureza do aval e a relação do avalista com o subscritor da livrança, a favor de quem é concedido o aval (artigos 31º e 77º LULL).
O avalista surge na relação cambiária porque, por ato de vontade, assumiu tal obrigação cartular apondo a sua assinatura no título e, nessa mesma qualidade de avalista, está obrigado a garantir o pagamento do título, solidariamente, com os demais obrigados.
Por tal facto, é responsável no lugar do avalizado, nos termos e na medida em que este seria responsável na relação cambiária, razão pela qual a obrigação do avalizado, apesar de ditar a medida objetiva da obrigação do avalista, é uma obrigação independente da do avalista.
Ora, a prestação de um aval pode ter subjacente uma fiança, destinada a garantir o cumprimento da obrigação assumida pelo avalizado no negócio jurídico subjacente à subscrição da livrança, sendo certo que, nos termos do artigo 627.º CC, o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor, desde que a vontade de prestar fiança tenha sido expressamente declarada(artigo 628º nº1 do CC).
Porém, como acima mencionado, para se considerar que a prestação do aval tem subjacente uma fiança, tornar-se-ia necessária a alegação (para posterior prova pelo exequente), como causa de pedir executiva plasmada no requerimento executivo [art.º 703.º al. c) e 724.º, n.º 1, al. e) do CPC)], que o avalista/executado se queria obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação fundamental, ou seja, que a relação subjacente ao aval era uma fiança relativamente à obrigação que advinha para o avalizado da relação fundamental.
Deste modo, operando-se a extinção da obrigação cartular resultante do aval, por efeito da prescrição, e não tendo a exequente alegado factos concretos demonstrativos de que o avalista se assumiu, outrossim, como fiador pelo cumprimento das obrigações do avalizado, seja de concluir que a livrança prescrita não se mostra suficiente para figurar como título executivo, nos termos do art.º 703.º, n.º 1, al. c) do CPC.
Regressando ao caso dos autos, a causa de pedir executiva, plasmada no requerimento inicial, é absolutamente omissa quanto a esta matéria, na medida em que a factualidade alegada e dada como provada em função da documentação junta [contrato de mútuo e pacto de preenchimento da livrança] não corporiza, relativamente ao executado, um qualquer negócio jurídico causal da prestação do aval pelo executado (v.g. um termo de fiança), limitando-se a exequente a alegar factualidade que se inscreve, exclusivamente, no perímetro da obrigação cartular atribuída ao executado no título (aval).
Com efeito, a exequente nada alega relativamente a um putativo termo de fiança prestados pelos executados (sendo uma evidência que os mesmos não eram os mutuários), acabando por remeter para os termos do próprio contrato subjacente à livrança.
Por seu turno, se atentarmos diretamente nos termos do contrato, bem como no pacto de preenchimento adrede ao mesmo, é manifesto que os executados apenas se obrigaram perante o exequente por via do aval prestado na livrança, a que o contrato [facto 6)] e o pacto de preenchimento [facto 7)] fazem referência.
Daí que, neste circunstancialismo, operando-se a extinção da obrigação cartular resultante do aval, por efeito da prescrição e, ademais, não tendo a exequente alegado factos concretos demonstrativos de que os avalistas se assumiram como fiadores pelo cumprimento das obrigações dos mutuários avalizados, seja de concluir que a livrança prescrita não se mostra suficientes para figurarem como título executivo, nos termos do art.º 703.º, n.º 1, al. c) do CPC.
- PRESCRIÇÃO DAS OBRIGAÇÕES EMERGENTES DA RELAÇÃO MATERIAL SUBJACENTE -
Por fim, ainda que assim não fosse, a verdade é que, caso se conseguisse surpreender na (inexistente) alegação da exequente uma declaração de vontade dos executados, no sentido destes terem prestado um termo de fiança, sempre lhes assistiria o direito de recusar o cumprimento da obrigação, em função da prescrição da relação material(art.º 304.º, 627.º, n.º 2 e 637.º do CC).
Conforme resulta dos factos assentes, a exequente apresenta-se a reclamar um crédito no valor de 8.484,46€, correspondente ao remanescente de um mútuo celebrado e juros, sendo que a questão que é colocada à apreciação do tribunal passa por determinar qual o prazo de prescrição aplicável ao capital mutado e respetivos juros, valores estes que, no contexto do mútuo celebrado entre as partes, ficou de ser restituído (juntamente com os juros remuneratórios contratualmente acordados), em 60 prestações mensais, no valor individual de 445,35€, vencendo-se a primeira 10/04/1999 e as restantes aos dias 10 dos meses subsequentes [facto 5)].
Ora, de acordo com o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 6/2022 (publicado no Diário da República n.º 184/2022, Série I de 2022-09-22, páginas 5 a 15), foi uniformizado o entendimento de que: «I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.»
Por sua vez, também a obrigação de pagamento de juros está sujeita a prescrição que, no caso, é o de 05 anos [art.º 310.º, al. d) do CC], sendo, por isso, aplicável a ambas as obrigações (de capital e juros) o prazo de 05 anos [art.º 310.º. al. d) e e) do CC].
Isto posto, sabe-se que, em função do incumprimento do empréstimo, o contrato foi resolvido a 18/06/2003 [facto 8)] e, subsequentemente, preenchida a livrança referida em 4), a qual foi mobilizada, por via dessa titulação, como forma de obter o pagamento das prestações referentes ao mútuo n.º ...80, mediante a propositura da execução n.º 24637/03.... [facto 10)].
Deste modo, se é verdade que com a citação dos executados para os termos da execução n.º 24637/03.... [facto 11)] ocorreu a interrupção dos mencionados prazos de prescrição [art.º 323.º, n.º 1 do CC], certo é que a contagem dos mesmos reiniciou-se no dia seguinte ao trânsito em julgado da decisão que pôs termo à execução [art.º 326.º, n.º 1 e 327.º, n.º 1 do CC].
Deste modo, reiniciando-se os prazos de prescrição atinentes com a relação material subjacente [art.º 310.º al. d) e e) do CC] a 23/03/2017, os mesmos completar-se-iam a 23/03/2022, aos quais, porém, se terá de adicionar o período de 162 dias referente à supra citada legislação aprovada na sequência da pandemia provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, fazendo com que o termo daqueles prazos de prescrição se projete para o dia 01/08/2022. Deste modo, tendo a execução apensa apenas sido intentada a 17/07/2023[facto 3)], bem se vê que, nesta última data, já os prazos de prescrição de 05 anos relativos à obrigação de pagamento do capital mutuado e juros [art.º 310.º, als. d) e e) do CC] estavam totalmente decorridos, altura em que se extinguiu a obrigação por via da prescrição. Daí que, também por esta via, a presente oposição à execução sempre seria procedente.
- CUSTAS JUDICIAIS
Vencida, suportará a exequente/embargada a totalidade das custas processuais (art.º 527.º, nºs 1 e 2, do CPC e art.º 7º, nº 4 e Tabela II, do RCP).
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III - DECISÃO
Pelo exposto, julgo a presente oposição à execução totalmente procedente, por provada e, consequentemente, declaro extinta a execução movida EMP01... – STC, SA a AA, mais se condenando a exequente a suportar a totalidade das custas processuais da presente oposição. Registe e notifique.
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Inconformada com essa sentença, apresentou a exequente/embargada recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:
1. Em ../../1999 o Recorrido/Executado, na qualidade de avalista e a Banco 3..., S.A. (credora originaria) subscreveu um contrato de crédito pessoal com o n.º ...80, no valor total de 16.530,90€ (dezasseis mil quinhentos e trinta euros e noventa cêntimos), a liquidar em 60 prestações mensais de 445,34€ (quatrocentos e quarenta e cinco euros e trinta e quatro cêntimos). 2. O Recorrido/Executado como garantia de cumprimento do referido contrato avalizou uma livrança em branco a ser preenchida somente se e quando houvesse resolução contratual. 3. Tendo nessa sequência, o Embargado/Recorrido se confessado devedor da Banco 3..., S.A. (credora originária) e garantido igualmente o cumprimento do referido contrato. Sucede que, 4. Começaram a verificar-se incumprimentos no pagamento das prestações por parte dos Contraentes. 5. Verificado o incumprimento foi o Embargado/Recorrido interpelado na qualidade de avalista para o cumprimento do acordado. 6. No entanto não houve qualquer pagamento por parte do Embargado/Recorrido, tendo o contrato de crédito sido resolvido pelo banco mutuante, com fundamento no incumprimento definitivo da obrigação de pagamento das prestações acordadas. 7. Razão pela qual procedeu o banco mutuante ao preenchimento da livrança pelo valor de € 8.484,46 (oito mil quatrocentos e oitenta quatro euros e quarenta e seis cêntimos), com vencimento em 02 de Julho de 2003, nos termos da das “Condições Gerais” do contrato. 8. Operada a resolução extrajudicial pela Banco 3..., S.A., esta não só preencheu como apresentou, em 25 de Julho de 2003, à execução a livrança subscrita pelo Embargado/Recorrido que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – 3º e ... Juízos Cíveis do Porto - Extintos – ... Juízo Cível do Porto - ... Secção com o n.º do processo: 24637/03..... 9. O Recorrido/Embargante foi citado para a execução em 12 de Novembro de 2003, por via postal. 10. A instância foi considerada deserta pelo decurso referido no artigo 281º, nº 5 do CPC. 11. Apesar de várias instâncias para liquidação foi forçada a propor nova acção executiva considerando que não era possível entendimento extrajudicial, tendo como título executivo o determinado no art. 703.º, n.º 1 alínea c) do CPC, ou seja, a livrança como documento quirografo sendo que foi demonstrada a relação subjacente. 12. Pelo que, promoveu a proposição em prazo da nova execução sumária em 17/07/2023, tendo ocorrido citação prévia, nessa senda, tal como considera o disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil. 13. A data de vencimento da livrança é a data de 02/07/2003. 14. Contudo após a reforma do CPC de 2013, os títulos de crédito continuam a valer como documentos quirógrafos (art. 703.º, n.º 1, alínea c) do CPC). 15. Nesta medida, ainda que extinta a obrigação cambiária incorporada no título cambiário pelo decurso do prazo de prescrição, este pode continuar a valer como título executivo. 16. Para o efeito, basta que o Exequente alegue os factos constitutivos da relação subjacente, seja no título cambiário ou, na ausência deste, no próprio requerimento executivo. 17. Nessa senda, apesar da aqui Embargada não ter intentado esta nova ação executiva dentro do prazo prescricional da relação cartular, prevista no artigo. 70.º da LULL intentou dentro do prazo prescricional dos 20 anos. 18. No caso concreto, resulta evidente que a aqui Recorrente/Exequente, aquando da propositura da ação, não se limitou a invocar a existência do seu direito de crédito, tendo antes alegado no requerimento executivo de forma contextualizada e circunstancial os factos constitutivos da relação cambiária subjacente. 19. Aquando da celebração do contrato o Recorrido/Executado foi informado do pacto de preenchimento, tendo declarado que conheceu e aceitou os termos descritos. 20. Face à autorização para preenchimento da livrança nos termos do referido pacto, passa o Recorrido/Executado a ser abrangido pelas relações imediatas. 21. Sendo que nesse caso lhe pode ser exigido o pagamento da dívida. 22. De facto, são descritos no requerimento executivo os intervenientes no contrato, o tipo de contrato, o incumprimento ocorrido e interpelação efetuada, os esforços desenvolvidos e que vieram a culminar na apresentação do requerimento executivo. 23. A obrigação exequenda não pode ser confundida com a obrigação cambiária decorrente da assinatura que o embargante colocou na livrança, mas antes entendida como obrigação subjacente, isto é, ainda que o título de crédito enquanto documento particular tenha perdido a sua qualidade para valer como título executivo, poderá, não obstante, continuar a ser usado como quirógrafo da obrigação que lhe está subjacente, desde que devidamente alegados os factos constitutivos da respetiva relação. 24. O Recorrido/Embargado não só “deu o seu aval” à livrança como também assinou o contrato de crédito afirmando que conhecia a divida, os seus valores e as suas condições. 25. Não sendo o aval, por si mesmo, reconduzível à fiança, para que a livrança, prescrita a obrigação cambiária do avalista, possa servir de título executivo como quirógrafo, necessário será que do requerimento executivo resulte que o avalista/executado se quis obrigar como fiador pelo pagamento da obrigação fundamental, tal como decorre do artº 628º, nº 1 do Código Civil. 26. A vontade de prestar o aval resulta clara do contrato de crédito onde o Recorrido/Executado firmou a sua assinatura no afirmando conhecer e aceitar o que nele se encontrava inscrito. 27. A Embargada fez por isso menção disso mesmo no seu requerimento executivo e dos documentos que o instruíram, invocando e demonstrando a relação subjacente à livrança assim como foram juntos os documentos de suporte. 28. O Recorrido/Executado aquando da assinatura do contrato que sustenta a livrança dada à execução pretendeu constituir-se como devedor solidário da dívida. 29. A livrança enquanto permaneceu em branco, não constituía um título executivo pelo que, nos termos do n.º 1 do art.º 311.º do Código Civil, o direito sujeito a prazo mais curto do que o prazo ordinário de prescrição, fica sujeito a este último (20 anos) se sobrevier sentença ou título executivo que reconheça o direito. 30. O título executivo consubstanciado na livrança, não existia na data de vencimento das prestações acordadas e sobreveio com a resolução contratual, logo o prazo prescricional aplicável ao valor inscrito na livrança é de 20 anos;
Ademais, 31. O contrato aqui em riste é um contrato de financiamento pessoal celebrado entre as partes, que se traduz exatamente num empréstimo de dinheiro, um contrato que pressupõe uma obrigação global, cujo pagamento se encontra escalonado no tempo que se traduz numa obrigação única para os devedores, correspondente ao capital mutuado e aos respetivos juros remuneratórios. 32. Portanto trata-se de um único contrato, subscrito pelo Recorrido/Executado, em que existe uma dívida previamente fixada, dívida esta que irá ser paga parcialmente, fraccionadamente, em diversas
prestações previamente estipuladas. 33. As prestações fraccionadas transmutaram-se numa única obrigação sujeita ao prazo prescricional ordinário. Ou seja, foram destruídas pelo vencimento antecipado, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos e os juros ao de cinco anos. 34. Não se enquadrando o capital no prazo prescricional da alínea e) do art.º 310º C.C. 35. Sendo antes aplicável prazo de o ordinário de 20 anos presente no art. 309.º C.C. 36. Mais se poderá acrescentar que houve interrupção do prazo de prescrição em 10/11/2003, com a citação do Recorrido/Executado para a ação executiva anterior, nos termos do artigo 323º, nº 1 do CPC. 37. Nos termos do art. 326.º, n.º 1 C.C. a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo. 38. A ação executiva anterior teve o seu término em 08/02/2017, tendo reiniciado o prazo de prescrição. 39. Por conseguinte, deveria o Tribunal a quo ao receber os presentes embargos considerá-los improcedentes, atendendo que o prazo de 20 anos de prescrição não operou aquando da entrada da nova acção executiva não cabendo assim na previsão legal alegada pelos Embargante. 40. Aplicar ao mútuo bancário o prazo quinquenal com os pressupostos que o AUJ do STJ emitido em 30/06/2022 – processo n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 é inconstitucional, porquanto viola além do princípio da segurança jurídica, violando até basilares princípios constitucionais previstos nos art. 2°, 12°, n° 2, 18°, n°s 1, 2 e 3 todos da Constituição da República Portuguesa. 41. Aliás resulta do próprio Acórdão de Uniformização que a fundamentação ali desenvolvida para o caso concreto, quanto ao instituto da prescrição, além de depender do correto exercício do princípio do dispositivo, deve atender aos circunstancialismos do caso concreto, de modo a concluir qual o regime jurídico de prescrição aplicável a cada montante. 42. De facto, por muito respeito que mereça a fundamentação jurídica do referido Acórdão para aplicar o artigo 310.º alínea e) do CC, o mesmo não pode ser generalizado a todos os processos que apresentem a mesma questão de direito omitindo a especificidade da causa, dado que parte de um estudo originariamente delineado para as situações de insolvência, e da preocupação do legislador em regular os casos em que um devedor acumulou inúmeros valores (prestações) em dívida, de tal modo que a sua concentração, acrescida de juros e outros encargos agrave a posição de fragilidade em que aquele se encontra. 43. Se assim não for entendido, isto representaria uma clara desprotecção do credor que nem sequer vê o valor do capital mutuado e já vencido passível de ressarcimento constituído, tal facto, uma desproporcional aplicação do direito do devedor em detrimento do credor o que ataca o princípio da segurança jurídica, violando até basilares princípios constitucionais previstos nos art. 2°, 12°, n° 2, 18°, n°s 1, 2 e 3 todos da Constituição da República Portuguesa. 44. A aplicação imediata da uniformização de uma nova corrente de pensamento e aplicação jurídica dos prazos de prescrição aos contratos de mútuo, quirógrafos e demais títulos executivos sem uma disposição transitória que gradue temporalmente essa aplicação é uma medida desproporcional que afeta o princípio constitucional da Proteção da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição. 45. Sendo excessiva, inadequada e desnecessária face ao principio já consagrado no art. 310.º, n.º 1 al. d) C.C. e a protecção que o mesmo dá aos devedores. Isto considerando a fundamentação implícita no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência Em suma, o despacho proferido violou, entre outras, as seguintes estatuições legais:
- Da Constituição da República Portuguesa
- Arts 12.º n.º 2 18.º nºs 1, 2 e 3, 20.º
- Do Código de Processo Civil
- princípio do dispositivo - artigo 5.º Assim, nestes termos e nos melhores em Direito aplicáveis, e sempre com o mui douto suprimento de Vossa Exa., deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, com as legais consequências.
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Notificado do recurso apresentado pela apelante EMP01... - Stc, S.A., o recorrido AA apresentou a sua resposta, que se encontra finalizada com as seguintes conclusões:
A. Toda a tese da recorrente assenta num pressuposto contrário à lei e ao decidido no acórdão uniformizador de jurisprudência 6/2022, pois que assume que o prazo de prescrição aplicável é o geral de 20 anos. B. Sem isso, seja qual for a qualidade que tenta atribuir ao recorrido, toda a sua pretensão cai pela base. C. Isto basta para a improcedência do recurso.
Sem conceder: D. Ao contrário do que defende a recorrente, o recorrido apenas se obrigou como avalista, assumindo por isso uma obrigação autónoma, que se reconduz à obrigação cartular. E. Aliás, não só não resulta da relação subjacente, corporizada no contrato de mútuo, que o recorrido se obrigou como fiador, como, pelo contrário, o que resulta é que se obrigou como avalista. F. Sendo certo que a vontade de prestar fiança tem de ser expressa – art. 628, nº 1 do CC. G. Ora, não só decorreu o prazo de prescrição da obrigação cartular, como também decorreu o prazo de prescrição da obrigação que pudesse resultar da eventual fiança. H. Na verdade, o prazo de prescrição do art. 310, e) do CC aplica-se, independentemente da pessoa a quem se exija a prestação. I. Sendo inequívoco que aquilo que a recorrente pretende cobrar são quotas de amortização do capital pagáveis com juros. J. Por outro lado, inexiste qualquer nulidade da sentença, pois que o tribunal tinha de apreciar todas as questões que lhe foram colocadas, como de facto fez, mas não todos os argumentos. K. Só por falta de argumentos é que se percebe que a recorrente venha defender que o tribunal devia ter admitido o meio probatório “depoimento de parte”, quanto mais não seja porque não estamos sequer perante uma prescrição presuntiva que possa ser afastada por uma confissão. L. Também não faz o menor sentido o argumento da recorrente no sentido de ser nula a sentença por omissão de pronuncia sobre a “invocada inconstitucionalidade na aplicação do prazo quinquenal de prescrição de capital”. M. Da própria alegação de recurso resulta que a recorrente defende a inconstitucionalidade de “uma interpretação violadora de princípios constitucionais basilares” e não a inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica. N. Assim, também aí, estamos perante um argumento jurídico, que se integra na questão jurídica da definição do prazo de prescrição, que foi analisada com pormenor e rigor na sentença.
TERMOS em que o recurso deverá ser julgado improcedente, com as devidas consequências legais, por ser de Justiça!
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida a este Tribunal.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A DECIDIR
Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Assim, consideradas as conclusões formuladas pela apelante - a exequente/embargada -, esta pretende que o prazo de prescrição aplicável é o geral de 20 anos, e não o prazo prescricional de 5 anos da alínea e) do art. 310º CC.
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3 – OS FACTOS
Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede, para os quais se remete.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Pretende a apelante a revogação do despacho proferido pelo Tribunal a quo que julgou extinta a obrigação cartular por prescrição. Isto porque entende que aplicar ao mútuo bancário o prazo quinquenal com os pressupostos que o AUJ do STJ emitido em 30/06/2022 – processo n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1 é inconstitucional, porquanto viola além do princípio da segurança jurídica, violando até basilares princípios constitucionais previstos nos art. 2°, 12°, n° 2, 18°, n°s 1, 2 e 3 todos da Constituição da República Portuguesa.
Não concordando o apelado com os argumentos da recorrente, que contraria.
Quid iuris?
Sobre esta concreta questão da invocada prescrição, apesar da mesma ter sido resolvida pelo AUJ n.º 6/2022, de 30-06-2022, in Diário da República nº 184/2022, Série I de 22-09, verifica-se que a mesma continua a ser colocada perante os nossos tribunais Superiores, malgrado as uniformes decisões conhecidas (por todas, cfr. os recentes Acs. do STJ de 29-02-2024[2] e da RP de 12-09-2024[3]).
Efectivamente, como assertivamente se referiu no mencionado Ac. do STJ de 29-02-2024, com referência ao aludido AUJ n.º 6/2022, não vemos razões, de facto ou de direito, para não aderir inteiramente ao aí decidido, uma vez que continuam a ser inteiramente válidas quer a fundamentação quer a conclusão desse Acórdão Uniformizador.
O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2022 uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:
«I- No caso de quotas de amortização de capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
II- Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas vencidas».
Como resulta do texto do citado AUJ a posição que foi sufragada tinha já sido seguida por inúmeras decisões quer do STJ quer das Relações.
Efectivamente podemos ler no AUJ em apreço que «A posição doutrinal que, em II, entendemos a mais adequada, ou seja, a aplicação da prescrição de 5 anos à acumulação das quotas de amortização do capital por perda de benefício do prazo (artigo 781.º CCiv), vem sustentada na quase totalidade da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no Ac. S.T.J. 29/9/2016, revista n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Lopes do Rego) cit. e também nos Acs. S.T.J. 8/4/2021, revista n.º 5329/19.1T8STB-A.E1.S1 (Nuno Pinto Oliveira), S.T.J. 9/2/2021, revista n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 (Fernando Samões), S.T.J. 14/1/2021, revista n.º 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1 (Tibério Nunes da Silva), S.T.J. 12/11/2020, revista n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1 (Maria do Rosário Morgado), S.T.J. 3/11/2020, revista n.º 8563/15.0T8STB-A.E1.S1 (Fátima Gomes), S.T.J. 23/1/2020, revista n.º 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1 (Nuno Pinto Oliveira), S.T.J. 27/3/2014, revista n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1 (Silva Gonçalves), e em numerosas decisões das Relações».
Dúvidas não restam quanto ao caminho a seguir, devendo entender-se que prescrevem no prazo de 5 anos, após o seu vencimento, conforme previsto na alínea e) do artigo 310º do CC, todas as prestações de créditos vencidos emergentes de mútuos bancários e não pagas.
Já quanto ao igualmente mencionado e recentíssimo Ac. da RP, verifica-se que se debruçou sobre um caso similar ao presente, pois a aqui recorrente suscitou as mesmíssimas questões colocadas pela ali apelante, incluindo as de constitucionalidade. Logo, porque concordamos com as soluções ali encontradas, passamos a reproduzir a respectiva fundamentação de direito, aqui ajustada à presente situação:
A acção executiva, tal como a define o artigo 10.º, n.º 4 do Código de Processo Civil funda-se necessariamente num título do qual depende a exequibilidade da obrigação exequenda.
Como prescreve o n.º 5 do referido normativo, “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determina o fim e os limites da acção executiva”.
Esclarece Lebre de Freitas[4]: “para que possa ter lugar a realização coactiva duma prestação devida (ou do seu equivalente), há que satisfazer dois tipos de condição, dos quais depende a exequibilidade do direito à prestação: a) O dever de prestar deve constar dum título: o título executivo. Trata-se dum pressuposto de carácter formal, que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito (…), na medida em que lhe confere o grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da acção executiva.
b) A prestação deve mostrar-se certa, exigível e líquida (…). Certeza, exigibilidade e liquidez são pressupostos de carácter material que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito, na medida em que sem eles não é admissível a satisfação coactiva da pretensão”.
O artigo 703.º do Código de Processo Civil em vigor elenca, de forma taxativa, os títulos executivos que podem servir de base à execução, neles se incluindo - alínea c) do n.º 1 – “Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo”.
Prescrita a relação cambiária, já no domínio do revogado artigo 46.º, n.º 1, c) da anterior lei processual civil se discutia se o documento que corporiza essa relação podia ainda valer com título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor.
Nem sempre equacionada tal questão de forma convergente pela jurisprudência, tendia a ser reconhecida exequibilidade aos títulos cambiários prescritos, desde que verificadas algumas condições.
Defendia, assim, Lebre de Freitas[5] que “quando o título de crédito mencione a causa da relação jurídica subjacente, não se justifica nunca o estabelecimento de qualquer distinção entre o título prescrito e outro documento particular, enquanto ambos se reportem à relação jurídica subjacente. Quanto aos títulos de crédito prescritos dos quais não conste a causa da obrigação, tal como qualquer outro documento particular nas mesmas condições, há que distinguir consoante a obrigação a que se reportam emerja ou não de um negócio jurídico formal. No primeiro caso, uma vez que a causa do negócio jurídico é um elemento essencial deste, o documento não constitui título executivo (arts. 221-1 CC e 223-1 CC). No segundo caso, porém, a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e a consideração do regime do reconhecimento da dívida (art. 458-1 CC) leva a admiti-lo como título executivo, sem prejuízo de a causa da obrigação dever ser invocada na petição executiva (…)”.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.10.2010[6] descreve deste modo as diferentes perspectivas jurídicas pelas quais pode ser encarada a exequibilidade do cheque enquanto título de crédito, valendo tais considerações também para a livrança e para a letra de câmbio:
“A) Em primeiro lugar, podem os mesmos surgir na execução como verdadeiros e próprios títulos de crédito, sendo invocados pelo exequente como modo de demonstração da respectiva relação cambiária, literal e abstracta, que constitui verdadeira causa de pedir da acção executiva – sendo, para tal, obviamente necessário que se mostrem integralmente respeitados todos os pressupostos e condições de que a respectiva lei uniforme faz depender o exercício dos direitos que confere ao seu titular ou portador legítimo. Nesta situação, o título executivo é uma peculiar categoria de documentos particulares, regidos por uma disciplina específica, decorrente da sua especial segurança formal e fiabilidade, e a «causa petendi» da acção executiva é a relação creditória neles incorporada, com as suas características próprias, em larga medida decorrentes da literalidade e abstracção das obrigações cartulares por eles documentadas. B) Em segundo lugar – e não se verificando algum dos requisitos ou condições imperativamente previstos na respectiva LU para o exercício do direito e acção conferido ao titular ou portador legítimo do título – pode valer tal título de crédito como mero quirógrafo ou documento particular, assinado pelo devedor, que contenha ou implique o reconhecimento da obrigação causal subjacente – desde logo, como declaração unilateral de reconhecimento de uma dívida, sem indicação da respectiva causa, submetida à disciplina jurídica contida no art. 458º do CC, ou seja, implicando a dispensa de o credor provar a relação fundamental, desde que não sujeita a específicas formalidades legais, cuja existência se presume até prova em contrário. Nesta peculiar situação, a presunção de existência da relação fundamental, decorrente do regime estabelecido no referido art. 458º, implica a dispensa de o credor exequente invocar os respectivos factos constitutivos, recaindo naturalmente sobre o executado o ónus de ilidir ou afastar tal presunção no âmbito da oposição à execução que deduza. Ou seja: valendo o título ou documento particular invocado pelo exequente como declaração unilateral de reconhecimento de uma dívida, a execução está em condições de prosseguir mesmo que a relação subjacente não conste do documento que corporiza essa declaração unilateral, nem seja explicitamente afirmada, nos seus factos constitutivos, pelo exequente no requerimento executivo – implicando a presunção legal, afirmada pelo referido art. 458 º, que compete ao executado pôr em causa tal presunção, demonstrando a inexistência ou invalidade do débito aparentemente confessado ou reconhecido pela declaração unilateral invocada pelo credor/exequente. C) Em terceiro lugar, podem valer os títulos de crédito que não obedeçam integralmente aos requisitos impostos pela respectiva LU como quirógrafos da relação causal subjacente à respectiva emissão, desde que os factos constitutivos desta resultem do próprio título ou sejam articulados pelo exequente no respectivo requerimento executivo, revelando plenamente a verdadeira «causa petendi» da execução e propiciando ao executado efectiva e plena possibilidade de sobre tal matéria exercer o contraditório: como é evidente, esta terceira perspectiva funcionará nos casos em que a declaração de vontade consubstanciada no título de crédito não puder valer como declaração unilateral de reconhecimento do débito subjacente à respectiva emissão, não beneficiando, consequentemente, da presunção afirmada pelo art. 458º do CC – o que naturalmente implicará para o exequente o ónus de invocar e demonstrar os factos constitutivos da relação fundamental que constitui a verdadeira causa de pedir da execução. Neste caso, o documento assinado pelo devedor constitui quirógrafo de uma obrigação causal cujos elementos constitutivos essenciais têm de ser processualmente adquiridos, em complemento do título executivo, por iniciativa tempestiva e processualmente adequada do próprio exequente, sendo articulados no requerimento executivo sempre que não resultem do próprio título; é, aliás, neste tipo de situações que ressalta, com maior evidência, a diferenciação e autonomia entre os conceitos de título executivo e de causa de pedir da acção executiva, sendo o primeiro integrado por um documento particular, assinado pelo devedor, que - embora não contenha um expresso e directo reconhecimento da dívida exequenda - indicia a existência de uma relação obrigacional que o vincula no confronto do exequente; e a segunda consubstanciada pela própria relação obrigacional que, não resultando, em termos auto-suficientes, daquele título, é introduzida no processo através de um verdadeiro articulado, complementar do documento em que execução se funda”.
Nesta última hipótese, tal entendimento encontra apoio na letra do artigo 810º, nº1, e) do CPC, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20.11, segundo a qual o requerimento executivo deve conter, entre outros elementos, “a exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo”.
Lopes do Rego, em anotação ao referido artigo 46º, n.º 1, c), defendia: “a especificidade da acção executiva, assente necessariamente no título executivo, leva, em regra, a que não caiba ao exequente o ónus de “expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção”, ressurgindo tal ónus de alegação dos factos que servem de “causa petendi”, nos casos em que eles não constem integralmente do título executivo, cabendo, então ao exequente a exposição sucinta da matéria de facto que fundamenta a pretensão executiva”[7].
Vinha, assim, fazendo vencimento na jurisprudência e na doutrina a orientação relativamente positiva, isto é, a de que o título cambiário prescrito podia valer como título executivo, nos termos do artigo 46º, nº1, c) da lei adjectiva então em vigor, desde que o exequente invocasse a relação jurídica subjacente e esta não configurasse um negócio jurídico formal[8].
Tal orientação, já então maioritária, veio a encontrar acolhimento no actual artigo 703.º, n.º1, c) do actual Código de Processo Civil.
À luz do novo diploma, explica Lebre de Freitas[9]: “Quando o título de crédito mencione a causa da relação jurídica subjacente, o título prescrito vale como documento particular respeitante à relação jurídica subjacente. Quanto aos títulos de crédito prescritos dos quais não conste a causa da obrigação, há que distinguir consoante a obrigação emerja ou não dum negócio jurídico formal. No primeiro caso, uma vez que a causa do negocio jurídico é um elemento essencial deste, o documento não constitui título executivo (arts. 221-1 CC e 223-1 CC). No segundo caso, porém, a autonomia do título executivo em face da obrigação exequenda e a consideração do regime do reconhecimento da dívida (art. 458-1 CC) leva a admiti-lo como título executivo, sem prejuízo de a causa da obrigação dever ser invocada na petição executiva e poder ser impugnada pelo executado; mas se o exequente não a invocar, ainda que a título subsidiário, no requerimento executivo, não será possível fazê-lo na pendência do processo, após a verificação da prescrição da obrigação cartular e sem o acordo do executado (art. 264), por tal implicar alteração da causa de pedir”.
Como se escreveu no acórdão da Relação do Porto de 24.10.2011[10], “…o título cambiário, enquanto documento particular assinado pelo devedor, não cumprindo necessária e forçosamente a função de reconhecimento duma dívida, não pode ver-lhe aplicado o artigo 458.º do CC. Por isso, não é o devedor quem tem de fazer a prova do contrário, como acontece com o reconhecimento de dívida, antes, numa execução em que o título seja integrado por uma letra prescrita, havendo oposição e negando o executado a existência da relação subjacente, somos como que devolvidos ao “ponto inicial”, é o exequente quem, de acordo com os princípios gerais (artigo 342.º, n.º 1, do CC), tem que provar os factos constitutivos do direito alegado/executado. Finalmente, para que os possa provar, necessariamente teve de os ter alegado, prévia e devidamente. E assim é porque a oposição à execução segue, sem mais articulados, os termos do processo sumário (artigo 817.º, n.º 2, do CPC), o que significa, não admitindo réplica a oposição à execução, que a causa de pedir (na falta de acordo) não pode ser ampliada ou alterada (artigo 273.º do CPC). Se quisermos dizer de outro modo, afirmamos que uma eventual insuficiência de alegação no requerimento inicial inquina definitivamente a pretensão do exequente, porque os concretos factos que devia alegar são factos estruturantes da causa de pedir e não passíveis, por isso, de aperfeiçoamento ou, por maioria de razão, de invocação ou correcção noutra fase processual”.
Tem-se, com efeito, entendido não ser de exigir que no título executivo, enquanto documento particular, figure a razão da ordem de pagamento nele traduzida para se poder afirmar que constitui ou reconhece uma obrigação de pagamento, mas para que assim seja torna-se necessário que a causa debendi seja alegada, e de forma minimamente precisa e concretizada, no requerimento executivo.
Já no acórdão da Relação de Lisboa de 17.12.2009[11] se afirmava que “o credor, por força do art. 458º do CCivil, apenas está dispensado de provar a relação subjacente, que se presume, mas não de a alegar. Por força dessa presunção deixa de ser necessário que do título executivo conste a causa da obrigação. Desde que (…) o exequente, no requerimento executivo alegue os factos integrantes da relação subjacente. Continua a caber ao credor a invocação da relação subjacente, cabendo ao devedor, por força da inversão do ónus da provam provar que a relação nunca existiu ou deixou de existir. Mas para isso tem que saber qual a relação pressuposta pelo credor, sob pena de poder estar perante uma infinidade de causas possíveis”.
A invocação da causa de pedir – indicação da relação subjacente – é condição indispensável para poder a execução ser impugnada pelo executado, sendo ela necessária ainda para possibilitar ao juiz pronunciar-se oficiosamente sobre a validade das declarações negociais que exijam a observância de forma especial.
Significa, pois, que o título executivo relativo a uma obrigação causal exige sempre a indicação/individualização do respectivo facto constitutivo: a falta dessa identificação torna inepto o requerimento executivo por falta de indicação da causa de pedir, não podendo a mesma, sem a concordância do executado, ser suprida no decurso da oposição deduzida à execução, designadamente no articulado da contestação.
No caso aqui em discussão, suscita-se a questão da livrança em que se funda a execução poder estar prescrita.
Para que se possa concluir se o crédito exequendo se acha ou não prescrito há que determinar qual o prazo prescricional a que se acha sujeito.
Concluiu a sentença aqui escrutinada ser de 5 anos o prazo de prescrição, convocando, para o efeito, o disposto no artigo 310.º, e) do Código Civil e a doutrina fixada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2022, de 30 de Junho, entendimento de que diverge a recorrente, sustentando que à dívida de capital emergente de contrato de mútuo aplica-se o prazo ordinário de prescrição de 20 anos.
Como melhor adiante se esclarecerá, não assiste razão à apelante nesta parte, sendo hoje pacífico ser de cinco anos o prazo de prescrição, como defende a sentença recorrida.
(…)
A prescrição, podendo ser invocada por acção ou por excepção, traduz a repercussão do tempo nas relações jurídicas, consequência do caráter de ordem pública de que se reveste o instituto, destinado a tutelar a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico.
A segurança e certeza jurídicas constituem valores que, de alguma forma, se sobrepõem à justiça e à moral, para explicar o instituto da prescrição[12], concorrendo para a sua justificação razões como a probabilidade de o dever ter já sido cumprido, presunção de renúncia do titular do direito, sanção da sua negligência, consolidação de situações de facto, proteção do devedor contra dificuldades de prova, promoção do exercício oportuno de direitos. A passividade do credor, manifestada por determinado período de tempo, permite ajuizar que já não esteja interessado na invocação do direito, por isso se considera que, em tais casos, deixa de merecer a tutela jurídica.
Se o artigo 309.º do Código Civil estabelece um prazo ordinário de 20 anos, o artigo 310.º do mesmo diploma legal estabelece, por sua vez, um prazo prescricional de 5 anos para as situações nele expressamente previstas.
De acordo com a alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, “Prescrevem no prazo de cinco anos: [...] As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”.
O reduzido prazo consagrado no referido artigo 310.º, previsto para casos em que estão em causa prestações periódicas, encontra na tutela do devedor o seu fundamento, tendo por escopo evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor[13].
Tratando de situação em tudo similar à retratada nos presentes autos, pode ler-se no recente acórdão desta Relação de 22.04.2024[14]: “... quanto a estas prestações periódicas e à fixação em tais casos, do prazo quinquenal de prescrição, a ratio é “atenta a autonomização promovida entre o prazo prescricional aplicável ao uno (i.e., à obrigação) – prazo ordinário de vinte anos (v. o art. 309º) – e ao múltiplo (i.e., a cada prestação singular que integra o complexo duradouro) – precisamente o prazo especial de cinco anos”[15] (negrito nosso). E “A ratio normalmente apontada para a existência destes prazos mais curtos de prescrição consiste em evitar que a inércia do credor conduza a um acumular de prestações, normalmente pecuniárias, cuja exigência poderia revelar-se extremamente onerosa para o devedor. Nas palavras sugestivas de Ana Filipa Moraes Antunes (2008:79), trata-se de “evitar a ruína do devedor pela acumulação das pensões, rendas, alugueres, juros ou outras prestações periódicas” (p.79)”[16]. Refere a mesma autora “julga-se que o critério que se impõe observar, na correta aplicação do artigo 310º, é precisamente o da periodicidade do direito, isto é, a circunstância de nos encontrarmos perante prestações que se constituem e se vencem, em certo e determinado tempo, levando consigo o perigo sério de acumulação de dívida. O artigo 310º não pode, nesta medida, ser dissociado da ideia de prestação periódica. Esclarecendo o conceito de prestações periódicas, o Acórdão do STJ de 3 de Fevereiro de 2009 (processo 08A3952) – “Prestações periódicas, reiteradas, repetidas ou com trato sucessivo são prestações de natureza duradoura que, não sendo de execução continuada, se renovam em prestações singulares sucessivas, em regra ao fim de períodos consecutivos – verificando-se o cumprimento através de actos sucessivos com determinados intervalos - e de formação correspondente a esses períodos, indicando-se habitualmente como exemplosda espécie as prestações do locatário, do fornecedor de bens de consumo ao respectivo estabelecimento de venda, do consumidor de água ou electricidade. Em regra, as prestações reiteradas ou repetidas são periódicas pois que se formam, como dito, com certa periodicidade, renovando-se. A prestação de obrigação periódica, quer na formação, quer na determinação do respectivo objecto, anda ligada ao factor tempo, de que depende”[17]. [...]E o prazo de cinco anos começa a contar-se, segundo a regra do artigo 306º, a partir da exigibilidade da obrigação[18], valendo tal prazo para cada uma das prestações que se vai vencendo e não para a obrigação no seu todo[19]. Ora, o enquadramento na situação consagrada na al. e), do art. 310º, exige uma análise das circunstâncias do caso concreto, sendo que o curto prazo de prescrição de cinco anos é o que se aplica a um crédito proveniente de prestações de um mútuo pagáveis com os juros, como bem considerou o Tribunal a quo, sendo que a “estipulação de um plano de pagamento de amortização do capital, de forma periódica, assente na individualização de duas (ou mais, como no caso) fracções, uma relativa ao capital em dívida e outra relativa aos juros devidos a título de remuneração do capital – a pagar conjuntamente – indicia o preenchimento da situação prevista”[20]. Na “situação prevista na al. e) não está em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizado num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração”[21]. E o prazo prescricional de cinco anos inicia-se para cada uma das quotas que se vencer e não para o todo. Na linha do sustentado por Vaz Serra, nos Trabalhos Preparatórios, o C.C. vigente impõe um prazo prescricional único, de curta duração, aplicável a capital e aos juros correspondentes, que devam ser pagos de forma conjunta. Releva, pois, uma perspectiva de análise atomística[22]. Destarte, a prestações do contrato de mútuo de amortização do capital pagáveis com os juros é aplicável o prazo especial de cinco anos, assim o consagrando expressamente a lei (referida al. e)) e sendo essa, como vimos, a interpretação que dela é feita, quer pela Doutrina quer pela Jurisprudência, na sua aplicação casuística. “Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos” e “neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição”[23]. Assim decidiu o STJ, no citado Acórdão, onde convoca a Jurisprudência daquele Supremo Tribunal[24] (Ac. de 27/3/14, proferido por esta mesma Secção no P. 189/12.6TBHRT-A.L1.S1), em que se entendeu, em caso em que estava igualmente em causa a efectivação de direitos emergentes de um mútuo bancário, que: 1. O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º 309.º do C.Civil); todavia, prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros - art.º 310.º, alínea e), do C. Civil. 2. O débito concretizado numa quota de amortização mensal de 24 prestações (iguais, mensais e sucessivas) referentemente ao capital de 7.326.147$00, enquadra -se na previsão legal do disposto no art.º 310.º, alínea e), do C. Civil[25], aí se reforçando, o mesmo sucedendo no presente caso, que “no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações. Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que - por explicita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição. Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º. Ora, no caso dos autos, como decorre da matéria de facto apurada, as partes estipularam efectivamente, no âmbito da operação de crédito que gerou a dívida da executada, o pagamento da mesma em … prestações mensais sucessivas, de montante predeterminado, que incluíam, quer a amortização fraccionada do capital mutuado, quer o pagamento dos respectivos juros remuneratórios, o que dita a aplicação do estatuído na referida al. e) do art. 310º - e, consequentemente, do prazo prescricional de 5 anos à totalidade de tais prestações globais e parceladas[26].
[...] se o vencimento antecipado, por perda de benefício do prazo por parte do devedor (na sequência de mora e de interpelação, necessária, dos devedores nesse sentido) das prestações vincendas do contrato de mútuo, nos termos estipulados no contrato e estatuídos no artigo 781º, do Código Civil, que respeita, sempre, a parte da obrigação una de capital e juros acordada, não altera a natureza jurídica do crédito e da correlativa, obrigação assumida, de fonte contratual e o imediato vencimento das prestações subsequentes àquela ou àquelas que deixaram de ser pagas, nos termos do referido preceito, decorre de regras aplicáveis ao contrato, não traduzindo situação de resolução contratual[27], no caso de vencidas estarem, já, todas as prestações, por maioria de razão não pode deixar de ser aplicado o prazo de prescrição quinquenal, do art. 310º, al. e), do CC, preceito a que o caso diretamente se subsume. E a circunstância de tal vencimento das prestações subsequentes àquela cujo pagamento foi omitido não implicar a obrigação de pagar os juros remuneratórios nelas incorporados, como decidido foi no Acórdão do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 7/2009, de 25/3/2009; DR, 1ª Série, de 5/5/2009[28], o que mantém atualidade[29], não altera, também, a subsunção, a efetuar em função da referida natureza da obrigação - “quotas de amortização do capital pagáveis com os juros” -, que permanece a mesma – prestações contratuais em que se fracionou a amortização do capital mutuado pagáveis com os juros. Em suma: tendo-se vencido todas as prestações e verificando-se a falta do pagamento de todas elas, prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos de especial e explicita disposição - al. e), do art. 310º, do Código Civil, a derrogar a geral, constante do art 309º - as obrigações relativas às quotas (partes/frações/prestações) em que se dividiu a prestação de amortização do capital mutuado com os juros (una), mesmo que com antecipação de vencimento, nos termos do art. 781º, do Código Civil ou de cláusula com redação a ele conforme, que lhe não altera a natureza jurídica, sempre contratual”.
Retira-se, por sua vez, do sumário do acórdão do STJ de 29.09.2022[30]: I – O prazo curto de prescrição do artº 310º al. e) CCiv, justificou-se nos trabalhos preparatórios do Código Civil com o facto de a acumulação de juros com quotas de amortização poder originar, por sua vez, uma acumulação de contas rapidamente ruinosa para o devedor. II – Consoante a jurisprudência uniformizada deste S.T.J., por via do acórdão produzido em julgamento ampliado de revista, no p.º n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1, em 30/6/2022: – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al.e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas. III – Em face de tal jurisprudência, a total procedência da excepção peremptória de prescrição das prestações, no caso de perda de benefício do prazo, poderá acontecer nos casos em que se mostrou clausulado o vencimento imediato das restantes prestações, com independência de interpelação, considerando que, como regra geral supletiva, o vencimento antecipado automático das prestações subsequentes não é de acolher, à luz da doutrina maioritária, relativamente ao disposto no art.º 781.º do CCiv.
Constitui este o entendimento dominante na jurisprudência dos tribunais portugueses[31], pacificado sobretudo com o Acórdão de Uniformidade de Jurisprudência n.º 6/2022, de 30 de Junho[32], que fixou a seguinte jurisprudência: “I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.” II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”
Embora hoje aos Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência não seja atribuída a força obrigatória geral de que gozavam os Assentos em função do primitivo artigo 2.º do Código Civil, que foi revogado, não se pode deixar de lhes reconhecer um valor reforçado por provirem do Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, sendo o seu não acatamento pelos tribunais motivo para recurso, nos termos do artigo 629.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Civil.
Visando os Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência promover a certeza e segurança do sistema jurídico, estão os juízes, em princípio, vinculados à doutrina neles fixada.
A doutrina do citado AUJ n.º 6/2002 é aplicável à situação discutida nos autos, sendo, assim, de 5 anos o prazo de prescrição do crédito exequendo, iniciando-se o prazo prescricional na data em que o credor podia, com base no incumprimento, interpelar os devedores mutuários para o vencimento antecipado da dívida ou resolver o contrato.
Tal como refere a decisão recorrida, “Conforme resulta dos factos assentes, a exequente apresenta-se a reclamar um crédito no valor de 8.484,46€, correspondente ao remanescente de um mútuo celebrado e juros, sendo que a questão que é colocada à apreciação do tribunal passa por determinar qual o prazo de prescrição aplicável ao capital mutado e respetivos juros, valores estes que, no contexto do mútuo celebrado entre as partes, ficou de ser restituído (juntamente com os juros remuneratórios contratualmente acordados), em 60 prestações mensais, no valor individual de 445,35€, vencendo-se a primeira 10/04/1999 e as restantes aos dias 10 dos meses subsequentes [facto 5)].
Ora, de acordo com o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 6/2022 (publicado no Diário da República n.º 184/2022, Série I de 2022-09-22, páginas 5 a 15), foi uniformizado o entendimento de que: «I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.»
Por sua vez, também a obrigação de pagamento de juros está sujeita a prescrição que, no caso, é o de 05 anos [art.º 310.º, al. d) do CC], sendo, por isso, aplicável a ambas as obrigações (de capital e juros) o prazo de 05 anos [art.º 310.º. al. d) e e) do CC].
Isto posto, sabe-se que, em função do incumprimento do empréstimo, o contrato foi resolvido a 18/06/2003 [facto 8)] e, subsequentemente, preenchida a livrança referida em 4), a qual foi mobilizada, por via dessa titulação, como forma de obter o pagamento das prestações referentes ao mútuo n.º ...80, mediante a propositura da execução n.º 24637/03.... [facto 10)].
Deste modo, se é verdade que com a citação dos executados para os termos da execução n.º 24637/03.... [facto 11)] ocorreu a interrupção dos mencionados prazos de prescrição [art.º 323.º, n.º 1 do CC], certo é que a contagem dos mesmos reiniciou-se no dia seguinte ao trânsito em julgado da decisão que pôs termo à execução [art.º 326.º, n.º 1 e 327.º, n.º 1 do CC].
Deste modo, reiniciando-se os prazos de prescrição atinentes com a relação material subjacente [art.º 310.º al. d) e e) do CC] a 23/03/2017, os mesmos completar-se-iam a 23/03/2022, aos quais, porém, se terá de adicionar o período de 162 dias referente à supra citada legislação aprovada na sequência da pandemia provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, fazendo com que o termo daqueles prazos de prescrição se projete para o dia 01/08/2022. Deste modo, tendo a execução apensa apenas sido intentada a 17/07/2023[facto 3)], bem se vê que, nesta última data, já os prazos de prescrição de 05 anos relativos à obrigação de pagamento do capital mutuado e juros [art.º 310.º, als. d) e e) do CC] estavam totalmente decorridos, altura em que se extinguiu a obrigação por via da prescrição.”.
É, assim, manifesto que quando foi instaurada a execução e à qual se opôs o executado por meio de embargos de executado há muito se achava prescrito o crédito exequendo.
Argumenta a recorrente que “Enferma [para tal] de inconstitucionalidade a norma presente no artigo 310º, alínea a e) do CPC, por violação dos princípios constitucionais, da proporcionalidade, segurança jurídica e proteção jurídica, assim como de igualdade de armas num Estado de Direito”.
Debruçando-se sobre a apreciação de invocada inconstitucionalidade do normativo em causa, escreveu-se no recente acórdão desta Relação de 10.07.2024[33], em cujos fundamentos nos revemos: “...tendo em conta a – de muito longa data – reiterada e uniforme jurisprudência do Tribunal Constitucional, afigura-se-nos inconsequente a comum afirmação de inconstitucionalidade de uma norma (e, por vezes, até de um entendimento legal constante de uma decisão judicial…) por, alegadamente, uma norma contender com uma norma ou com um princípio constitucional, mas sem que seja expendida a mínima concretização do fundamento da invocada desconformidade da norma ao quadro jusconstitucional (pois não basta a afirmação, é necessária a construção jurídica, a argumentação, sendo por isso manifestamente insuficiente a alegação que viola a “proporcionalidade, segurança jurídica e proteção jurídica, assim como de igualdade de armas num Estado de Direito. Em suma, o despacho proferido violou, entre outras, as seguintes estatuições legais: - Da Constituição da República Portuguesa - Arts 12.º n.º 2 18.º n.os 1, 2 e 3, 20.º”). Neste sentido, e por todos, a título de exemplo, citamos o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 494/2023, de 07/07/2023, “[a] este propósito, pode ler-se, no Acórdão n.º [633/08], o seguinte: [«sendo] o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas, que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação direta de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correção do juízo subsuntivo). Deste modo, é sempre forçoso que, no âmbito dos recursos interpostos para o Tribunal Constitucional, se questione a (in)constitucionalidade de normas, não sendo, assim, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao ato judicial de «aplicação» a violação (direta) dos parâmetros jurídico-constitucionais. Ou seja, não cabe a este Tribunal apurar e sindicar a bondade e o mérito do julgamento efetuado in concreto pelo tribunal a quo. A intervenção do Tribunal Constitucional não incide sobre a correção jurídica do concreto julgamento, mas apenas sobre a conformidade constitucional das normas aplicadas pela decisão [recorrida]». É, pois, transparente que não está colocada no recurso a sindicância da compaginação das normas legais perante as normas constitucionais, mas, apenas e somente, impulso impugnatório que aborda o Tribunal Constitucional como se de uma instância de controlo e de revisão das decisões jurisdicionais adotadas se tratasse. Temos por isso que o recurso interposto é inidóneo face à ausência de carácter normativo do seu objeto”. E, como dissemos, assim é no nosso caso, pois que, como afirmámos, a recorrente quedou-se por uma afirmação sem sequer a fundamentar, o que desde logo impossibilita este Tribunal de efetuar qualquer juízo valorativo, na medida em não lhe compete “adivinhar” hipotética fundamentação e, muito menos, violar o princípio da separação de poderes. Ainda a propósito, afirmamos que, quando muito, um tribunal comum pode recusar a aplicação de uma norma por a considerar não constitucional (desconforme ao padrão jusconstitucional), do que cabe recurso obrigatório para o Ministério Público para o Tribunal Constitucional – mas apenas a Este Tribunal compete declarar a inconstitucionalidade de uma norma…”.
Cabe, em todo o caso, asseverar que nenhum dos valores invocados pela recorrente se mostram minimamente beliscados pela norma em causa, a qual, de resto, visa promover a segurança e a estabilidade das relações jurídicas, não deixando a solução jurídica nela consagrada desprotegidos os seus destinatários, especialmente os titulares de direitos de crédito, aos quais é assegurado um mais que razoável prazo de cinco anos para o exercício dos correspondentes direitos.
Improcedem, consequentemente, todos os argumentos recursivos, pelo que deve ser mantida a decisão impugnada, sobre a qual não recai qualquer reparo.
Logo, não assistindo razão à recorrente exequente/embargada, ficando prejudicada face à solução acolhida quanto à questão da prescrição a apreciação da existência de título executivo, improcede totalmente o recurso, com custas a pagar pela mesma (art. 527º do CPC).
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6 – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente e consequentemente manter a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 10-10-2024
(José Cravo)
(Carla Maria da Silva Sousa Oliveira)
(Eva Almeida)
[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, V.N.Famalicão - Juízo Execução - Juiz .... [2] Proferido no Proc. nº 199/10.STBGRD-F.C1.S1 e acessível in www.dgsi.pt. [3] Proferido no Proc. nº 1230/23.2T8VLG-A.P1e acessível in www.dgsi.pt. [4] “A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma”, 5ª ed., pág. 29. [5] “A Acção Executiva - Depois da reforma da reforma”, Coimbra Editora, 5ª ed. Reimpressão, pág. 62. [6] Processo nº 172/08.6TBGRD-A.S1, www.dgsi.pt. [7] “Comentários ao Código de Processo Civil”, Vol. II, 2ª ed. 2004, Almedina, pág. 25. [8] Cfr. designadamente, Amâncio Ferreira, “Curso de Execução”, 7.ª edição, pág. 34 a 36; Acórdão do STJ, de 29.01.2002, CJ STJ/ Ano X, T. I. pág. 64 e Acórdão do STJ de 16.03.2004, www.dgsi.pt. [9] “A Acção Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7.ª ed., Gestlegal, págs. 76, 77. [10] Processo nº 1528/10.0TJVNF-A.P1, www.dgsi.pt. [11] www.dgsi.pt. [12] Que, em rigor, não constitui causa de extinção da obrigação, conferindo apenas ao devedor a faculdade de recusar o cumprimento ou de se opor ao exercício do direito prescrito. [13] M. de Andrade, Teoria Geral, II, 1966, pág. 452. [14] Processo n.º 486/23.5T8PRT-A.P1, www.dgsi.pt. [15] Rita Canas da Silva, Nota sobre a subsecção em geral em Anotação à “Subsecção I,- Disposições gerais” da “Secção II - Prescrição, in Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord), volume 1, Almedina, pág 382. [16] Júlio Gomes, anotação ao artigo 310º, Idem, pág. 755 e seg. [17] Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 124 e seg. [18] Pires de Lima e Antunes Varela, Idem, pág 280. [19] Ana Filipa Morais Antunes, Idem, pág. 124. [20] Ibidem, pág 128. [21] Ibidem, pág 127. [22] Ibidem, pág 128. [23] Ac. STJ de 29/9/2016, proc. 201/13.1TBMIR-A.C1.S1 (Relator: Sr. Juiz Conselheiro Lopes do Rego), in dgsi.pt. [24] E neste sentido vem sendo a orientação jurisprudencial, que julgamos dominante em todos os Tribunais Superiores: a mencionada na decisão recorrida e pela apelada e, ainda, relativamente à do STJ, cfr Ac. de 6/6/19, proc. 902/14.7T8GMR-A.G1.S1, Relator Sr. Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes), onde se considerou “A previsão da al. e) do art. 310.º do CC exige que o vencimento das prestações remuneratórias coincida temporalmente com o vencimento das prestações de amortização do capital – em suma, exige a natureza unitária das prestações –, impondo ao credor um dever de diligência na cobrança dos seus créditos e tutelando, paralelamente, o interesse do devedor em não ser confrontado, a destempo, com a acumulação de dívidas menores mas com vencimentos sucessivos e periódicos”; e das Relações: cfr. Acs. RP de 19/2/2024, proc. 14488/22.5T8PRT-A.P1(Relator: Senhor Desembargador Manuel Fernandes, em que a ora relatora foi Adjunta, onde se considerou “ Em caso de vencimento antecipado de quotas de amortização, o prazo de prescrição de cinco anos do art. 310.º, alínea e), do Código Civil conta-se desde a data do vencimento antecipado e em relação a todas as prestações/a todas as quotas antecipadamente vencidas, tal como se decidiu no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 30 de Junho de 2022, proc. n.º 1736719.8T8AGD-B.P1.S1” e de 9/12/2020, Proc. 17977/19.5T8PRT.P1 (Relatora: Senhora Desembargadora Fátima Andrade, em que a ora relatora foi Adjunta, onde se decidiu “I- Prescrevem no prazo de cinco anos, as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros, relativas a contrato de mútuo. II- A antecipação do vencimento de todas as prestações do contrato de mútuo por incumprimento nos termos do artigo 781º do CC não altera a natureza do crédito e assim o regime prescricional aplicável ao mesmo mantém-se”; Acs. RE de 7/11/2019, proc. 1599/18.0T8SLV-A.E1, Relator: Senhor Desembargador Manuel Bargado), onde se refere “I. Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do artigo 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos. II - A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição” e de 14/3/2019, proc. 1806/13.6TBPTM-A.E1(Relatora: Senhora Desembargadora Ana Margarida Leite), onde se decide “Prescrevem no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º, al. e), do Código Civil, as prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, em que se fracionou a obrigação de restituição do capital mutuado, acrescido de juros”; Ac. RL de 15/2/2018, proc. 828/16.0T8SXL.L1-6 (Relatora: Senhora Desembargadora Ana Paula Carvalho), onde se refere “Apesar da obrigação incumprida incidir sobre quotas vencidas e vincendas – de amortização do capital pagáveis com juros – nos termos do artigo 781º do C. Civil, tal não obsta à aplicação do prazo de prescrição de cinco anos a que se alude nas alíneas e) e/ou g) do artigo 310º do C.C., pois a prescrição respeita a cada uma das prestações e não ao todo em dívida”; todos acessíveis in dgsi.pt. [25] Citando-se o aí escrito, e seguido no Ac. de 29/9/2016,“Na verdade, se é certo que a disciplina legal estatuída na alínea e) do art.º 310.º do C.Civil se não estenderá aos casos em que se verifica “uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo”, o certo é que a realidade circunstancial que envolve o relacionamento contratual estabelecido entre o exequente e os executados se não propaga nesta realidade jurídico-substancial.
Convenhamos que das considerações, difundidas por Ana Filipa Morais Antunes, insertas nos “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia; volume III; página 47” se retira lição diferente daquela que o recorrente pretende divulgar.
Como nelas se contêm “…na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida
Prosseguindo nesta análise, completa este estudo que constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra”.
A obrigação assumida pelos signatários do contrato, confirmamos nós, compartimentada num mútuo e respetivos juros, converteu-se numa prestação mensal de fraccionada quantia global que, desta forma, iria sendo amortizada na medida em que se processasse o seu cumprimento; e esta facticidade está abrangida pelo regime jurídico descrito no artigo 310.º, alínea e), do C. Civil”. [26] Referido Ac. STJ de 29/9/2016 [27] Ac. RL de 15/12/1999, BMJ, 492, 483. [28] Aí se decidiu “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redação conforme ao artigo 781º do CC não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”. [29] Cfr Ac. da RP de 12/10/2020, proc. 2742/16.0T8VFR.P1, Relator: Sr. Desembargador Jorge Seabra, onde se decidiu “I. A doutrina do Acórdão Uniformizador n.º 7/09 mantém-se válida e em vigor após a entrada em vigor do DL n.º 133/2009, de 2.06.
II. A possibilidade ressalvada no aludido Acórdão de as partes convencionarem regime distinto do previsto no artigo 781º, do Código Civil, não significa que as partes possam, em contrato de crédito ao consumo, convencionar a inclusão de juros remuneratórios no valor das prestações vencidas após a interpelação do mutuário para efeitos de antecipação de todas as rendas que se venceriam até ao final do contrato e se este perdurasse até essa data.
III. Os juros remuneratórios, exprimindo o rendimento financeiro do capital mutuado pelo período de tempo em que o credor dele está desapossado, não podem ser incluídos nas prestações do capital cujo vencimento é antecipado e reclamado pelo credor/mutuante, mas apenas nas prestações vencidas antes dessa antecipação”. [30] Proc.º 971/19.3T8SRE-A.C1.S1, www.dgsi.pt. [31] Cfr., designadamente, acórdãos desta Relação do Porto de 9.01.2023, proc.º 2570/21.0T8OAZ-A.P1, de 27.06.2023, proc.º 10389/21.2T8PRT-A.P1, de 25.01.2024, proc.º 22788/22.8T8PRT-A.P1, de 7.03.2024, proc.º 21323/21.0T8PRT-B.P1, de 19.04.2024, proc.º 14488/22.5T8PRT-A.P1, de 10.07.2024, proc.º 5793/23.4T8PRT-A.P1; da Relação de Lisboa de 6.02.2024, proc.º 4871/22.1T8SNT-A.L1-7, de 11.07.2024, proc.º 4871/22.1T8SNT-A.L1-7; da Relação de Coimbra de 28.02.2023, proc.º 812/16.3T8PBL-B.C1, de 12.04.2023, proc.º 2065/21.2T8SRE-A.C1, de 23.04.2024, proc.º 1334/22.9T8ANS-A.C1; da Relação de Guimarães, de 20.10.2022, proc.º 5233/21.3T8VNF-A.G1, de 30.03.2023, proc.º 1074/21.6T8CHV-A.G1, de 8.03.2028, proc.º 1168/16.0T8GMR-A.G1; do STJ, de 16.01.2021, proc.º 20767/16.3T8PRT-A.S2, de 30.11.2022, proc.º 448/21.7T8MAI-A.P1.S1, de 29.05.2024, proc.º 592/22.3T8PRT-A.P2.S1, de 18.06.2024, proc.º 475/22.7T8FNC-A.L1.S1, todos em www.dgsi.pt. [32] DR, 1.ª S. de 22.9.2022. [33] Processo n.º 5793/23.4T8PRT-A.P1, www.dgsi.pt