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ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO DA INCAPACIDADE
INÍCIO DO PRAZO
BOLETIM DE ALTA
APENSO PARA FIXAÇÃO DE INCAPACIDADE
Sumário
1 - Sendo aplicável ao acidente de trabalho em apreço o nº 2 do art. 25º da lei nº 100/97, de 13 de Setembro, e não tendo sido fixada pensão nos autos principais, dever-se-á entender que o prazo de 10 anos para revisão (previsto no citado preceito legal) corre a partir da data da alta. 2- Não tendo, contudo, a alta sido comunicada formalmente ao sinistrado mediante a entrega de boletim de alta, dever-se-á considerar que o indicado prazo apenas tem o seu início após a decisão que, no apenso para fixação de incapacidade, considerou o sinistrado curado. (Sumário elaborado pela Relatora)
Texto Integral
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa :
I-Relatório
AA veio deduzir incidente de revisão da incapacidade contra “...”, alegando que nos autos principais foi considerado curado sem desvalorização, mas ocorreu, posteriormente, uma agravamento da sua situação clínica.
A entidade seguradora veio alegar que o requerimento inicial de revisão é tardio e extemporâneo.
Pela Exmª Juiz a quo foi proferido a seguinte decisão : « O acidente dos autos ocorreu em 2008, ou seja, numa altura em que vigorava a Lei 100/97, de 13 de setembro. Em 2008 o sinistrado teve alta médica e em 2023 veio requerer a revisão. Vem a seguradora agora peticionar que seja declarada a caducidade do direito de pedir a revisão pois ao abrigo da lei então vigente, supra mencionada, decorreram mais de 10 anos entre tal pedido e o acidente, o que nos do art. 25 bº 2 da lei mencionada é impeditivo de tal pretensão poder proceder. Veio o sinistrado pugnar pela inaplicabilidade de tal preceito com os fundamentos que constam de fls. não numeradas dos autos. Cumpre decidir. Antes de mais importa ter presente que a actual legislação não comporta qualquer limite temporal de 10 anos para peticionar uma revisão, como sucedia na lei antiga mencionada. Mas nenhuma dúvida existe, entre as partes, e quanto a nós, ser essa a lei aplicável. Uma nota prévia para salientar que a jurisprudência neste tocante é profícua, e entendimentos existem que com a entrada em vigor da lei 98/2009, de 4 de Setembro, fazem aplicar a ausência de restrição aos acidentes anteriores, fundando com “Não é de manter uma interpretação restritiva da referida norma que impeça a reavaliação da incapacidade para as situações anteriores à data da entrada em vigor da Lei n.º 98/2009”, cfr. acórdão do tribunal da Relação de Lisboa, de 2/2/2011, in www.dgsi.pt. Mas não conseguimos acompanhar este entendimento, e cremos que o elemento literal é essencial, e é o primeiro instrumento de interpretação e aplicação da lei. Ora, este era claro e consagrava, sem qualquer interpretação restritiva (que pressupõe uma leitura do preceito com uma interpretação, e não uma leitura literal do mesmo), um limite claro e objectivo de 10 anos para ser pedida a revisão após a ocorrência do acidente. A questão tem sido muito colocada a nível de constitucionalidade, e diversos acórdãos do tribunal constitucional podem ser encontrados a este respeito. Merece uma nota especial o acórdão do tribunal constitucional nº 433/2016, publicado no DR 89/2016, IIS, em 30/9/2016, o qual faz “depender” a inconstitucionalidade do limite dos 10 anos no caso de existir um acompanhamento médico que o sinistrado vinha merecendo por parte da seguradora. “Julga inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, a norma contida nos n.os 1 e 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, quando interpretada no sentido de estabelecer um prazo preclusivo de dez anos, contados da fixação original da pensão, para a revisão da pensão devida a sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento superveniente de lesões sofridas, nos casos em que, desde a fixação da pensão e o termo desse prazo de dez anos, apesar de mantida a incapacidade, a entidade responsável fique judicialmente obrigada a prestar tratamentos médicos ao sinistrado”. Mas note-se que neste sinistro o sinistrado nunca mereceu acompanhamento médico por parte da seguradora. Donde, até 2023 decorreram quinze anos, muito mais que o limite temporal dos dez anos. O acórdão do STJ 29/10/2014, in www.dgsi.pt não considerou inconstitucional a norma, por não violar o princípio da igualdade, e remete para o acórdão do Tribunal constitucional mencionado pelo digno magistrado do MP, conclui com algo que nos parece elementar a nível de segurança jurídica: “A aplicação ao caso dos Autos do regime introduzido pela NLAT – que, não prevendo qualquer limitação temporal para dedução do pedido de revisão, apenas se dirige aos acidentes ocorridos a partir de 1.1 2010 – ofenderia gravemente a certeza e segurança do direito, sendo inaceitável que a parte responsável/seguradora se pudesse ver confrontada com o ressurgimento de um direito que estava já juridicamente extinto à luz da Lei aplicável”. E quanto ao acórdão do Tribunal Constitucional nº 147/2006?! Aquele acórdão julgou inconstitucional a norma mas quando interpretada numa situação que não é a dos autos, ou seja, será inconstitucional o prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado. Igual decisão foi proferida pelo acórdão do tribunal constitucional nº 271/2010, publicada no DR nº 203/2010, IIS, de 19 de outubro de 2010, ao Não julgar inconstitucional a norma do artigo 24.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, interpretada no sentido de que se considera caducado o direito de pedir o reconhecimento de recidiva ocorrida mais de 10 anos contados da data da alta, quando o sinistrado tenha sido considerado curado das lesões sofridas sem que das mesmas tenha resultado qualquer incapacidade funcional e não tenha ocorrido actualização intercalar do grau de incapacidade dentro do mesmo prazo, nem qualquer circunstância que afaste de modo irrecusável a presunção de estabilização da situação clínica. E como tem sido sublinhado pelo Tribunal Constitucional “Só as normas restritivas dos direitos fundamentais (normas que encurtam o seu conteúdo e alcance) e não meramente condicionadoras (as que se limitam a definir pressupostos ou condições do seu exercício) têm que responder ao conjunto de exigências e cautelas consignado no artigo 18.º, n.os 2 e 3, da lei Fundamental”. Para que um condicionamento ao exercício de um direito possa redundar efectivamente numa restrição torna-se necessário que ele possa dificultar gravemente o exercício concreto do direito em causa (acórdão n.os 413/89, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 15 de Setembro de 1989, cuja doutrina foi reafirmada, designadamente, no acórdão n.º 247/02). Ora, no caso concreto, a lei fixa um prazo suficientemente dilatado, que, segundo a normalidade das coisas, permitirá considerar como consolidado o juízo sobre o grau de desvalorização funcional do sinistrado, e que, além do mais, se mostra justificado por razões de segurança jurídica, tendo em conta que estamos na presença de um processo especial de efectivação de responsabilidade civil dotado de especiais exigências na protecção dos trabalhadores sinistrados. E, nesse condicionalismo, é de entender que essa exigência se não mostra excessiva ou intolerável em termos de poder considerar-se que afronta o princípio da proporcionalidade”. Ora, desde 2008 que nada existe nos autos que permita concluir pelo agravamento das lesões, pelo que pedir uma revisão volvidos mais de dez anos é colocar em causa a estabilidade e segurança jurídica pois a seguradora sabia, ao abrigo da lei vigente aquando do acidente, que este direito caducaria findo esse prazo, nada existindo que permitisse tornar expectável tal pretensão. De igual modo, os acórdãos do tribunal constitucional mencionados pelo digno magistrado do MP, acórdão 548/2009, de 27 de outubro de 2019, cremos não poder ser aplicável à presente situação, pois nesse acórdão decidiu-se, tal como nos acórdãos supra mencionados, que a inconstitucionalidade residia apenas no facto de terem sido pedidas mais revisões no período de tempo de dez anos, e excedidos os dez anos não se poder pedir mais revisões. O que não foi o caso onde nenhuma revisão ocorreu desde há mais de quinze anos. Um silêncio sobre a situação clínica do sinistrado superior a dez anos sem que existisse qualquer acompanhamento médico, qualquer pedido de revisão, qualquer indício de não estabilização não pode conduzir a que volvidos mais de dez anos seja requerida a revisão quando a lei então em vigor assim previa tal como limite temporal máximo. Sendo pois distintas as situações cremos assistir razão à seguradora, e declaramos a caducidade do sinistrado poder pedir a revisão por se considerar que não o tendo feito nunca num prazo superior a dez anos desde a alta médica, não pode volvidos dez anos de estabilidade da situação clínica vir fazê-lo. E por tal motivo indefiro o pedido de revisão por ter caducado o direito a fazê-lo. Notifique.»
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O sinistrado recorreu desta decisão e formulou as seguintes conclusões:
I - Vem o presente recurso interposto da decisão do Tribunal a quo, que decidiu: “Sendo pois distintas as situações cremos assistir razão à seguradora, e declaramos a caducidade do sinistrado poder pedir a revisão por se considerar que não o tendo feito nunca num prazo superior a dez anos desde a alta médica, não pode volvidos dez anos de estabilidade da situação clínica vir fazê-lo. E por tal motivo indefiro o pedido de revisão por ter caducado o direito a fazê-lo. Notifique”.
II – O Tribunal a quo, partiu, assim, da (errada) premissa de que o prazo preclusivo de 10 anos para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente laboral, a que alude o n.º 2 do art. 25.º da Lei 100/97, de 13.09 (LAT), se conta a partir da data da alta médica.
III - Sucede, porém, que o que prescreve o n.º 2 do art. 25º da Lei 100/97, de 13.09 (LAT) é que “ A revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.”
IV – E, a “data da fixação da pensão” corresponde à data do trânsito em julgado da respetiva decisão judicial (sentença ou despacho de homologação do acordo).
V – Como resulta dos autos principais, bem como dos documentos juntos pelo sinistrado com o seu RI, o auto de não conciliação data de 07.03.2013 e a sentença que conheceu do mérito data de 23.09.2015, logo, transitada em julgado no dia 8.10.2015.
VI – Pelo que, o prazo preclusivo de 10 anos, conta-se a partir do dia 8.10.2015.
VII – Ora, tendo o sinistrado intentado a presente acção no dia 21.10.2023, fê-lo dentro do prazo de 10 anos, a que alude o n.º 2 do predito art. 25º da LAT.
Sem prescindir:
VIII – O acidente em causa nos presentes autos ocorreu em 2008, sendo que à data vigorava o regime da Lei 100/97, de 13.09 (LAT), que prescrevia no n.º 2 do art. 25º que a revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
IX - No dia 1.01.2010, entrou em vigor a Lei 98/2009, de 4.09 (NLAT), a qual não estabelece qualquer limite temporal para requerer a revisão.
X - Assim, o legislador entendeu que a regra passaria a ser de que a revisão poderia ser requerida a todo o tempo.
XI – Sucede, porém, que prescreve o n.º 1 do art. 187.º da Lei 98/2009 (NLAT) que “O disposto no capítulo ii aplica-se a acidentes de trabalho ocorridos após a entrada em vigor da presente lei.”
XII - Contudo, parece-nos que o legislador disse menos do que o que pretendia, é que, o Capitulo II da NLAT é extenso, sendo composto do art. 3.º até ao art. 92.º, dedicando apenas um artigo à recidiva (art. 24.º) e um único artigo (art. 70º) dedicado à revisão das prestações.
XIII - É indiscutível que toda a norma jurídica carece de interpretação mesmo nos casos em que parece evidente um "claro teor literal" (JESCHECK); e a interpretação há-de levar-se a efeito seguindo uma metodologia hermenêutica que, levando em conta todos os elementos de interpretação - gramatical, histórico, sistemático e teleológico (este a impor que o sentido da norma se determine pela ratio legis) -, permita determinar o adequado sentido normativo da fonte correspondente ao "sentido possível" do texto (letra) da lei."
XIV - Sendo assim, entendemos que o legislador somente por lapso, “deixou de fora” as situações dos sinistrados que vissem as suas lesões agravadas em momento posterior a 10 anos da data da fixação da pensão, pois, com tal diploma (NLAT) o legislador “eliminou” qualquer limite temporal para requerer a revisão.
XV - Ora, se o fez, foi porque entendeu que a anterior limitação temporal (art. 25º da LAT) não se ajustava ou não dava satisfação suficiente aos direitos dos cidadãos e necessidades da sociedade, outrossim, tal alteração do limite temporal até então vigente, ter-se-á fundado no entendimento de que não é de presumir a consolidação do juízo sobre o grau de desvalorização funcional do sinistrado se, decorridos dez anos sobre a data da fixação da pensão não se tiver registado qualquer evolução justificadora de um pedido de revisão.
XVI - Mas, mesmo que assim não se entenda, isto é, se se entender que a NLAT estabeleceu que tal regra só teria aplicabilidade aos acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor, isto é, 1.1.2010 (cfr. art. 187º e 188.º da Lei 98/2009), sem qualquer fundamento para tanto, então violou o principio constitucional da igualdade (art. 13.º n.º 1 da CRP) e o do direito dos trabalhadores à assistência e justa reparação (59º, n.º 1, alínea f), da CRP) direito à pensão por acidente de trabalho.
XVII - Ou seja, se optarmos por uma interpretação meramente literal do art. 187.º da NLAT, então o legislador diferenciou, sem qualquer motivo ou fundamento sério e razoável, os sinistrados em função da data de ocorrência do acidente de trabalho – pois, a entender-se assim (o que não se concede) para os pedidos de revisão por acidente de trabalho ocorrido antes da entrada em vigor da NLAT, continua a existir prazo preclusivo de 10 anos; e no que concerne aos pedidos de revisão por acidente de trabalho ocorridos após a entrada em vigor da NLAT (1.1.2010) não existe qualquer limite temporal para o efeito.
XVIII - Pelo que, a entender-se assim, então o legislador criou, sem qualquer fundamento, um tratamento desigual para situações iguais, o que encerra num juízo de inconstitucionalidade da norma do art. 187.º, n.º 1 da NLAT, por violação do princípio da igualdade e do direito à pensão por acidente de trabalho.
XIX - Não obstante, certo é que, como supra se disse, entre a data em que transitou a decisão judicial (8.10.2015) que conheceu do mérito dos autos principais (proferida a 23.9.2015) e a data da entrada do requerimento inicial, não decorreram 10 anos.
XX - E, apesar do requerente não ter peticionado uma revisão anterior e não ter solicitado tratamentos médicos pela seguradora, a verdade é que, padece de diversas sequelas de ortopedia com consequências, conforme relatório médico subscrito por perito da especialidade, de 19.10.2023, data em que, tomou o requerente conhecimento da existência de um nexo causal entre o acidente e as sequelas que actualmente apresenta.
XXI - O Tribunal a quo decidindo como decidiu, violou e interpretou erradamente, pelo menos, as disposições contidas nos artigos art. 13.º n.º 1 e 59º, n.º 1, alínea f), ambos da Constituição da República Portuguesa, no art. 25º, n.º 2 da Lei 100/97, de 13.09 (LAT) e no artigo 187.º, n.º 1 da Lei 98/2009, de 4.09 (NLAT).
Terminou, pugnando pela revogação de decisão recorrida.
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A recorrida contra-alegou e formulou as seguintes conclusões :
-Está correta a conclusão do Tribunal a quo relativa à existência de caducidade do direito de pedido de revisão da incapacidade, uma vez que no caso concreto, não existe qualquer dúvida quanto à aplicação do prazo de 10 anos para o efeito e inclusive já decorreram mais de 15 anos desde a alta curada sem valorização do sinistrado até ao primeiro pedido de revisão;
- Não carece, pois, de reparo a sentença do Tribunal a quo, pelo que deverá ser negado provimento ao recurso apresentado.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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II- Importa solucionar no âmbito do presente recurso se procede a excepção peremptória de caducidade.
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III- Apreciação
Resulta dos autos principais:
-Em 15.06.2012 o sinistrado apresentou participação do acidente;
-Em 21.09.2012 foi realizada perícia pelo INML e o senhor perito considerou que o sinistrado não padecia de IPP e foi indicada o dia 30.01.2008 como data da consolidação médico-legal das lesões;
- A tentativa de conciliação foi realizada no dia 07.03.2013;
- A acção emergente de acidente de trabalho foi instaurada pelo sinistrado em 12.03.2013;
- Foram realizados exames por Junta Médica em 11.12.2014 e em 28.05.2015 nos autos apensos para fixação de incapacidade;
- No referidos autos apensos foi proferida decisão em 23.09.2015 onde se concluiu que desde a data da alta (30.01.2008) o sinistrado ficou curado sem incapacidade ou desvalorização.
Na sentença proferida nos autos principais ( em 23.02.2016) foram considerados assentes os seguintes factos :
« 1) Em 27 de Julho de 2007, o Autor AA e o XX, SAD celebraram um contrato de trabalho desportivo, válido para as épocas desportivas 2007/2008 a 2009/2010, nos termos que constam do escrito particular de fls. 7 a 12 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido [Alínea A) dos Factos Assentes],
2) Tendo ficado estabelecido que o Autor receberia, na época 2007/2008 (compreendida entre o dia 01.07.2007 e 30.06.2008), a remuneração anual global bruta de € 448.020,00, pagos em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas de € 37.335,00, incluindo subsídios de férias e de Natal [Alínea B) dos Factos Assentes].
3) No dia 31.08.2007, quando o Autor trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da XX, SAD, num treino de futebol, sofreu um acidente consistente numa entorse no joelho esquerdo [Alínea C) dos Factos Assentes],
4) Da qual lhe resultou uma rotura dos ligamentos cruzados do joelho esquerdo [Alínea D) dos Factos Assentes].
5) Em consequência directa e necessária do referido em 3) e 4), o Autor foi operado em 07/09/2007 no Hospital YY, tendo sido efectuada uma cirurgia ao joelho esquerdo com vista à reconstrução ligamentar do mesmo, designadamente uma Ligamentoplastia e meniscectomia parcial interna e externa [Alínea E) dos Factos Assentes],
6) E, após a operação cirúrgica, o Autor cumpriu um programa de recuperação com tratamentos de fisioterapia e posteriormente foi sendo integrado progressivamente no treino desportivo [Alínea F) dos Factos Assentes].
7) Na data referida em 3), a XX, SAD tinha a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a Ré COMPANHIA DE SEGUROS TRANQUILIDADE, SA, através de contrato de seguro com a Apólice nº001469714, relativamente ao Autor e pela remuneração anual global bruta de € 448.020,00 [Alínea G) dos Factos Assentes].
8) A Ré não entregou ao Autor nenhum boletim de alta relativamente ao acidente referido em 3) a 6) [Alínea H) dos Factos Assentes].
9) No âmbito dos presentes autos, o Autor foi notificado para comparecer no IML de Lisboa no dia 13-07-2012, às 9h30 a fim de se proceder a exame médico, e ao qual compareceu [Alínea I) dos Factos Assentes].
10) O departamento clínico da XX, SAD entregou ao Autor o escrito particular denominado «RELATÓRIO MÉDICO», cuja cópia consta de fls. 13 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual está consignado: «…. pelo que tem alta para retomar a sua actividade profissional integrando a competição de uma maneira progressiva» [Alínea J) dos Factos Assentes].
11) Na data de 15/06/2012, o Autor apresentou no Tribunal de Trabalho de Lisboa a participação por acidente de trabalho [Alínea K) dos Factos Assentes].
12) O Autor retomou a sua actividade profissional a partir de 30/01/2008 [Resposta ao Facto nº1 da Base Instrutória].
13) Em consequência do referido em 3) e 4) e apesar da operação e programa referidos em 5) e 6), por vezes, o Autor sente dores a nível do joelho esquerdo, agravadas com o esforço, com incidência no fim dos treinos ou jogos, que se vê obrigado a contrariar com medidas terapêuticas anti inflamatórias, designadamente através da aplicação de gelo [Resposta ao Facto nº2 da Base Instrutória],
14) E igualmente, por vezes, sente dificuldades durante a prática desportiva, nomeadamente em movimentos que exigem grande carga sobre o joelho, como por exemplo movimentos bruscos de rotação e movimentos de elevação [Resposta ao Facto nº3 da Base Instrutória].
15) O Autor tem a sua residência no ... [Resposta ao Facto nº6 da Base Instrutória],
16) Pelo que para comparecer ao exame referido em 9), o Autor teve de despender a quantia de € 1.766,51 em bilhetes de avião [Resposta ao Facto nº7 da Base Instrutória],
17) Bem como a quantia de € 19,20 em deslocações para o IML de Lisboa [Resposta ao Facto nº8 da Base Instrutória].
18) O médico subscritor do escrito particular referido em 10), na data de 30/01/2008, comunicou verbalmente ao Autor que o Departamento Clínico da XX, SAD, que o acompanhou e tratou directamente, lhe dava alta para retomar a sua actividade profissional [Respostas aos Factos nºs. 5 e 10 da Base Instrutória].
19) De imediato, o Autor apresentou-se ao serviço da XX, SAD, retomando normalmente os treinos sem qualquer tipo de limitação [Resposta ao Facto nº11 da Base Instrutória].
E decidiu da seguinte forma: « Decisão Face ao exposto, julga-se parcialmente procedente a presente acção intentada pelo Autor/Sinistrado AA contra a Ré/Entidade Responsável COMPANHIA DE SEGUROS TRANQUILIDADE, SA (Seguradora) e, consequentemente, decide-se: 1) condenar a Ré Seguradora a pagar ao Autor/Sinistrado a quantia total de € 1.781,71(mil setecentos e oitenta e um euros e setenta e um cêntimos), a título de despesas de deslocação/transportes, acrescida de juros demora, à taxa legal de 4% ou a outra que vier a ser legalmente fixada, desde a data do respectivo vencimento (13/07/2012) até integral e efectivo pagamento; 2) E absolver a Ré Seguradora do demais contra si peticionado pelo Autor/Sinistrado. Nos termos do art. 120º/2 do C.P.Trabalho, uma vez que não houve fixação de qualquer pensão ou indemnização, fixa-se o valor da causa € 6.785,72 (seis mil setecentos e oitenta e cinco euros e setenta e dois cêntimos) Custas pelo Autor/Sinistrado e pela Ré Seguradora, na proporção de 7/10 e 3/10respectivamente.»
A referida sentença foi confirmada por Decisão desta Relação de 16.06.2016.
O presente incidente de revisão foi instaurado em 21.10.2023.
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Atenta a data do presente acidente, não serão aplicáveis ao caso concreto a lei nº 48/2023, de 22/08 e a lei nº 27/2011, de 16/06.
A lei nº 8/2003, de 12/05 ( referente à reparação de acidentes de trabalho de praticantes desportivos profissionais) remetia, a título de direito subsidiário, para as normas do regime jurídico geral dos acidentes de trabalho, aprovado pela lei nº 100/97, de 13 de Setembro ( art. 6º).
O art. 25º, nº2 da lei 100/97 estabelecia que a revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
Sobre esta questão refere o Acórdão desta Relação de 12.09.2018 ( relatado pela Desembargadora Manuela Fialho e no qual a ora relatora interveio na qualidade de 2ª Adjunta- www.dgsi.pt ) : «A jurisprudência dos tribunais superiores, a do Constitucional incluída, parece ter acertado caminho no sentido de, por um lado, a aplicação a todas as situações do regime agora constante da Lei 98/2009 ofender gravemente a certeza e segurança jurídicas que devem presidir á aplicação do direito e, por outro, que a norma limitadora do prazo não é, à partida inconstitucional. Desde logo porque o princípio da igualdade, como parâmetro de apreciação da legitimidade constitucional do direito infraconstitucional, impõe que situações materialmente semelhantes sejam objeto de tratamento semelhante e que situações substancialmente diferentes tenham, por sua vez, tratamento diferenciado. Daí a necessidade, que se nos afigura emergir da jurisprudência constitucional, de ponderar as circunstâncias do caso concreto. É assim que no Ac. STJ 29/10/2014, Procº 167/1999.3 se decidiu que não é inconstitucional, à luz do princípio da igualdade – não se revestindo, por isso, de flagrante desrazoabilidade –, o entendimento de que, decorridos 10 anos sobre a data da fixação da pensão, sem que se tenha registado qualquer evolução justificadora do pedido de revisão, se considera consolidada a situação clínica relativa às lesões do sinistrado, sendo, por isso, de considerar extinto o direito do sinistrado a suscitar o incidente de revisão da sua incapacidade por ter transcorrido o prazo de 10 anos entre a data da (última) fixação e o requerimento de exame de revisão. A aplicação ao caso dos Autos do regime introduzido pela NLAT – que, não prevendo qualquer limitação temporal para dedução do pedido de revisão, apenas se dirige aos acidentes ocorridos a partir de 1.1 2010 – ofenderia gravemente a certeza e segurança do direito, sendo inaceitável que a parte responsável/seguradora se pudesse ver confrontada com o ressurgimento de um direito que estava já juridicamente extinto à luz da Lei aplicável. No mesmo sentido o Ac. do STJ de 5/11/2013, Procº 858/1997.2 e Ac. RP de 2/06/2014, Procº 358A/2000. É certo que o Ac. TC nº 280/2011 (www.tribunalconstitucional.pt) julga inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, a norma do n.º 2 da Base XXII, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, mas nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de dez anos tenham ocorrido atualizações da pensão por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado. Entendimento também subjacente ao Ac. do TC nº 433/2016 que julga inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, a norma contida nos números 1 e 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, quando interpretada no sentido de estabelecer um prazo preclusivo de dez anos, contados da fixação original da pensão, para a revisão da pensão devida a sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento superveniente de lesões sofridas, nos casos em que, desde a fixação da pensão e o termo desse prazo de dez anos, apesar de mantida a incapacidade, a entidade responsável fique judicialmente obrigada a prestar tratamentos médicos ao sinistrado. Já o Ac. TC nº 411/2011 (idem) não julga inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, interpretada no sentido de permitir a revisão da prestação devida por acidente de trabalho apenas nos dez anos posteriores à data da fixação da pensão inicial, caso não tenha havido revisões anteriores procedentes. Jurisprudência que manteve no Ac. TC 621/2015 (idem) que não julga inconstitucional a norma do artigo 24.º da Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, na parte em que estatui que a revisão das pensões por incapacidade permanente só pode ser requerida dentro de cinco anos posteriores à data da fixação da pensão. Ou ainda o Ac TC nº 583/2014 (idem) onde se pondera que “…Inexistindo qualquer circunstância que afaste, de modo irrecusável, a presunção de estabilização da situação clínica do sinistrado, inexistem motivos para manter o julgado de inconstitucionalidade da norma do artigo 25.º, n.º 2, da LAT que, como vimos, tem como ratio a presunção de que findo o período de dez anos se pode ter por adquirida a estabilização das lesões do sinistrado.” No mesmo sentido, podemos ver o Ac. TC 694/2014 (idem) que alerta para o seguinte “… Não existe um fator racional e objetivo de distinção no que toca ao regime de revisão de pensões por acidentes de trabalho relativamente às doenças profissionais evolutivas se as sequelas do acidente se presumirem evolutivas por ocorrência de agravamentos no decurso de 10 anos posteriores à data da fixação da pensão. O caráter evolutivo ou não evolutivo do acidente ou da doença profissional é que dita a diferença de regimes. Como se decidiu nos Acórdãos nºs 147/06 e 280/11, só haverá violação do princípio da igualdade, por comparação com o regime das doenças profissionais, se não for permitido ao sinistrado por acidentes de trabalho requerer a revisão da pensão nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo do prazo de dez anos tiver ocorrido atualizações da pensão por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas, situação em que se presume o caráter evolutivo da lesão.»
No mesmo sentido aponta o Acórdão desta Relação de 16.12.2020 (relatado pela Desembargadora Manuela Fialho e no qual a ora relatora interveio na qualidade de 2ª Adjunta- www.dgsi.pt ).
Verificamos, contudo, que, no caso em apreço, não foi fixada pensão.
Conforme refere o Acórdão da Relação de Évora de 11.11.2021 ( relatado pelo Desembargador Mário Branco Coelho- www.dgsi.pt ) : «Nestas situações, deverá entender-se que a data da fixação da pensão corresponde à data da alta definitiva ou da cura clínica.» No mesmo sentido aponta o Acórdão da Relação do Porto, de 12.09.2011 ( relatado pela Desembargadora Fernanda Soares).
Carlos Alegre in “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2ª edição, pag. 128, também considera relevante a data da alta definitiva ou cura clínica.
Ambos os citados Acórdãos da Relação do Porto e da Relação de Évora defendem, todavia, a necessidade da alta ser comunicada formalmente ao sinistrado através da entrega de boletim de alta.
Tal necessidade decorre do disposto no art. 32º do Dec-Lei nº 143/99, de 30 /04 ( aplicável à situação em apreço).
Ora, conforme decorre do ponto 8 dos factos assentes na sentença proferida nos autos principais : A Ré não entregou ao Autor qualquer boletim de alta relativamente ao acidente.
No autos apensos para fixação de incapacidade foi proferida decisão em 23.09.2015 onde se concluiu que desde a data da alta (30.01.2008) o sinistrado ficou curado sem incapacidade ou desvalorização.
Pelas razões indicadas, entendemos que antes da data da referida decisão não teve em início o prazo para requerer a revisão de incapacidade.
Procede, desta forma, o recurso de apelação.
*
IV- Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação e, em consequência:
- Revogar a decisão recorrida;
- Julgar improcedente a excepção de caducidade e determinar que os autos sigam os ulteriores termos processuais.
Custas pela recorrida.
Registe e notifique.
Lisboa, 9 de Outubro de 2024
Francisca Mendes
Alda Martins
Celina Nóbrega