PROCEDIMENTO CAUTELAR
ARROLAMENTO
ACÇÃO DE DIVÓRCIO
OPOSIÇÃO
Sumário

SUMÁRIO (art. 663º, n.º7, do CPC):
I – No procedimento cautelar de arrolamento como incidente de acção especial de divórcio, o requerente, não obstante estar dispensado de alegar e demonstrar factualidade referente à existência de justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, encontra-se onerado com a alegação e demonstração de factos respeitantes à celebração do casamento e que legitimem um juízo de séria probabilidade de os bens a arrolar serem comuns (a requerente não pede o arrolamento de bens próprios sob administração do requerido).
II - Tendo o arrolamento sido decretado com dispensa da audição prévia do requerido, assiste a este a faculdade, em alternativa, de recorrer ou deduzir oposição.
III - No âmbito da oposição prevista no art. 372º, n.º1, al. b), do CPC, inclui-se a faculdade de alegação de factos novos, não conhecidos na decisão que decretou a providência a que se reage, designadamente, os idóneos a integrar excepções (como serão aqueles que são adequados a remover a natureza comum de bens arrolados), de produção dos meios de prova referentes a tais factos e de o Tribunal, ponderando tal fundamento, decidir sobre a manutenção, redução ou revogação da providência decretada, constituindo tal decisão complemento e parte integrante da inicialmente proferida.

Texto Integral

I.
A … intentou, contra B …, por apenso ao processo  especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge por este intentado contra si, ao abrigo do art. 409º, n.º1, do CPC, o presente procedimento cautelar, pedindo o arrolamento dos seguintes bens e direitos (veja-se o requerimento junto aos autos a 10-08-2023, onde se especificam os bens e direitos a arrolar):
1) Imóvel que constitui a casa de morada de família, sito no Campo Grande n.º … - …, 1700- … Lisboa, com o artigo matricial … e descrito na Conservatória do Registo com o n.º …, em relação ao qual alega que foi adquirido pela requerente e requerido na constância do matrimónio;
2) Prédio rústico sito em …, na União de Freguesias de Azeitão, concelho de Setúbal, com licença de construção, que alega ter sido adquirido pelo casal na constância do matrimónio;
3) Veículo automóvel de marca Porsche, modelo Panamera, com matrícula …-…-…, que alega ter sido adquirido pelo casal na constância do matrimónio;
4) Veículo automóvel de marca Mercedes-Benz, modelo 350 SL Coupé, com a matrícula …-…-…, que alega ter sido adquirido pelo casal na constância do matrimónio;
5) Recheio integral da casa de morada da família, desde todos os móveis, quadros, tapetes, livros, eletrodomésticos, serviços de jantar, utensílios e peças de decoração, que refere terem sido adquiridos pelo casal durante o matrimónio;
6) 520000 ações representativas do capital social, ou seja, 52% do capital social, da sociedade comercial C …, SA, NIPC …, com sede no Campo Grande, …, …, 1700-… Lisboa;
7) A conta de suprimentos constante no Balanço e contas da sociedade comercial C …, SA, que no exercício de 2021 tinha o saldo de 3.178.440,00€, conforme Balanço do exercício de 2021 da C …, SA, em relação à qual alega que  foi constituída a partir do ano 2006 com a cedência de ações compradas ao longo dos anos e na constância do matrimónio com o produto dos rendimentos provenientes do trabalho;
8) Todas as contas bancárias, produtos financeiros, activos, como depósitos à ordem (curto, médio e longo prazo), planos poupança, seguros-depósitos, opções, valores mobiliários (acções, obrigações, EFT´S, Warrants e outros), existentes em quaisquer Bancos de que o requerido seja ou tenha sido titular ou co-titular e o respectivo saldo e/ou saldo à data de 31 de Outubro de 2022.
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Por decisão proferida a 22-08-2023, determinou-se o arrolamento dos bens e direitos acima referidos, tendo, em relação aos saldos das contas bancárias a arrolar, se determinado que que se oficiasse ao Banco de Portugal solicitando informação sobre a sua existência e, de seguida, a cada instituição bancária identificada.
Na decisão mencionada dispensou-se a audição prévia do requerido, com fundamento nos arts. 366º, n.º1, e 376º, n.º1, do CPC.
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Por requerimento junto a 11-03-2024, o requerido deduziu oposição onde concluiu pugnando pela redução do âmbito do arrolamento decretado de forma a excluir do mesmo os bens descritos nas verbas n.º 4, 5 em parte e 6 do auto de arrolamento lavrado a 27-02-2024 (o veículo automóvel da marca Mercedes-Benz, modelo 350 SL Coupé, com a matrícula …-…-…, o recheio da casa de morada de família e a conta de financiamentos obtidos através de accionistas constante do balanço e contas de C …, SA, que, no exercício de 2021, tinha o saldo de € 3 178 440,00, respectivamente),  e as 520 000 acções representativas do capital social da C …, SA, por não serem bens comuns do casal.
Alegou, em síntese, que:
- casou com a requerente a 31-05-2003, sem convenção antenupcial, vigorando o regime da comunhão de bens adquiridos na constância do matrimónio (art. 1717º, al. a), do CC;
- por força do disposto no art. 1722º do CC, são considerados bens próprios dos cônjuges, os que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento, os que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação e os que foram adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior;
- de acordo com o estatuído no art. 1724º do CC, o produto do trabalho dos cônjuges e os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei, fazem parte da comunhão;
- o veículo automóvel de marca Mercedes-Benz, modelo 350 SL Coupé, com a matrícula …-…-…, foi-lhe doado por seu pai e, como tal, não é bem comum do casal, atento o art. 1722º, n.º1, al. b), do CC;
- na verba n.º 5 do auto de arrolamento lavrado a 27-02-2024, referente ao recheio da casa de morada de família, existem os seguintes bens móveis que são bens próprios seus:
- Em relação à verba n.º 1 do auto de arrolamento de fls. 77 e 78 dos autos, a “mesa de jantar em madeira”, que foi herdada por si, por falecimento dos seus pais; o “jarro Bordalo Pinheiro”, que já era sua propriedade antes do casamento com a requerente; o “quadro Joaquim Rodrigo”, que foi adquirido pelo Requerido em 26-09-2022, após a separação de facto do casal; o “quadro Carlos Botelho”, que foi adquirido por si em 19-05-2023, após a propositura da ação de divórcio; a “figura de galo”, que foi adquirida pro si em 01-08-2023, após a propositura da ação de divórcio;
- No que respeita à verba n.º 2 do auto de arrolamento de fls. 77 e 78 dos autos, as “peças de prata” com pega de âmbar (quatro peças), que foram herdadas por si, por falecimento dos seus pais; o “sofá branco” da marca Divani-Divani que foi adquirido por si em 22-03-2023, após a propositura da ação de divórcio; o cadeirão em pele com apoio para pés” da marca Divani-Divani, que foi adquirido pro si em 22-03-2023, após a propositura da ação de divórcio;
- No que tange à verba n.º 3 do auto de arrolamento de fls. 77 e 78, o “quadro Nadir Afonso”, que foi adquirido por si em 22-11-2022, após a propositura da ação de divórcio, o “quadro Chichorro”, que foi adquirido por si em 21-11-2022, após a propositura da ação de divórcio;
- No que se refere à verba n.º 4 do auto de arrolamento de fls. 77 e 78, o “quadro Eduardo Nery”, que foi adquirido por si em 26-09-2022, após a separação de facto do casal; o “conjunto de livros diversos”, que pertence à coleção de livros que o Requerido iniciou aos treze anos de idade, fazendo parte da sua biblioteca pessoal; o “móvel garrafeira”, que foi herdado por si, por falecimento dos seus pais;
- Em relação à verba n.º 5 do auto de arrolamento de fls. 77 e 78, o “espelho antigo dourado”, que foi herdado por si, por falecimento do seu bisavô D …; a “salva de prata”, que foi herdada por si, por falecimento dos seus pais; todos os equipamentos de cozinha, que foram adquiridos por si em 14-12-2022 e 22-12-2022, após a propositura da ação de divórcio; as quatro “cadeiras / bancos de cozinha”, que foram adquiridas por si em 21-06-2023, após a propositura da ação de divórcio;
- Quanto à verba n.º 6 do auto de arrolamento de fls. 77 e 78, q “cama de casal king size” que foi adquirida pelo Requerido em 19-11-2022, após a ação de divórcio, os “2 candeeiros”, que foram adquiridos por si em 07-02-2023, após a ação de divórcio;
- em sede de petição inicial que deu origem à acção de divórcio a que os presentes autos estão apensos, alegou que a separação de facto entre as partes foi acordada em 28-07-2022 e que a mesma ocorreu a 31-07-2022, data em que a aí ré saiu da casa de morada de família, o que esta admite na contestação apresentada em tal processo, sendo, por isso, pacífico no mesmo que tal separação ocorreu, na primeira data referida ou, caso assim se não entenda, na segunda data mencionada, pelo que os efeitos patrimoniais do divórcio a decretar deverão retroagir a uma de tais datas (art. 1789º, n.º2, do CC);
- pelo referido, a verba n.º 5 do auto de arrolamento lavrado a 27-02-2024, atinente ao recheio da casa de morada de família, deve ser reduzida, dele se excluindo os bens acima identificados;
- apesar de ser titular das 520 000 acções cujo arrolamento foi decretado, as mesmas foram por si adquiridas em parte em 24-05-1991 (32 000) e, no restante, por doação de seu pai e seu irmão em 2006 (200 000), pelo que as mesmas devem ser excluídas de tal arrolamento;
-  caso assim se não entenda, as acções adquiridas por si em 24-05-1991, por se tratarem indubitavelmente de um bem próprio, deverão ser excluídas do arrolamento;
- a conta de financiamentos de acionistas na sociedade C … S.A., foi constituída no ano de 2007, em virtude de uma cessão de participações sociais, pela qual o próprio cedeu à sociedade C … S.A., pelo preço de € 5 093 291,00, ações representativas de 21,52% do capital social da G …, S.A., e ações representativas de 29,6% do capital social da H …, S.A., que detinha;
- o preço das referidas ações não lhe foi pago pela C … S.A., e, como tal, começou por ser contabilizado na conta de “Outros Credores”, que tinha, à data de 31-12-2007, um saldo de € 5 138 437,27, passando depois a ser contabilizado na conta de “Acionistas”;
- as ações representativas do capital social da G …, S.A., e da H …, S.A. detidas por si eram bens próprios seus, já que, em parte, lhe foram doadas pelo seu pai, E … e, noutra parte, lhe chegaram por herança de sua mãe, F …, falecida em 13-02-1986;
- como tal, os suprimentos de que é credor e que resultaram da cessão das referidas ações são também eles bens próprios seus, nos termos do disposto no artigo 1723.º do CC, pelo que deverão ser excluídos do arrolamento;
- ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que a conta de financiamentos obtidos através de acionistas tem, por referência à data de 25-08-2023, o valor de € 1 518 632,57, pelo que é esse o valor arrolado e que deve constar do auto de arrolamento, requerendo-se subsidiariamente a respetiva retificação em conformidade.
No termo da peça processual mencionada, o requerido arrolou testemunhas e requereu a prestação de depoimento de parte da requerente bem como das suas próprias declarações de parte.
O requerido, juntou documentos com a oposição mencionada.
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Por requerimento junto a 25-03-2024, a requerente respondeu à oposição pugnando pela sua improcedência e pela manutenção do arrolamento realizado, com excepção dos seguintes bens móveis integrantes da verba atinente ao recheio da casa de morada da família que identifica: O “quadro Carlos Botelho” que foi adquirido pelo requerido em 19-05-2023, as “peças de prata” com pega de âmbar (quatro peças) que foram herdadas pelo requerido, por falecimento dos seus pais, o “móvel garrafeira” que foi herdado pelo Requerido, por falecimento dos seus pais, o “espelho antigo dourado” que foi herdado pelo requerido, por falecimento do seu bisavô D …, os “2 candeeiros” que foram adquiridos pelo Requerido em 07-02-2023, após a ação de divórcio.
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A 05-05-2024, foi proferida decisão que conheceu da oposição deduzida nos seguintes termos, no que à economia do presente acórdão releva:
1. Determinou-se o levantamento do arrolamento dos seguintes bens que compõem o recheio da casa de morada de família:
a. o quadro Carlos Botelho” (verba 1 do auto de arrolamento);
b. as “peças de prata” com pega de âmbar (quatro peças) (verba 2 do auto de arrolamento);
c. o “móvel garrafeira” (verba 4 do auto de arrolamento);
d. o “espelho antigo dourado” (verba 5 do auto de arrolamento);
e. os “2 candeeiros” (verba 6 de arrolamento).
2. Indeferiu-se o demais peticionado pelo requerido.
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A 27-05-2024, o requerido interpôs recurso da decisão proferida a 05-05-2024, que culminou com as seguintes conclusões (transcrição):
A. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida no dia 05.05.2024, que manteve, na sua maior parte, o arrolamento decretado nos autos, julgando apenas parcialmente procedente a oposição deduzida pelo ora Recorrente.
B. Nos casos em que o requerido não é ouvido antes do decretamento da providência cautelar (como é o caso dos presentes autos), este é notificado da decisão que ordenou a providência, podendo optar por recorrer ou deduzir oposição, nos termos do artigo 372.º, n.º 1, aplicável por remissão do artigo 376.º, n.º 1, ambos do CPC.
C. É ponto assente na doutrina e na jurisprudência que, quando o requerido pretenda reagir contra a decisão cautelar mediante meios de reação que são simultaneamente fundamento de recurso e de oposição, terá de recorrer à oposição, na qual alegará os fundamentos da sua oposição e os de recurso – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02.06.2021, proferido no processo n.º 1237/18.1T8BGC-A.G1 e acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo 832/12.7TVPRT-B.P. Em virtude da necessidade de alegar novos factos, juntar documentos e requerer a produção de outros meios de prova, o meio de reação adequado ao presente procedimento cautelar foi a apresentação de oposição, ao abrigo do artigo 372.º, n.º 1, b) do CPC.
D. Quando o requerido optar por deduzir oposição em detrimento da interposição de recurso, caberá então ao Juiz de primeira instância decidir da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada e caberá recurso desta sentença, sendo certo que a mesma constitui complemento e parte integrante da decisão inicialmente proferida – cfr. artigo 372.º, n.º 3, do CPC. Como tal, nada obsta a que o recurso da sentença que “decidir a oposição” venha também a ter por objeto os fundamentos da decisão inicial – neste sentido, vide o sumário do Acórdão da Tribunal da Relação de Évora de 21.03.2013, proferido no processo n.º 1005/11.1TBVRS.E1.
Nulidade por falta de fundamentação
E. A decisão proferida no dia 22.08.2023, que decretou o arrolamento, violou o disposto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC, já que não indicou minimamente os motivos que justificaram a matéria de facto dada como provada nos designados “factos sumariamente demonstrados”.
F. Com efeito, a decisão proferida pelo Tribunal a quo parece ter resultado apenas da aceitação de todos os factos alegados pela Recorrida, tidos como verdadeiros, sem sequer indicar os documentos em que baseou a sua decisão sobre cada facto dado como provado.
G. Desta forma, a decisão proferida no dia 22.08.2023 padece de nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, pelo que se requer que seja ordenada a descida do processo ao Tribunal a quo, para que este fundamente devidamente a decisão sobre a matéria de facto.
Nulidade por excesso de pronúncia
H. Na oposição ao arrolamento por si deduzida, o Recorrente não só juntou aos autos documentos, como também requereu a produção de prova testemunhal, arrolando cinco testemunhas, a prestação de depoimento de parte pela Recorrida e a prestação de declarações de parte pelo próprio Recorrente.
I. Dispõe o artigo 367.º, n.º 1, do CPC, que, apresentada oposição ao procedimento cautelar, deve proceder-se à produção das provas requeridas ou oficiosamente determinadas pelo juiz.
J. In casu, o Tribunal a quo simplesmente proferiu sentença, sem sequer se pronunciar sobre os meios de prova requeridos pelo Recorrente, e sem os ter ordenado, o que consubstancia uma nulidade processual resultante da omissão de um ato que a lei prescreve e que influi significativamente no exame e decisão da causa (ao abrigo do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC) já que coartou o direito do Recorrente ao contraditório e à produção de prova.
K. Assim, atendendo ao facto de que o Tribunal a quo não pode decidir sobre o mérito da causa sem antes ter ordenado a produção de provada requerida pelo Recorrente, a decisão proferida no dia 22.08.2023 é nula, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, por excesso de pronúncia, nulidade esta que é invocável em sede de recurso, como decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.10.2020, proferido no processo n.º 12841/19.0T8LSB.L2-6. Termos em que se requer que seja ordenada a descida do processo ao Tribunal recorrido para que ordene a produção de prova requerida pelo Recorrente.
L. Adicionalmente, verifica-se ainda outra nulidade por excesso de pronúncia, na medida em que o Tribunal a quo decretou o arrolamento de todo o recheio da casa de morada de família embora não tenha dado como provado um único facto quanto a este tema, pelo que também por esta via a sentença recorrida deve ser declarada nula, o que se requer.
Impugnação da matéria de facto
M. Mesmo que não se entenda pela verificação das nulidades invocadas supra, no que não se concede mas se avança por mera cautela de patrocínio, a decisão sobre a matéria de facto constante do despacho de 22.08.2023 (que decretou o arrolamento e que faz parte integrante da Sentença recorrida) deverá igualmente ser revista, no sentido de serem alterados e aditados factos que foram alegados pelo Recorrente na sua oposição e que devem ser dados como indiciariamente provados.
N. Deve o facto sumariamente demonstrado constante da alínea b) da decisão de 22.08.2023 ser alterado nos seguintes termos (alterações identificadas a negrito):
“b) O veículo de marca mercedes-Benz, de matrícula …-…-… está registado como sendo propriedade de B … desde 08 de janeiro de 2008, em virtude de doação feita pelo seu Pai, E ….”
Como foi invocado nos artigos 8.º a 10.º da oposição ao arrolamento apresentada pelo Recorrente, este automóvel foi doado ao Recorrente pelo seu pai, o que igualmente resulta do Doc. 1 junto à oposição (e que poderia ter sido confirmado por prova testemunhal, se o Tribunal a quo tivesse admitido a sua produção). Termos em que deverá ser ordenada a alteração requerida.
O. Deve o facto sumariamente demonstrado constante da alínea i) da decisão de 22.08.2023 ser alterado nos seguintes termos (alterações identificadas a negrito):
“i) B … detém, atualmente, 52% do capital social da sociedade C …, SA., sendo que as participações sociais do mesmo foram adquiridas, em dois momentos distintos:
c. A 24.05.1991, B … adquiriu 16% do capital social da C …, S.A.,  o que correspondia, àquela data, a 32.000 ações;
d. Em março de 2006, B … adquiriu 84% do capital social da C … S.A., através de doações feitas pelo seu Pai e pelo seu irmão, o que correspondia, àquela data, a um total de 168.000 ações.”
Estes factos foram alegados pelo Recorrente nos artigos 19.º a 22.º da sua oposição, resultam do Doc. 13 junto ao referido articulado e poderiam ter sido confirmados por prova testemunhal, se o Tribunal a quo tivesse admitido a sua produção.
Pelo menos no que toca às ações adquiridas antes do matrimónio, a própria Recorrida confessou, no seu requerimento datado de 21.09.20234, que o Recorrente detém, desde 1991, 16% do capital social da C …, S.A.
Ao optar por simplesmente ignorar a confissão feita pela Recorrida, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 358.º, n.º 1, do CC, que dispõe que “a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente”.
No que toca ao remanescente das ações adquiridas pelo Recorrente por doação do seu pai e do seu irmão, a Recorrida, no seu requerimento de 21.09.2023, alega um conjunto de factos (aliás, falsos ou deturpados) sobre o contexto em que as ações da C … S.A. foram doadas ao Recorrente, sem nunca afirmar que a aquisição destas ações pelo Recorrente decorreu de uma compra e venda.
Ora, não podia o Tribunal a quo ter simplesmente desconsiderado tudo o que foi alegado pelas partes a este propósito, sobretudo se se considerar que a Recorrida não produziu qualquer prova – ainda que meramente indiciária – do alegado direito que lhe cabe sobre estas ações.
P. A propósito do recheio da casa de morada de família, deve ser aditado o seguinte facto a aditar n.º 1:
«No que respeita à verba 1 do auto de arrolamento do recheio da casa de morada de família, fls. 77 e 78 dos autos:
(iii) A “mesa de jantar em madeira” foi herdada pelo Recorrente por falecimento dos seus pais;
(iv) O “Jarro Bordalo Pinheiro” era propriedade do Recorrente antes da celebração do casamento com a Recorrida;
(v) O “quadro Joaquim Rodrigo” foi adquirido pelo Recorrente em 26.09.2022, após a separação de facto do casal – cfr. fatura junta à oposição ao arrolamento como Doc. 2;
(vi) (…)
(vii) A “figura de galo” foi adquirida pelo Recorrente em 01.08.2023, data posterior à propositura da ação de divórcio – cfr. fatura junta à oposição ao arrolamento como Doc. 4;
g) Relativamente à verba 2 do auto de arrolamento, fls. 77 e 78 dos autos:
(i) (…)
(ii) O “sofá branco” da marca Divani-Divani foi adquirido pelo Recorrente em 22.03.2023, data posterior à propositura da ação de divórcio – cfr. fatura junta à oposição ao arrolamento como Doc. 5;
(iii) O “cadeirão em pele com apoio para pés” da marca DivaniDivani, foi adquirido pelo Recorrente em 22.03.2023, data posterior à propositura da ação de divórcio – cfr. fatura junta à oposição ao arrolamento como Doc. 5;
h) Face à verba 3 do auto de arrolamento, fls. 77 e 78 dos autos:
(i) O “quadro Nadir Afonso”, foi adquirido pelo Recorrente em 22.11.2022, após a propositura da ação de divórcio – cfr. fatura junta à oposição ao arrolamento como Doc. 6;
(ii) O “quadro Chichorro” foi adquirido pelo Recorrente em 21.11.2022, data posterior à propositura da ação de divórcio – cfr. fatura junta à oposição ao arrolamento como Doc. 7;
i) No que respeita à verba 4 do auto de arrolamento, fls. 77 e 78 dos autos:
(i) O “quadro Eduardo Nery” foi adquirido pelo Recorrente em 26.09.2022, após a separação de facto do casal – cfr. fatura junta à oposição ao arrolamento como Doc. 2;
(ii) O “conjunto de livros diversos” pertence à coleção de livros que o Recorrente iniciou aos trezes anos de idade, os quais integram a sua biblioteca pessoal;
(iii) (…)
j) Relativamente à verba 5 do auto de arrolamento, fls. 77 e 78 dos autos:
(i) (…)
(ii) A “salva de prata” foi herdada pelo Recorrente, por falecimento dos seus pais;
(iii) Todos os equipamentos de cozinha foram adquiridos pelo Recorrente em 14.12.2022 e 22.12.2022, após a propositura da ação de divórcio – cfr. faturas juntas à oposição ao arrolamento como Docs. 8 e 9;
(iv) As quatro “cadeiras/bancos de cozinha” foram adquiridas pelo Recorrente em 21.06.2023, data posterior à propositura da ação de divórcio – cfr. fatura junta à oposição ao arrolamento como Doc. 10;
k) Face à verba 6 do auto de arrolamento, fls. 77 e 78 dos autos:
(i) A “cama de casal King size” foi adquirida pelo Recorrente a 19.11.2022, data posterior à propositura da ação de divórcio – cfr. fatura junta à oposição ao arrolamento como Doc. 11;
(ii) (…)» Estes factos foram alagados nos artigos 11.º e 12.º da oposição ao arrolamento apresentada pelo Recorrente e foram provados pelas faturas de compra e outros documentos juntos como Docs. 2 a 12 a essa mesma oposição.
Q. A propósito da separação das partes, deve ser adicionado o seguinte facto a aditar n.º 2:
“As partes encontram-se separadas de facto desde 31.07.2022”.
Este facto foi alegado no requerimento inicial do arrolamento pela Recorrida (cfr. artigo 3.º) e é aceite pelo Recorrente (cfr. artigos 14.º a 16.º da oposição ao arrolamento).
R. A propósito da ação de divórcio, deve ser adicionado o seguinte facto a aditar n.º 3:
“O Recorrente propôs a ação de divórcio em 31.10.2022 e, em 05.03.2024, o Recorrente requereu na ação de divórcio que os efeitos patrimoniais do divórcio retroajam à data da separação de facto entre as partes”.
Estes factos foram alegados pelo Recorrente nos artigos 14.º a 16.º da oposição ao arrolamento e resultam dos autos principais.
S. A propósito do crédito de suprimentos do Recorrente sobre a C … S.A., deve ser adicionado o seguinte facto a aditar n.º 4:
“O crédito de suprimentos que o Recorrente detém sobre a C …, S.A. resultou de uma cessão de participações sociais, através da qual o Recorrente cedeu à C … S.A., ações representativas de 21,52% do capital social que detinha da sociedade comercial G b…, S.A. e ações representativas de 29,6% do capital social que detinha da sociedade comercial H …, S.A., pelo preço de € 5.093.291,00 (cinco milhões noventa e três mil duzentos e noventa e um euros).
As ações representativas do capital social da G …, S.A. e da H …, S.A., detidas pelo Recorrente e cedidas à C … S.A, foram-lhe doados, em parte, pelo seu pai, E …. A restante parte destas ações o Recorrente adquiriu em momento posterior, por via sucessória, em virtude da herança da sua mãe, F …, falecida no dia 13.02.1986.”
Este facto foi alegado nos artigos 25.º a 30.º da oposição ao arrolamento e resultam demonstrados: (i) pela cópia da carta dirigida pelo Recorrente à G … S.A., datada a 31.01.2007, que se juntou como Doc. 14; (ii) pelos balancetes analíticos da C …, S.A. que se juntam como Docs. 15 e 16; (iii) pela carta enviada pelo pai do Recorrente, E …, à G …, S.A., a 11.02.2004, que se juntou como Doc. 17; (iv) pelos requerimentos que a própria C …, S.A. apresentou nos presentes autos em 06.09.2023 e 04.10.2023.
T. Sem prejuízo do supra alegado a propósito da modificação da decisão de facto, atento o facto de o Tribunal a quo não ter permitido a produção de prova testemunhal no caso em apreço, e caso se considere que os elementos disponíveis nos autos não são suficientes para proceder à alteração da matéria de facto nos termos peticionados, desde já subsidiariamente se requer que seja ordenada a produção de nova prova, ao abrigo do disposto no artigo 662.º do CPC.
U. O casamento contraído entre as Partes foi celerado, sem convenção antenupcial, pelo que está sujeito ao regime supletivo da comunhão de adquiridos, previsto no artigo 1717.º e seguintes do CC.
V. Os bens arrolados na decisão proferida pelo Tribunal a quo, sob as verbas 4, 5 (em parte) e 6 do auto de arrolamento, assim como as 520.00 ações representativas do capital social da C … S.A, são bens próprios do Recorrente - cfr. artigo 1722.º, n.º 1 do CC.
W. A verba 4 do auto, que respeita ao automóvel da marca Mercedes-Benz, foi adquirida por doação.
X. No que respeita à verba 5 do auto de arrolamento, “recheio da CMF – cfr. melhor identificados a fls. 77 e 78 dos autos – ref.ª Citius …”, ainda que grande parte dos bens que compõem esta verba sejam bens comuns do casal, os bens supra identificados pelo Recorrente, não são bens comuns, uma vez que ou foram adquiridos antes do casamento ou foram adquiridos por herança ou doação, ou foram adquiridos já após a separação de facto das partes.
Y. Como resulta do disposto no artigo 1789.º, n.º 2 do CC, qualquer um dos cônjuges pode requerer que os efeitos do divórcio retroajam à data da separação de facto. No presente caso, como indicado pela Recorrida no seu requerimento inicial, as partes encontram-se separadas de facto desde 31.07.2022. O Recorrente já requereu na ação de divórcio que os efeitos patrimoniais do divórcio retroajam à data da separação de facto. Desta forma, o arrolamento de bens adquiridos pelo Recorrente após a separação de facto não apresenta qualquer utilidade.
Z. De notar que foi a própria Recorrida quem aceitou que certos bens, que compõem o recheio da casa de morada de família e que foram adquiridos após a entrada da ação de divórcio, não deviam permanecer arrolados. Não pode o Tribunal simplesmente permitir que seja a Recorrida a decidir quais, de entre os bens adquiridos após a data da propositura da ação de divórcio, devem ou não permanecer arrolados.
AA. A data da separação de facto é uma questão factual e que por isso perfeitamente passível de ser fixada por acordo entre as partes, contrariamente ao que decidiu o Tribunal a quo.
BB. No que toca à verba 6 do auto de arrolamento, o crédito de suprimentos do Recorrente sobre a C …, S.A. foi constituído no âmbito de cessões de participações sociais feitas pelo Recorrente a favor da sociedade, sendo que essas participações sociais eram bens próprios do Recorrente (como decorre do Facto a aditar n.º 34) e, como tal, também o é o crédito de suprimentos, à luz do disposto no artigo 1723.º, alínea c), do CC.
CC. Se assim não se entender, sempre se dirá que a conta de financiamentos obtidos através de acionistas tem, por referência à data de 25.08.2023, o valor de € 1.518.632,57 (uns milhões quinhentos e dezoito mil seiscentos e trinta e dois euros e cinquenta e sete cêntimos), pelo que deve ser este o valor arrolado e mencionado no auto de arrolamento, como aliás já foi decidido por douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 11.01.2024 e proferido nestes autos.
DD. Por último, no que respeita às 520.000 ações representativas do capital social da C … S.A., estas também não constituem um bem comum do casal, já que o Requerente adquiriu-as em dois momentos: num primeiro momento anterior à celebração do casamento, como a própria Recorrida confessa, e num segundo momento por doações do seu pai e do seu irmão.
EE. Ora, o arrolamento é uma providência cautelar que se encontra na dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas. Em particular, no caso do arrolamento dependente de uma ação de divórcio, o artigo 409.º, n.º 1 do CPC, só permite a qualquer um dos cônjuges requerer esta providência cautelar relativamente a bens comuns ou a bens próprios que estejam sob a administração do outro.
FF. Ainda que o cônjuge requerente do arrolamento esteja dispensado de provar o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, não está, de todo, dispensado de fazer a prova sumária do seu direito relativo aos bens – cfr. artigo 405.º, n.º 1, do CPC – o que a Recorrida claramente não logrou fazer, já que não juntou um único documento ao seu requerimento inicial.
GG. Não cabe ao Tribunal suprir a total ausência de prova apresentada pela Recorrida, simplesmente aceitando como verdadeiros todos os factos pela mesma alegados.
HH. Temos assim que a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 1722.º e 1723.º do CC, 405.º, n.º 1, e 409.º, n.º 1, do CPC.”
No termo da peça em referência, concluiu-se por:
a) Declarar a nulidade da Sentença recorrida por falta de especificação dos fundamentos de facto que a justificaram, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, ordenando-se que o processo desça ao Tribunal a quo para que fundamente a decisão sobre a matéria de facto;
b) Declarar a nulidade da Sentença recorrida por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, d) do CPC, ordenando-se que o processo desça ao Tribunal recorrido para que tenha lugar a produção de prova requerida pelo Recorrente;
c) Caso assim não se entenda, revogar a sentença recorrida, ordenando que seja levantado o arrolamento das verbas 4, 5 (nos termos indicados no ponto P das conclusões) e 6 do auto de arrolamento e das 520.000 ações representativas do capital social da C … S.A., por não se tratarem de bens comuns do casal.
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A 07-06-2024, o recurso foi admitido como de apelação, com subida nos autos e efeito devolutivo, o que não foi alterado neste Tribunal.
Na aludida decisão, não foi dado cumprimento ao disposto no art. 617º, n.º1, do CPC, posto que dela não consta qualquer apreciação sobre as nulidades invocadas no recurso.
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A requerente apresentou resposta a 17-06-2024, que concluiu do seguinte modo (transcrição):
1) O recurso vem interposto da Sentença proferida em 05-05-2024, que manteve o arrolamento de um conjunto de bens comuns do casal, melhor identificados na sentença de fls. 58-62.
2) A Sentença recorrida interpreta-se juntamente com as decisões anteriores: Despacho do Tribunal a quo de 22-08-2023 e Despacho do Tribunal a quo de 25-09-2023.
3) Tal como mencionado pelo Tribunal a quo, este especialíssimo modelo de arrolamento, tem caráter conservatório que visa impedir o extravio, a ocultação ou a dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos litigiosos, sendo dependente de uma ação à qual interesse a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas a arrolar.
4) A leitura das várias decisões em causa, sempre interpretadas conjuntamente, permite concluir que não se verifica qualquer nulidade da Sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificaram a decisão.
5) Encontram-se juntos aos autos os vários documentos que comprovam a propriedade dos bens, designadamente as certidões do registo predial, do registo comercial e do registo automóvel, as informações bancárias, o auto lavrado do recheio da casa de morada de família e as informações societárias da empresa familiar C …, S.A.
6) Documentos que foram analisados pelo Tribunal e que sustentaram as decisões em causa, tendo indicado os motivos que justificaram a matéria de facto dada como provada,
7) Também não se verifica qualquer nulidade por excesso de pronúncia ou por não admissão das diligências de prova requeridas pelo Recorrente.
8) O preceito legal inerente às acções de divórcio previsto no art. 409.º do CPC determina que o procedimento especial de arrolamento não está sujeito às regras gerais dos procedimentos de arrolamento comuns.
9) Como esclarece o Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, FERREIRA DE ALMEIDA, neste arrolamento especial, «visa o cônjuge requerente, não só prevenir a dissipação ou extravio dos bens, como garantir a sua preservação (até ao momento da realização da partilha) no estado de conservação em que se encontrarem aquando da realização da diligência. (…) «Nestes arrolamentos especiais, a lei prescinde da alegação e prova (presumindo-o) do justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens a arrolar. (…)».
10) O Tribunal a quo respeitou a normal tramitação deste tipo de processo especial, não havendo lugar a qualquer nulidade.
11) O Recorrente vem impugnar a matéria de facto dada como indiciariamente provada, querendo alterar e aditar factos.
12) Também quando a esta “alegação”, não lhe assiste qualquer razão.
13) Facto sumariamente demonstrado constante da alínea b) da Decisão de 22-08-2023: que corresponde a um “veículo automóvel de marca Mercedes-Benz, modelo 350 SL Copé, com a matrícula …-…- ….”
14) Este bem era propriedade do sogro da Recorrida que a transmitiu, por venda ao Recorrente.
15) Como demonstrado nos autos, o pai do Recorrente era desfavorável a fazer doações aos seus filhos, pois tinha outra família com quem vivia, mulher e dois filhos gémeos, seus enteados.
16) Com a morte do pai do Recorrente, em outubro de 2017, não houve restituição à herança por parte do Recorrente de nenhum dos bens arroladas pela Recorrida.
17) O documento junto como Doc. 1 da Oposição por parte do Recorrente faz prova da transmissão da propriedade por “contrato verbal de compra e venda”.
18) Para prova da não existência de doações ao Recorrente, a Recorrida juntou com o Requerimento de 25-03-2024: os documentos do Acordo de partilha de bens por óbito do pai e da mãe do Recorrente e a relação de bens, assinada por todos os herdeiros (Doc. 1 do referido Requerimento); a Declaração assinada pelo Recorrente sobre a partilha de bens (Doc. 2) do referido Requerimento); e a Escritura de partilha de bens imóveis, que encerrou a partilha dos bens por óbito, quer do pai do Recorrente, quer da mãe do Recorrente, celebrada no dia 29 de janeiro de 2024, em que a Recorrida esteve presente para dar o seu consentimento (Doc. 3 do referido Requerimento).
19) Por isso, o bem constante da Verba 4, “veículo automóvel de marca Mercedes-Benz, modelo 350 SL Copé, com a matrícula …-…-…”, deve permanecer arrolado nos seus precisos termos, não devendo passar a constar que foi doado ao Recorrente.
20) O facto sumariamente demonstrado constante da alínea i) da decisão de 22-08-2023) também não deve ser alterado, nem aditado nos termos pretendidos pelo Recorrente.
21) O Doc. 13 junto pelo Recorrente na Oposição e agora invocado em sede de Recurso prova o que já tinha sido afirmado pela Recorrida;
22) Que o Recorrente detinha 32.000 ações, representativas de 16% do capital social da sociedade antiga, em data anterior ao matrimónio com a Recorrida.
23) E que em 1 de março de 2006, foram adquiridas ao pai do Recorrente e ao irmão do Recorrente 168.000 ações, representativas de 84% do capital social da sociedade anterior. (Cfr. - Docs. 4 e 5 do Requerimento da Recorrida de 25-03-2024).
24) Foi demonstrado que a C …
, SA é a empresa familiar, na qual os filhos, do Recorrente e da Recorrida, com a sua maioridade, seriam administradores e seriam titulares, a final, de todo o capital social em partes idênticas.
25) Para ficarem envolvidos nos negócios da empresa familiar, os filhos detêm, em conjunto, 48% do capital social desde o ano 2010, e que se encontrava por formalizar as doações com a maioridade da filha …, em 16 de dezembro de 2022, a qual também passaria a integrar o conselho de administração, juntamente com os restantes irmãos, que já são administradores.
26) Os 16% do capital social, que eram bem próprio do Recorrente, estão naturalmente incluídos nos 48% do capital social que é dos filhos, que a Recorrida consentiu, tendo aceitado também a transferência de propriedade para os filhos, faltando ainda a formalização da doação.
27) Não houve doação do pai e do irmão ao Recorrente das ações representativas de 84% do capital social de €1.000.000,00 da antiga empresa I …, S.A.
28) Como demonstrado também nos pontos 15), 16) e 18) supra o pai do Recorrente não fez qualquer doação ao filho Recorrente de bens, muito menos do capital social da empresa antiga, pois tal obrigaria a formalizar a “suposta” doação e a ser levada à colação, confrontar o Doc. 6 junto com o Requerimento de 25-03-2024, para verificar que o capital próprio da C …, SA atinge no exercício económico de 2021 o valor de €33.103.952,00.
29) Não houve qualquer prova documental de tal doação feita pelo irmão do Recorrente, nem ter a mesma sido declarada através do Modelo 1 do Imposto de Selo.
30) Conclui-se que andou bem o Tribunal a quo, sendo inadmissível qualquer alteração ao referido “Facto sumariamente demonstrado i).
31) Pretende o Recorrente ver aditado o facto a aditar n.º1 a propósito do recheio da casa de morada de família, sumariamente diga-se:
32) Relativamente à verba 1, que os bens indicados são bens comuns do casal: a “mesa de jantar em madeira”, que adquiriram uma mesa de jantar em madeira; o “jarro Bordalo Pinheiro”, foi uma prenda de casamento; o “quadro Joaquim Rodrigo”, foi adquirido em leilão de 26 de setembro de 2022, altura em que pretendiam promover um diálogo e uma separação amigável, com recurso a verbas do casal; a “figura de galo” – o Doc. 4 junto pelo Recorrente é um recibo que não faz qualquer referência à compra do objecto.
33) Relativamente à verba 2, impõe-se tecer as seguintes considerações: O “sofá branco” da marca Divani-Divani e o “cadeirão em pele com apoio para pés” da marca Divani-Divani – A casa de morada de família da Recorrente e da Recorrida estava totalmente decorada e equipada. Na sala existiam vários sofás e cadeirões, que saíram da casa de morada de família, nomeadamente, dois maples e um sofá preto da marca Divani-Divani, dois cadeirões e um sofá de riscas. Tudo mobílias adquiridas pela Recorrida e Recorrente na constância do matrimónio. Outro sofá branco e uma chaise-longue que estava na casa arrendada pela Recorrente e Recorrida, aquando das obras na casa de morada de família. Assim, se estes sofás e cadeirões são novos e adquiridos pelo Recorrente em 22 de março de 2023, algo que cumpre discutir nestes autos, então que sejam substituídos no arrolamento de bens por todos os outros que se encontram na casa do Recorrente em Palmela, na Rua … n.º …, Vale de Touros e que foram adquiridos durante o casamento.
34) Relativamente à verba 3 os bens indicados são bens comuns: o “quadro Nadir Afonso” –foi visto e escolhido pelo Recorrente e pela Recorrida na Galeria de S. Mamede no dia 2 de setembro de 2022. Foi feita a encomenda no dia 07.09.2022 (cfr. a factura do Doc. 6 junta à oposição). O valor pago foi com verbas do casal; o “quadro Chichorro”, o quadro foi pago com as verbas do casal.
35) Relativamente à verba 4 os bens indicados são bens comuns: o “quadro Eduardo Nery”, foi adquirido em leilão de 26 de setembro de 2022, altura em que o Recorrente e Recorrida pretendiam promover um diálogo e uma separação amigável. Foi adquirido com recurso a verbas do casal; o “conjunto de livros diversos”, os livros adquiridos, desde Junho de 2000, data em que Recorrente e Recorrida iniciaram a sua vivência em conjunto, são livros de ambos e em concreto desde maio de 2023 foram-no com dinheiro comum do casal.
36) Relativamente à verba 5 do auto de arrolamento a fls. 77 e 78 dos autos, impõe-se tecer as seguintes considerações: a “salva de prata”, a Recorrida desconhece que este bem tenha resultado de uma herança, sendo que o Recorrente também não faz prova do alegado; todos “os equipamentos de cozinha, que foram adquiridos pelo Recorrente em 14.12.2022 e 22.12.2022”, a cozinha da casa de morada de família estava totalmente equipada e aquando do orçamento das obras de remodelação da casa foram contemplados alguns novos, como: frigorifico, congelador, placa de indução, exaustor e máquina de lavar loiça. As obras iniciaram-se no dia 14 de março de 2022 e foram pagas com verbas do casal previamente dispostas para tal. Mais uma vez, não fica excluída a aquisição dos bens com dinheiro comum do casal; as “quatro cadeiras/bancos de cozinha”, a cozinha da casa de morada de família tinha cinco cadeiras adquiridas pela Recorrente e Recorrida na constância do matrimónio. A Recorrida aceita que as quatro cadeiras/bancos de cozinha fiquem excluídos do arrolamento, tanto mais porque foram escolhidos e entregues na casa de morada de família pela namorada do Recorrente, J …. Mas que sejam substituídos pelas cinco cadeiras inox existentes no local, as quais a Recorrida desconhece a sua localização.
37) Relativamente à verba 6: a “cama de casal king size” – a cama do casal é uma cama king size, de 2,00m por 2,00m, se o Recorrente adquiriu uma nova cama, que seja o bem substituído pela cama king size do casal.
38) Por todo o exposto, devem permanecer arrolados os bens incluídos na verba 5 do auto de arrolamento – recheio da casa de morada de família, sem aditar o facto n.º1.
39) Também não deverá ser aditado à Sentença o identificado “Facto a aditar n.º 2”, relativamente à alegada data da separação de facto.
40) A data concreta da separação de facto é matéria a ser discutida no âmbito da acção de divórcio em curso.
41) Além disso, o Recorrente confunde a data da alegada separação de facto, com a possibilidade de, fazendo uso de dinheiro comum do casal, adquirir novos bens, e depois considerá-los seus.
42) Não deverá ser acrescentado à Sentença o identificado “Facto a aditar n.º 3”.
43) Não pode o Tribunal a quo vir a dar como provado ou como não provada a conduta processual do Recorrente na acção de divórcio.
44) É irrelevante para a decisão sobre os bens a arrolar o que é pedido e o que não é pedido pelo Recorrente na acção de divórcio.
45) Por fim, também não deverá ser aditado o mencionado “Facto a aditar n.º 4”.
46) O crédito de suprimentos sobre a C …, S.A. iniciou-se no ano de 2007 com as vendas pessoais de participações sociais à empresa familiar.
47) Não houve doação das participações sociais indicadas feita pelo pai do Recorrente, e os documentos juntos na Oposição nada provam sobre a alegada doação.
48) Muito menos se pode alegar que foram herdadas por óbito da mãe do Recorrente, que faleceu em 1986.
49) A conta de suprimentos constante no Balanço e contas da sociedade C …, S.A. no exercício de 2021, tinha o saldo de 3.178.440,00€, tem agora o saldo de 1.518.632,57€, ou ainda menos.
50) Tendo sido forçoso terminar com a dissipação do património comum que o Recorrente está a fazer, pelo que foi devidamente arrolada e não deverá ser aditado qualquer dos factos propostos pelo Recorrente.
51) O Recorrente tenta com o presente Recurso que a Recorrida não tenha acesso a qualquer bem adquirido na constância do matrimónio, apesar de se terem casado no regime da comunhão de adquiridos, invocando sempre que os bens foram doados ou herdados.
52) Tudo o que é referido nas presentes Conclusões encontra-se devidamente desenvolvido e justificado em sede de Contra-Alegações (supra), para onde se remete integralmente, sob pena das Conclusões se tornarem numa reprodução do anteriormente referido.”
*
II.
1.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635º, n.º4, 636º e 639º, n.º1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art. 608º, n.º2, parte final, ex vi do art. 663º, n.º2, parte final, ambos do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Tendo isto presente, no caso, atendendo às conclusões transcritas, a intervenção deste Tribunal de recurso é circunscrita às seguintes questões:
1.ª Nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. b), do CPC;
2.ª Nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. d), do CPC;
3ª Impugnação da decisão da matéria de facto: saber se o Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação e valoração da prova constante dos autos quanto aos pontos da matéria de facto que o recorrente especifica;
4.ª Saber se existe fundamento para determinar a redução do arrolamento de modo a excluir do mesmo os bens identificados pelo recorrente.
*
2.
Na decisão que decretou o arrolamento, proferida a 22-08-2023, foram considerados como provados os seguintes factos:
a) A … e B … casaram em 31 de Maio de 2003, sem convenção antenupcial.
b) O veículo de marca mercedes-Bens, de matrícula …-…-… está registado como sendo propriedade de B … desde 08 de Janeiro de 2008.
c) O prédio rústico consistente numa dependência agrícola, pasto e cultura arvense de regadio sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, na Madeira, sob a ficha n.º …/… da freguesia do Caniço e inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo …- secção … da mesma freguesia, está inscrito a favor de B … desde 30 de Dezembro de 2013.
d) Permanece na titularidade do património de A … 1/25 do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a ficha n.º …/…-… (aquisição de 3/25 em 27 de Novembro de 2006 e venda de 1/25 em 27 de Abril de 2007 e de 1/25 em 29 de Janeiro de 2009).
e) O prédio rústico consistente numa parcela de terreno de pinhal, terras de semeadura e amendoeiras sito em …, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob a ficha n.º …/… da freguesia de S. Lourenço e inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo …- secção … da União de freguesias de Azeitão (S. Lourenço e S. Simão), está inscrito a favor de B … desde 27 de Janeiro de 2004.
f) A fracção … do prédio imóvel sito no Campo Grande, n.º … a …, correspondente a um T5 no …º andar, com arrecadação n.º … e três estacionamentos na 2ª cave, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de Alvalade e descrito na Conservatória do Registo predial sob a ficha n.º …, está inscrita junto do serviço de finanças em nome de B ….
g) O veículo de marca Porsche, de matrícula …-…-… está registado como sendo propriedade de B … desde 27 de Setembro de 2022.
h) A sociedade C …, SA, com o capital social de 5.000.000,00 é uma sociedade anónima com o objecto social de gestão de participação de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas nas formas previstas na lei cujo conselho de administração é composto por B …, L …, M … e A ….
i) B … detém 52% do capital social da sociedade C …, SA.
j) A sociedade apresenta um saldo de € 3.178.440,00 na conta de financiamentos obtidos através de accionistas no balanço de 31 de Dezembro de 2021.
*
3.
- Quanto à nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. b), do CPC.
A sentença – e, por força do disposto no art. 613º, n.º3, do CPC, os despachos judiciais – pode padecer de duas causas distintas de vícios: por conter erro no julgamento dos factos e do direito – o denominado error in judicando –, tendo, como consequência, a sua revogação pelo tribunal superior; por sofrer de um erro na sua elaboração e estruturação ou por o decisor ter ficado aquém ou ter ido além do que lhe cabia decidir (thema decidendum), sendo a consequência a nulidade, conforme previsto no art. 615º do CPC. Nas primeiras situações referidas, ocorrem vícios inerente ao acto de julgamento; nas segundas situações mencionadas, verificam-se vícios formais, externos ao acto de julgamento propriamente dito, antes relacionados com a sua exteriorização ou com os seus limites.
Uma das causas de nulidade da sentença ocorre quando nela não se especifiquem os fundamentos de facto ou de direito que justificam a decisão (art. 615º, n.º1, al. b), do CPC).
De acordo com o disposto no art. 607º, n,º2 e 3, do CPC, que define as regras a observar pelo juiz na elaboração da sentença, esta “começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre conhecer”, seguindo-se “os fundamentos de facto”, onde o juiz deve “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as regras jurídicas, concluindo pela decisão final”.
O art. 607º, n.º 4, do CPC, determina que, na “fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”; e “tomando ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência”.
Por fim, no art. 607º, n.º 5, do CPC, refere-se que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, não abrangendo, porém, aquela livre apreciação “os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Por força do disposto no art. 154º do CPC, as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido são sempre fundamentadas, em concretização do determinado no art. 205º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa.
O dever de fundamentação referido tem por finalidade “impor ao juiz a verificação e controlo crítico da lógica da decisão e permitir às partes o recurso desta com perfeito conhecimento da situação e colocar a instância de recurso em posição de exprimir, com maior certeza, um juízo concordante ou divergente” (ac. STJ de 05-03-2015, processo n.º 7331/10.0TBOER.L1.S1; ac. TRL de 21-03-2024, processo n.º 1019/23.9T8ALM-B.L1-2, ambos acessíveis em dgsi.pt).
A nulidade em referência abrange apenas a absoluta falta de fundamentação da decisão e não a fundamentação alegadamente errada, incompleta ou insuficiente (cf., no mesmo sentido, a título de exemplo o Ac. STJ de 03-03-2021, processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, acessível em dgsi.pt. Veja-se, também: Geraldes, Pimenta e Pires de Sousa, CPC Anotado, Vol. I, 3ª ed., 2024, Livraria Almedina, p. 793, nota 10; Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 687; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, p. 221; Lebre de Freitas, A Ação declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 332);
A falta absoluta de fundamentação pode respeitar apenas aos fundamentos de facto da decisão ou apenas aos seus fundamentos de direito (cf. o ac. STJ de 15-05-2019, processo n.º 835/15.0T8LRA.C3.S1, acessível em dgsi.pt), além de poder incidir sobre ambos.
Como assumido no ac. TRL de 07-12-2021 (processo n.º 8513/09.2YYLSB-B.L2-7, acessível em dgsi.pt), integra a falta de fundamentação, geradora da nulidade da decisão, “a situação de ausência de fundamentação de facto, por falta de especificação dos factos provados e não provados, bem como por omissão de qualquer apreciação crítica da aprova produzida, e sua subsunção ao direito aplicado, impedindo, assim, a sua sindicância”.
Revertendo ao caso dos autos, importa reter que os mesmos respeitam a procedimento cautelar de arrolamento deduzido por apenso a uma acção especial de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, ao abrigo do art. 409º, n.º1, do CPC.
A decisão que decretou o arrolamento foi proferida a 22-08-2023, com dispensa da audição prévia do requerido, ora recorrente, com fundamento nos arts. 376º, n.º1, do CPC, tendo este sido citado para exercer o contraditório sobre a mesma nos termos dos arts. 366º, n.º6, e 372º, n.º1, do mesmo código.
Com fundamento no último preceito referido, o recorrente deduziu oposição pedindo a exclusão dos bens que integram as verbas n.º 4, 5, quanto a esta, em parte, e 6 do auto de arrolamento lavrado a 27-02-2024 (o veículo automóvel da marca Mercedes-Benz, modelo 350 SL Coupé, com a matrícula …-…-…, o recheio da casa de morada de família e a conta de financiamentos obtidos através de accionistas constante do balanço e contas de C …, SA, que, no exercício de 2021, tinha o saldo de € 3 178 440,00), respectivamente, e das 520000 acções representativas do capital social da C …, SA, por não serem bens comuns do casal.
A 05-05-2024 foi proferida decisão que se pronunciou sobre a oposição referida no sentido de:
a) Se determinar o levantamento do arrolamento dos seguintes bens que compõem o recheio da casa de morada de família:
a. o quadro Carlos Botelho” (verba 1 do auto de arrolamento);
b. as “peças de prata” com pega de âmbar (quatro peças) (verba 2 do auto de arrolamento);
c. o “móvel garrafeira” (verba 4 do auto de arrolamento);
d. o “espelho antigo dourado” (verba 5 do auto de arrolamento);
e. os “2 candeeiros” (verba 6 de arrolamento).
b) Se indeferir o demais peticionado pelo requerido, mantendo-se o arrolamento determinado a 22-08-2023, com excepção dos bens acima referidos.
O recorrente invoca que a decisão de 22-08-2023 (que decretou o arrolamento com dispensa da sua audição prévia) padece da nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. b), do CPC, por não especificar os seus fundamentos de facto, posto que não indicou minimente os motivos que levaram a que tenha dado como sumariamente provados os factos que constam das alíneas a) a j).
Tendo presente que, por força do disposto no art. 372º, n.º 3, do CPC, aplicável ao presente procedimento cautelar atento o estatuído no art. 376º, n.º1, do mesmo código, a decisão que apreciou a oposição (de 05-05-2024) constitui complemento e parte integrante da proferida a 22-08-2023, que decretou o arrolamento, e que o recorrente optou por deduzir oposição a esta, tem-se como legítimo que este, em sede de recurso, possa invocar fundamentos referentes a esta decisão (cf., no mesmo sentido, ac. TRG de 30-03-2017, processo n.º 2522/16.2T8BRG-B.G1, acessível em dgsi.pt).
A factualidade indicada nas alíneas a) a j) da decisão proferida a 22-08-2023, aí tida como sumariamente demonstrada, é a seguinte:
a) A … e B … casaram em 31 de Maio de 2003, sem convenção antenupcial.
b) O veículo de marca mercedes-Bens, de matrícula …-…-… está registado como sendo propriedade de B … desde 08 de Janeiro de 2008.
c) O prédio rústico consistente numa dependência agrícola, pasto e cultura arvense de regadio sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, na Madeira, sob a ficha n.º …/… da freguesia do Caniço e inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo …- secção … da mesma freguesia, está inscrito a favor de B … desde 30 de Dezembro de 2013.
d) Permanece na titularidade do património de A … 1/25 do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob a ficha n.º …/…-… (aquisição de 3/25 em 27 de Novembro de 2006 e venda de 1/25 em 27 de Abril de 2007 e de 1/25 em 29 de Janeiro de 2009).
e) O prédio rústico consistente numa parcela de terreno de pinhal, terras de semeadura e amendoeiras sito em …, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob a ficha n.º …/… da freguesia de S. Lourenço e inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo …- secção … da União de freguesias de Azeitão (S. Lourenço e S. Simão), está inscrito a favor de B … desde 27 de Janeiro de 2004.
f) A fracção … do prédio imóvel sito no Campo Grande, n.º … a …, correspondente a um T5 no …º andar, com arrecadação n.º … e três estacionamentos na 2ª cave, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de Alvalade e descrito na Conservatória do Registo predial sob a ficha n.º …, está inscrita junto do serviço de finanças em nome de B ….
g) O veículo de marca Porsche, de matrícula …-…-… está registado como sendo propriedade de B … desde 27 de Setembro de 2022.
h) A sociedade C …, SA, com o capital social de 5.000.000,00 é uma sociedade anónima com o objecto social de gestão de participação de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas nas formas previstas na lei cujo conselho de administração é composto por B …, L …, M … e A ….
i) B … detém 52% do capital social da sociedade C …, SA.
j) A sociedade apresenta um saldo de € 3.178.440,00 na conta de financiamentos obtidos através de accionistas no balanço de 31 de Dezembro de 2021.
Da decisão em referência alcança-se, sob o item 2, que o juízo de demonstração sumária da factualidade mencionada se escudou no teor da certidão de assento de casamento entre requerente e requerido e nos demais documentos juntos ao processo, como se afere da leitura da referência nela existente em lugar prévio ao elenco da matéria de facto (Ponto 2 – Factos a Considerar / Factos sumariamente demonstrados).
Do que acaba de se referir resulta que a decisão em análise contém, ainda que de modo sintético e não especificado, a referência aos fundamentos do juízo probatório sumário nela realizado por alusão à certidão e demais documentos juntos aos autos, sendo o mesmo apreensível pelas partes.
Entende-se, pelo exposto, que a decisão em referência não padece de absoluta falta de fundamentação e, por isso, que a nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. b), do CPC, não ocorre.
*
4.
- Quanto à nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. d), do CPC.
Outra das causas da nulidade da sentença (e, por via do disposto no art. 613º, n.º3, do CPC, de despachos judiciais) inclui a denominada omissão de pronúncia, que se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (art. 615º, n.º1, n.º1, al. d)), o que se coaduna com o estatuído no art. 608º, n.º2, do CPC, nos termos do qual “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.”
As “Questões” referidas no último artigo mencionado são “todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes” (Antunes Varela, RLJ, Ano 122.º, pág. 112), sendo que não podem confundir-se “as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão” (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 143).”
Importa, assim, distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos apresentados pelas partes para defesa da solução que defendem para cada questão a resolver. "São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão" (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra Editora, p. 143).
As questões postas, a resolver, "suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objeto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)" (Alberto dos Reis, op. cit., pág. 54). Logo, "as "questões" a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões" (Ac. do STJ, de 16-04-2013, processo n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1, acessível em dgsi.pt) e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que diretamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido).
Assim, a omissão de pronúncia reconduz-se às questões de que o Tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou da invocação de um argumento pela parte sobre os quais o Tribunal não se tenha pronunciado.
A nulidade em referência só ocorrerá quando não exista pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as exceções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões" ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo, contudo, da questão (cf. ac. do STJ de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287, acessível em dgsi.pt).
A referida nulidade da sentença por omissão de pronúncia não ocorre, no entanto, quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (cf. ac. do STJ de 03-10-2002, processo n.º 02B1844, e ac. do STJ de 11-10-2022, processo n.º 602/15.0T8AGH.L1-A.S1, ambos acessíveis em dgsi.pt), o que se compreende, posto que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui (cf. ac. do STJ de 08-03-2001, processo n.º 00A3277, acessível em dgsi.pt).
Também "não se verifica a nulidade de uma decisão judicial quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou" (cf. ac. do STJ de 20-03.2014, processo n.º 1052/08.0TVPRT.P1.S1, acessível em dgsi.pt).”
Para a economia da presente decisão, releva que outra das nulidades da sentença prevista no art. 615º, n.º1, al. d), do CPC, reconduz-se ao denominado excesso de pronúncia, que ocorre quando na decisão se conhece de questões (delimitadas nos termos acima referidos) de que não podia tomar-se conhecimento, designadamente, questões não suscitadas pelas partes e que a lei não lhe permite ou não lhe imponha o conhecimento (cf. ac. do STJ de 16-11-2021, processo n.º 1436/15.8T8PVZ.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt).
O vício em referência respeita, pois, aos limites da decisão, tal como definidos no art. 608º, n.º2, do CPC.
Passando ao caso dos autos, constata-se que o recorrente arguiu a nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. d), do CPC, invocando que o Tribunal a quo proferiu a decisão que apreciou a reclamação sem se pronunciar sobre os meios de prova por si apresentados e sem os ter ordenado, o que consubstancia uma nulidade processual resultante da omissão de um acto que a lei prescreve e que influi significativamente no exame e decisão da causa (ao abrigo do disposto no artigo 195.º, n.º 1, do CPC) já que coartou o seu direito ao contraditório e à produção de prova.
Da fundamentação da decisão proferida a 05-05-2024, que apreciou a oposição deduzida pelo recorrente, afere-se que:
a. Face à posição assumida pelas partes nas respectivas peças processuais, no sentido de que se trata de bens próprios do requerido, determinou-se o levantamento do arrolamento do quadro Carlos Botelho” (verba 1 do auto de arrolamento), das “peças de prata” com pega de âmbar (quatro peças) (verba 2 do auto de arrolamento), do “móvel garrafeira” (verba 4 do auto de arrolamento), do “espelho antigo dourado” (verba 5 do auto de arrolamento) e dos “2 candeeiros” (verba 6 de arrolamento);
b. No que respeita aos bens que o requerido alega terem sido adquiridos após a separação de facto do casal (que as partes remontam a Julho de 2022), entendeu-se que, por a respectiva data não ser passível de ser acordada entre as partes, dada a indisponibilidade do direito em litígio, a mesma não tem relevo jurídico para o arrolamento, pelo que o mesmo, quanto a tais bens, tem de ser mantido;
c. No que tange aos bens que o requerido alega terem sido adquiridos após a data de interposição da acção de divórcio, que respeita a 31-10-2022, e aqueles cuja aquisição “ancora nos demais modos de aquisição invocados, no que se inclui a doação e a herança”, entendeu-se que, por os meios de prova juntos aos autos, de natureza documental, não afastarem o juízo indiciário formulado na decisão que decretou o arrolamento, e porque, no âmbito do presente procedimento cautelar, “está vedado discutir, por meio da oposição, a verdade substantiva correlativa e/ou a ver reapreciado e/ou reponderado os juízos probatórios indiciários formulados aquando do decretamento da providência”, não cabendo no mesmo “discutir se o bem é próprio ou comum, porquanto, na dúvida sobre a sua comunicabilidade, deve considerar-se comum”, o arrolamento devia manter-se.
Da decisão em referência retira-se, ainda, que se perfilhou o entendimento, no que tange à manutenção do arrolamento (segmento a que o presente recurso respeita), de que os factos alegados na oposição não são susceptíveis de afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução, pelo que o mesmo devia ser mantido.
Do que se referiu resulta que a pronúncia sobre os meios de prova apresentados pelo requerido ficou prejudicada e, por isso, não foi emitida, por força da solução jurídica pela mesma perfilhada, no sentido de a oposição não conter factos ou meios de prova aptos a colocar o arrolamento decretado em causa.
Não se vislumbra, face ao exposto, a ocorrência da nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, arguida pelo recorrente.
O recorrente invoca, ainda, a nulidade prevista no art. 615º, nº1, al. d), do CPC, no que respeita à decisão proferida a 22-08-2023, por na mesma se decretar o arrolamento de todo o recheio da casa de morada de família sem se dar como provado um único facto quanto a este tema.
Adianta-se, desde já, que tal vício não ocorre.
Na verdade, da decisão mencionada encontra-se o facto constante da alínea a) dos factos sumariamente demonstrados, com o seguinte teor: A … e B … casaram em 31 de Maio de 2003, sem convenção antenupcial.
A factualidade em referência mostra-se idónea e suficiente para sustentar o decretamento do arrolamento dos bens móveis que constituem o recheio da casa de morada de família, tendo em conta que, por força do disposto no art. 1725º do CC, estes se presumem comuns e, por isso, podem ser objecto do arrolamento decretado.
Entende-se, pelo exposto, que a decisão recorrida não padece de vício gerador da nulidade prevista no art. 615º, n.º1, al. d), do CPC. *
5.
- Quanto à impugnação da matéria de facto.
Em sede de impugnação da matéria de facto, o recorrente, em bom rigor, pretende ver aditados factos, que alegou em sede de oposição, atinentes à data da separação de facto do casal, à data e modo de aquisição dos bens e direitos cujo arrolamento visa ver levantado e à dinâmica do processo especial de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge a que os presentes estão apensos.
O recorrente, em sede de oposição, para prova da matéria de facto que alegou e pretende ver aditada à decisão, apresentou meios de prova, concretamente, documentos, depoimentos de testemunhas que arrolou, depoimento de parte da requerente e declarações de parte suas.
A decisão que apreciou a oposição entendeu que a factualidade alegada na oposição atinente à data da separação de facto do casal e à aquisição de dois bens em data posterior a esta e anterior à data de interposição da acção de divócio (o “quadro Joaquim Rodrigo”, que o recorrente alega ter adquirido em 26-09-2022, e o “quadro Eduardo Nery”, que o requerido alega ter adquirido também em 26-09-2022) não tinha relevo jurídico para o arrolamento decretado, sendo a mesma inidónea a colocá-lo em causa.
Da decisão resulta, ainda, que a produção e apreciação dos meios de prova apresentados pelo requerido para demonstração da factualidade em referência fica prejudicada face à irrelevância desta.
A argumentação expendida para sustento da solução referida reconduz-se em que a matéria atinente à data da separação de facto do casal não é passível de ser acordada entre as partes, dada a indisponibilidade do direito em litígio.
Tal argumentação não se mostra inequívoca, pacífica, havendo entendimento diverso, no sentido da possibilidade de ponderação, em sede de arrolamento apenso a acção especial de divórcio sem o consentimento de outro cônjuge, de tal data para apuramento dos bens comuns a arrolar, o que se constata, a título de exemplo, no ac. do TRL de 25-10-2011, processo n.º 2119/10.0TMLSB-A.L1-7, acessível em dgsi.pt.
Considerando as várias soluções jurídicas para a questão referida, impunha-se que se conhecesse da factualidade alegada pelo requerido e, só após, se tomasse posição sobre a sua relevância.
No que tange à demais factualidade alegada pelo requerido e que o mesmo pretende ver aditada à matéria de facto provada, de modo a ver excluídos do arrolamento os demais bens que refere, na decisão recorrida entendeu-se que:
- os meios de prova juntos com a oposição, de natureza documental, não afastavam o juízo indiciário formulado na decisão que decretou o arrolamento;
- não cabe no âmbito do arrolamento “discutir se o bem é próprio ou comum, porquanto, na dúvida sobre a sua comunicabilidade, deve considerar-se comum”.
Da decisão resulta, ainda, que a produção e apreciação dos meios de prova apresentados pelo requerido para demonstração da factualidade em referência fica prejudicada face à irrelevância desta.
Discorda-se da argumentação adoptada na decisão impugnada pelos motivos que abaixo se referem.
O requerido, em sede de oposição, para prova dos factos por si alegados (e que pretende ver aditados à matéria de facto provada), além de juntar documentos, apresentou rol de testemunhas e requereu a prestação de depoimento de parte e de declarações de parte, ao invés do que se assume na decisão impugnada.
Por outro lado, no presente procedimento cautelar de arrolamento incidente de acção especial de divórcio (art. 409º, n.º1, do CPC), a requerente, não obstante estar dispensada de alegar e demonstrar factualidade referente à existência de justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, encontra-se onerada com a alegação e demonstração (sumária, diga-se) de factos respeitantes à celebração do casamento e que legitimem um juízo de séria probabilidade de os bens a arrolar serem comuns (a requerente não pede o arrolamento de bens próprios sob administração do requerido), por força do disposto no art. 409º, n.º1 e 3, do CPC (no mesmo sentido, veja-se José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, CPC Anotado, vol. 2º, 2001, Coimbra Editora, p. 172 e ss., nota 2, cuja pertinência se mantém por respeitar a preceito igual).
Por outro lado, importa reter que, tendo o arrolamento sido decretado com dispensa da audição prévia do requerido (art. 366º, n.º1 e 6, do CPC), assiste a este a faculdade, em alternativa, de recorrer ou deduzir oposição, ao abrigo do art. 372º, n.º1, als. a) e b), do CPC.
No âmbito da oposição prevista no art. 366º, n.º1, al. b), do CPC, inclui-se a faculdade de alegação de factos novos, não conhecidos na decisão que decretou a providência a que se reage, designadamente, os idóneos a integrar excepções (como serão aqueles que são adequados a remover a natureza comum de bens arrolados), de produção dos meios de prova referentes a tais factos e de o Tribunal, ponderando tal fundamento, decidir sobre a manutenção, redução ou revogação da providência decretada, constituindo tal decisão complemento e parte integrante da inicialmente proferida  (no mesmo sentido, veja-se: ac. TRG de 30-03-2017, processo n.º 2522/16.2T8BRG-B.G1, acessível em dgsi.pt; José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, obra citada, p. 42 e ss.).
A factualidade que o requerido pretende ver aditada reconduz-se, face ao por si invocado, a matéria de excepção, posto que daí decorre o afastamento da natureza comum dos bens cujo arrolamento pretende ver levantado (atento o disposto nos arts. 1789º, n.º1 e 2, 1721º, 1722º, n.º1, alas. a), b) e c), 1724º e 1725º, todos do CC) e que o Tribunal a quo assume como seu fundamento nos factos dados como provados na decisão que decretou a providência.
Face ao referido, ao invés do assumido na decisão que apreciou a oposição, entende-se que, no âmbito do presente arrolamento, impõe-se que se conheça dos factos novos alegados na oposição e, face ao que se apurar, com ponderação da prova oferecida pelo requerido (nos termos legalmente previstos), se decida sobre a manutenção ou redução da providência decretada.
A factualidade que o requerido pretende aditar tem, face ao exposto, relevo para a decisão que conhece da oposição.
Por força do disposto no art. 662º, n.º1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por outro lado, em cumprimento do estatuído no art. 662º, n.º2, al. c), do CPC, a Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na primeira instância quando, não constando no processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta.
No caso dos autos, não constando do processo todos os elementos que permitam a decisão sobre a ampliação da matéria de facto ponderada na decisão que conheceu da oposição ao arrolamento, desde logo porque não foi nem decidida nem apreciada prova apresentada pelo requerido (depoimentos de testemunhas, depoimento de parte e declarações de parte), impõe-se anular tal decisão, de modo a que o Tribunal a quo, com respeito pelos preceitos legais, conheça de tal matéria de facto.
*
6.
Face ao que acima se referiu, a apreciação da quarta questão acima enunciada mostra-se prejudicada.
*
7.
Considerando a procedência da apelação, a requerente/recorrida deverá suportar as custas do recurso (art. 527º, n.º1 e 2 do CPC).
*
III.
Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o Colectivo desta 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa abaixo identificados em julgar o recurso interposto pelo requerido procedente e, em consequência, anular a decisão que conheceu a oposição ao arrolamento, proferida a 05-05-2024, de modo a que o Tribunal a quo, com respeito pelos preceitos legais, conheça da matéria de facto acima referida.
A requerente/recorrida suportará as custas do processo.
Notifique.
*
Lisboa, 10-10-2024.
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Alberto Caetano Besteiro
Susana Maria Mesquita Gonçalves
João Paulo Raposo