RECURSO ORDINÁRIO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
MEDIDA DA PENA
PENA ÚNICA
Sumário


I. No artigo 25.º (tráfico de menor gravidade) do DL 15/93, de 22.01, prevê-se uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, «por referência à ilicitude pressuposta no art. 21.º, exemplificando aquela norma circunstâncias factuais com suscetibilidade de influírem no preenchimento valorativo da cláusula geral aí formulada.»
II. No art. 21.º (tráfico e outras atividades ilícitas) do cit. DL 15/93, tanto se pode incluir o grande, como o médio, tal como o pequeno tráfico de estupefacientes, desde que, neste último caso, não exista um quadro de acentuada diminuição da ilicitude e, portanto, não esteja abrangido no art. 25.º do mesmo diploma legal.
III. Perante a factualidade apurada(olhando para a imagem global dos factos apurados, as circunstâncias em que cometeu o crime em questão, diferente natureza dos estupefacientes que comprava e vendia, quantidade e qualidade de estupefacientes apreendidos em poder do arguido, destinados à venda, lucros obtidos com a venda de estupefacientes, modo de atuação e meios utilizados nessa atividade, que já revelam uma certa organização, período de tempo da sua atividade) é manifesto que não se pode concluir que exista uma acentuada diminuição da ilicitude. Efetivamente, considerada na globalidade a sua atuação dolosa que ocorreu nos moldes apurados e, também olhando a «imagem» do arguido/recorrente (que resulta igualmente da ponderação do conjunto dos factos provados e do seu posicionamento perante a sua prática), podemos concluir que nada justifica a alteração da qualificação jurídico-penal feita pela 1ª instância, que foi bem explicada. Considerando a forma (acima apontada) como cometeu o crime aqui em apreço é igualmente evidente que dos factos apurados relativos à situação pessoal, condição económica e sócio-cultural do recorrente - mesmo tendo ainda em atenção que mantinha hábitos de consumo de estupefacientes e que finda a produção de prova até acabou por confessar o crime cometido, tal como consta da motivação do acórdão recorrido - não se consegue concluir que fosse menor a ilicitude da sua conduta. Por isso, não temos quaisquer dúvidas em enquadrar os factos apurados no tipo legal previsto no art. 21.º, n.º 1, do cit. DL n.º 15/93.
IV. A medida da pena é determinada a partir do que resulta dos factos provados (e do que deles se pode deduzir) em relação a cada arguido que tenha cometido um ilícito penal e não a partir de considerações feitas pelo recorrente que não se extraem ou que não encontrem apoio nesses mesmos factos dados como provados.
V. Na medida da pena de ponderar a culpa e dolo que são intensos, tendo presente a ação concreta em questão nos autos, por si praticada, que se prolongou no período e moldes referidos nos factos provados, visto o circunstancialismo apurado e tendo em atenção, a diferente natureza e quantidade dos estupefacientes vendidos e dos apreendidos destinados à venda, bem como quantitativos obtidos com a venda de estupefacientes (incluindo os apreendidos), sendo manifesto que é elevada a ilicitude da sua conduta, mostrando bem a sua indiferença pelos malefícios para a vida e para a saúde dos consumidores (independentemente de também ser consumidor de estupefacientes) e, também de atender ao tipo de armas proibidas que detinha (estando apenas em causa a detenção), cuja conduta revela uma ilicitude média. São também elevadas as exigências de prevenção geral, tendo em atenção os bens jurídicos violados (genérica e primacialmente a saúde pública no crime de tráfico de estupefacientes e a segurança e tranquilidade públicas e a convivência social pacífica no crime de detenção de arma proibida). Apesar da idade do arguido (nasceu em 3.11.1971) à data dos factos, revelava dificuldades em levar uma vida conforme ao direito, ainda que seja primário e, o que se apurou quanto às condições de vida, situação pessoal, familiar, social e económica, mostra também uma personalidade adequada aos factos que cometeu. Mesmo ponderando o valor dado à confissão (depois da produção da prova, ainda que admitindo factos) pelo Coletivo, que não merece censura, assim como o seu comportamento no EP desde que está preso, que se tem mantido estável desde .../03/2023, beneficiando de apoio da família, embora não trabalhe, sendo certo que em liberdade também não tinha hábitos laborais há mais de 10 anos, seria bom que no EP fosse refletindo sobre o seu futuro, designadamente, alterar o seu rumo de vida, preocupando-se em poder se inserir profissionalmente e abandonar definitivamente o consumo de drogas, o que podia promover a sua reintegração social. Assim, tudo ponderado, considerando o efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro, olhando aos factos apurados e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido/recorrente, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, julga-se adequada e ajustada a pena de 6 anos e 6 meses de prisão que lhe foi imposta pelo crime de tráfico de estupefacientes e a pena de 2 anos e 6 meses de prisão pelo crime de detenção de arma proibida, as quais favorecem a sua reinserção social.
VI. Quanto à pena única, apesar do recorrente não a ter questionada explicitamente, sempre se dirá, que igualmente se concorda com a decisão da 1ª instância, atenta a moldura abstrata do concurso (de 6 anos e 6 meses de prisão a 9 anos de prisão), ponderando a conexão entre os crimes em concurso, que é grave, tendo de ser vistos no seu conjunto, considerando o espaço de tempo da sua atuação e a personalidade do arguido, que se mostra adequada aos factos cometidos, revelando tendência para a prática dos tipos de ilícitos criminais que executou, bem como não esquecendo, relativamente ao ilícito global, as elevadas exigências de prevenção geral (para reafirmar, perante a comunidade, a validade das normas violadas) e de prevenção especial (considerando todo o seu percurso de vida, apesar das oportunidades que foi tendo, mas que foi desaproveitando) que se fazem sentir e, no juízo de prognose a fazer pelo tribunal, considerando as suas carências de socialização, entende-se como adequada, ajustada e proporcionada a pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão (que não ultrapassa a medida da sua culpa, que é elevada) aplicada pela 1ª instância, a qual não é impeditiva da sua reintegração social, sendo conveniente e útil que vá interiorizando o desvalor da sua conduta, adote uma postura socialmente aceite e faça um esforço no sentido da sua auto-ressocialização.

Texto Integral


Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça


Relatório

No processo comum (tribunal coletivo) n.º 1491/21.1T9FNC do Juízo Central Criminal ..., Juiz 1, comarca da Madeira, por acórdão de 13.06.2024, entre outros, o arguido AA, nascido em ........1971, (no que aqui interessa) foi condenado:

- Como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- Como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alíneas c), d) e e), por referência aos artigos 2.º, n.º 1, alíneas q), ae) e az), e n.º 3, n.º 1, alíneas p) e ab), 3.º, n.º 5, alínea d), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

- Em cúmulo jurídico das referidas penas unitárias, na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão1.

2. Inconformado com o acórdão da 1ª instância, recorreu o mesmo arguido AA para este STJ, apresentando as seguintes conclusões:

1- O presente recurso versa matéria de direito.

2- O recorrente não se pode conformar com o douto acórdão que o condenou na pena de seis anos e seis meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artigo 21.º nº 1 do decreto-lei nº 15/93 de 22 de janeiro e pela prática como autor material na forma consumada de um crime de detenção de arma proibida p.p. pelo artigo 86.º nº 1 alíneas c), d) e e) por referência aos artigos 2.º , nº 1 , alíneas q), ae) e az) e nº 3 , nº 1 alíneas p) e ab), 3º nº 5 alínea d), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições, na pena de dois anos e seis meses de prisão, e em cúmulo jurídico na pena de sete anos e seis meses de prisão.

3- O recorrente era consumidor de estupefacientes á data dos factos e procedia a venda de estupefacientes diretamente a consumidores, sem intermediários, na sua residência, sem recurso a quaisquer meios logísticos.

4- Não ostentava nem lhe eram conhecidos bens de elevado valor, nem tão pouco tinha acesso a grandes quantidades de estupefacientes.

5- O arguido confessou os factos.

6- Não tem antecedentes criminais.

7- Os meios utilizados serem os utilizados em tais atividades de tráfico de estupefacientes, a organização em causa era bastante rudimentar de forma direta e com o apoio da sua companheira também ela toxicodependente e numa área geográfica devidamente delimitada.

8- A venda direta de estupefacientes realizadas pelo arguido eram feitas diretamente sem quaisquer meios de sofisticação impeditivas do controlo policial, o que veio a ocorrer.

7- Entende-se que a atuação do arguido se subsume ao crime previsto no artigo 25 al a) do Decreto-Lei 15/93 de 22/01.

8- Alteração que terá de se repercutir num abaixamento da pena a determinar dentro da moldura penal que este preceito legal prescreve.

9- leia-se Ac. de 2/10/2019 do Supremo Tribunal de Justiça “estas circunstâncias devem ser avaliadas globalmente. Dificilmente uma delas com peso negativo, poderá obstar, por si só subsunção dos factos a essa incriminação ou, inversamente uma só circunstância favorável imporá essa subsunção. Exige-se sempre uma ponderação que avalie o valor, positivo ou negativo, e respetivo grau, de todas as circunstâncias apuradas e é desse cômputo total que resultará o juízo adequado a caracterização da situação como integrante, ou não de tráfico de menor gravidade”.

10- Mas mesmo que assim não se entenda, defende-se que a pena aplicada é deveras injusta por excessiva.

11- O grau de ilicitude é mediano pois estamos perante um crime de tráfico comum cujo modus operandi é o normal.

12 - A intensidade do dolo apesar de direto deve ser considerado mediano.

13 - O arguido revelou crítica ao admitir os factos admitindo a danosidade da sua conduta.

14 - Quanto as necessidades de prevenção geral foram consideradas elevadas atenta a frequência com que ocorrem estes tipos de crime e a necessidade de conscientização social para a ilicitude dos atos que corporizam.

15 - A ponderação do caso, devera ser considerada que as necessidades de prevenção geral sejam consideradas médias. Razão pela qual se defende que a pena aplicada é deveras excessiva mesmo que se entenda que a sua atuação integra a prática do crime pelo qual foi formalmente condenado, o previsto no artigo 21 do Decreto-Lei 15/93 de 22/01 não deveria a pena ultrapassar os cinco anos e seis meses de prisão.

16 - E pela prática do crime um crime de detenção de arma proibida p.p. pelo artigo 86.º nº 1 alíneas c), d) e e) por referência aos artigos 2.º , nº 1 , alíneas q), ae) e az) e nº 3 , nº 1 alíneas p) e ab), 3º nº 5 alínea d), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições, a pena não deveria ultrapassar os dois anos de prisão, atendendo não só a moldura penal aplicável mas atendendo que as armas foram apreendidas na residência do arguido sem que tivesse utilizado as ditas armas em contexto público ou para a prática de crimes.

17 - A interpretação do estipulado no artigo 70 do C.P. deve conduzir a prevalência de considerações de prevenção especial positiva ou de socialização, sobre ouras nomeadamente as de prevenção geral.

18 - O arguido não possui antecedentes criminais, era toxicodependente á data dos factos, tendo revelado consciência da danosidade da sua conduta mostrando-se arrependido.

19 - O tribunal a quo não teve em consideração para efeitos de ponderação da medida concreta da pena a toxicodependência do arguido, as vendas diretas efetuadas pelo arguido como meio de alimentar o seu consumo sem recurso a quaisquer meios de organização e sofisticação, revelando uma actuação que se enquadra no tráfico de bairro.

20 - Em face do exposto somos de crer na nossa humilde de opinião que a pena aplicada ao recorrente violou os artigos 40 nº 1 e 70 do C.P.

21 - A medida concreta da pena deve socorrer-se dos critérios plasmados nos artigos 40 e 71 do Código Penal, isto é deve determinar a medida concreta da pena em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial.

22 - O artigo 71 do Código Penal refere que na determinação da medida concreta da pena ter-se-á em conta, para além da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

Termina pedindo o provimento do recurso.

3. Na resposta ao recurso, o Ministério Público pugnou pela sua improcedência, considerando adequadas as penas aplicadas e, concluindo, pela confirmação do acórdão sob recurso.

4. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça e, o Sr. PGA emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso, no qual, em resumo, sustentou por um lado que, perante os factos dados como provados, “não se vê como seja possível ter por consideravelmente diminuída a ilicitude do facto, sem o que não se poderá ter por verificado o tipo privilegiado do tráfico de estupefacientes”, e “Assim, o enquadramento jurídico dos factos provados só poderia ser, como foi, e por que vinha acusado, o do artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, com referência às tabelas I-A, I-C e II-A, anexas.” e, por outro lado, as penas individuais e únicas aplicadas observaram os critérios legais, tendo sido justas e proporcionadas à gravidade dos factos e à personalidade do agente, não merecendo censura.

5. Não houve resposta ao Parecer do Sr. PGA.

6. No exame preliminar a Relatora ordenou que os autos fossem aos vistos, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

Fundamentação

7. Consta do acórdão impugnado o seguinte com interesse para o conhecimento do recurso:

FACTOS PROVADOS

Discutida e instruída a causa resultaram provados os seguintes factos:

Da Acusação


§


Da actividade do arguido AA e de BB

§


1. Desde, pelo menos, Maio de 2021 e até ao dia 2 de Fevereiro de 2022, o arguido AA, também conhecido pela alcunha de “AA”, dedicou-se à compra e à venda, nas ilhas da Madeira e do Porto Santo, de produtos estupefacientes, nomeadamente heroína, resina de canábis e alfa-PHP, a terceiros que, para o efeito, o procuraram, actividade com a qual pretendeu obter, como obteve, lucros pecuniários decorrentes da diferença entre o respetivo preço de compra e o posterior preço de venda, sempre superior àquele.

2. O arguido AA desenvolveu a essa actividade, essencialmente, a partir da sua residência, sita ao ..., nesta comarca da Madeira, e num terreno a ela contíguo, localizado ao ....

3. No desenvolvimento da referida actividade, o arguido AA adquiriu, cortou, fraccionou e acondicionou os produtos estupefacientes que vendeu e destinou à venda a terceiros, detendo o material necessário para o efeito.

4. No âmbito dessa actividade, o arguido AA guardou na sua residência, acima identificada, os produtos estupefacientes que adquiriu para posterior venda a terceiros, os instrumentos destinados ao corte, ao fraccionamento e ao embalamento das porções de droga que vendeu e destinou à venda a terceiros, bem como o dinheiro proveniente das vendas de entorpecentes que efectuou.

5. No exercício de tal actividade, o arguido AA empregou a colaboração de BB, sua companheira, a quem incumbiu de vender produtos estupefacientes, nomeadamente, heroína, resina de canábis e alfa-PHP, a terceiros que para tanto a procurassem.

6. Assim, desde, pelo menos, Maio de 2021 e, pelo menos, até ao dia 2 de Fevereiro de 2023, o arguido AA e BB, de comum acordo e em comunhão de meios e esforços, venderam, em diversas ocasiões temporalmente distintas, a diversos indivíduos, heroína, resina de canábis e alfa-PHP, cobrando por cada dose, respetivamente, os preços de 10 € (dez euros), de 2,50 € (dois euros e cinquenta cêntimos) e de 5 € (cinco euros).

7. Nesse período de tempo, em diversas situações temporalmente distintas, e, pelo menos, uma vez por semana, na sua residência ou nas suas imediações, o arguido AA vendeu heroína a CC e a DD, em algumas ocasiões 2 g (dois gramas) de uma vez, pelo preço de 60 € (sessenta euros).

8. Nesse período de tempo, quase diariamente, na sua residência ou nas suas imediações, o arguido AA vendeu 2 (duas) doses de heroína a EE, pelo preço unitário de 10 € (dez euros).

9. Nesse período de tempo, cerca de 2 (duas) vezes por semana, na sua residência ou nas suas imediações, o arguido AA vendeu resina de canábis e/ou alfa-PHP a FF, que por isso pagou, de cada vez, 20 € ou 30 €.

10. Nesse período de tempo, na sua residência ou nas suas imediações, o arguido AA e BB, de comum acordo e em comunhão de meios e esforços, venderam, em diversas situações temporalmente distintas, pelo menos, 2 (duas) doses de heroína, de cada vez, a GG, pelo preço unitário de 10 € (dez) euros.

11. Nesse período de tempo, na sua residência ou nas suas imediações, o arguido AA, em pelo menos uma ocasião, vendeu heroína a HH, pelo preço de 10 € (dez euros) a dose.

12. Nesse período de tempo, na sua residência ou nas suas imediações, o arguido AA e BB, de comum acordo e em comunhão de meios e esforços, venderam, em diversas situações temporalmente distintas, várias doses de heroína a II, que lhes comprava entre 20 € (vinte euros) e 30 € (trinta euros) dessa substância de cada vez. certo

13. Nesse período de tempo, na sua residência ou nas suas imediações, o arguido AA e BB, de comum acordo e em comunhão de meios e esforços, venderam, em diversas situações temporalmente distintas, várias doses de heroína a JJ, pelo valor unitário respetivo de 10 € (dez euros) a dose.

14. Nesse período de tempo, na sua residência ou nas suas imediações, o arguido AA vendeu, em diversas situações temporalmente distintas, várias doses de resina de canábis a KK, que lhe pagou entre 10 € (dez euros) e 20 € (vinte euros) de cada vez.

15. Nesse período de tempo, em diversas situações temporalmente distintas, na sua residência ou nas suas imediações, o arguido AA vendeu, de cada vez, a LL, pelo menos, 1 (uma) dose de heroína, pelo preço unitário de 10 € (dez euros).

16. Nesse período de tempo, em diversas situações temporalmente distintas, na sua residência ou nas suas imediações, o arguido AA vendeu, de cada vez, a MM, pelo menos, 1 (uma) dose de heroína, pelo preço unitário de 10 € (dez euros).

17. Nesse período de tempo, na sua residência ou nas suas imediações, em diversas situações temporalmente distintas, o arguido AA e BB, de comum acordo e em comunhão de meios e esforços, venderam heroína e Alfa-PHP a NN, pelo preço respetivo de 10 € (dez euros) e 5 € (cinco) euros, por dose.

18. No dia 1 de Dezembro de 2021, pela 1h30m, no ..., o arguido AA detinha:

• 3 (três) embalagens de alfa-PHP, com o peso líquido de 1,442g (um grama e quatrocentos e quarenta e dois miligramas), que também destinava à venda a terceiros;

• 1 (uma) porção de resina de canábis, com o peso líquido de 0,40g (quarenta centigramas), que também destinava à venda a terceiros;

• A quantia de 500 € (quinhentos euros) em dinheiro, proveniente da venda de produto estupefaciente a que se dedicava;

• 1 (um) telemóvel da marca “Samsung”, modelo “Galaxy”, utilizado para combinar a compra e a venda de produtos estupefacientes.

19. Em data não determinada, mas anterior ao dia 27 de fevereiro de 2022, o arguido AA vendeu ao arguido OO, pelo menos, 9 (nove) panfletos de heroína, com o peso líquido total de 1,125g (um grama e cento e vinte e cinco miligramas, 14 (catorze) panfletos de alfa-PHP, com o peso líquido total de 0,987g (um grama e novecentos e oitenta e sete miligramas), e 1 (um) panfleto de resina de canábis, com o peso líquido de 0,025g (vinte e cinco miligramas).

20. No dia 4 de Maio de 2022, pelas 17h45m, no interior da sua residência ou nas suas imediações, o arguido AA vendeu ao arguido OO, pelo menos, 1 (uma) embalagem de heroína, com o peso líquido de 5,283g (cinco gramas e duzentos e oitenta e três miligramas), e 15 (quinze) pacotes de alfa-PHP, com o peso líquido total de 1,515g (um grama e quinhentos e quinze miligramas).

21. No dia 8 de Maio de 2022, pelas 14h50m, à porta da sua residência, o arguido AA vendeu a FF 4 (quatro) porções de resina de canábis, com o peso líquido total de 0,713g (setecentos e treze miligramas), e 2 (duas) embalagens de alfa-PHP, com o peso líquido total de 0,164g (cento e sessenta e quatro miligramas), pelos preços respectivos de 20 € (vinte euros) e de 10 € (dez euros).

22. No dia 12 de Maio de 2022, pelas 14h10m, à porta da sua residência, o arguido AA vendeu a PP 1 (uma) embalagem de alfa-PHP, com o peso líquido de 0,342g (trezentos e quarenta e dois miligramas), e 1 (uma) embalagem de heroína, com o peso líquido de 0,3g (três decigramas).

23. No dia 14 de Maio de 2022, pelas 17h10m, à porta da sua residência, o arguido AA vendeu a II e a JJ 1 (uma) embalagem de heroína, com o peso líquido de 0,455g (quatrocentos e cinquenta e cinco miligramas).

24. Na mesma data, pelas 17h45m, na sua residência, o arguido AA entregou a EE uma embalagem que continha, no seu interior, 26 (vinte e seis) embalagens de heroína, com o peso líquido total de 2,785g (dois gramas e setecentos e oitenta e cinco centigramas).

25. Na mesma data, pelas 23h15m, no interior da aludida residência, o arguido AA vendeu a NN 2 (duas) embalagens de heroína, com o peso líquido total de 0,282g (duzentos e oitenta e dois miligramas), e 5 (cinco) embalagens de alfa-PHP, com o peso líquido total de 0,253g (duzentos e cinquenta e três miligramas), tendo encarregado BB da entrega desses produtos estupefacientes ao comprador.

26. No dia 29 de Maio de 2022, entre as 11h33m e as 11h37m, na sua residência, o arguido AA vendeu a MM, pelo menos, 1 (uma) dose de heroína, pelo preço unitário de 10 € (dez euros).

27. Na mesma data, entre as 11h37m02s e as 11h40m31s, na sua residência, o arguido AA vendeu uma quantidade não apurada de produtos estupefacientes a dois indivíduos não identificados.

28. Na mesma data, entre as 12h45m14s e as 12h54m05s, na sua residência, o arguido AA vendeu a LL, pelo menos, 1 (uma) dose de heroína, pelo preço unitário de 10 € (dez euros).

29. Na mesma data, entre as 13h21m07s e as 13h51m17s, na sua residência, o arguido AA vendeu produtos estupefacientes a diversos indivíduos de identidade desconhecida, um dos quais conhecido apenas como “QQ, Genro do ...”.

30. Na mesma data, entre as 13h54m25s e as 13h55m45s, na sua residência, o arguido AA vendeu a KK resina de canábis em quantidade equivalente a, pelo menos, 10 € (dez euros).

31. Na mesma data, entre as 14h03m40s e as 14h04m56s, na sua residência, o arguido AA vendeu uma quantidade não concretamente apurada de produtos estupefacientes a diversos indivíduos não identificados.

32. Na mesma data, entre as 14h47m34s e as 14h50m17s, o arguido AA vendeu, pelo menos, 2 (duas) doses de heroína a GG e a HH, pelo preço total de 20 € (vinte euros).

33. Na mesma data, entre as 14h52m34s e as 16h29m42, o arguido AA vendeu uma quantidade não concretamente apurada de produtos estupefacientes a diversos indivíduos não identificados, entre eles um conhecido por “RR”.

34. Durante o Verão de 2022, em, pelo menos, 10 (dez) situações temporalmente distintas, entre 10 (dez) e 15 (quinze), em ..., o arguido AA e BB, de comum acordo e em comunhão de meios e esforços, venderam doses, com o peso de 0,1g (um decigrama), de heroína, pelo preço unitário de 20 € (vinte euros), a SS.

35. Em igual período, em diversas situações temporalmente distintas, entre 10 (dez) e 15 (quinze), no ..., o arguido AA e BB, de comum acordo e em comunhão de meios e esforços, venderam doses, com o peso de 0,1g (um decigrama), de heroína e, sobretudo, de alfa-PHP, pelo preço unitário de 20 € (vinte euros), a TT.

36. No mesmo período, diversas situações temporalmente distintas, BB, de comum acordo e em comunhão de meios e esforços com o arguido AA, vendeu doses de alfa-PHP a UU.

37. Durante o Verão de 2022, em, pelo menos, 10 (dez) situações temporalmente distintas, no ..., o arguido AA e BB, de comum acordo e em comunhão de meios e esforços, venderam doses, com o peso de 0,1g (um decigrama) de heroína e de alfa-PHP, pelo preço unitário de 20 € (vinte euros), a VV.

38. No dia 21 de Junho de 2022, pelas 19h, na Rua do ..., o arguido AA detinha:

a. 2 (duas) embalagens de heroína, com o peso líquido total de 0,227g (duzentos e vinte e sete miligramas), que também destinava à venda a terceiros;

b. 5 (cinco) embalagens de alfa-PHP, com o peso líquido total de 0,418g (quatrocentos e dezoito miligramas), que destinava à venda a terceiros;

c. A quantia de 815 € (oitocentos e quinze euros) em dinheiro, proveniente da venda de produto estupefaciente a que se dedicava;

d. 1 (um) telemóvel da marca “Samsung”, modelo “A32”, utilizado para combinar a compra e a venda de produtos estupefacientes.

39. No dia 3 de julho de 2022, pelas 10h30m, junto ao terminal do navio “...”, no ..., o arguido AA detinha:

a. 1 (uma) embalagem de heroína, com o peso líquido de 2,098g (dois gramas e noventa e oito miligramas), que também destinava à venda a terceiros;

b. 1 (uma) embalagem de resina de canábis, com o peso líquido de 3,902g (três gramas e novecentos e oitenta e dois miligramas), que também destinava à venda a terceiros;

c. A quantia de 345 € (trezentos e quarenta e cinco euros) em dinheiro, proveniente da venda de produto estupefaciente a que se dedicava.

40. No dia 13 de julho de 2022, pelas 10h45m, em ..., agindo em comunhão de meios, esforços e desígnios com o arguido AA, BB detinha 1 (uma) embalagem de alfa-PHP, com o peso líquido de 0,142g, que destinava à venda a terceiros.

41. Na mesma data, pelas 22h20m, na Rua ..., o arguido AA detinha:

a. 1 (uma) embalagem de heroína, com o peso líquido de 2,209g (dois gramas e duzentos e nove miligramas), que também destinava à venda a terceiros;

b. 3 (três) pacotes de alfa-PHP, com o peso líquido total de 0,122g (cento e vinte e dois miligramas, que destinava à venda a terceiros;

c. A quantia de 290 € (duzentos e noventa euros) em dinheiro, proveniente da venda de produto estupefaciente a que se dedicava.

42. No dia 3 de agosto de 2022, pelas 21h, na Estrada ..., o arguido AA detinha:

a. 12 (dose) embalagens que continham heroína, com o peso líquido de 54,39g (cinquenta e quatro gramas e trinta e nove centigramas), que também destinava à venda a terceiros;

b. 15 (quinze) embalagens que continham alfa-PHP, com o peso líquido de 65,696g (sessenta e cinco gramas e seiscentos e noventa e seis miligramas), que destinava à venda a terceiros;

c. A quantia de 3.955 € (três mil, novecentos e cinquenta e cinco euros em dinheiro) em dinheiro, proveniente da venda de produto estupefaciente a que se dedicava.

43. No dia 19 de Novembro de 2022, entre as 19h50m e as 22h, na sua residência, o arguido AA vendeu a WW e à sua irmã XX, pelo menos, 1 (um) panfleto de heroína, com o peso líquido de 0,121g (cento e vinte e um miligramas) e 2 (dois) panfletos de alfa--PHP, com o peso líquido de 0,355g (trezentos e cinquenta e cinco miligramas).

44. No dia 30 de Novembro de 2022, entre as 22h40m e as 22h50m, na sua residência, BB, de comum acordo e em comunhão de meios e esforços com o arguido AA, vendeu a YY 6 (seis) panfletos de heroína, com o peso líquido total de 0,624g (seiscentos e vinte e quatro gramas).

45. No dia 4 de Dezembro de 2022, pelas 22h25m, na sua residência, o arguido AA vendeu a II 1 (um) panfleto de heroína, com o peso líquido de 0,320g (trezentos e vinte miligramas).

46. Desde o início do mês de Dezembro de 2022 e até ao dia 30 de Janeiro de 2023, em diversas situações temporalmente distintas, na sua residência ou nas suas imediações, o arguido AA vendeu várias doses de alfa-PHP a ZZ, pelo preço unitário de 5 € (cinco) euros.

47. No dia 2 de Fevereiro de 2023, pelas 8h45m, na sua residência, o arguido AA detinha:

a. sete embalagens de resina de canábis, com o peso líquido total de 65,182 g, que também destinava à venda a terceiros, acondicionadas no bolso do casaco que vestia;

b. uma embalagem de heroína com o peso de 3,515 gramas líquidos;

c. uma embalagem de resina de canábis com o peso líquido de 3,863 gramas;

d. Uma embalagem de alfa-PHP, com o peso líquido total de 0,150 g, que destinava à venda a terceiros, guardadas na mesa de cabeceira do seu quarto de dormir;

e. 2 (duas) balanças de precisão, utilizadas na preparação, na pesagem, no corte e no fracionamento dos produtos estupefacientes que destinava à venda a terceiros, as quais continham vestígios de produtos estupefacientes, guardadas num armário da cozinha;

f. Vários recortes plásticos, utilizados para o embalamento dos produtos estupefacientes que destinava à venda a terceiros, guardados na sala;

g. 3 (três) tesouras e 1 (uma) navalha, utilizadas na preparação e no fracionamento dos produtos estupefacientes que destinava à venda a terceiros, guardadas no seu quarto de dormir;

h. 1 (um) telefone da marca “Motorola”, 1 (um) tablet da marca “Huawei” e 1 (um) telemóvel da marca “Apple”, modelo “iPhone14”, que utilizados para combinar a compra e a venda de produtos estupefacientes, adquiridos com o dinheiro proveniente da venda de produtos estupefacientes.

i. Na sua residência foram também encontrados 2 (dois) brincos em ouro, com o peso bruto de 0,96g (noventa e seis centigramas), 1 (um) fio em ouro, com o peso bruto de 7,69g (sete gramas e sessenta e nove centigramas), 1 (um) fio em ouro, com o peso bruto de 7,92g (sete gramas e noventa e dois centigramas), 1 (um) fio em ouro, com o peso bruto de 11,78g (onze gramas e setenta e oito centigramas), 1 (um) fio em ouro, com o peso bruto de 1,88g (um grama e oitenta e oito centigramas), 1 (uma) pulseira em ouro, com o peso bruto de 6,60g (seis gramas e sessenta centigramas), 1 (um) fio em ouro, com o peso bruto de 1,92g (um grama e noventa e dois centigramas), 1 (uma) medalha em outro, com o peso bruto de 7,69g (sete gramas e sessenta e nove centigramas), 1 (um) brinco em ouro, com o peso bruto de 0,85g (oitenta e cinco centigramas), 1 (um) broche em ouro, com o peso bruto de 0,46g (quarenta e seis centigramas), 1 (uma) mola de fecho de colar em ouro, com o peso bruto de 0,34g (trinta e quatro centigramas), 1 (um) brinco em ouro, com o peso bruto de 0,78g (setenta e oito centigramas), e 1 (uma) medalha em ouro, com o peso bruto de 0,66g (sessenta e seis gramas).

j. A quantia de 287,50 € (duzentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos) em dinheiro, proveniente da venda de produtos estupefacientes a que se dedicava;

k. 1 (um) objecto em madeira, com o comprimento total de 63,5cm (sessenta e três centímetro e cinco milímetros) e uma empunhadura com o comprimento total de 13,5cm (treze centímetros e cinco milímetros), com picos acima da empunhadura, construído com o único propósito de ser utilizado como instrumento de agressão, que o arguido AA não estava autorizado a deter, por não ser passível de legalização;

l. 1 (uma) pistola da marca “Colt”, modelo “1908”, de calibre .25, com o n.º de série ....32, composta por um cano estriado, com o comprimento de 5,5cm (cinco centímetros e cinco milímetros), fabricada e apta a disparar múltiplos projéteis, mediante o acionamento de uma carga propulsora combustível, exercido através da pressão do respetivo gatilho, que o arguido AA não estava autorizado a deter, por não possuir licença de uso e porte de arma para o efeito;

m. 6 (seis) munições para a sobredita pistola da marca “Sellier & Bellot”, que integravam o invólucro, o fulminante, a carga propulsora e o projétil destinado a ser disparado pela aludida pistola, que o arguido AA não estava autorizado a deter, por não possuir licença de uso e porte de arma para o efeito.


*


48. O arguido AA e BB não estavam autorizados a cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, pôr à venda, vender, distribuir, comprar, ceder, receber a qualquer título, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fazer transitar ou deter produtos estupefacientes de qualquer natureza, nomeadamente heroína, resina de canábis (haxixe) e alfa-PHP, o que bem sabiam.

49. Não obstante, o arguido AA previu e quis adquirir, receber, cortar, fracionar, transportar e deter heroína, resina de canábis (haxixe) e alfa-PHP, com o propósito concretizado de distribuir e vender, por si ou através de BB, com quem actuou de comum acordo e em comunhão de meios e esforços, tais produtos estupefacientes a terceiros neste arquipélago, que, para o efeito, o procuraram, conhecendo a sua natureza, as suas características, o seu modo de fracionamento e a sua proveniência, tudo com o intuito, também alcançado, de obter lucros pecuniários, resultantes da diferença entre o preço de compra e o posterior preço de venda, sempre superior àquele.

50. Por sua vez, BB, atuando de comum acordo e em comunhão de meios e esforços com o arguido AA, previu e quis deter e vender produtos estupefacientes, nomeadamente heroína, resina de canábis e alfa-PHP, a terceiros neste arquipélago e, para o efeito, transportar tais produtos estupefacientes até à ilha ..., para aí os vender a terceiros, como sucedeu, conhecendo a sua natureza, as suas características, o seu modo de fracionamento e a sua proveniência, tudo com o intuito, também alcançado, de obter lucros pecuniários, resultantes da diferença entre o preço de compra e o posterior preço de venda, sempre superior àquele.

51. O arguido AA previu e quis deter o objecto descrito em 47., i), supra, apesar de conhecer as suas características e o seu modo de funcionamento e de bem saber que fora exclusivamente construído para ser utilizado como instrumento de agressão e que a sua posse, a qualquer título, não lhe era permitida, por não ser passível de legalização.

52. O arguido AA previu e quis deter a arma de fogo e as munições atrás descritas, apesar de conhecer as respectivas características e o seu modo de funcionamento e de bem saber que a sua detenção não lhe era a qualquer título permitida, por não possuir licença de uso e porte de arma para o efeito.

53. O arguido AA actuou livre, deliberada e conscientemente, com plena capacidade de determinação segundo as legais prescrições, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punida, e ainda assim, não se coibiu de a adoptar.

54. O arguido AA previu e quis agir nos termos acima descritos, apesar de a sua atuação descrita em 18., 38., 39., 40., 41. e 42., supra, ter motivado a sua detenção em flagrante delito pela Polícia de Segurança Pública nessas ocasiões.

(…)

De acordo com os Relatórios Sociais a eles referentes:

88. O arguido AA, no período a que se reportam os factos da acusação, integrou, predominantemente, o agregado de origem, constituído pelo pai, nonagenário, e pela, então companheira, que, segundo ele, era consumidora de substâncias psicoactivas. A habitação onde residiu, de construção antiga e de tipologia 3, é propriedade da família, tendo ele beneficiado de condições de habitabilidade razoáveis enquanto se manteve no sistema familiar de origem. Porém, chegou a viver ..., ainda dentro do período a que se reportam os factos da acusação, com a, então, companheira, mas fez referência aí, condições precárias, muito associadas a uma vivência de rua.

89. AA reuniu e continua a reunir o apoio familiar, retratando que foi sendo alvo de apelos e de sensibilização da família no sentido de adoptar uma conduta pró-social, mas não se mostrou responsivo a estas dinâmicas familiares. Apesar de um longo percurso como toxicodependente e dos vários problemas legais em que esteve envolvido, sente que a família continuou a prestar-lhe suporte e a manifestar solidariedade, mas não conseguiu corresponder com a defesa de um estilo de vida normativo.

90. Terá habilitações escolares ao nível do 6º ano e define-se, em termos profissionais, como .... Porém, perdeu, desde há muito anos, a capacidade para se adaptar ao trabalho, mantendo-se em situação de desocupação muito prolongada (há mais de 10 anos), habituando-se à dependência da família e a esquemas para a obtenção de recursos para as necessidades aditivas. Assim, não foi produtivo e manteve, predominantemente, uma economia não declarada.

91. Tem um problema de toxicodependência desde há muito anos pelo uso de substâncias como opiáceos, canabinóides e drogas sintéticas. As tentativas de tratamento foram frustradas, reconhecendo recompensa e prazer no uso de substâncias psicoactivas e dificuldades de autocontrolo que favoreçam a sua reabilitação psicossocial. É um indivíduo muito habituado à convivência com sociabilidades desviantes e cujas relações afectivas tendem a ocorrer com parceiras com problemas aditivos. Está também muito adaptado, pelo seu percurso de vida, a um quotidiano desocupado, improdutivo, marginal e sem objetivos.

92. Encara a reclusão como a imposição forçada de um autocontrolo na sua relação com as drogas, uma vez que, em liberdade, sentiu não ter essa capacidade por não atribuir qualquer importância a valores socialmente relevantes, entre eles a saúde. Entrou no EP... em .../02/2023 e foi punido, em .../03/2023, com uma medida disciplinar de internamento por posse de substância proibida. Desde então, a sua conduta tem sido estável, mas não tem qualquer ocupação no EP.... Mantém o apoio da família, beneficiando de visitas das irmãs, sendo que o pai, pela sua idade, não se desloca ao contexto prisional, compreendendo o arguido a necessidade de o resguardar.

93. Vive a sua situação jurídico-penal com resignação e revela uma atitude compreensiva face ao tráfico de drogas quando a ele estão associadas necessidades que decorrem do desenvolvimento de problemáticas aditivas.

(…)

114.O arguido AA não tem antecedentes criminais averbados no seu Certificado de Registo Criminal.

(…)

FACTOS NÃO PROVADOS

Com interesse para a decisão, não se provaram outros factos. Designadamente, não se provou que:

Da Acusação

A. Os artefactos em ouro que, no dia 2 de Fevereiro de 2023, pelas 8h45m, o arguido AA tinha sua residência, atrás descritos, tinham-lhe sido entregues por terceiros, como pagamento do preço dos produtos estupefacientes que lhes vendeu.

B. Desde, pelo menos, Maio de 2021 e, pelo menos, até ao dia 2 de Fevereiro de 2023, na sua residência ou nas suas imediações, o arguido AA e BB, de comum acordo e em comunhão de meios e esforços, venderam (também), em diversas situações temporalmente distintas, várias doses de resina de canábis a JJ, pelo preço de 15 € (quinze euros) o grama.

C. Em diversas situações temporalmente distintas, ocorridas entre Janeiro de 2022 e até ao dia 4 de Setembro de 2022, o arguido AA vendeu, na sua residência, ao arguido AAA heroína e alfa-PHP, pelo preço de unitário de 10 € (dez euros) e de 5 € (cinco euros), respectivamente.

D. Em data não determinada, mas anterior ao dia 4 de Setembro de 2022, o arguido AA propôs ao arguido AAA que este lhe transportasse heroína, resina de canábis e alfa-PHP para a ilha de ..., para aí serem vendidos pelo primeiro, o que o este aceitou fazer, contra o pagamento de dinheiro.

E. Os produtos estupefacientes que o arguido AAA tinha na sua posse tinham-lhe sido entregues pelo arguido AA no dia 4 de Setembro de 2022, entre as 5h e as 6h, no Porto ..., e destinavam-se a ser também por ele vendidos a terceiros.

F. O arguido AAA deslocou-se, no “...”, ..., de comum acordo e em comunhão de meios e esforços com o arguido AA.

G. O arguido AAA actuou de comum acordo e em comunhão de meios e esforços com o arguido AA na distribuição e venda de produtos estupefacientes a terceiros neste arquipélago.

H. O arguido AAA previu e quis deter e receber do arguido AA produtos estupefacientes, nomeadamente heroína, resina de canábis e alfa-PHP, actuando de comum acordo e em comunhão de meios e esforços com esse arguido.

I. Em diversas situações temporalmente distintas, ocorridas em 2022, o arguido OO vendeu, de cada vez, pelo menos, 1 (uma) dose de heroína a CC.


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O demais vertido na acusação e supra expressamente não mencionado em sede de “Factos Provados” e “Não Provados”, não o foi por consubstanciar matéria de direito e/ou conclusiva.2

*


Direito

8. Como sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação que apresentou (art. 412.º, n.º 1, do CPP).

Os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça restringem-se exclusivamente ao reexame da matéria de direito (art. 434.º do CPP), sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 432.º

As questões suscitadas no recurso em apreciação prendem-se, por um lado, com a qualificação jurídico-penal do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual o arguido/recorrente também foi condenado (pretendendo que seja alterada para tráfico de menor gravidade p. e p. no art. 25.º, al. a), do DL 15/93, com a consequente redução da pena individual que lhe foi aplicada, tendo em atenção a menor moldura abstrata desse crime) e, por outro lado, sem prescindir, com a medida da pena aplicada por cada um dos crimes pelos quais foi condenado (que pretende que seja reduzida para pena não superior a 5 anos e 6 meses de prisão, caso seja mantida a qualificação pelo crime do art. 21.º do DL 15/93 e para pena de 2 anos de prisão pelo crime de detenção de arma proibida), por as considerar excessivas e que violam o disposto nos arts. 40.º, n.º 1 e 70.º do CP.

Vamos então analisar as questões suscitadas pelo recorrente, tendo presente que, tal como resulta do texto da decisão recorrida, não ocorrendo quaisquer dos vícios previstos nas alíneas a), b) ou c) do n.º 2 do art. 410.º, do CPP, nem nulidades ou irregularidades de conhecimento oficioso, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto acima transcrita, a qual nessa parte se mostra devidamente sustentada e fundamentada.

Pois bem.

1ª questão (enquadramento jurídico-penal dos factos dados como provados quanto ao crime de tráfico de estupefacientes)

Consta do acórdão impugnado o seguinte quanto a esta questão colocada pelo recorrente:

Do Crime de Tráfico de Estupefacientes, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1 do Dec. Lei nº 15/93, de 22/01

Dispõe o citado art. 21º, nº 1 que, “1. Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.”

Com a incriminação do tráfico de estupefacientes pretende-se proteger diversos bens jurídicos, tais como, a vida, a integridade física, a liberdade de determinação dos consumidores de estupefacientes, entre outros. Contudo, todos esses bens jurídicos podem ser reportados a um único: a saúde pública em geral.

Porém, este tipo de ilícito tem uma capacidade pluriofensiva dado que “é a vida das pessoas, a sua inter-relação com os outros, família, amigos, a sua dignidade humana, por vezes até o seu património que está em causa, ma também os bens colectivos, o custo social e financeiro e até o equilíbrio democrático dos Estados, que são postos em crise pelo crime em questão.” – cfr. Fernando Gama Lobo, Droga – Legislação – Notas, Doutrina, Jurisprudência, pág. 43.

“Não requerendo que se verifique, em concreto, o dano na saúde de alguém, o crime – em razão do seu objecto formal ou jurídico – constitui um crime de perigo. E crime de perigo comum porquanto a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos. É ainda um crime de perigo abstracto, pois não exige o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos com a incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos” – J. L. Moraes Rocha, Droga – Regime Jurídico, 1994, pág. 61.

O que se pune é a actividade ilícita enquanto geradora de um risco presumido para a saúde pública, isto é, a lei presume, iuris et de jure, que aquela concreta actividade desenvolvida é perigosa e constitui um risco para o bem jurídico tutelado.

Ou seja, a lei, nas condutas que descreve, basta-se aqui com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime de tráfico logo que qualquer uma das descritas condutas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine. No fundo, podemos dizer que a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.

A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes como crimes de perigo, de protecção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe, porém, a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo (um perigo que é abstracto-concreto) para os bens jurídicos protegidos. De contrário, o tipo fundamental, com os índices de intensidade da ilicitude pré-avaliados pela moldura abstracta das penas previstas, poderia fazer corresponder a um grau de ilicitude menor uma pena relativamente grave, com risco de afectação de uma ideia fundamental de proporcionalidade que imperiosamente deve existir na definição dos crimes e das correspondentes penas. Por isso, a fragmentação por escala dos crimes de tráfico (mais fragmentação dos tipos de ilicitude do que da factualidade típica, que permanece no essencial), respondendo às diferentes realidades, do ponto de vista das condutas e do agente que, necessariamente, preexistem à compreensão do legislador: a delimitação pensada para o grande tráfico (artigos 21º, 22º e 24º do citado Decreto-Lei no 15/93), para os pequenos e médios traficantes (artigo 25º) e para os traficantes consumidores (artigo 26º).

Ponderada a descrição legal do crime de tráfico, este pode consumar-se de diversas formas, designadamente, consumar-se-á com a simples detenção, venda, distribuição e trânsito; no caso de droga para revenda, consuma-se, desde logo, com a aquisição, não constituindo elemento objectivo da infracção o destino efectivo que seja dado à droga.

São, assim, elementos do tipo:

a) a prática não autorizada de qualquer das actividades descritas na disposição legal (de notar que o preenchimento de qualquer uma delas preenche, objectivamente, o tipo legal);

b) a não verificação de actividade de cultivo, aquisição ou detenção, com finalidade do consumo pessoal exclusivo (existindo prova de qualquer outra actividade típica, que não cultivo, aquisição ou detenção, imediatamente, excluído está o consumo, caindo-se no tráfico);

c) a existência de plantas, substâncias ou preparações, compreendidas nas tabelas anexas I, II, III e IV.

Há que investigar sempre o fim visado pela conduta, sendo certo, porém, que, não sendo legalmente admissível qualquer presunção legal de tráfico, a prova de que o cultivo, aquisição ou detenção é para consumo próprio exclui o tráfico, e a não prova de que o cultivo, aquisição ou detenção é para consumo próprio, admite o tráfico.

O elemento subjectivo do tipo é o dolo genérico, isto é, a vontade de desenvolver sem autorização e sem ser para consumo, as actividades descritas no tipo e a representação e o conhecimento por parte do agente da natureza e características do produto objecto da acção, em conjugação com uma actuação deliberada, livre e consciente de ser proibida a sua conduta.

Da definição do tipo legal supra transcrita, verifica-se que a intenção lucrativa não é elemento típico do crime em apreço, que se basta com a detenção de droga não destinada exclusivamente ao consumo pessoal do agente – cfr. o Ac. do STJ, CJ (STJ), 1994, II, 221.

Ainda que assim seja, a intenção lucrativa “pode não ser indiferente quer em termos de punição quer como elemento relevante quando se pretende integrar o tipo de crime praticado []. Pode ainda a existência (ou não) de intenção lucrativa e a sua intensidade e desenvolvimento serem elementos decisivos para auxiliar no enquadramento legal do arguido como grande, médio ou pequeno traficante, ou traficante-consumidor” – A. G. Lourenço Martins, Droga e Direito, 1994, pág. 125.


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A ter presente nesta senda que, como lapidarmente se escreveu no Acórdão do TRP de 21/02/2018, acessível em www.dgsi.pt, «De acordo com o estatuído no artigo 26.º do Código Penal, “é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e, ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.

Por seu turno, é punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso” (artigo 27º, n.º 1 do mesmo Código).

Em face da redação dos referidos preceitos legais, tem-se assinalado que a lei, autonomizando a autoria da mera cumplicidade, parte de um conceito “restritivo de autoria, segundo o qual é autor o agente que toma a execução “nas suas próprias mãos”, de tal modo que dele depende, decisivamente, o se e o como da realização típica”, constando-se que “o autor não só tem o domínio objetivo do facto, como tem também a vontade de o dominar, numa unidade de sentido objetiva-subjetiva: o facto aparece «numa sua vertente como obra de uma vontade que dirige o acontecimento, noutra vertente como fruto de uma contribuição para o acontecimento dotada de um determinado peso e significado» objetivo” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal: Parte Geral – Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª ed., 2007, págs. 765 e 766; Jorge de Figueiredo Dias e Susana Aires de Sousa, Autoria mediata do crime de condução ilegal de veículo automóvel: anotação ao Acórdão da Relação do Porto de 24/11/2004, RLJ, Ano 135.º, Março-Abril de 2006, n.º 3937, págs. 254 e 255). É a chamada teoria do domínio do facto.

Ora - e muito especialmente nos crimes dolosos de ação - “o domínio do facto pode exercer-se de diferentes formas e fundar, por conseguinte, diferentes modalidades da autoria, concretizadas no artigo 26.º: o domínio da ação está presente na autoria imediata, na medida em que o agente realiza, ele próprio, a ação típica (1.ª alternativa); o domínio da vontade do executante de quem o agente se serve para a realização típica firma a autoria mediata (2.ª alternativa); o domínio funcional do facto constitui o sinal próprio da coautoria, em que o agente decide e executa o facto em conjunto com outros (3.ª alternativa)”; e, por fim, “na sua quarta alternativa, o artigo 26.º pune ainda como autor «quem dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”, isto é, quem seja instigador do crime” (Jorge de Figueiredo Dias e Susana Aires de Sousa, Autoria cit., pág. 255).

Uma das modalidades ou formas em que se manifesta o domínio do facto (o mesmo é dizer a autoria) é a coautoria.

Efetivamente, nos termos do artigo 26.º deve ser punido (igualmente) como autor quem “tomar parte direta na sua (do facto) execução, por acordo ou conjuntamente com outro ou outros”. Há, aqui, um “condomínio do facto”, marcado quer pela decisão conjunta, quer pela execução conjunta (enquanto contribuição funcional de cada coautor para a realização típica”. De modo que a atuação de cada coautor se apresenta como “momento essencial do plano comum”, “constitui a realização da tarefa que lhe cabe na «divisão do trabalho»” para a realização do crime (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal cit., pág. 791).

Relativamente ao momento subjetivo da coautoria, à “decisão conjunta” de que fala a lei, basta a “existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime” (José de Faria Costa, Formas do Crime, in Jornadas de Direito Criminal do Centro de Estudos Judiciários, pág. 170), que na sua forma mais nítida assume a forma de acordo prévio (que, no entanto, pode ser tácito, desde que manifestado em factos concludentes).

Contudo, não se basta a lei com um qualquer acordo - embora ele tenha sempre de existir - até porque entre o mero cúmplice e o autor também há, em regra, um acordo: é necessário que fique demonstrado que todos os coautores têm, desde o início, desde o momento da decisão conjunta, o domínio do processo causal que conduz à realização do tipo, de tal modo que o contributo de cada um surja como uma parte da actividade total, como um complemento (programado) das ações dos demais coautores (neste exacto sentido, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal cit., págs. 791 a 794).

À decisão conjunta deve acrescer a “execução conjunta”, isto é, cada coautor deverá prestar uma contribuição objetiva para a realização típica, um efetivo exercício conjunto do domínio do facto.

Há, pois, uma combinação entre o domínio do facto com a “repartição de tarefas que assinala a cada comparticipante contributos para o facto que, podendo situar-se fora do tipo legal de crime, tornam a execução do facto dependente daquela mesma repartição. De tal modo que de cada contributo objetivo depende o se e o como da realização típica, mas bastando que o agente coloque à disposição ou ofereça os meios de realização”


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Como decorre do que já se expôs, o crime de tráfico de estupefacientes constitui um exemplo vivo de um “crime exaurido”, “crime de empreendimento” ou “crime excutido”, em que o resultado típico se alcança logo com aquilo que surge por regra como realização inicial do “iter criminis”, tendo em conta o processo normal de actuação. A sua previsão molda-se em termos de uma certa progressividade, no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados, que podem ir de uma mera detenção à venda propriamente dita (cfr. o Ac. do STJ de 15/7/2008, acessível em www.dgsi.pt).

Assim, embora nalguma doutrina tenha vindo a ser defendido que no crime de tráfico não será configurável a figura da tentativa, já a jurisprudência mais recente do STJ é no sentido contrário (excluindo a figura da tentativa, vejam-se o Ac. do STJ de 07/03/2001, disponível em www.dgsi.pt; o Ac. do STJ de 18/04/96, Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, IV, n.º 2, pág. 170 e segs.; admitindo-a, a título de exemplo, vejam-se os Acórdãos deste Tribunal de 06/11/2008 e de 13/11/2014, disponíveis no mesmo sítio).

Como se explanou neste último aresto, dada a amplitude do respectivo preceito legal incriminador, antes do acto de vender o estupefaciente há que cultivar, ou fabricar, ou, simplesmente, transportá-lo da origem para o local de venda. Isto é, actos que em outras situações poderiam integrar apenas a simples tentativa, são agora punidos autonomamente como crime, estabelecendo-se como que uma equiparação entre os actos de consumação e os actos de tentativa, o que permite que se classifique o crime, quanto aos tipos de tipicidade, como um crime de empreendimento.

Nestes crimes de empreendimento, pressupõe-se a verificação de um resultado que transcende a factualidade típica e, consumando-se com a simples tentativa, entende-se que há uma equiparação entre a tentativa e a consumação, o que tem como consequência que para estes crimes não se aplica a atenuação decorrente da prática de um ilícito tentado, dado que a forma tentada é punida do mesmo modo que a forma consumada (admitindo-se, porém, que ainda no âmbito destes crimes seja punível a tentativa impossível. Sabendo que o tipo de crime de tráfico de estupefacientes referido integra condutas que podem constituir uma tentativa, mas outras já são verdadeira consumação daquele tráfico, teremos que analisar cada situação/actuação concreta.

Mas, antes disso, deve-se ainda classificar o crime em causa quanto à conduta; na dicotomia desta classificação, entre crime de mera atividade e crime de resultado, isto é, entre os casos em que a conduta é logo punida independentemente da verificação (ou não) de um resultado, e os casos em que só é punida a conduta que produza um resultado espacio-temporalmente distinto da ação, também aqui se pode concluir que, tendo em conta a abrangência de condutas típicas, haverá casos em que se pode entender que existe um resultado distinto da simples conduta - como no acto de cultivar a planta, em que da conduta, cultivar, surge um resultado, a planta, distinto quer no tempo, quer no espaço, daquela - e outros em que o tipo pune a conduta independentemente da verificação do resultado e, por isto, se tem entendido que se trata de um crime de mera atividade.

Quanto ao bem jurídico, reitera-se, considerando que o crime protege, primariamente, o bem jurídico da saúde pública (e em segundo plano protege diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores), tem sido classificado como um crime de perigo abstrato, considerando-se que daqueles atividades descritas no tipo há já um perigo de lesão daquele bem jurídico.

Sendo um crime de perigo abstracto e um crime de mera atividade surgem todos os problemas relativos à admissibilidade (ou não) da tentativa neste tipo de crimes. Neste ponto, todavia, entende-se que também nos crimes de mera atividade é possível a tentativa, desde logo quando “a consumação se não verifica logo através da própria atividade, mas exige ainda um certo lapso de tempo”, como acontecerá sempre que, por exemplo, ainda decorra o acto de produção ou de fabrico ainda não terminado, ainda que se possa questionar se não se trata de uma demasiada antecipação da tutela penal, dado estarmos perante um crime de perigo abstracto.


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Resta dizer que a canabis (resina) (e também em folhas ou sumidades de cannabis), está classificada como droga semi-suave de acordo com a Comissão de Inquérito do Parlamento Europeu (1992), e mostra-se compreendida na Tabela I-B, anexa ao citado Dec. Lei n.º 15/93, de 22-01.

É uma droga perturbadora do sistema nervoso central, sendo usada como relaxante e intoxicante leve. Tem uma potência variável conforme os preparados, que podem ser enrolados num cigarro, misturados com tabaco, mas também podem ser fumados em cachimbo, mascados, chupados, misturados em bebidas ou adicionados à comida. Quando fumada causa efeito rapidamente, permitindo ao consumidor regular a dose para atingir o efeito desejado (cf. Fernando Gama Lobo, ob. cit., pág. 29).

O Alfa PHP (designado comummente como “Bloom”) é uma droga sintética compreendidas na Tabela anexa ao mesmo Diploma sob o nº II-A.

Por último, a heroína, compreende-se na Tabela I-A anexa ao mesmo Dec. Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro.

Droga dura por excelência, cria grandes dependências física e psíquica, tem como efeitos possíveis euforia, sonolência, depressão respiratória, pupilas contraídas, náuseas, sendo que doses excessivas provocam respiração lenta e superficial, pele fria e húmida, convulsões, estado de coma e possibilidade de morte; os síndromas de abstinência são olhos lacrimosos, mucosidade nasal abundante, bocejos, falta de apetite, irritabilidade, tremores, pânico, arrepio e suores, espasmos, náuseas, sendo graves as consequências do seu consumo.


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Isto assente, vertendo ao caso sujeito, fá-lo-emos analisando a prática do ilícito em referência pelos arguidos.

Começado pelo arguido AA, os factos provados revelam, em resumo e em destaque, que desde, pelo menos, ... e até ao dia ... de ... de 2022, se dedicou à compra e à venda, nas ilhas da ... e de ..., de produtos estupefacientes, nomeadamente heroína, resina de canábis e alfa-PHP, a terceiros que, para o efeito, o procuraram, actividade com a qual pretendeu obter, como obteve, lucros pecuniários decorrentes da diferença entre o respetivo preço de compra e o posterior preço de venda, sempre superior àquele; que desenvolveu a essa atividade, essencialmente, a partir da sua residência, sita ao ..., nesta comarca da ..., e num terreno a ela contíguo, localizado ao ..., na mesma cidade; que, no desenvolvimento da referida actividade, adquiriu, cortou, fracionou e acondicionou os produtos estupefacientes que vendeu e destinou à venda a terceiros, detendo o material necessário para o efeito; que guardou na sua residência, acima identificada, os produtos estupefacientes que adquiriu para posterior venda a terceiros, os instrumentos destinados ao corte, ao fraccionamento e ao embalamento das porções de droga que vendeu e destinou à venda a terceiros, bem como o dinheiro proveniente das vendas de entorpecentes que efectuou; que no exercício de tal actividade, empregou a colaboração de BB, sua companheira, a quem incumbiu de vender produtos estupefacientes, nomeadamente, heroína, resina de canábis e alfa-PHP, a terceiros que para tanto a procurassem; que, por si ou através da referida BB, de comum acordo e em comunhão de meios e esforços, em diversas ocasiões temporalmente distintas, efectuou a diversos indivíduos, inúmeras compras e vendas de heroína, resina de canábis e alfa-PHP (vulgarmente designado por “Bloom”), cobrando por cada dose, respetivamente, os preços de 10 € (dez euros), de 2,50 € (dois euros e cinquenta cêntimos) e de 5 € (cinco euros); que tinha na sua posse tais produtos estupefacientes e estimulantes que apenas não chegou a vender a terceiros graças à pronta intervenção das autoridades, que lhos apreenderam.

Assim, e em concreto, como vimos:

No dia 1 de Dezembro de 2021, pela 1h30m, no ..., o arguido AA detinha:

• 3 (três) embalagens de alfa-PHP, com o peso líquido de 1,442g (um grama e quatrocentos e quarenta e dois miligramas), que destinava à venda a terceiros;

• 1 (uma) porção de resina de canábis, com o peso líquido de 0,40g (quarenta centigramas), que também destinava à venda a terceiros;

• A quantia de 500 € (quinhentos euros) em dinheiro, proven iente da venda de produto estupefaciente a que se dedicava;

• 1 (um) telemóvel da marca “Samsung”, modelo “Galaxy”, utilizado para combinar a compra e a venda de produtos estupefacientes.

No dia 21 de Junho de 2022, pelas 19h, na ..., o arguido AA detinha:

- 2 (duas) embalagens de heroína, com o peso líquido total de 0,227g (duzentos e vinte e sete miligramas), que também destinava à venda a terceiros;

- 5 (cinco) embalagens de alfa-PHP, com o peso líquido total de 0,418g (quatrocentos e dezoito miligramas), que destinava à venda a terceiros;

- A quantia de 815 € (oitocentos e quinze euros) em dinheiro, proveniente da venda de produto estupefaciente a que se dedicava;

- 1 (um) telemóvel da marca “Samsung”, modelo “A32”, utilizado para combinar a compra e a venda de produtos estupefacientes.

No dia 3 de Julho de 2022, pelas 10h30m, junto ao terminal do navio “...”, no ..., o arguido AA detinha:

• 1 (uma) embalagem de heroína, com o peso líquido de 2,098g (dois gramas e noventa e oito miligramas), que também destinava à venda a terceiros;

• 1 (uma) embalagem de resina de canábis, com o peso líquido de 3,902g (três gramas e novecentos e oitenta e dois miligramas), que também destinava à venda a terceiros;

• A quantia de 345 € (trezentos e quarenta e cinco euros) em dinheiro, proveniente da venda de produto estupefaciente a que se dedicava.

No dia 13 de Julho de 2022, pelas 10h45m, em ..., agindo em comunhão de meios, esforços e desígnios com o arguido AA, BB detinha 1 (uma) embalagem de alfa-PHP, com o peso líquido de 0,142g, que destinava à venda a terceiros.

Na mesma data, pelas 22h20m, na ..., o arguido AA detinha:

• 1 (uma) embalagem de heroína, com o peso líquido de 2,209g (dois gramas e duzentos e nove miligramas), que também destinava à venda a terceiros;

• 3 (três) pacotes de alfa-PHP, com o peso líquido total de 0,122g (cento e vinte e dois miligramas, que destinava à venda a terceiros;

• A quantia de 290 € (duzentos e noventa euros) em dinheiro, proveniente da venda de produto estupefaciente a que se dedicava.

No dia 3 de Agosto de 2022, pelas 21h, na ..., o arguido AA detinha:

• 12 (dose) embalagens que continham heroína, com o peso líquido de 54,39g (cinquenta e quatro gramas e trinta e nove centigramas), que também destinava à venda a terceiros;

• 15 (quinze) embalagens que continham alfa-PHP, com o peso líquido de 65,696g (sessenta e cinco gramas e seiscentos e noventa e seis miligramas), que destinava à venda a terceiros;

• A quantia de 3.955 € (três mil, novecentos e cinquenta e cinco euros em dinheiro) em dinheiro, proveniente da venda de produto estupefaciente a que se dedicava.

No dia 2 de Fevereiro de 2023, pelas 8h45m, na sua residência, o arguido AA detinha:

• Sete embalagens de resina de canábis, com o peso líquido total de 65,182 g, que também destinava à venda a terceiros, acondicionadas no bolso do casaco que vestia;

• uma embalagem de heroína com o peso de 3,515 gramas líquidos;

• Uma embalagem de resina de canábis com o peso líquido de 3,863 gramas;

• Uma embalagem de alfa-PHP, com o peso líquido total de 0,150 g, que destinava à venda a terceiros, guardadas na mesa de cabeceira do seu quarto de dormir;

• 2 (duas) balanças de precisão, utilizadas na preparação, na pesagem, no corte e no fracionamento dos produtos estupefacientes que destinava à venda a terceiros, as quais continham vestígios de produtos estupefacientes, guardadas num armário da cozinha;

• Vários recortes plásticos, utilizados para o embalamento dos produtos estupefacientes que destinava à venda a terceiros, guardados na sala;

• 3 (três) tesouras e 1 (uma) navalha, utilizadas na preparação e no fracionamento dos produtos estupefacientes que destinava à venda a terceiros, guardadas no seu quarto de dormir;

• 1 (um) telefone da marca “Motorola”, 1 (um) tablet da marca “Huawei” e 1 (um) telemóvel da marca “Apple”, modelo “iPhone14”, que utilizados para combinar a compra e a venda de produtos estupefacientes, adquiridos com o dinheiro proveniente da venda de produtos estupefacientes;

• A quantia de 287,50 € (duzentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos) em dinheiro, proveniente da venda de produtos estupefacientes a que se dedicava.

Adquirido ficou também que o arguido AA e BB não estavam autorizados a cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, pôr à venda, vender, distribuir, comprar, ceder, receber a qualquer título, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fazer transitar ou deter produtos estupefacientes de qualquer natureza, nomeadamente heroína, resina de canábis (haxixe) e alfa-PHP, o que bem sabiam. Não obstante, o arguido AA previu e quis adquirir, receber, cortar, fracionar, transportar e deter heroína, resina de canábis (haxixe) e alfa-PHP, com o propósito concretizado de distribuir e vender, por si ou através de BB, com quem actuou de comum acordo e em comunhão de meios e esforços, tais produtos estupefacientes a terceiros neste arquipélago, que, para o efeito, o procuraram, conhecendo a sua natureza, as suas características, o seu modo de fracionamento e a sua proveniência, tudo com o intuito, também alcançado, de obter lucros pecuniários, resultantes da diferença entre o preço de compra e o posterior preço de venda, sempre superior àquele; que a dita BB (que aqui não é arguida), actuando de comum acordo e em comunhão de meios e esforços com o arguido AA, previu e quis deter e vender produtos estupefacientes, nomeadamente heroína, resina de canábis e alfa-PHP, a terceiros neste arquipélago e, para o efeito, transportar tais produtos estupefacientes até à ilha do ..., para aí os vender a terceiros, como sucedeu, conhecendo a sua natureza, as suas características, o seu modo de fracionamento e a sua proveniência, tudo com o intuito, também alcançado, de obter lucros pecuniários, resultantes da diferença entre o preço de compra e o posterior preço de venda, sempre superior àquele; que o arguido AA actuou livre, deliberada e conscientemente, com plena capacidade de determinação segundo as legais prescrições, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punida, e ainda assim, não se coibiu de a adoptar.

Lídimo é por isso dizer ter este arguido cometido, em co-autoria material com a referida BB, um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do Dec. Lei nº 15/93 de 22/01, verificada que está a requisitabilidade objectiva e subjectiva que a sua verificação demanda.


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Pois bem.

Argumenta o recorrente, em resumo, que, perante a factualidade provada, considerando que não tem antecedentes criminais, confessou os factos, procedeu às vendas a partir da sua residência e imediações diretamente a quem o solicitasse, sem intermediários, não possuindo qualquer estrutura de dissimulação para ludibriar a ação policial, nem qualquer organização ou estrutura para comprar e vender os estupefacientes, não dispondo de meios sofisticados ou plataformas de comunicações que tornassem mais difícil a descoberta dos factos, sendo toxicodependente e tendo recorrido à venda de estupefacientes para sustentar o seu vício, não pode ser considerado um grande traficante, antes sendo uma vítima, não ostentando bens de elevado valor, nem dispondo de grandes quantidades de estupefacientes, a sua atuação deve ser enquadrada no tráfico de menor gravidade p. e p. no art. 25.º, al. a), do DL 15/93.

Vejamos.

O STJ tem entendido que no crime de tráfico de estupefacientes deve ter-se em atenção a quantidade global traficada no período considerado como o dessa atividade3.

Para além disso tem defendido que, no crime de tráfico de estupefacientes, para se concluir no sentido de que a ilicitude do facto, para efeito de integração da conduta no tráfico de menor gravidade, está consideravelmente diminuída, é necessário avaliar globalmente a conduta do agente e olhar a «imagem» do arguido que resulta da ponderação do conjunto de factos que são dados como provados.

Assim, tipo legal fundamental (ou tipo matricial) previsto no citado DL nº 15/93, é, entre outros, no que agora importa analisar, o crime de tráfico de estupefacientes previsto no art. 21.º.

E é a partir desse tipo fundamental que a lei, por um lado, edifica as circunstâncias agravantes (qualificando o tipo, nos casos indicados no artigo 24.º) e, por outro lado, «privilegia» o tipo fundamental, quando concebe «o preceito do art. 25.º como um mecanismo que funciona como “válvula de segurança” do sistema», com o fim de acautelar que «situações efetivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que, ao invés, se force ou use indevidamente uma atenuante especial».

No que respeita ao artigo 25.º do cit. DL 15/93, prevê-se uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, «por referência à ilicitude pressuposta no art. 21.º, exemplificando aquela norma circunstâncias factuais com suscetibilidade de influírem no preenchimento valorativo da cláusula geral aí formulada.»

Esse artigo 25.º, tem na sua base “o reconhecimento de que a intensidade das circunstâncias pertinentes à ilicitude do facto não encontra na moldura penal normal do art. 21.º, nº 1, pela sua gravidade diminuta, acolhimento justo, equitativo, proporcional»4.

Também o STJ tem sustentado que, «a conduta prevista no artigo 26.º [do mesmo diploma legal], embora envolvendo tráfico, refere-se, antes de tudo, à personalidade do agente e às suas motivações, o que justifica a epígrafe dirigida exatamente ao agente (traficante-consumidor) e não ao tráfico».

De todo o modo, convém ter presente, que no art. 21.º do DL 15/93, tanto se pode incluir o grande, como o médio, tal como o pequeno tráfico de estupefacientes, desde que, neste último caso, não exista um quadro de acentuada diminuição da ilicitude e, portanto, não esteja abrangido no art. 25.º do mesmo diploma legal5.

Daí que seja errada a dedução (implícita no recurso) de que não sendo o arguido um “grande traficante” não estaria incluído no art. 21.º, pressupondo, assim, que no referido tipo legal apenas caberiam os grandes traficantes ou os agentes que vendessem com uma certa organização, fazendo uso de meios sofisticados ou que só nele caberiam quem fosse “dono do negócio” de tráfico de estupefacientes (e, portanto, não podendo ser incluídos nesse preceito - art. 21.º - os “meros empregados”, ou aqueles que levassem a cabo a atividade delituosa, mesmo que igualmente dependessem do consumo de estupefacientes ou que desenvolvessem o chamado “tráfico de rua”, sem recurso a técnicas especiais ou estruturas ou organizações particulares).

Terá de ser caso a caso, perante a análise global da matéria de facto apurada, tendo em atenção os critérios legais, que poderá fazer-se a respetiva subsunção dos factos ao direito.

Ora, compulsando a matéria de facto dada como provada temos de concordar com a 1ª instância quando concluiu estarem preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 23.01, pelo qual o recorrente foi condenado.

Com efeito, a forma como o arguido/recorrente foi desenvolvendo a atividade de venda de estupefacientes, período de tempo em que se dedicou a essa atividade (entre Maio de 2021 e 2.02.2023), diferente natureza dos produtos estupefacientes que foi vendendo (heroína, resina canábis e alfa-PHP), quantidades de estupefacientes que foi vendendo, locais onde procedeu à venda (ainda que essencialmente a partir de casa e terreno a ela contíguo, o certo é que também no verão de 2022 vendeu em ..., como resulta dos factos provados, onde também lhe chegaram a ser feitas apreensões, quer de estupefacientes destinados à venda, bem como de quantias em dinheiro provenientes da venda de estupefacientes, e inclusivamente de telemóvel utilizado para combinar a compra e venda de produtos estupefacientes), forma como procedia à venda, quantidades de estupefacientes que lhe foram sendo apreendidos (quer no ..., quer em ...), quantias monetárias que foi recebendo nas vendas que efetuou, número de vendas e doses que efetuou, tudo a demonstrar uma certa organização, para poder gerir o negócio de compra e venda de estupefacientes com sucesso.

Aliás, essa atividade de compra e venda de estupefacientes, na qual empregou a colaboração da sua companheira BB, apenas cessou com a sua detenção e subsequente prisão preventiva em 4.02.2023.

O número total de vendas de estupefacientes, bem como de produtos estupefacientes apreendidos, assim como o montante total das quantias em dinheiro realizadas com as vendas, incluindo as apreendidas, demonstram bem o volume de vendas realizado.

Por outro lado, a forma como o recorrente contactava os consumidores e os fornecedores dos estupefacientes, tal como ficou demonstrada (foram apreendidos 3 telemóveis para o efeito), mostra também o cuidado com que atuava, para não ser detetado.

Ora, sendo conhecida a respetiva danosidade de cada um dos respetivos estupefacientes que vendia e tendo presente que as vendas ainda foram significativas, quer considerando as quantias monetárias realizadas, quer os estupefacientes destinados à venda, v.g. apreendidos, olhando para os factos apurados (tendo em atenção todas as possíveis perspetivas) é manifesto que é insustentável defender (como o faz o recorrente) que a respetiva conduta se poderia enquadrar no crime de tráfico de menor gravidade.

Perante a factualidade apurada (olhando para a imagem global dos factos apurados, as circunstâncias em que cometeu o crime em questão, diferente natureza dos estupefacientes que comprava e vendia, quantidade e qualidade de estupefacientes apreendidos em poder do arguido, destinados à venda, lucros obtidos com a venda de estupefacientes, modo de atuação e meios utilizados nessa atividade, que já revelam uma certa organização, período de tempo da sua atividade) é manifesto que não se pode concluir que exista uma acentuada diminuição da ilicitude.

Efetivamente, considerada na globalidade a sua atuação dolosa que ocorreu nos moldes apurados e, também olhando a «imagem» do arguido/recorrente (que resulta igualmente da ponderação do conjunto dos factos provados e do seu posicionamento perante a sua prática), podemos concluir que nada justifica a alteração da qualificação jurídico-penal feita pela 1ª instância, que foi bem explicada.

Considerando a forma (acima apontada) como cometeu o crime aqui em apreço é igualmente evidente que dos factos apurados relativos à situação pessoal, condição económica e sócio-cultural do recorrente - mesmo tendo ainda em atenção que mantinha hábitos de consumo de estupefacientes e que finda a produção de prova até acabou por confessar o crime cometido, tal como consta da motivação do acórdão recorrido - não se consegue concluir que fosse menor a ilicitude da sua conduta.

Por isso, não temos quaisquer dúvidas em enquadrar os factos apurados no tipo legal previsto no art. 21.º, n.º 1, do cit. DL n.º 15/93.

Concordamos, pois, com a análise feita pela 1ª instância.

Assim, quanto esta questão, improcede a argumentação do recorrente, sendo que certo não foram violadas as normas por ele citadas.

2ª questão (redução das penas concretas impostas)

Depois de, no acórdão impugnado se ter qualificada a conduta do arguido/recorrente como constituindo a prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22.01 e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alíneas c), d) e e), por referência aos artigos 2.º, n.º 1, alíneas q), ae) e az), e n.º 3, n.º 1, alíneas p) e ab), 3.º, n.º 5, alínea d), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições, escreveu-se na mesma decisão, sobre as consequências do crime, o seguinte:

Cumpre agora proceder à escolha e determinação da medida da censura a atribuir aos arguidos.

Como vimos, ao crime de detenção de arma proibida cometido pelo arguido AA cabe, em alternativa, pena de prisão ou pena de multa.

Nestes casos, deve o julgador atender ao critério constante do art. 70º, do Código Penal, nos termos do qual “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, e também ao disposto no art. 40º, n.º 1, do mesmo diploma legal onde se preceitua que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração na sociedade”.

Assim sendo, e uma vez que as finalidades da punição são exclusivamente preventivas, só deverá recusar o Tribunal a aplicação da pena alternativa não privativa da liberdade quando tal opção seja de modo a comprometer a preservação da paz jurídica comunitária, ou quando se revele desde logo inconveniente para a viabilidade e sucesso de um projecto, necessário, de ressocialização (Cfr. Anabela Rodrigues, em anotação ao Ac. do STJ de 21/05/90, RPCC, 2, 1991, pág. 243).

Tal critério expressa uma das ideias fundamentais subjacentes ao sistema punitivo do Código Penal: uma reacção contra as penas institucionalizadas ou detentivas, por sua própria natureza lesivas do sentido ressocializador que deve presidir à execução das reacções penais (cfr. Robalo Cordeiro, “Escolha e Medida da Pena”, Jornadas de Direito Criminal, pág. 238).

A escolha da pena depende, pois, unicamente, de considerações de prevenção geral e, sobretudo, de prevenção especial (em face do caso concreto, e não como resultado de uma operação feita em abstracto).

Vale isto por dizer que “são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena detentiva ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação. “A culpa relevará posteriormente para efeitos da medida da pena” (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005, pág. 331).

Nesta perspectiva importará, pois, determinar se a reposição da confiança dos cidadãos na norma violada pelo agente do crime - e por aí a tutela retrospectiva do bem jurídico posto em causa -, bem como a ressocialização daquele, poderão ser plenamente alcançadas com a aplicação da medida não detentiva que, no caso, como vimos, alternativamente, se coloca em relação ao aludido crime.

Assim, a escolha entre a pena de prisão e a pena alternativa de multa dependerá de considerações de prevenção geral e especial.

Ora, no caso vertente, estamos em crer, a opção pela pena não detentiva comprometeria a preservação da paz jurídica comunitária, não asseguraria a manutenção da confiança colectiva no sistema e nas instituições e revelar-se-ia inconveniente para a viabilidade e sucesso do projecto de ressocialização do arguido.

Essa pena revestiria aqui um carácter simbólico, susceptível de perpetuar um sentimento de impunidade, não sendo de molde a levar à interiorização, por parte dele, da sua responsabilidade pelos actos danosos em causa, subestimando-os.

A reacção penal ao caso adequada não se compadece com a sua aplicação.

De resto, perspectivando-se uma pena única de prisão (em face do cúmulo jurídico a efectuar em face do crime de tráfico de estupefacientes que sabemos ter sido também cometido pelo arguido e à pena concreta que tal crime demanda), não será de optar, relativamente a nenhum dos crimes em concurso, pela pena alternativa de multa, na medida em que, nessas circunstâncias, se verificariam os inconvenientes atribuídos às antigas “penas mistas” individuais de prisão e multa.

“Uma tal pena «mista» é, numa palavra, profundamente dessocializadora, além de contraditória com o sistema dos dias de multa: este quer colocar o condenado próximo do mínimo existencial adequado à sua situação económico-financeira e pessoal, retirando-lhe as possibilidades de consumo restantes, quando com a pena «mista» aquele já as perde na prisão! O desaparecimento da pena complementar de multa (e, portanto, da pena mista de prisão e multa) impõe-se, pois, numa futura revisão do Código Penal, como forma de restituir à pena pecuniária o seu sentido político-criminal mais profundo e de aumentar a sua eficácia penal” – Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 192.

Opta-se, assim, pela aplicação da pena de prisão em relação ao aludido crime.


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Isto dito, cuidemos agora dos critérios gerais de determinação da medida concreta da pena a aplicar aos arguidos.

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O ponto de partida e enquadramento geral dessa tarefa não pode deixar de se prender com o disposto no art. 40º do Cód. Penal, nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Com este preceito fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição “qua tale” da culpa.

Do mesmo modo, a chamada expiação da culpa ficará remetida para a condição de consequência positiva, a ter lugar, mas não de finalidade primária da pena. No pressuposto de que por expiação se entende a compreensão da ilicitude, e aceitação da pena que cumpre, pelo arguido, com a consequente reconciliação voluntária com a sociedade.

Assim, a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de propósitos garantísticos e do seu interesse.

Com este entendimento tem-se visto, aliás, uma consonância com o imperativo constitucional do nº 2 do art. 18º da Constituição da República, de acordo com o qual “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, sendo certo que se não divisa, no texto fundamental, a eleição dum imperativo ético-penal da retribuição ou expiação da culpa, como direito ou interesse protegido constitucionalmente.

Quando, pois, o art. 71º do Cód. Penal nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele art. 40º.

Daí que a doutrina venha a defender, sobretudo pela mão de Figueiredo Dias, (Cfr. “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, págs. 227 e segs.) que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida em que tal se mostre possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar reflectirá, de um modo geral, a seguinte lógica: A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma “sub-moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar” (Cfr. obra citada, pág. 229).

Será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social.

Quanto à culpa, para além de suporte axiológico-normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar.

Duas notas a acrescentar: “a defesa de bens jurídicos”, mencionada no referido art. 40º, deve ser entendida, em sede de fins das penas, como propósito de prevenção geral positiva ou de integração, com o fim de estabilização das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida e, portanto, como modelo de orientação para os contactos sociais, ou ainda como réplica perante a infracção da norma, executada à custa do seu infractor.

Na verdade, a defesa de bens jurídico-penais é, ela mesma, em geral, o desiderato de todo o sistema penal globalmente considerado, e não um fim que se possa considerar privativo das penas.

Quanto à prevenção especial, sabe-se como pode ela operar através da “neutralização-afastamento” do delinquente para que fique impedido fisicamente de cometer mais crimes, como intimidação do autor do crime para que não reincida, e, sobretudo, para que sejam fornecidos ao arguido os meios de modificação de uma personalidade revelada desviada, assim este queira colaborar em tal tarefa.

Esta, tanto quanto sabemos, a orientação quase unânime do Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria.

Já o nº 2 do art. 71º do Cód. Penal manda atender, na determinação concreta da pena, “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.

Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime.

No caminho da concretização da pena a aplicar tomar-se-ão pois em conta os critérios consignados no citado artigo 71º do Cód. Penal e, assim a culpa do agente, as necessidades de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

Debruçando-nos agora sobre os factos, dir-se-á que procede, para o fim a alcançar neste ponto, o condicionalismo que já foi apontado nos autos.

A concreta detenção de armas e munições proibidas, que sabemos ter sido protagonizada pelo arguido AA, suscita acentuadas necessidades de prevenção geral, não obstante o operado agravamento legal da responsabilidade penal associada ao uso e detenção de armas proibidas, já que esse agravamento foi determinado pelo preocupante aumento da criminalidade violenta com uso de armas de fogo e, como vimos detinha, precisamente, uma dessas armas.

Assim, quanto a esse crime, o grau de ilicitude dos factos típicos correspondentes situa-se num nível médio.

Cingindo-nos agora aos crimes de tráfico de estupefacientes o dolo foi directo e intenso em relação a todos os arguidos (art. 14º, nº 1 do Cód. Penal), pois todos representaram o significado ilícito das condutas que adoptaram e quiseram praticar os factos, sendo clara a sua vontade criminosa. E, aqui, essa intensidade acentua-se no que respeita aos arguidos AA e OO. Basta ver que, tendo sido identificados e detidos pelas autoridades policiais em momentos anteriores e de, nessas ocasiões, lhes terem sido apreendidas a droga e as quantias em dinheiro que foram encontradas na sua posse, tal não os impediu de continuar a traficar.

Quanto à ilicitude, sendo embora grave em relação a todos, apresenta-se mais elevada no que toca ao arguido AA, quer em face às quantidades de droga que transacionava e detinha, quer aos inúmeros actos de compra e venda que protagonizou, por si ou através da sua então companheira, BB, posicionando-o já num segmento mais gravoso da criminalidade.

No entanto, em relação a cada um dos arguidos há que ponderar os concretos actos típicos de tráfico que cada um cometeu; a intenção de lucro fácil que em todos se divisa, embora para uns mais significativo do que para outros; o período de tempo pelo qual se prolongou a sua actividade delituosa.

Sem esquecer também a precisa medida em que a conduta de cada um dos arguidos configura um desvalor em relação à ordem jurídica, mais ou menos acentuado, nomeadamente, à protecção da saúde pública e aos valores de vivência solidária em comunidade, já que estamos em sede de crime de perigo. Basta atentar em que, com a incriminação do crime em presença, não obstante se proteger, primacialmente, a saúde pública, também se pretende, de modo reflexo, salvaguardar a segurança da comunidade em geral, já que tal crime se repercute ao nível da criminalidade contra o património e contra as pessoas na medida em que pode potenciar a prática de outros crimes, quer contra o património, quer contra a integridade física, quer contra a vida.

O tráfico de estupefacientes é comunitariamente tido como actividade de largo espectro de afectação de valores sociais fundamentais e de fortes riscos para bens jurídicos estruturantes, e cuja desconsideração perturba a própria coesão social, perante o enorme perigo e dano para a saúde dos consumidores de tais produtos e, bem assim, por toda a panóplia de rupturas sociais que causa, quer no âmbito da família, quer na sociedade em geral, face à criminalidade a ele associada.

A dimensão desses riscos e consequências conduz, de resto, a uma particular preponderância das finalidades de prevenção geral (para a recomposição dos valores afectados e manutenção da validade das normas violadas) que tem, porém, de ser conformada pela situação concreta e pelas vertentes objectivas e subjectivas da actividade em causa.

A Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/99, de 26 de Maio, que aprovou a estratégia nacional de luta contra a droga, fixou como um dos objectivos primordiais o reforço do combate ao tráfico, aliás, como opção estratégica fundamental para Portugal. E acrescentou que «as dramáticas consequências do tenebroso negócio do tráfico ilícito de drogas, empreendido tantas vezes por verdadeiras organizações criminosas, e que atinge não apenas a vida dos jovens, mas também a vida das famílias e a saúde e segurança da comunidade, são de tal modo chocantes que se torna um imperativo mobilizar todos os esforços para combater o tráfico com redobrada determinação... No caso de Portugal, esse combate é particularmente difícil em razão da nossa extensa costa marítima, a que se junta a eliminação de controlos fronteiriços internos no quadro do processo de integração europeia».

Ou seja, impõem-se aqui com particular acuidade as finalidades de prevenção geral, pela forte ressonância negativa, na consciência social, das actividades que consubstanciam o crime em apreço. A comunidade conhece as gravíssimas consequências do consumo de estupefacientes (ainda que, em particular, das drogas duras e das drogas sintéticas, onde o haxixe se não inclui) desde logo ao nível da saúde dos consumidores, mas também no plano da desinserção familiar e social que lhe anda, frequentemente, associada e sente os riscos que comporta para os valores estruturantes da vida em sociedade,

Naturalmente, postulam também razões de prevenção especial, para que os arguidos interiorizem que a sua conduta é censurável e que, como tal, devem pôr-lhe fim.

Naturalmente, à medida da tutela dos bens jurídicos não é alheia a dimensão da ilicitude das diversas modalidades de acção, no seu recorte objectivo. Donde, as diversas condutas têm de ser apreciadas na sua concreta configuração e importância relativa na lesão do bem jurídico tutelado.

Será, pois, na ponderação da especificidade do caso concreto que se vai encontrar a justa medida da medida da censura a atribuir a cada um dos identificados arguidos, impondo-se, nesta sede, ponderar as distintas condutas que cada um protagonizou, tal como revelado pela atinente factualidade apurada.

E, neste segmento, reveste-se de grande importância (também) o produto estupefaciente (ou produtos) sobre que versou a conduta de cada um.

É que, se a canábis é uma droga semi-suave (droga leve), o mesmo já não é de dizer quanto à heroína e o Alfa -PHP (vulgarmente designada por “Boom”).

A heroína é uma droga dura por excelência, sendo gravíssimos e devastadores os efeitos resultantes do seu consumo. Por outro lado, é aqui é de acentuar a gravidade da comercialização das “novas” drogas sintéticas, como o são o “Alfa-PHP” (Bloom), não só pelos terríveis efeitos decorrentes do seu consumo que, se usada em altas doses, pode provocar alucinações, agitação, extrema paranóia e agressividade, mas também pela enorme adesão que em relação a eles se denota sobretudo na camada mais jovem da população, e dentro desta, o Bloom.

Não esqueçamos que a Região Autónoma da Madeira é a região do país com maior tráfico e consumo de drogas sintéticas e o Bloom nela constitui um verdadeiro flagelo, não só pelas questões de saúde mental mas, sobretudo, pela grave criminalidade, inclusive contra as pessoas, que lhe estão associadas.

Com efeito, a experiência judiciária tal nos tem ensinado, os efeitos do seu consumo em termos de saúde mental são dramáticos (os seus efeitos secundários são responsáveis pelo aumento de suicídio entre os jovens da Região e pelo aumento de internamentos em Unidades de Saúde Mental na sequência de surtos psicóticos), mas também o são para a segurança da população em geral já que esse consumo veio a aumentar a violência e a criminalidade, sendo a causa, entre outros, de crimes de furto, roubo e até de homicídio.

Sem esquecer ainda que o arguido CC admitiu a quase totalidade da sua conduta delituosa e que a arguida DD a confessou integralmente. Qua ambos dela revelaram sincero arrependimento e auxiliaram na descoberta da verdade quanto ao arguido AA. Já este, acabou também por admitir parte dos actos de tráfico que protagonizou, o mesmo sucedendo quanto ao arguido OO.

A ponderar ainda que a arguida DD apresenta um passado sem mácula criminal. Também o arguido AA não apresenta antecedentes criminais averbados no seu CRC. Já os arguidos CC e AAA sofreram, cometeram, cada um deles um crime de condução sem habilitação legal, tendo sido condenados em penas de multa. Já o arguido OO, como vimos, apresenta um passado criminal vasto, persistente e longínquo.

A ter presente também o que quanto a cada um dos arguidos AA, CC, DD e OO resultou evidenciado no que toca à sua personalidade, condição sócio-económica, percurso de vida, inclusão social, familiar e laboral (ou sua ausência), toxicodependência e postura face à problemática criminal em apreço, em face dos relatórios sociais a eles referentes e atrás firmado, que aqui se reedita, e assim, muito em resumo:

- Que o arguido AA apresenta como factores desfavoráveis à reinserção social a manutenção prolongada de um problema de toxicodependência, a habituação a um estilo de vida improdutivo (mantém-se sem trabalho há mais de 10 anos) e socialmente desviante e a baixa responsividade quer às orientações da família, quer às normas sociais.

Para além disso, revela uma atitude compreensiva face ao tráfico de drogas quando a ele estão associadas necessidades que decorrem do desenvolvimento de problemáticas aditivas.

Que beneficia do apoio familiar e mantém uma conduta estável no EP..., onde, todavia, não tem qualquer ocupação.

- Que CC é solteiro e não tem filhos, embora mantenha há mais de 15 anos uma união de facto com DD, coarguida neste processo. Tem como habilitações escolares o 9º ano e hábitos de trabalho, inicialmente na construção civil e há mais de 10 anos no Grupo C...., com funções de ... e .... Ainda que mantenha estabilidade no plano profissional, tem uma longa história de comportamentos aditivos, sobretudo heroína. O seu enquadramento familiar e a inserção laboral configuram para ele factores de proteção.

- Que DD mantém desde há quinze anos relação marital com CC, coarguido. Tem como habilitações literárias o 3º ciclo do ensino básico, e frequentou, sem concluir, o 12º ano de escolaridade e começou a trabalhar no final da adolescência, destacando a experiência laboral em restauração como empregada de mesa. Está integrada desde há sete anos como empregada de mesa de 2ª num restaurante da sociedade “N..., Lda”, auferindo um vencimento base no valor de 857euros mensais. Apresenta, pois, capacidade de integração laboral. Entre períodos de coabitação com os seus progenitores, chegou a residir em alojamentos arrendados, sem ter consolidado um projecto de autonomização.

Os comportamentos aditivos de substâncias estupefacientes (heroína) persistem na sua sua vida, constituindo risco de reincidência criminal.

- Que OO, no seu percurso de vida e, nomeadamente, no regresso à liberdade, tem revelado dificuldades em mobilizar-se de forma consistente para a mudança comportamental. Mantém uma relação afectiva com uma companheira, que conheceu no contexto de vivência de rua, fazendo referência a uma dinâmica de interajuda e de apoio, com laços de cumplicidade. Ambos partilham com outros indivíduos as partes comuns de uma casa arrendada, que reúne poucas condições de habitabilidade.

Tem o 6º ano de escolaridade e um percurso profissional marcado por experiências de carácter indiferenciado e num registo pontual, sem que tenha adquirido hábitos de trabalho. Está inscrito no Instituto de Emprego da Madeira, mas no momento assume não possuir perspectivas de empregabilidade. Neste contexto, beneficia do Rendimento Social de Inserção que se situa no valor mensal de 213,29€. É descrito como um individuo cumpridor e colaborante, comparecendo nos serviços de ação social sempre que a sua presença é solicitada. A adequação da atitude, que também é referida por outras estruturas de apoio psicossocial, às quais recorre para assegurar necessidades básicas, contribuiu para que fosse solicitada a sua colaboração nas reuniões preparatórias do novo Plano Regional para a Integração da Pessoa em Situação de Sem-Abrigo, dando o contributo enquanto individuo que viveu nessa situação.

Tem um longo percurso aditivo, encontrando-se integrado no programa de Baixo Limiar da Unidade de Tratamento e Reabilitação de Toxicodependência (UTRT - Programa de Redução de Riscos e Minimização de Danos) desde Março de 2021. Está sujeito a toma diária de metadona e a comparência a consultas médicas, não contemplando este programa acompanhamento psicoterapêutico. Em julho de 2023 fez internamento, mas abandonou-o antes da data prevista para o termo e, nesse sentido, faz parte do seu projecto terapêutico permanecer no Programa de Baixo Limiar de Exigência. Admite dificuldades em manter a abstinência de substâncias psicoativas, nomeadamente de heroína, ainda que reconheça no presente os ganhos decorrentes de um maior afastamento de influências antinormativas. Apela a uma narrativa de autocomiseração para justificar as recaídas, associando-as, recorrentemente, às vivências de abandono e perdas familiares a que foi sujeito, traduzindo, deste modo, dificuldades em ultrapassar a sua história familiar e amadurecer a sua responsabilidade enquanto adulto.

No plano social, estabeleceu ao longo do tempo diversas relações de conhecimento desviantes, reclamando um maior afastamento de contextos e espaços ligados à venda e ao uso de substâncias psicoactivas. Ainda assim, admite estar habituado a uma vivência de rua.

Revela-se um indivíduo tolerante ao desvio e com um funcionamento impulsivo, o que se traduz numa prática criminal persistente e versátil. Face ao desvalor do crime de tráfico de estupefacientes o seu discurso regista alguma tolerância em cenários de consumo activo.

Tudo visto, feita a devida ponderação, considerando o que da generalidade dos factos sobressai sobre a sua personalidade, bem como a necessidade de prevenir a prática de futuras infracções e os limites fixados na lei, o tribunal julga justo, adequado necessário e proporcional à gravidade dos factos e à culpa evidenciada:

*

• Aplicar ao arguido AA:

• Pela prática, como co-autor material, na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a pena de 6 (seis) anos e (seis) meses de prisão;

• Pela prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alíneas c), d) e e), por referência aos artigos 2.º, n.º 1, alíneas q), ae) e az), e n.º 3, n.º 1, alíneas p) e ab), 3.º, n.º 5, alínea d), todos do Regime Jurídico das Armas e Munições, a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

(…)

Do Cúmulo Jurídico de Penas


*


De acordo com o disposto no art. 77º, n.º 1 do Cód. Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.

É o que aqui se impõe fazer no que respeita ao arguido AA.

A punição do concurso de crimes é feita pela aplicação de uma pena única, a extrair de uma nova moldura penal que tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa – (art. 77º, nº 2 do Cód. Penal), ponderando-se na determinação respectiva medida concreta, conjuntamente, os factos e a personalidade do agente (nº 1 do mesmo artigo).

Assim, a moldura abstracta do cúmulo jurídico a efectuar tem como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares que o integram – no caso 6 anos e 6 meses de prisão – e, como limite máximo, a soma de ambas as penas em concurso – neste caso 9 anos de prisão.

O elemento aglutinador dos vários crimes em concurso que vai determinar a pena única é, portanto, a personalidade do agente.

Impõe-se, por isso, a relacionação de todos os factos entre si, de forma a obter-se a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles, e todos, com a personalidade do agente, a fim de determinar se estamos perante uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constituir uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, tal cumulação é uma mera ocasionalidade que não radica na personalidade do agente.

E aqui, nota Figueiredo Dias, (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 291 e seguintes), de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

“Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.” De novo Figueiredo Dias, agora citado no Ac. do STJ de 6-03-2008, CJ (STJ) 2008, I, 249.

Nesta operação, para além de ter presente o que atrás deixamos exposto em sede de determinação da medida concreta da pena, que aqui se reedita, teremos de ter ainda em conta que, o caso em apreço tal permite concluir, que a conduta delituosa protagonizada pelo arguido não será reconduzível a uma tendência criminosa, dado não ter antecedentes criminal averbados no seu Certificado de Registo Criminal.

Todavia, não deixa de nele se divisar um carácter anti-social e uma personalidade ociosa e mal-formada

Cremos com isto significar que, se o concurso não deve funcionar como agravante, também nada justifica especial benevolência.

Tudo visto, atenta a moldura penal em que aqui nos movemos, atrás referida, entendemos que:

- A pena única a decretar no que respeita ao referido arguido se deve fixar em 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Esta a pena única que, não excedendo a culpa, se mostra como a ajustada e adequada às necessidades de prevenção geral e especial que aqui se colocam no que a ele respeita.


*


Vejamos então.

Subsidiariamente, argumenta o recorrente, em resumo, que considerando o circunstancialismo atenuativo apurado (v.g. ser primário, ter confessado os factos, ter cometido o crime por ser toxicodependente, estar em causa um pequeno tráfico de estupefacientes, não ter utilizado as armas que detinha, sendo o grau de ilicitude mediano, ter bom comportamento no EP), justifica-se que sejam reduzidas as penas que lhe foram aplicadas, por ter sido violado o disposto nos arts. 40.º, 70.º e 71.º do CP, propondo que pelo tráfico de estupefacientes a pena a aplicar não deve ultrapassar 5 anos e 6 meses de prisão e pelo crime de detenção de arma proibida a pena a aplicar não deve ultrapassar 2 anos de prisão.

Pois bem.

Como sabido, as finalidades da pena são, nos termos do artigo 40.º do Código Penal, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade6.

Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstrata e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, escolher a espécie da pena que efetivamente deve ser cumprida7.

Nos termos do artigo 71.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.

Diz Jorge de Figueiredo Dias8, que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.”

Mais à frente9, esclarece que “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito”.

Acrescenta, também, o mesmo Autor10 que, “tomando como base a ideia de prevenção geral positiva como fundamento de aplicação da pena, a institucionalidade desta reflecte-se ainda na capacidade para abranger, sem contradição, o essencial do pensamento da prevenção especial, maxime da prevenção especial de socialização. Esta (…) não mais pode conceber-se como socialização «forçada», mas tem de surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanoia); o que, de resto, supõe que seja feito o possível para que a pena seja «aceite» pelo seu destinatário - o que, por seu turno, só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal e, nesta acepção, uma pena «justa». (…) A pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…) E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”.

Uma vez determinada a pena concreta, pode ainda impor-se, consoante os casos, que o tribunal pondere se a deve substituir por outra pena, dentro do leque das respetivas penas de substituição previstas na lei.

Feitas estas resumidas considerações teóricas, importa apreciar a questão colocada pelo recorrente.

Como sabido a medida da pena é determinada a partir do que resulta dos factos provados (e do que deles se pode deduzir) em relação a cada arguido que tenha cometido ilícito penal e não a partir de considerações feitas pelo recorrente que não se extraem ou que não encontrem apoio nesses mesmos factos dados como provados.

Perante os factos apurados e o que deles se pode deduzir, como veremos, no essencial, estamos de acordo com as considerações feitas pela 1ª instância, quanto à determinação da medida da pena individual que foi imposta ao recorrente por cada um dos crimes por si cometidos, acima já transcritas, considerando as respetivas molduras abstratas (pena de prisão de 4 anos a 12 anos do crime de tráfico de estupefacientes e pena de prisão de 1 ano a 5 anos ou pena de multa de 10 dias a 600 dias pelo crime de detenção de arma proibida).

Igualmente concordamos com a justificação apresentada pela 1ª instância para a opção pela moldura da pena de prisão relativamente ao crime de detenção de arma proibida, tendo em atenção o disposto no art. 70.º do CP, tanto mais que a pena de multa não realizava de forma adequada as finalidades da punição, face ao circunstancialismo fáctico apurado em relação ao arguido/recorrente.

Agora, debruçando-nos sobre a medida concreta das penas a aplicar, havia que considerar que o arguido/recorrente agiu com dolo (direto) e com consciência da ilicitude da sua conduta.

Essa culpa e dolo são intensos, tendo presente a ação concreta em questão nos autos, por si praticada, que se prolongou no período e moldes referidos nos factos provados.

Quer considerando o seu modo de atuação, visto o circunstancialismo apurado e tendo em atenção, a diferente natureza e quantidade dos estupefacientes vendidos e dos apreendidos destinados à venda, bem como quantitativos obtidos com a venda de estupefacientes (incluindo os apreendidos), é manifesto que é elevada a ilicitude da sua conduta, mostrando bem a sua indiferença pelos malefícios para a vida e para a saúde dos consumidores (independentemente de também ser consumidor de estupefacientes).

Também de atender ao tipo de armas proibidas que detinha (estando apenas em causa a detenção), cuja conduta revela uma ilicitude média.

São também elevadas as exigências de prevenção geral (necessidade de restabelecer a confiança na validade das respetivas normas violadas), tendo em atenção os bens jurídicos violados (genérica e primacialmente a saúde pública no crime de tráfico de estupefacientes e a segurança e tranquilidade públicas e a convivência social pacífica no crime de detenção de arma proibida), tendo em atenção as particulares circunstâncias do caso em análise.

Ou seja, ao contrário do alegado pelo recorrente, o grau de ilicitude dos factos foi elevado no caso do crime de tráfico de estupefacientes e médio no caso do crime de detenção de arma proibida como acima se referiu, assim como são elevadas as razões de prevenção geral positiva.

A idade do arguido (nasceu em ........1971) à data dos factos, revela dificuldades em levar uma vida conforme ao direito, apesar de nada ter averbado no seu CRC e, portanto, ser considerado primário.

Ora, não obstante o que se apurou quanto às condições de vida, situação pessoal, familiar, social e económica do arguido, a verdade é que o recorrente mostra também uma personalidade adequada aos factos que cometeu.

Ao contrário do que alega o recorrente, não se vê que haja qualquer exagero na ponderação feita pelo Coletivo.

O valor dado à confissão (depois da produção da prova, ainda que admitindo factos) pelo Coletivo, não merece censura.

De ponderar também, o seu comportamento no EP desde que está preso, que se tem mantido estável desde .../03/2023, beneficiando de apoio da família, embora não trabalhe, sendo certo que em liberdade também não tinha hábitos laborais há mais de 10 anos.

Seria bom que no EP fosse refletindo sobre o seu futuro, designadamente, alterar o seu rumo de vida, preocupando-se em poder se inserir profissionalmente e abandonar definitivamente o consumo de drogas, o que podia promover a sua reintegração social, ajudando-o igualmente a melhor pensar sobre o desvalor da sua conduta a nível do tráfico de estupefacientes e, bem assim, a adquirir capacidade crítica.

O alegado pelo recorrente que extravasa o que se extrai dos factos dados como provados não pode ser atendido.

Assim, tudo ponderado, considerando o efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro, olhando aos factos apurados e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa do recorrente, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, julga-se adequada e ajustada a pena de 6 anos e 6 meses de prisão que lhe foi imposta pelo crime de tráfico de estupefacientes e a pena de 2 anos e 6 meses de prisão pelo crime de detenção de arma proibida, as quais favorecem a sua reinserção social.

Na perspetiva do direito penal preventivo, essas penas de prisão que lhe foram aplicadas pela 1ª instância por cada um dos crimes por si cometidos mostram-se adequadas, equilibradas e proporcionadas em relação à gravidade dos respetivos factos cometidos e carência de socialização do recorrente (evidenciada pela personalidade adequada aos factos que cometeu), satisfazendo as finalidades das penas.

A pretendida redução dessas penas mostra-se desajustada e comprometia irremediavelmente a crença da comunidade na validade da norma incriminadora violada, não sendo comunitariamente suportável aplicar penas inferiores às que lhe foram impostas pela 1ª instância.

Quanto à pena única, apesar do recorrente não a ter questionada explicitamente, sempre se dirá, que igualmente se concorda com a decisão da 1ª instância, considerando a moldura abstrata do concurso (de 6 anos e 6 meses de prisão a 9 anos de prisão) e justificação apresentada para chegar à pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.

Com efeito, a conexão entre os crimes em concurso, é grave, tendo de ser vistos no seu conjunto, considerando o espaço de tempo da sua atuação e a personalidade do arguido, que se mostra adequada aos factos cometidos, revelando tendência para a prática dos tipos de ilícitos criminais que executou, bem como não esquecendo, relativamente ao ilícito global, as elevadas exigências de prevenção geral (para reafirmar, perante a comunidade, a validade das normas violadas) e de prevenção especial (considerando todo o seu percurso de vida, apesar das oportunidades que foi tendo, mas que foi desaproveitando) que se fazem sentir.

E, no juízo de prognose a fazer pelo tribunal, considerando as suas carências de socialização, entende-se como adequada, ajustada e proporcionada a pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão (que não ultrapassa a medida da sua culpa, que é elevada) aplicada pela 1ª instância, a qual não é impeditiva da sua reintegração social, sendo conveniente e útil que vá interiorizando o desvalor da sua conduta, adote uma postura socialmente aceite e faça um esforço no sentido da sua auto-ressocialização.

Da consideração global de todos os factos apurados e da personalidade do arguido/recorrente não se extrai que se possa formular um juízo mais favorável.

Improcede, pois, totalmente a argumentação do recorrente, não tendo sido violados os princípios e normas por ele citados.


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Decisão

Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA.

Custas pelo recorrente/arguido, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC`s.


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Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

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Supremo Tribunal de Justiça, 16.10.2024

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Horácio Correia Pinto (Adjunto)

José Luís Lopes da Mota (Adjunto)

_________


1. Nos termos do art. 380.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP, corrigiu-se o lapso de escrito constante do dispositivo, no tocante ao quantitativo da pena única, uma vez que onde se lia 6 (seis) anos de prisão deve ler-se, tal como consta da fundamentação do acórdão recorrido, 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2. Da motivação da decisão de facto do acórdão recorrido, consta ainda, no que se relaciona com as declarações prestadas pelo recorrente em audiência (invocadas no recurso) o seguinte:

  (…)

  O arguido AA, produzida a prova, também ele quis prestar declarações ao tribunal. Se inicialmente o fez de forma hesitante, confusa e inverosímil, excepção feita para os actos de tráfico relacionados com o arguido AAA, a final, acabou por admitir que juntamente com a sua então companheira, em comunhão de esforços e intentos e sob o seu domínio, se dedicava à compra e venda de droga a partir da sua residência, droga que disse ser-lhe entregue à consignação, tal como descrito na acusação e os preços que praticava. Tanto assim, que, sentindo-se acossado pela polícia e para fugir a esse controle, se desloca para o ..., por cerca de dois meses, para aí continuar a vender produtos estupefacientes.

  Acabou, também, por admitir todos os actos concretos de compra e venda de droga que lhe são imputados na acusação dizendo embora não poder identificar muitos dos consumidores adquirentes por as compras e vendas serem feitas com estes no exterior da sua casa e sendo a droga entregue através da caixa de correio existente na sua casa.

  Como assim não teve o tribunal dúvidas em dar como demonstrada a sua actividade de tráfico nos termos em que o fez. Dúvidas também não teve o tribunal em concluir ser ele próprio consumidor de heroína e também haxixe desde longa data.

  Convenceu, no entanto, quando referiu que os artefactos em ouro que lhe vêm a ser apreendidos na sua casa nada têm a ver com essa actividade, sendo pertença da sua, então, companheira BB.

  Admitiu, ainda, a detenção das armas que lhe foram apreendidas. (…)

3. Ver, entre outros, Ac. de 23/1/91, BMJ 403/161 e Ac. de 13/2/91, BMJ 404/188.

4. Assim, entre outros, Ac. STJ de 12.07.2000, BMJ n.º 499/117 ss. e Ac. STJ de 23.0302006, CJ Ac. do STJ 2006, I, 219 e 220.

5. Neste sentido, entre outros, acórdãos do STJ de 23.02.2005 e de 17.04.2008, relatados por Henriques Gaspar.

6. Anabela Rodrigues, «O modelo da prevenção na determinação da medida concreta da pena», in RPCC ano 12º, fasc. 2º (Abril-Junho de 2002), 155, refere que o art. 40.º CP condensa “em três proposições fundamentais, o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos; de que a culpa é tão só um limite da pena, mas não seu fundamento; e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena”.

7. Neste sentido, v.g. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, p.198.

8. Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 72.

9. Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 214.

10. Jorge de Figueiredo Dias, "Sobre o estado actual da doutrina do crime”, RPCC, ano 1º, fasc. 1º (Janeiro-Março de 1991), p. 29.